Poder diretivo do empregador e a proteção da propriedade privada

Apesar de ainda serem incertos os precisos limites aplicáveis ao poder diretivo do empregador bem como o devido controle exercido pelo ordenamento jurídico brasileiro a matéria do teletrabalho, assédio moral e físico entre outros temas abrem margens para diversas interpretações, principalmente, tendo em vista a preservação da função social do contrato de trabalho em harmonia com o respeito a preservação da dignidade humana, e ainda, a proteção da propriedade e a empresa. Importante é que durante a execução do contrato laboral os direitos de personalidade do empregado, abrangendo sua intimidade, vida privada, honra e imagem, além da legislação trabalhista, os acordos e convenções coletivas e cláusulas contratuais sejam respeitados.

Fonte: Gisele Leite

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O debate a respeito dos limites do poder diretivo do empregador não deixa de causar divergências e suscitar paradoxos. Afinal, seguindo-se uma ordem legal e principiológica, há nítida distinção entre as faces existentes no vínculo de trabalho, a saber: o poder diretivo do empregador e o seu direito de proteção à propriedade privada, bem como os direitos fundamentais do empregado, sendo esses, expressas limitações para referido poder.

A relevância do trabalho como atividade que serve de sustento da sociedade de forma genérica e que constitui o fim de assegurar a existência digna e, cediço que os fundamentos da República Federativa do brasil, tem-se, dentre outros, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho.

Considerando-se a economia de mercado e o sistema capitalista contemporâneo que aponta para as relações de trabalho e emprego voltadas à busca de crescente lucro e de bens patrimoniais, gerando enfraquecimento das relações humanas. Assim, é trivial que o empregador venha se exceder em seu poder diretivo empresarial e, usando deste, e do direito de propriedade, venha a ofender e violar os direitos de seus empregados.

Em análise do contrato de trabalho e a previsão de prerrogativa do poder diretivo conferido ao empregador e, a incidência de direitos fundamentais nas relações trabalhistas, encerrando com a abordagem das limitações do poder diretivo, com especial destaque aos princípios fundamentais e, prescrutando, também, a legislação, o entendimento doutrinário e jurisprudência sobre a temática.

Inicialmente, cumpre discorrer sobre o contrato de trabalho, âmbito de incidência do poder diretivo e, segundo Vólia Bomfim, o contrato de trabalho é o acordo bilateral entre empregado e empregador e, portanto, caracteriza-se em norma pessoal, concreta e específica e criadora de obrigações. (CASSAR, 2015, p.89).

De cunho mais abrangente, Maurício Godinho Delgado esclarece que contrato de trabalho se refere a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. (...)

A expressão relação de trabalho englobaria, desse modo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de labor (DELGADO, 2014, p.285).

No direito positivo brasileiro nos artigos 442 e 443 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que o contrato individual de trabalho seria, justamente, esse acordo, tácito ou expresso, verbal ou escrito, por prazo determinado ou indeterminado, correspondente à relação de emprego.

Assim, o contrato de trabalho é negócio jurídico responsável por determinar as condições de prestação do trabalho, no qual empregado e empregador irão ajustar quais são os direitos e obrigações de cada um, sendo negócio jurídico, o ato jurídico que crie, modifique, conserve ou extingue direitos.

A respeito do poder empregatício segundo o artigo 2º da CLT nos remete ao poder de controle empresarial, definindo empregador como a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. (Brasil, 1943).

O doutrinador Ricardo Resende esclarece sobre o poder empregatício que decorre do contrato de trabalho e consistente no conjunto de prerrogativas conferidas ao empregador no sentido da direção da prestação dos serviços. Portanto, o fundamento do poder empregatício é, para a doutrina amplamente majoritária, o próprio contrato de trabalho, consubstanciado em um acordo de vontades que origina a relação empregatícia e, a partir desta, faz surgir direitos e deveres para os contratantes (empregador e empregado). (RESENDE, 2014, p. 308).

O poder diretivo se apresenta como sendo o poder de comando e de gestão do empregador através do qual ele organiza a estrutura da empresa e a prestação do serviço, determinando a gestão e direção do negócio. E, ainda, de acordo com Maurício Godinho, o poder empregatício pode ser conceituado como conjunto de prerrogativas com respeito à direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento da economia interna à empresa e correspondente a prestação de serviços (DELGADO, 2014, p. 684).

O poder diretivo empresarial do empregador pode ser encarado como sendo gênero do qual integram os poderes regulamentar, fiscalizatório e o disciplinar[1]. E, referente a essas outras dimensões do poder empregatício, afirma-se que o poder regulamentar refere-se ao privilégio do empregador de fixar regras gerais a serem cumpridas na empresa e, se consolida por meio de memorandum, circulares, instruções e regulamentos internos que irão estruturar o trabalho, porém, sempre respeitando o disposto na CLT.

O poder fiscalizatório poderá ser entendido como a prerrogativa do empregador de fiscalizar, acompanhar e vigiar as atividades desenvolvidas pelo empregado. Por meio do controle de horário, de frequência e de portaria, por exemplo, o empregador consegue verificar se as atividades estão sendo prestadas conforme as exigências e o contrato de trabalho.

E, ainda, quanto o poder disciplinar[2] que cuida da aplicação de sanções aos empregados quando descumprem suas obrigações contratuais ou realizam infrações trabalhistas. E, Mantovani Júnior definiu poder diretivo como aquele que permite ao empregador comandar e controlar todos os aspectos do desenvolvimento da atividade por ele desenvolvida. (JÚNIOR apud ALVARENGA, 2014, p.44).

Em atenção aos fundamentos dos poderes do empregador, Segundo Alice Monteiro de Barros aduz que: “Mais consistente é a teoria que fundamenta a existência dos poderes do empregador no contrato de trabalho. Esses poderes são consequência imediata da celebração do ajuste entre empregado e empregador, o qual coloca sob a responsabilidade deste último a organização e a disciplina do trabalho realizado na empresa”. (BARROS, 2013, p. 460).

Reginaldo Melhado explica: “Os institucionalistas vislumbram o fundamento dos poderes diretivos do empregador já não mais no contrato, mas agora na própria substancialidade interna da empresa organizada enquanto uma comunidade em que se fundem interesses particular, sociais e estatais. A criação das normas de comportamento obrigatório já não é atribuída ao contrato, senão ao dado objetivo de pertencer a uma empresa”. (MELHADO, 2010, p. 59).

Frise-se que os direitos fundamentais no âmbito das relações trabalhistas e que garantem a proteção do indivíduo diante do Estado, e positivados na Constituição Federal brasileira vigente, e integram o âmbito normativo interno do país.

Os direitos fundamentais, propriamente, ditos são na essência, os direitos do homem livre e isolado, os direitos que possui em face do Estado e, nesse sentido o Ministro do STF Alexandre de Moraes discorre sobre as funções dos direitos fundamentais, in litteris:

     “A função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: constituem, num plano jurídico objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual, e em segundo, implicam, num plano jurídico subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)”. (MORAES, 2013, p. 28).

Doutrinariamente entende-se que os direitos fundamentais podem ser de primeira, segunda, terceira, quarta e quinta geração ou dimensão, sendo que tal classificação representa um marco histórico, dando azo ao surgimento de novos direitos com a evolução temporal e espacial e, a necessidade histórica de cada época.

Os de primeira geração são os direitos da liberdade, ligados aos direitos individuais que garantam uma abstenção estatal, enquanto os direitos da segunda geração são os da igualdade, abrangendo direitos da coletividade como um todo, como resposta ao cenário de um Estado Social, possuidor de inúmeras novas atribuições.

Existem, também, a terceira geração de direitos, que se traduz nos direitos relativos à espécie humana de modo geral, tendo, como exemplo, o direito ao meio ambiente, à paz e à autodeterminação dos povos.

De acordo com Paulo Bonavides, “é direito de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro [...]” (BONAVIDES, 2008, p. 571). Por fim, para alguns, existem ainda os direitos de quinta geração, a exemplo do “direito à paz”.

A Constituição Redentora e Cidadã[3], ou seja, a CRFB de 1988, foi a primeira a dar maior e efetivo destaque aos direitos fundamentais e a instituir ostensivamente o Estado Democrático de Direito, pautado no princípio da dignidade da pessoa humana, onde o homem é o centro convergente de direitos. E, assim, todos os direitos fundamentais do homem deverão orientar-se pelo valor-fonte da dignidade.

Muito relevante é observar que tais direitos fundamentais igualmente se projetam sobre todos os vínculos laborais e as relações de trabalho, de modo que, além da proteção patrimonial do empregador, deve ser resguardado igualmente o respeito do empregado enquanto ser humano.

Eis que tais direitos fundamentais são também direitos humanos, porém, previstos em tratados e convenções internacionais. E, por direitos humanos são entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo simples fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que lhe é inerente.

São direitos humanos aqueles previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 consagra diversos direitos, tal como a garantia à vida, dignidade, trabalho, liberdade, dentre outros.

E, ademais, no que se refere aos direitos humanos, no âmbito de proteção ao trabalho foi criado em 1919, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que visa incrementar as soluções sobre a cooperação internacional de todos os Estados nas relações de trabalho [...] visar à melhoria das condições de vida dos trabalhadores em geral e à harmonia entre o desenvolvimento econômico e o respeito à dignidade da pessoa humana.

Tem-se, ainda, os direitos da personalidade, também oponíveis nas relações de trabalho. Tais direitos possuem o objetivo de assegurar a preservação da integridade física, psíquica e moral do empregado, se voltando à proteção de suas qualidades e tributos.

Nesse sentido, o julgado:

            DANO MORAL[4]. RESTRIÇÃO AO USO DO BANHEIRO.

            01. É certo que o empregador detém o poder diretivo, que abrange o poder de fiscalização ou de controle, composto por um conjunto de prerrogativas que autorizam o acompanhamento da prestação laboral no meio ambiente de trabalho. Todavia, tal poder não tem caráter absoluto, não podendo aniquilar os direitos dos empregados, em especial os direitos existenciais que decorrem da dignidade da pessoa, tais como os direitos da personalidade, sob pena de configurar-se abuso de direito.

          02. É inconcebível que um ser humano não possa utilizar o banheiro, durante a jornada de trabalho, a seu bel-prazer, conforme suas necessidades. Qualquer condicionante deste aspecto biológico inerente à espécie humana representa agressão psicofísica que, por afrontar a dignidade do trabalhador, causa-lhe dano moral que deve ser compensado. (BRASIL, 2016b).

De fato, o empregador possui prerrogativas que concentram em si o poder de dirigir a prestação dos serviços e, não é absoluto ou ilimitado e, tampouco o empregado deve cumprir toda e qualquer ordem ou comando emanado do empregador. O poder diretivo deve desenvolver-se sempre de forma razoável, de modo a não contrariar a boa-fé objetiva[5], os direitos da personalidade do trabalhador e a dignidade da pessoa humana.

Curial é entender que o poder diretivo do empregador encontra seus limites na própria Constituição Federal brasileira vigente, pois os direitos e princípios fundamentais ali estabelecidos tutelam também essa relação de trabalho, partindo-se da proteção da dignidade humana, da intimidade e da privacidade.

Igualmente, a Convenção 111 da OIT ratificada pelo Brasil, que aborda a discriminação no emprego e na profissão e o artigo 170 da atual Constituição Federal brasileira, que disciplina a ordem econômica e a valorização do trabalho humano como pressupostos para uma existência digna, in litteris:

     TÍTULO   VII    DA    ORDEM    ECONÔMICA    E    FINANCEIRA   CAPÍTULO I DOS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA

     Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios [...] (BRASIL, 1988).

Nessa perspectiva, prossegue Rúbia Zanotelli:

    “A subordinação jurídica do empregado não o sujeita ao poder diretivo ilimitado do empregador, na verdade, este poder encontra limites nos direitos da personalidade que compõem as liberdades públicas salvaguardadas pela Constituição Federal de 1988, que veda ao empregador: discriminar o trabalhador (incs. I e VIII); obrigá-lo a fazer ou a não fazer algo expressamente previsto em lei (inc. II), submetê-lo a tortura e a tratamento desumano ou degradante (inc. III); impedir a manifestação do seu pensamento (inc. IV); violar sua liberdade de consciência e crença (inc. VI); além de sua intimidade, imagem, honra e vida privada (inc. X), entre outras liberdades públicas”. (ALVARENGA, 2014, p. 66).

O poder diretivo do empregado pode sofrer restrições por meio das chamadas heterolimitações, cláusulas impeditivas de abusos, constantes de acordos e convenções coletivas de trabalho, e da legislação trazida pela CLT, que por exemplo, em seu art.483, proíbe excessos:

CAPÍTULO V - DA RESCISÃO

     Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando

forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato; for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo; correr perigo manifesto de mal considerável; não cumprir o empregador as obrigações do contrato; praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama; o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.

     § 1º - O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço. [...] (BRASIL, 1943).

Caso essas normas sejam descumpridas pelo empregador, o empregado terá direito a rescindir seu contrato de trabalho, por meio da chamada “rescisão indireta”, conforme dispõe o artigo acima, que poderá ainda, ser cumulada a uma indenização por danos morais, demonstrando mais uma limitação aos poderes do empregador.

Ademais, considerando-se a realidade na qual muitas vezes o empregador se aproveita de seu poder de direção, exercendo-o de forma abusiva, é possível que o empregado não se sujeite a tais condições, colocando em prática seu direito de resistência, ou seja, se recuse a cumprir ordens arbitrárias e ilegais.

Conforme o entendimento de Maurício Godinho: “[...] é válida e juridicamente protegida a resistência obreira a ordens ilícitas perpetradas pelo empregador no contexto empregatício. O chamado direito de resistência é parte integrante do poder empregatício.”

O direito de resistência também diz respeito a negativa de cumprimento de ordens injustas que possam causar danos à saúde e segurança do trabalhador, a exemplo de realizar determinada atividade sem os devidos equipamentos de proteção individual, levando-se em consideração o princípio da dignidade humana e demais direitos fundamentais.

Portanto, o direito de resistência do empregado surge da indignação e vontade de reagir, podendo chegar a manifestações externas como uma resistência coletiva ou em grupo, já que a união entre os trabalhadores encoraja e fortalece, devendo ser garantida sua efetividade, como condição de efetiva proteção ao emprego.

Eis o entendimento da jurisprudência:

     RECURSO ORDINÁRIO. DIREITO DE RESISTÊNCIA DO EMPREGADO. SUSPENSAO DISCIPLINAR. O direito de resistência do empregado deriva diretamente do uso irregular do poder diretivo patronal não gerando, assim, falta trabalhista ao obreiro. Restando demonstrado nos autos que foi legítima a recusa do reclamante em não realizar viagem ao Baixo Purus, por não ter condições de transporte de vacinas, resta nula a suspensão aplicada. Recurso conhecido e improvido. (BRASIL, 2010).

Também neste contexto se insere a problemática das revistas íntimas realizadas nos trabalhadores. Torna-se evidente, nestes casos, espécie de conflito entre princípios constitucionais, estando, de um lado, o direito à propriedade, e de outro, o direito à intimidade ou à dignidade da pessoa humana.

Apesar da importância de ambos, é respeitável a noção de que o fato de o empregado adentrar a empresa e prestar serviços não lhe retira direitos fundamentais, além de que a dignidade da pessoa humana constitui verdadeiro alicerce do Estado Democrático de Direito, sendo um princípio de maior relevância.

Frise-se que é plena a incidência dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas. Sob essa ótica, adentraremos em alguns desses direitos fundamentais que, de forma específica, explicitam óbice ao exercício do poder diretivo empregatício.

Afirma o doutrinador José Afonso da Silva que: “a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do Homem, desde o direito à vida” (SILVA, 2013, p. 117).

Desta forma, a dignidade da pessoa humana, fundamento central da Constituição de 1988, também se aplica às relações laborais, devendo ser o suporte de qualquer trabalho ou emprego, garantindo que seja prestado mediante condições dignas e decentes.

Conforme aludido anteriormente, a Constituição vigente foi a primeira a trazer o princípio da dignidade humana como um fundamento da República e do Estado Democrático de Direito e, em seu art. 170, como um fim da ordem econômica, vez que aborda a valorização do trabalho humano como meio de se assegurar a todos uma existência digna.

Desta forma, o ilustre Maurício Godinho, quanto à CRFB de 1988, nos ensina que:

      [...] a Magna Carta, de forma sábia, percebeu que a valorização do trabalho é um importante veículo de valorização do próprio ser humano, tendo em vista que é pelo trabalho que uma soma de indivíduos se mantém e se afirma na desigual sociedade capitalista. (DELGADO, 2004, p. 32).

Essa proteção constitucional deve ser utilizada visando a eliminar toda e qualquer conduta que possa ferir a dignidade do trabalhador, uma vez que esta deve ser preservada também no desenvolvimento de atividades laborativas, pois, antes de ser trabalhador, é também uma pessoa.

Conforme a doutrinadora Rúbia Zanotelli de Alvarenga:

     “Cabe ao empregador a obrigação de prover o trabalho adequadamente e possibilitar a execução dos serviços de forma harmoniosa, respeitando, sempre, a integridade física, psíquica, moral, e intelectual do trabalhador. Esta constitui a razão de destaque quando se trata da valorização do trabalho e da preservação da dignidade do trabalhador, visto que são eles que revelam os atributos inerentes e indissociáveis da pessoa humana”. (ALVARENGA, 2014, p. 101).

Ressaltando que a cristalização do princípio da dignidade humana, no Direito do Trabalho, “consiste em assegurar condições existenciais mínimas a uma vida plenamente saudável” (ALVARENGA, 2014, p. 101).

Assim, deve ser assegurado a todos um local de trabalho isento de qualquer humilhação ou desrespeito, no qual sejam designadas tarefas do nível da qualificação profissional de cada um, além das necessárias condições protetivas capazes de impedir acidentes de trabalho e doenças que provoquem danos à pessoa do empregado.

Nesse sentido:

        “TRT-PR-15-05-2012 VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA CONFIGURADA. DANO MORAL DEVIDO. Na hipótese dos autos, é inconteste o não fornecimento de banheiro, água potável e abrigo para se proteger das intempéries climáticas alheias ao trabalho do Autor. O trabalho tem por finalidade, essencialmente, conferir dignidade ao ser humano, traduzindo-se em uma das formas de exteriorização da cidadania, não se podendo considerá-lo apenas em seu aspecto econômico. Inegável que a Ré relegou as condições de trabalho do Reclamante a segundo plano, ao deixar de oferecer condições mínimas e dignas de higiene e saúde, atingindo-o como pessoa e trabalhador. Esse fato autoriza a indenização por danos morais ao empregado. Não observou os princípios fundamentais estabelecidos na Carta Magna, mormente a prevalência da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (inciso III e IV do art. 1º), sem olvidar o enaltecimento dos direitos humanos (inciso II do art. 4º). Não se tem o labor externo como caracterização do ato ilícito, mas o não fornecimento de meios para o Autor atender suas necessidades básicas. Recurso da Reclamada a que se nega provimento, no particular”. (BRASIL, 2012).

O direito à intimidade, supramencionado, também é garantido constitucionalmente e pode ser entendido como um direito da personalidade, que diz respeito à garantia que todas as pessoas têm de que seus pensamentos, sentimentos, bem como outros aspectos íntimos, não sejam revelados ou cheguem ao conhecimento de terceiros.

No mesmo sentido, Nilson Nascimento sustenta que o direito à intimidade “consiste na prerrogativa que tem a pessoa de estar só e de evitar que pessoas estranhas se intrometam em sua vida ou tenham acesso sobre fatos e coisas de seu foro íntimo e privado” (NASCIMENTO, 2009, p. 87).

O direito à intimidade garante ao empregado, assim como a qualquer pessoa, sua liberdade de opção sexual, religiosa, política, liberdade de pensamento, desejos e preferências, ou de forma equivalente, o direito de preservar e guardar segredo em relação a isso.

Na dicção de Manoel Jorge e Silva Neto, “o direito à intimidade expressa a esfera recôndita do indivíduo. A intimidade, corresponde, assim, ao conjunto de informações, hábitos, vícios e segredos pertencentes ao seu titular” (SILVA NETO, 2005, p. 57).

E ainda, ensina Barbosa Júnior que a intimidade “integra a esfera íntima do indivíduo, sendo o repositório dos segredos e das particularidades, cuja mínima publicidade poderá constranger” (BARBOSA JÚNIOR, 2008, p. 60).

O direito à privacidade também se encontra protegido pela Constituição de 1988, em seu artigo 5º, inciso X:

     TÍTULO II

      Dos Direitos e Garantias Fundamentais CAPÍTULO I

      DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (BRASIL, 1988).

E também na Declaração Universal dos Direitos Humanos:

XII- Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na de sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).

A privacidade compreende, por exemplo, os acontecimentos na vida do trabalhador, enquanto ser humano, bem como seus relacionamentos com familiares e amigos, constituindo informações que também se deseja excluir do conhecimento público.

Segundo Nilson Nascimento, o direito à vida privada “é o conjunto de atributos que cada pessoa elege para fazer parte de sua vida privada e mantê-la a salvo de intromissões indesejadas de estranhos” (NASCIMENTO, 2009, p. 290).

O notável professor e doutrinador Arion Sayão Romita ensina que:

     “A esfera da vida privada sobrepõe-se à da intimidade, porque possui raio maior que ela. Por privacidade, deve-se entender a faculdade assegurada ao empregado de excluir o empregador do acesso a informações e de impedir a divulgação de informações capazes de afetar sua sensibilidade”. (ROMITA, 2009, p. 89).

Tendo em vista a proximidade da intimidade com a privacidade, Leda Silva as distingue, esclarecendo que o direito à intimidade “abrange fatos da vida pessoal do indivíduo que até mesmo sua própria família pode desconhecer, como, por exemplo, suas preferências sexuais, hábitos, vícios, dentre outros” (SILVA LEDA, 2005, p. 123).

E continua, em relação à privacidade: “enquanto o que diz respeito à vida privada já abrange suas relações familiares e com terceiros, como interferir em empréstimos feitos junto aos seus familiares ou obter informações sobre o saldo bancário do empregado” (SILVA LEDA, 2005, p. 123).

De forma semelhante, a doutrina de direito civil brasileiro também faz a distinção:

     “A privacidade não se confunde com a intimidade, mas esta pode incluir-se naquela, por integrarem ambas o direito à vida privada. Por isso, as tratamos de modo diverso, apesar de a privacidade voltar-se a aspectos externos da existência humana - como recolhimento em sua residência sem ser molestado, escolha do modo de viver, hábitos, comunicação via epistolar ou telefônica etc. - e a intimidade dizer respeito a aspectos internos do viver da pessoa, como segredo pessoal, relacionamento amoroso, situação de pudor, diário íntimo, respeito à enfermidade ou à dor pela perda da pessoa querida”.

Portanto, nas relações de trabalho, o empregador não pode questionar ou intrometer-se nos laços de amizade e de relacionamentos do empregado, cabendo somente a este decidir sobre sua vida pessoal.

Tendo em vista, principalmente, o princípio da dignidade humana, em que pese se encontrar o trabalhador subordinado ao patrão, detentor da prerrogativa do poder diretivo, que lhe permite organizar a estrutura de sua empresa e a prestação do serviço, este poder não é ilimitado, tampouco absoluto.

A Constituição brasileira vigente, já no artigo primeiro, assegura constituir o país em Estado Democrático de Direito, sendo esse o que possui como vértice axiológico a dignidade da pessoa humana, bem como a ascendência dos direitos fundamentais, que também se aplicam nas relações de trabalho, servindo como limitação ao poder supramencionado.

Em qualquer hipótese, a realização do trabalho não deve se dar somente como fonte produtiva e enriquecimento do empregador, mas também como valorização e subsistência daquele que o presta, assegurando sua existência digna.

Os limites[6] externos ao poder diretivo são aqueles previstos na Constituição, nas leis, nos acordos e convenções coletivas de trabalho, regulamentos internos da empresa e no contrato de trabalho firmado entre as partes; ao passo que os limites internos são pautados pela boa-fé objetiva das partes e o exercício regular de direito.

A forma de execução do trabalho, seja ela na modalidade presencial ou remota, não retira do empregado, a proteção de seus direitos e garantias fundamentais assegurados, e é diante destes fatos que o estudo acerca dos limites do poder diretivo em regime de teletrabalho tem maior relevância, uma vez que esta modalidade vem crescendo cada vez mais, e, portanto, tem a necessidade de um aprofundamento teórico.

A CLT em seu artigo 75-B, determinou que o teletrabalho é a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.  teletrabalho consiste no trabalho a distância, seja ele de forma parcial ou integral, em outros termos, aquele realizado pelo empregado fora das dependências da empresa. Contudo, ao empregado basta o acesso remoto de trabalho, razão pela qual as atividades por ele desempenhadas não se limitam a execução em seu domicílio.

Acerca deste regime, conceitua o renomado autor Oliveira Neto (2017, p. 96):

       O teletrabalho pode ser conceituado como trabalho prestado, ao menos em parte à distância, fora da sede da organização empresarial, mediante uso da telemática, com flexibilidade de jornada laboral[7], e ausência de fiscalização direta, empoderando o teletrabalhador diante da auto-organização e autonomia de gestão do tempo, e em certa medida de suas atividades.

Essa flexibilização dos contratos de trabalho, de certa forma limita as proteções e garantias do empregado, diante disto, visando uma relação contratual harmônica e equilibrada, prezando pela qualidade de vida junto a uma boa produtividade do empregado, há a necessidade de um aprofundamento teórico a fim de limitar o poder diretivo do empregador e evitando por seguinte, o abuso deste poder.

Conforme se interpreta os §§ 1º e 2º do artigo 75-C da CLT, o legislador ao utilizar o termo “expressamente” no caput do referido artigo pretendeu exigir o registro escrito nos contratos para a adoção deste regime.

Ainda, o empregado que exerce suas funções de forma remota não sofre qualquer alteração salarial em decorrência deste regime, ainda, a eles são assegurados os mesmos direitos trabalhistas que os demais colaboradores da empresa contratante.

Conforme previsto no artigo 6º da CLT, supracitado, o fato de exercer as  atividades laborais em local distinto a sede da empresa, não tira do empregado a  condição de igualdade de direitos trabalhistas daqueles que laboram de forma  presencial, tais como: registro em carteira de trabalho  (CTPS), pagamento de remuneração  mensal, descanso semanal remunerado, décimo terceiro salário, férias acrescidas  do 1/3 constitucional, recolhimento do Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço  (FGTS), e aviso prévio em caso de rescisão contratual.

Acerca do controle de jornada e intervalos, muitas são as controvérsias, o fato de os empregados em regime de teletrabalho, laborarem longe de qualquer supervisão e controle direto do empregador, dificulta o controle de sua jornada de trabalho e intervalos, tal qual é o entendimento do artigo 62 da CLT.

Ocorre que, em contrapartida ao entendimento do artigo 62 da CLT (BRASIL, 1943), o parágrafo único do artigo 6º desta mesma consolidação traz que: “Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”.

Analisado caso a caso, se enquadram na hipótese do artigo 62 da CLT,  apenas aqueles que não tem a possibilidade do controle de jornada, porém,  atualmente, com o avanço da tecnologia da informação, o controle de jornada como  subordinação jurídica no teletrabalho é plenamente possível e pode ser realizado por  diversos meios, aplicativos, programas e sistemas online os quais permitem a  utilização pontos digitais, sistema de logon e logoff, relatórios de atividades  realizadas, entre outros, sendo assim, deve o empregador utilizar de toda e qualquer  meio tecnológico para facilitar o controle de jornada de seu empregado.

Ainda neste aspecto, este é entendimento do doutrinador Ricardo Resende (2020, p. 429) “[...] se não restar comprovada a impossibilidade de controle de ponto do teletrabalhador, evidenciando-se apenas o desinteresse do empregador em manter o controle de jornada, estará afastada a incidência do inciso III do art. 62”.

O controle de jornada de trabalho é de suma importância, uma vez que visa a proteção do empregado contra jornadas extenuantes, preservando sua saúde física e mental, bem como, garante ao empregado pagamento das horas extras devidas e adicional noturno, se devido.

Seguindo os ditames da lei suprema brasileira, em seu artigo 7º, inciso XIII, estabelece que a duração do trabalho diário do empregado não deve ser superior a oito horas e quarente quatro horas semanais, sendo essa a regra aplicada também aos empregados em regime de teletrabalho.

No que diz respeito ao intervalo intrajornada, como norma de ordem pública, o  artigo 71 da CLT, prevê a obrigatoriedade da fruição diária deste intervalo, sendo este um direito indisponível pelas partes, sendo assim, conforme a própria redação  do artigo, em qualquer trabalho contínuo, o empregado, mesmo que em regime de teletrabalho[8], tem direito a fruição deste intervalo, com total desvinculação de suas  atividades laborais, a depender de uma análise de sua carga horária de trabalho  diária, seguindo as mesmas regras do artigo acima citado.

Esclareça-se que o não-trabalho aqui referido não é visto no sentido de não trabalhar completamente e sim no sentido de trabalhar menos, até o nível necessário à preservação da vida privada e da saúde, considerando-se essencial esta preocupação (de se desligar, concretamente, do trabalho) exatamente por conta das características deste mundo do trabalho marcado pela evolução da tecnologia [...].

Embora não possua matéria consolidada no ordenamento jurídico brasileiro, o direito à desconexão possui fundamento constitucional com valor de direito fundamental, eis que fora fundado no direito social ao lazer e ao descanso, conforme interpretação de Oliveira Neto (2017, p. 85).

O fato de o empregado trazer o trabalho para dentro de sua casa, não significa que este permaneça à disposição de seu empregador a qualquer tempo, portanto, se necessário a execução de qualquer atividade durante o período de descanso do trabalhador, este tempo deve ser contado como hora extra, destacando-se o fato de o teletrabalho não se distinguir daquele realizado de forma presencial.

Frise-se a importância do controle de jornada e respeito a fruição dos intervalos intrajornada e interjonada, a fim de evitar a sobrecarga injusta de labor.

Quanto a responsabilidades pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos  equipamentos e infraestrutura, a Lei nº 13.467 de 2017, ao inserir o capítulo II-A, “do  teletrabalho” à CLT, trouxe o artigo 75-D, o qual dispõe que deverá estar previsto em  contrato escrito quanto a quem recai à responsabilidade, empregado ou  empregador, pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos  tecnológicos, como computadores e celulares, e da infraestrutura necessária e  adequada à prestação do trabalho remoto, neste caso o acesso à internet e a  energia elétrica, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado

No tocante as doenças e acidentes de trabalho, a CLT dispõe em seu artigo 75-E que é dever do empregador treinar e orientar seus empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a serem tomadas a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho, garantindo ao empregado melhor qualidade e bem-estar no exercício de suas funções, consequentemente evitando prejuízos a sua saúde física e mental.

Por exercer suas atividades longe do monitoramento natural do empregador, o empregado em teletrabalho tem a obrigação de assinar um termo de responsabilidade, no qual se compromete a seguir as instruções fornecidas por seu superior, de acordo com o exposto no parágrafo único do artigo supracitado.

Diretamente ligado ao direito fundamental do empregado a um ambiente de trabalho seguro e saudável, sendo esta responsabilidade do empregador, o enfoque maior destas instruções, estão ligadas principalmente a ergonomia física na execução das atividades e uso dos equipamentos de trabalho pelo empregado, ideia trazida por Oliveira Neto (2017, p.156).

O artigo 75-E da CLT ao usar as seguintes expressões “de maneira expressa e ostensiva”, propõe a elaboração de um documento por escrito, com as devidas orientações, de maneira clara e objetiva acerca da execução do trabalho e seus possíveis riscos.

Evidente que, independentemente do regime de trabalho, a qualquer tempo, o empregado pode adoecer por causas naturais, nestes casos, a regra continua a mesma, deve o obreiro buscar a ajuda médica e caso lhe seja recomendado o afastamento do labor, este deve ser devidamente comprovado por documento médico, o qual deve ser entregue ao empregador para justificação e abono de suas faltas.

No tocante ao descanso anual devido, a fruição das férias relaciona-se também ao direito à desconexão, em seu artigo 6º, a Constituição Federal brasileira garante ao empregado, o direito ao descanso e ao lazer, sendo assim, como para todos os empregados, qualquer que seja seu regime de trabalho, as férias anuais são asseguradas, nos moldes do capítulo IV da CLT.

Devidamente fruído o período de 12 meses, à data em que o empregado tiver o direito adquirido, poderá ser concedido as suas férias, as quais poderão ser usufruídas em até três períodos, conforme disposto no artigo 134, §1º da CLT, sendo pago ao empregado o salário das férias acrescido do adicional de 1/3 constitucional, a serem pagos até dois dias antes do início das férias.

Por fim, no que diz respeito a proteção de dados pessoais do empregado, a Lei Geral de Proteção de Dados[9], que entrou em vigor no mês de setembro de 2020, com a finalidade de proteção de dados pessoais envolvendo direitos fundamentais de liberdade e de privacidade de pessoas físicas ou jurídicas, não trouxe matéria específica legislada acerca de matéria trabalhista, porém, ao se interpretar a LGPD, essa é aplicada também no âmbito trabalhista.

Em regra, a empresa é quem possui a responsabilidade pelo armazenamento sigiloso dos dados de seus funcionários, tendo o dever de proteger e guardar estas informações, sendo assim, para evitar qualquer risco de ser penalizado, este deve agir de forma cautelosa, sempre seguindo os padrões legais.

Sendo o empregado pessoa física, insere-se na regra geral da LGPD, sendo garantido a proteção e preservação de seus dados pessoais, o qual é titular, conforme dispõe o artigo 5º, V da referida lei.

A aplicação da LGPD se vê fundamental nas relações trabalhistas tendo em vista a eventual necessidade, por determinação legal, do empregador compartilhar dados de seu empregado com terceiros.

O empregado que labora remotamente, está mais suscetível a sofrer de vazamento de dados até mesmo por ataques hackers, neste caso, cabe ao empregador orientar seus funcionários acerca destes riscos.

Diante do exposto, ao empregado será devido apenas o fornecimento daqueles dados necessários e suficientes para a relação contratual, devendo o empregador, na posse destes dados, o manterem em sigilo.

O poder de comando do empregador deve ser limitado, a fim de buscar um equilíbrio entre uma boa qualidade de vida laboral e melhor produtividade do empregado em teletrabalho. Este ponto de equilíbrio deve ser traçado tendo por base os princípios da proporcionalidade e da racionalidade, evitando por conseguinte, prejuízo às partes.

Farta é a doutrina acerca deste assunto, o autor Carlos Henrique Bezerra Leite (2021, p. 121) atenta sobre isso, in litteris:

            “Ademais, é preciso atenção para os modos de controle e vigilância do trabalho em domicílio (ou a distância ou em regime de teletrabalho) levados a efeito pelo empregador, pois em nenhuma hipótese poderá haver lesão ou ameaça aos direitos fundamentais de privacidade, imagem e intimidade do empregado, máxime porque a sua proteção em face da automação também é considerada um direito fundamental social (CF/1988, art. 7º, XXVII)”.

Não há dúvidas que a intensificação deste regime nos últimos tempos trouxe uma sequência de dificuldades e obstáculos para as partes envolvidas.

Dessarte, esta flexibilização dos contratos de trabalho, de certa forma limita as proteções e garantias do empregado, diante disto, visando uma relação contratual harmônica e equilibrada, prezando pela qualidade de vida junto a uma boa produtividade do empregado, há a necessidade de um aprofundamento teórico a fim de limitar o poder de comando do empregador e evitando por seguinte, o abuso deste pode.

Os direitos de personalidade estabelecidos pela Constituição Federal brasileira e demais dispositivos não representam um rol taxativo, uma vez que, a sociedade está em constante evolução, as normas devem se adaptar, sempre em respeito ao mínimo já existente.

Diante disto, são direitos de personalidade do empregado: primeiramente a dignidade da pessoa humana, sendo o maior limitador do poder diretivo. Expresso na Constituição Federal logo em seu artigo 1º, inciso III, o qual garante uma vida digna a todos os seres humanos, incluindo nas relações de trabalho.

Considerado o maior patrimônio da humanidade, a dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental que norteia a Constituição Federal. Neste aspecto, Oliveira Neto (2015, p. 53) afirma: “Significa dizer que a nação brasileira elegeu a dignidade da pessoa humana como fundamento da República, de tal arte que todas as ações do Estado e dos particulares devem observar o respeito a dignidade da pessoa humana.”

A Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL, 1943) trouxe em seu artigo 444, a seguinte disposição:

     “As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes”.

Conforme acima transcrito, a legislação trabalhista autoriza as partes, a livre estipulação quanto as relações contratuais de trabalho, as quais podem ser realizadas por meio de acordo individual ou até mesmo pelo próprio contrato individual de trabalho. Essa ferramenta é utilizada como uma forma de flexibilização da relação entre empegado e empregador, contudo, as condições determinadas possuem limitações.

Apesar das lacunas legislativas acerca do teletrabalho, o preenchimento destas pelo empregador, deverá ser realizada de forma cautelosa, a fim de evitar cláusulas abusivas que desfavoreçam o empregado.

O desrespeito aos limites do poder diretivo e a violação aos direitos e garantias do empregado, quando recorrentes no dia a dia, podem acarretar diversas emoções negativas no trabalhador, causando prejuízos a sua saúde mental, violando diretamente seu direito a intimidade, tendo em vista a impossibilidade de gozar, integralmente, dos momentos de descanso, desconectando-se física e mentalmente das obrigações laborais.

Sendo assim, demonstrada a existência do abuso de direito, do dano sofrido pelo empregado e do nexo de causalidade entre eles, surge o dever da responsabilização civil, a fim de reparar o dano causado. Diversos diplomas legais disciplinam a responsabilidade[10] de quem de qualquer forma causa danos a terceiros, como o disposto nos artigos 186 e 187 do Código Civil.

Ademais, o direito à reparação por danos morais, por ofensa aos direitos da personalidade encontra fundamento no artigo 5º, incisos V e X da Constituição Federal (BRASIL, 1998

Ressalta-se que o exercício do poder diretivo se estende inclusive aos prepostos, superiores hierárquicos, administradores, entre outros dirigentes responsáveis pela ordem e fiscalização de determinada empresa, sendo assim, o artigo 932, inciso III, do Código Civil (BRASIL, 2002) menciona que são também responsáveis pela reparação civil: “III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.”

Atente-se que são pertinentes os recentes precedentes de nossos Tribunais do Trabalho, que já tendem a promover uma limitação do Poder Disciplinar do empregador, remetendo inclusive ao sindicato a notícia da sanção aplicada, como refletem os entendimentos abaixo colacionados, in verbis:

“Precedente Normativo nº 26 do TRT3 – Advertência ou Suspensão – Comunicação Por Escrito – “As advertências[11] e suspensões só poderão ter eficácia jurídica quando comunicadas por escrito ao empregado, com menção expressa dos motivos da pena disciplinar. Faculta-se ao empregador remeter à entidade sindical representativa da categoria profissional cópia do comunicado da dispensa nos casos de recusa do empregado em recebê-la, salvo se houver conselho paritário de empresa no estabelecimento, a quem será dada ciência do fato”.

“Precedente Normativo nº 75 do TRT15 – Suspensão – Comunicação Por Escrito – Defere-se o pleito de presumir-se injusta a suspensão de empregado, quando não lhe forem informados os motivos determinantes, por escrito. Cláusula-Padrão: Presumir-se-á injusta a suspensão de empregado, quando não lhe forem informados os motivos determinantes, por escrito”.

Referências

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Notas:


[1] Ao aplicar sanções disciplinares, o empregador há de observar os seguintes requisitos: Atualidade da punição: a sanção ao empregado deve ser imediata ao ato faltoso. A mora na aplicação da penalidade pode caracterizar o que se conhece como "perdão tácito" por parte do empregador. Todavia, em se tratando de causas complexas, até por precaução, é admitido o decurso de certo período, destinado à apuração dos fatos ocorridos, assim como das responsabilidades, para só então aplicar a medida cabível; Unicidade da pena: a falta cometida pelo empregado enseja ao empregador o direito de aplicar, apenas, uma determinada penalidade, impedindo-se o bis in idem. Por conseguinte, não se pode aplicar uma advertência e, posteriormente, uma suspensão, por uma única falta cometida. Convém, no entanto, que o empregador faça referência a penalidades já anteriormente aplicadas para se caracterizar a reiteração do ato faltoso ensejando, pela reincidência, uma pena mais severa; Proporcionalidade: entre a penalidade e a falta cometida deve haver proporcionalidade, isto é, o empregador deverá atentar à dosagem de pena merecida pelo empregado, considerando: a condição pessoal do empregado (grau de instrução, por exemplo); o passado funcional (se o empregado cometeu outras faltas); os motivos que determinaram a prática da falta (falta de equipamento, falta de treinamento em determinada atividade, entre outras).  O rigor excessivo na aplicação da sanção ou o emprego de meios vexatórios (advertir o empregado humilhando-o na presença de colegas ou clientes, por exemplo) implicam falta grave pelo empregador, ensejando rescisão indireta do contrato de trabalho; Prazo de duração: a suspensão do empregado pode ser de, no máximo, 30 dias corridos. Caso a falta cometida enseje mais de 30 dias de suspensão, certamente é tão grave que provavelmente possa ser enquadrada como justa causa, conforme dispõem os motivos previstos no artigo 482 consolidado.

[2] Empresa pode verificar e-mail corporativo de funcionário. O acesso da empresa ao correio eletrônico institucional do empregado não caracteriza violação de privacidade. Se o trabalhador quiser sigilo garantido, deve criar o próprio e-mail. Tendo em vista o início de vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que garante, mesmo no âmbito trabalhista, a proteção dos dados dos trabalhadores e o dever de guarda consciente e eficiente dessas informações pelos empresários. A LGPD representa um significativo avanço, considerando a precariedade global no que diz respeito à matéria legislativa para fins de controles de dados, principalmente das informações que existem no "mundo virtual". Mas o instituto não representa um salvo-conduto, no sentido de que as ações realizadas em meio digital não estão isentas de fiscalização ou controle, independentemente da concordância dos envolvidos.

[3] Em 1986 durante a Presidência da República de José Sarney quando houve as eleições para o Congresso Nacional e, então, 559 eleitos formaram a Assembleia Constituinte que elaborou a nova Constituição entre 1987 a 1988. Foi chamada de Constituição Cidadã pois trouxe uma série de avanços nos direitos dos cidadãos brasileiros entre estes, Educação e Saúde para todos. desde a independência do Brasil em 1822, é a sétima constituição que nosso país tem – e a sexta desde que somos uma República. Foi resultado do esforço político pela redemocratização e símbolo do fim do autoritarismo dos militares. A Constituição brasileira de 1988 é o texto-base que determina os direitos e os deveres dos entes políticos e dos cidadãos do nosso país.

[4] Dano moral é aquele que repercute no íntimo de uma pessoa, sendo provocado por ação ou omissão de outrem e que causa dor ou qualquer sentimento possível de gerar efeitos sobre o estado psicológico da pessoa. No direito do trabalho está previsto o assédio moral, uma vez que se trata do ramo do Direito destinado a regular as relações entre empregados e empregadores, sendo princípio basilar a proteção jurídica do trabalhador, que deve ter sua dignidade humana preservada e reparada em caso de violação. Assim, a obrigação de indenizar surge toda vez que o patrimônio moral – quer do empregado, quer do empregador – reste desrespeitado e/ou agredido; toda vez que se verificar ofensa ou lesão à dignidade, ou qualquer outro valor íntimo, de qualquer das partes do contrato de trabalho, havendo inequívoca relação de causa e efeito entre o ato ilícito (ação ou omissão) e o dano experimentado.

[5] Função social do contrato de trabalho é exercida na prática do dia a dia das relações entre empregados e empregadores, dado o caráter diuturno de trato sucessivo desse negócio jurídico. Assim, atendendo à sua finalidade teleológica, o direito da parte economicamente mais fraca será protegido e revestir-se-á de legitimação e eficácia, com arrimo nos mais altos preceitos da função social do contrato e da propriedade, desde que não venham ferir ou lesar os interesses das partes menos privilegiadas e atentem para o aperfeiçoamento dos direitos fundamentais da pessoa humana. É primordial, portanto, que, para o devido cumprimento dessas obrigações num contrato a longo prazo, as partes atuem de boa-fé.

[6] Assédio moral é um tipo de assédio, conhecido como mobbing (molestar) nos Estados Unidos, bullying (tiranizar) na Inglaterra, harcèlement (assédio moral) na França, murahachibu (ostracismo social) no Japão ou, ainda, manipulação perversa, terrorismo psicológico. Caracteriza-se por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do trabalhador, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o mesmo a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções. Segundo Marie-France Hirigoyen: “o assédio moral no trabalho é toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho”.

[7] Horário flexível consiste em permitir que funcionários tenham mais liberdade na escolha de seu expediente: desde a hora em que começarão a trabalhar até o local em que farão suas atividades. A iniciativa segue a premissa de que existem horas a serem cumpridas diariamente, mas sem especificação de horário e lugar. Existem três modalidades de trabalho flexível que a empresa pode aderir, de acordo com o perfil de cada profissional. O horário fixo variável, no qual o funcionário opta por horários alternativos propostos pelo empregador. O horário variável, no qual o colaborador é quem decide sua jornada de trabalho, mas com uma carga diária a se cumprir. E o horário livre, no qual o profissional possui um período para entregar um projeto, por exemplo, e decide como irá conduzir a produção.

[8]  A previsão legal para o teletrabalho aparece no artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que afasta as distinções entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. O parágrafo único do dispositivo, introduzido em 2011, estabelece que “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”. A Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) introduziu um novo capítulo na CLT dedicado especialmente ao tema: é o Capítulo II-A, “Do Teletrabalho”, com os artigos 75-A a 75-E). Os dispositivos definem o teletrabalho como “a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”. Assim, operações externas, como as de vendedor, motorista, ajudante de viagem e outros que não têm um local fixo de trabalho não são consideradas teletrabalho.

[9] Princípios jurídicos assim considerados pela LGPD em relação ao tratamento:  i) finalidade; ii) adequação; iii) necessidade; iv) livre acesso; v) qualidade dos dados; vi) transparência; vii) segurança; viii) prevenção; ix) não discriminação; e, x) responsabilização e prestação de contas. A regra geral, portanto, trazida pela LGPD, é não se realizar o tratamento; a exceção, ao reverso, é a de realizá-la, se e quando o atingimento de determinada finalidade se mostrar relevante para que o tratamento seja realizado.

[10] É objetiva a responsabilidade civil do empregador por danos sofridos pelo empregado em decorrência da execução do contrato de trabalho ou mesmo pela cessação abrupta e inescusável do contrato, e que o dano pode ser aferido tomando-se por foco também o interesse social.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Poder Diretivo Limites do Direito Diretivo Empregador Teletrabalho Dano Moral CLT CF LGPD

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