Justiça por meios extrajudiciais no Brasil
A desjudicialização no Brasil se faz por meios extrajudiciais nas áreas jurídicas relacionadas ao direito de propriedade, de direito de família e sucessões e, até cobranças. A lisura e a transparência dos procedimentos notariais permitem ter segurança jurídica e celeridade. É uma tendência que veio para prosperar pois intensifica a cidadania e a preservação da dignidade da pessoa humana
O legislador pátrio, desde do
memorável Hélio Beltrão[2], Ministro da
Desburocratização, vem tentando juntamente com o Poder Judiciário promover a
concretização de meios extrajudiciais capazes de cumprir o acesso à justiça de
forma célere, vindo também a mitigar o vasto monopólio judicial e, a sobrecarga
de ações judiciais.
Dessa forma, a regularização
da propriedade imobiliária seja urbana ou rural vem da necessidade de se dar
cumprimento ao mandamento constitucional de propugna pela função social da
propriedade e do contrato, gerando assim salutar movimentação econômica além de
dar o pleno exercício do direito fundamental da propriedade o que se atrela
diretamente ao princípio da preservação da dignidade humana e ao Estado
Democrático de Direito.
Nesse sentido vieram as
alterações da lei que promoveram a inclusão dos artigos 216-A e 216-B na Lei de
Registros Públicos e que permitem a material concretização de direitos
fundamentais através da concessão por meio extrajudicial.
Saliente-se ainda que após a
promulgação da Constituição Federal Brasileira de 1988 tanto o Poder
Legislativo como o Judiciário procuraram promover meios cabais para efetivar
direitos fundamentais e sociais no bojo do texto constitucional vigente.
A regularização da propriedade
requer meios alternativos de resolução por meios criados pelo Judiciário,
através o Conselho Nacional de justiça emitiu a Resolução 125 e, 29 de novembro
de 2010, estabelecendo o compromisso direitos no âmbito processual judicial e
extrajudicial.
A progressiva
desjudicialização intenta diminuir a sobrecarga de processos judiciais
utilizando-se de servidores públicos organizados, seja em serventias notarias
como nas registrais.
Note-se que são órgãos que
garantem a função social e a segurança jurídica das relações negociais,
inclusive nas áreas de direito de propriedade, direito de família e direito das
sucessões[3].
Lembremos que a propriedade
imobiliária bem como o acesso à moradia não são apenas direitos fundamentais e
sociais relacionados ao direito patrimonial, são, principalmente, a garantia de
pleno exercício dos direitos fundamentais relacionados com a preservação da
dignidade humana.
No sentido de facilitar a
regularização fundiária pode-se dizer que a implementação da usucapião e da
adjudicação compulsória extrajudiciais serviram como meios auxiliares para
materialização de tais direitos, e consequentemente, com a redução de demandas
judiciais com essa finalidade.
O direito de propriedade, como
parte do direito patrimonial, transmudou-se para uma nova abordagem
interpretativa após o movimento de constitucionalização do Direito Civil.
Advinda do poder central de
proteção do Estado e promoção da liberdade do indivíduo expresso no Código
Civil Brasileiro de 1916, o Brasil consubstanciou a visão oitocentista do
Código francês de Napoleão de que a propriedade era a base da sociedade e das
relações privadas.
Entretanto, a indumentária
interpretativa requereu uma virada paradigmática consequencial fenomenológico
do Estado Democrático de Direito pós promulgação da Constituição Federal em
1988.
E, Canotillho, ao realizar uma
análise sobre o princípio democrático como norma jurídica constitucionalmente positivada,
pontua que “[...] como direitos subjectivos a prestações sociais, económicas e
culturais, os direitos fundamentais constituem dimensões impositivas para o
preenchimento intrínseco, através do legislador democrático desses direitos”
(2003, p. 209-291).
Visto que o Estado Democrático
advém da participação legitimada do povo na criação da constituição, material,
formal e procedimentalmente para determinar os pressupostos e os procedimentos
segundo os quais as “decisões” e as “manifestações de vontade do povo” são jurídica
de politicamente relevantes” (2003, p. 292).
A concretização, portanto,
significa a realização pelos três poderes dos ditames expressos na Constituição
por meio da soberania popular, seja diante de políticas públicas ou hermenêutica
adequada dos tribunais, promove-se sua aplicabilidade.
Corroborando com Canotilho,
Perlingieri coaduna que “Mediante o juízo de conformidade da lei ordinária à
função social se realiza o controle de legitimidade constitucional” (2002, p.
227).
Em cumprimento ao acesso à
justiça em tempo razoável, mediante a evolução social foram necessárias mudanças
legislativas que promovessem o acesso do cidadão aos seus direitos e, por
conseguinte, a concretização de direitos fundamentais e sociais, dentre esses,
a função social da propriedade e do contrato, bem como, o direito de
propriedade e moradia, direitos que compõe o arcabouço jurídico para uma
existência digna.
Através do liberalismo e do
individualismo, sem que o Estado pudesse intervir no exercício absoluto do
direito à propriedade pelo proprietário, o Estado Democrático diversamente,
requer os meios que coadunem com a liberdade e com a função social da
propriedade e do contrato.
E, ainda atendam às
transformações sociais e econômicas que exigem contínuo aperfeiçoamento do
poder público na estrutura e regulação de relações jurídicas privadas gerando o
necessário equilíbrio social, mas sem que as partes percam sua liberdade.
Aliás, a perspectiva do
vigente Código Civil brasileiro atende a contemporaneidade e, sua inspiração
tanto na técnica legislativa, como no viés prático, trouxe fartos modelos
jurídicos abertos.
Baseando-se num direito
existencial, ou seja, o que é necessário para que o ser humano tenha uma existência
digna correspondente aos princípios[4] de direitos e garantias fundamentais
expressos na diretriz democrática, a propriedade, sua aquisição e regularização
dessa aquisição são o constructo que compõe o arcabouço
civil-constitucional.
No intuito de promoção da
aplicabilidade dos ditames constitucionais no Direito Privado, observa-se a
propriedade e o contrato como meios de garantia do exercício da dignidade no expresso
art. 5º, incisos XXII e XXIII, e art. 170, incisos II e III, da vigente
Constituição Federal Brasileira.
Ainda, compreende-se a
aplicabilidade do direito social de moradia expresso no art. 6º, da Constituição Federal, em decorrência de
que o estudo realizado abarca a regularização da propriedade, portanto, a
regularização da aquisição do bem imóvel para o exercício fundamental social de
moradia também como concretização do direito existencial.
Propugna-se pela interpretação
de que a regularização da propriedade urbana ou rural é a concreta
possibilidade de promoção dessa extensão do indivíduo por meio da obtenção de
bens.
Nesse vetor, o direito
pretende amoldar-se à evolução social e interpretativa criando formas de
acessar a concreção desses direitos em atendimento aos anseios sociais. Para tanto,
o acesso à justiça deve ser estruturado de maneira que o requerente obtenha esse
cumprimento.
O princípio da função social
da propriedade (art. 5º, XXIII, da CF/1988) serve como balizador do exercício
do direito de propriedade, permitindo que a propriedade não utilizada adequadamente
pelo seu titular possa ser redistribuída para quem dela necessita ou mesmo detém
o domínio, proporcionando a solidariedade política econômica e social e o pleno
desenvolvimento da pessoa.
A seu turno, a função social
dos contratos visa a proteger a dignidade da vida humana, a erradicação da
pobreza, a eliminação das desigualdades sociais, valores de um Estado
Democrático de Direito. Modernamente, portanto, é aceitável armar que a
concepção social do contrato é um dos pilares da teoria contratual
A aquisição da propriedade faz
parte do estudo dos direitos reais e expressa em seu art. 1.227 que os direitos
reais sobre imóveis só serão adquiridos formalmente mediante o registro no
competente Cartório de Registro de Imóveis.
Portanto, qualquer dos tipos específicos
de direitos reais expressos no art. 1.225 do CC, dependerá do registro para sua
formalização e consequente reconhecimento perante terceiros.
Como a abordagem da pesquisa trata
da usucapião e da adjudicação compulsória, os requerentes que as reivindicam dependem
de um processo, anteriormente apenas possibilitado pela via judicial, para
reconhecer seu domínio e ter sua titularidade registrada junto à matrícula do
imóvel obtendo assim, o título de propriedade.
Portanto, a matrícula, ou o
documento registral, é a formalização da propriedade, indicando a titularidade,
e para que ela seja alcançada decorre-se de duas formas: derivada ou originária.
Essa instrumentalização da titularidade dá reconhecimento perante terceiros, propiciando
uma complexidade de faculdades de exercício pelo titular de usar, gozar, dispor
e reivindicar.
O proprietário pode usar,
gozar e dispor da coisa e o direito de rei vindicar de quem a injustamente a possua
ou detenha. O conceito genérico, no direito brasileiro, de direito de
propriedade é o poder jurídico concedido pela lei a algum para usar, gozar,
dispor de um determinado bem e de reavê-lo, de quem quer que injustamente o
esteja possuindo. A guisa do Código Beviláqua, o Código Reale (2002) não definiu
a propriedade nem posse, mas positivou que possuidor é todo aquele que tem, de
fato, o exercício pleno ou não dos poderes inerentes à propriedade.
Portanto, só se refere aos
atributos da propriedade.
Importante relembrar que até o
ano de 1850 os registros de propriedade eram realizados no Livro da Paróquia
Católica, conhecido como registro do vigário. Anterior a essa data o sistema registral
brasileiro era caótico, advindo das sesmarias[5], portanto, terras
públicas, “grade número de sesmarias não demarcadas, nem registradas, nem
confirmadas; igualmente significativa era a quantidade de ‘posses’, prática
comum de aquisição de terra [...].
Para responder aos anseios é
promulgada, em 1850, a Lei 601, conhecida como Lei de Terras, verdadeiro marco na
história da propriedade privada”. Passou a estabelecer critérios para legitimar
o direito à terra, ou seja, regularizar o quadro fundiário brasileiro
distinguindo o domínio público do particular (VARELA, 2002, p. 756).
Nem sempre o titular, expresso
na matrícula registral, exerce efetivamente o domínio do imóvel. O domínio ou o
exercício de algumas das faculdades da propriedade, pode ser exercido pelo
possuidor que detém a propriedade informalmente, usando, gozando, dispondo ou
reivindicando de terceiros (art. 1.196, art. 1.210 do CC.).
A importância do registro não
serviu apenas para regularização fundiária do país, mas para a viabilização da
movimentação econômica de maneira segura, propiciando as garantias de crédito.
O destaque à esse ponto é
necessário ao argumento do tema da pesquisa,
pois a regularização da propriedade permite que as pessoas que exercem o
domínio, mas não possuem o documento registral adequado de propriedade possam
obter a formalização, contribuindo para
que a função social da propriedade promova o acesso desses possuidores/promitentes compradores ou
cessionários ao direito de fazer parte da coletividade e à todos os direitos fundamentais e sociais
inerentes ao bem imóvel para o exercício pleno do direito existencial.
Ainda, possui uma
complementariedade essencial quando propiciado pelo Estado que essa
regularização seja célere após a criação dos procedimentos extrajudiciais. a
aquisição da propriedade imóvel ganhou procedimentos novos de regularização
pela via extrajudicial.
Em 2015, a Lei 13.105, que
instituiu vigente Código de Processo Civil, por meio do expresso art. 1.071,
nas disposições finais e transitórias, alterou a Lei de Registro Públicos incluindo
o art. 216-A, admitindo o pedido de reconhecimento de usucapião processado diretamente
pelo registro de imóveis competente.
A norma que posteriormente foi
regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça com a publicação do Provimento
nº 65 em 14 de dezembro de 2017.
Consequentemente, a Lei nº
14.382 de 27 de junho de 2022, em conjunto com a disposição sobre o Sistema
Eletrônico dos Registros Públicos, alterou dispositivos de legislações correlatas
como a inclusão do art. 216-B, também da Lei de Registro Públicos,
possibilitando a efetivação de adjudicação compulsória de imóvel objeto de
promessa de compra e venda[6] ou de cessão, diretamente
no registro de imóveis competente.
A Usucapião extrajudicial nominada
também como “prescrição aquisitiva”, em razão da aquisição da propriedade decorrer
da comprovação do prolongamento do prazo da posse e uma qualificação, ou seja, o
cumprimento de requisitos para sua comprovação, a usucapião é forma originária9
de aquisição porque, a princípio, não há vínculo entre o possuidor e o
proprietário anterior.
A usucapião além do
prolongamento do tempo exige o cumprimento de determinados requisitos: a)
pessoais - aplica-se à usucapião as causas impeditivas e suspensivas da prescrição,
art. 1.244, CC); b) reais – não são usucapíveis os bens públicos; c) formais –
que a posse exercida pelo usucapiente comprovadamente tenha o prolongamento do
tempo (posse ad usucapionem), seja mansa, pacífica e contínua
(ininterrupta), tenha o possuidor animus domini.
O Código Civil brasileiro
vigente adotou a teoria objetiva da posse no art. 1.196: “Considera-se possuidor
todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes
à propriedade”. Para o Código pátrio não interessa o animus domini sob o
ponto de vista subjetivo.
Pouco importa se alguém
acordou numa manhã de um dia qualquer, útil ou não com animus domini[7].
O elemento volitivo somente assume importância quando é possível reconhecer os
efeitos práticos dessa manifestação de vontade.
Deste modo, o art. 1.196 do CC
exige que a posse seja reconhecida em relação àquele que se comporte como proprietário
e que isso possa ser reconhecido no meio social.
Trata-se de avaliação objetiva, e não subjetiva. Aquele que cuida,
conserva e prática atos de posse, como se proprietário fosse, deve ser reconhecido como
possuidor. O reconhecimento de sua condição advém dos aspectos de externação de
sua vontade. Somente nesta perspectiva o animus domini tem alguma
relevância.
“O prescribente não realiza a
usucapião apenas sobre o bem, mas sobre os direitos que recaem sobre o mesmo;
de modo que se opera verdadeira confusão nos moldes do art. 381 do CC brasileiro.
O novo titular do domínio
também se torna o novo credor dos eventuais ônus que gravavam o imóvel, motivo
pelo qual os mesmos desaparecem”.
O doutrinador Couto, parte de
uma argumentação diversa de que a usucapião é necessariamente forma de
aquisição originária, de acordo com o autor “[...] pode-se considerar a
aquisição por usucapião tanto como forma derivada de aquisição, por já ter ido
um dono anterior (ponto de vista da coisa), quanto como forma originária, se
não houver relação jurídica entre o antigo e novo proprietário (ponto de vista
dos titulares da propriedade).
Nos arts. 246 e 249 do Código
de Processo Civil, a ação de usucapião enquadra-se como ação ordinária.
Procedimento deveras demorado o que consequenciou, conjuntamente ao movimento
iniciado pelo Conselho Nacional de Justiça, nos termos da Resolução nº 125, por
meios consensuais de resolução de conflitos, a previsão do art. 1.071 do Código
de Processo Civil.
Em consonância a criação de
formas diversas de concessão da tutela jurisdicional, o Estado vem criando
normas que relativizam a monopolização judicial, proporcionando desjudicializar
procedimentos.
A usucapião administrativa[8] já era possível quando da
promulgação da Lei 11.977/2009 permitia a legitimação da posse nos termos do
art. 183 da CF/1988 (art. 60).
Com o advento do art. 1071, a
usucapião extrajudicial independe de metragem para sua requisição. A inclusão
do art. 216-A na Lei de Registros Públicos passou a prever que, sem prejuízo da
via judicial, o usucapiente poderá requerer a usucapião, em qualquer das suas modalidades,
diretamente junto ao Registro de Imóveis competente, ou seja, a qual pertence a
circunscrição do imóvel.
Diversamente do procedimento
judicial em que a sentença declaratória servia de instrumento para o registrado
promover o registro da aquisição originária na matrícula do imóvel, o pedido
extrajudicial se dará pelo usucapiente representado por seu advogado ou por defensor
público, mediante a apresentação de documentos necessários.
Demonstra-se que o Provimento
nº 65 em dezembro de 2017, do Conselho Nacional de Justiça, traçou algumas
diretrizes foram instituídas para a formalização segura da usucapião extrajudicial.
Além de documentos que já eram
necessários para a comprovação da posse prolongada
e contínua em uma ação judicial de usucapião, que comprovariam sua modalidade, na extrajudicial são também necessários: a
planta e memorial descritivo do imóvel assinado por profissional técnico responsável, procuração,
documentos dos usucapientes, certidões negativas do usucapiente, cônjuge, demais possuidores e
dos proprietários, certidões do relativas ao imóvel (Municipais e/ou Federais)
(art. 4º do Provimento).
Ainda, no procedimento extrajudicial
a Ata Notarial é documento obrigatório para ser apresentada junto com o requerimento
indicativo do modelo de usucapião que será requerido para reconhecimento, nos termos
do art. 319 do CPC conforme art. 3º do provimento 65/2017.
A desjudicialização[9] tem início antes mesmo da
Resolução do CNJ nº 125/2010, com a vigência da Lei nº 11.441 de 2007, que
passou a prever o procedimento extrajudicial de inventários, partilhas,
divórcios e separações junto às serventias notariais por meio da lavratura de
escrituras públicas.
Após 5 (cinco) anos o possuidor poderá
converter seu título em registro de propriedade de imóvel urbano de até 250m2
para moradia sua e de sua família, desde que não fosse proprietário de outro
imóvel urbano ou rural (art. 183, CF/1988).
A Ata Notarial é documento
público lavrado por tabelião, onde esse descreve os fatos por ele apreendido,
ou seja, de acordo com o requerido pelo advogado da parte usucapiente, matrícula
atualizada, e documentos pessoais das partes, o tabelião irá lavrar a Ata Notarial[10] relatando a modalidade de
usucapião requerida, inclusive realizando vistoria in loco para averiguar
o imóvel, conversar com os confrontantes, tudo no intuito de certificar-se dos fatos
(art. 5º do Provimento).
O art. 4º do Provimento nº 65/2017 especifica
os itens que o tabelião deverá atestar para a lavratura da Ata Notarial. A
celeridade do procedimento também se observa no expresso no §2º, art. 216-A da Lei
de Registros Públicos e art. 10 do Provimento, caso o memorial descritivo não
contenha a assinatura dos proprietários, ocupantes a qualquer título ou
confrontantes e não for apresentado documento autônomo de anuência expressa,
esses serão notificados para que se manifestem no prazo de 15 (quinze) dias. Se
forem infrutíferas as notificações o oficial registrador irá proceder notificação
por edital em meio de grande circulação.
O art. 10 do referido
Provimento[11]
é importante, visto que há casos de usucapião em que o usucapiente comprou ou
possui imóvel de proprietário que já se encontra falecido e não tem conhecimento
de onde encontrar os herdeiros para a respectiva notificação.
Nesse aspecto, o art. 13[12] do Provimento foi salutar
ao descrever exemplos de títulos ou instrumentos que servirão de comprovação da
relação jurídica e do consentimento expresso do titular tabular, sendo
dispensada, nesses casos, a notificação extrajudicial.
Estando o requerimento
devidamente instruído o oficial do registro de imóveis irá notificar os órgãos
da União, Estado, Distrito Federal ou Municípios para suas manifestações.
Contudo, após realizada a
análise pelo oficial no prazo de 10 (dez) dias da prenotação (art. 188, da Lei
nº 6015/1973), esse poderá solicitar diligências ou fornecer nota devolutiva
para o requerente (art. 17 do Provimento e §8º do art. 216-A).
Não concordando com a negativa do oficial
registrador em realizar o registro o requerente poderá suscitar dúvida nos
termos do art. 198 da Lei nº 6.015/1973.
A adjudicação é meio de
aquisição da propriedade pelo promitente comprador ou promitente cessionário,
quando realizado negócio jurídico entre as partes sem a formalização adequada
por escritura pública[13].
Toda a transferência de
propriedade exige uma forma (art. 108 do CC) e, a escritura pública é essencial
a validade do negócio de compra e venda e de cessão em relação a bens imóveis.
A despeito do contrato
particular ou mesmo a escritura pública de promessa de compra e venda ou cessão
serem instrumentos hábeis para a realização de negócio jurídico válido, esse
instrumento não transfere a propriedade.
Nada impede que o promitente registre
a promessa, contudo ela concede apenas o direito de preferência em caso de transferência
do bem e não a efetiva concessão da titularidade tabular.
No cumprimento do compromisso
de assinatura da escritura pública para a transferência da titularidade, “não
há uma nova manifestação de vontade, há sim uma mera ratificação da vontade que
já foi dada e que retroage àquela data do compromisso de compra e venda” (BRANDELLI,
2008, p. 252).
Em razão da omissão do
vendedor ou cedente em fornecer o instrumento hábil para a transferência da
propriedade, o Código Civil Brasileiro em seu art. 1.418, permitia ao promitente
requerer judicialmente sentença de adjudicação do imóvel.
A ação de adjudicação[14], nos moldes de ação
ordinária (art. 497 e 536 do CPC), propicia o juízo substituir a declaração de
vontade expressa do promitente vendedor.
O art. 216-B da Lei nº 6.015/1973,
incluído pela Lei nº 14.382/2022, faculta às partes possibilidade de requerer a
adjudicação compulsória diretamente junto ao registro de imóveis competente,
sem prejuízo da via judicial.
A referida alteração
legislativa é de crucial importância, não apenas pelo intuito de diminuição de
ações judiciais que causam o abarrotamento do poder judiciário, mas por
propiciar aos interessados o acesso à justiça de forma muito mais célere e econômica.
Reconhecida a validade do negócio
jurídico, o registro, inclusive, da promessa gerava efeitos jurídicos para as
partes e perante terceiros. É adequado que o legislador para facilitar a
regularização da propriedade dentro de um prazo razoável em prol do exercício
do direito fundamental existencial e em cumprimento à função social da propriedade,
que ficam obstados também, pela demora do poder judiciário em fornecer a tutela
jurisdicional.
O art. 216-B expressa que
tanto o promitente comprador[15], cessionários ou
sucessores, devidamente representados por seus procuradores, poderão requerer a
adjudicação extrajudicial.
Além do instrumento de promessa, o requerente
deverá instruir o requerimento junto ao registro com o comprovante de omissão
(inadimplemento) da obrigação por parte do promitente vendedor, comprovante de
pagamento do ITBI[16] (Imposto de Transmissão
de Bens Imóveis) e certidões dos cartórios distribuidores do imóvel e do
domicílio do requerente para demonstrar a inexistência de litígio sobre a
promessa.
Difere-se, especificamente, da
usucapião extrajudicial em relação a apresentação de documentos, por não ser
necessário memorial descritivo e mapas com as respectivas assinaturas dos
confrontantes e/ou proprietários para comprovação de posse, em razão de que o próprio
proprietário tabular declarou sua vontade em vender ao promitente comprador o
imóvel e ter recebido o valor pela transação.
Da mesma forma que a usucapião
extrajudicial viabilizou a notificação via edital no caso do proprietário
usucapido ou sucessores, não serem encontrados, poderá ser utilizada a mesma
interpretação para a adjudicação extrajudicial.
Tanto a usucapião quanto a
adjudicação estão alinhavados com a concretização dos ditames constitucionais,
além de corroborar com a função social do registro no sentido de que a
propriedade devidamente registrada cumpre seu papel social e econômico, beneficiando
o proprietário com segurança jurídica (COUTO, 2016, p. 56) e demais direitos
disponíveis que agregam à uma existência digna.
Desde de 2017, após a
regulamentação da usucapião extrajudicial pelo Provimento nº 65 do Conselho
Nacional de Justiça o acesso à justiça ao cumprimento da função social da propriedade,
por meio da regularização registral têm sido concedidas sem prejuízo da via judicial.
Da mesma forma será possível,
o requerimento de adjudicação compulsória de bens imóveis nos termos do art.
216-B da Lei de Registros Públicos, será meio alternativo de concreção de
direitos fundamentais e sociais.
Há, portanto, perspectivas de
que esses institutos, mesmo que facultativos, diminuam o abarrotamento de processos
judiciais e concedam o acesso célere e a real efetivação de direitos.
Há ainda, a inovação da
adjudicação compulsória extrajudicial foi trazida pelo Lei 14.382/2022. Antes
da alteração legal, a adjudicação era feita apenas pela via judicial. Essa
medida desjudicializadora possibilita um processo mais simples, rápido, célere
e menos oneroso para o cidadão.
Há, ainda, quatro tendências
tecnológicas para atos extrajudiciais como videoconferências e atos notariais
remotos, os contratos[17] inteligentes que
automatizam a execução de acordos e podem simplificar o processo de
documentação, oferecendo segurança jurídica e transparência.
Aliás, a imutabilidade e rastreabilidade oferecidas pela blockchain proporcional um adicional de confiança e autenticidade aos documentos notariais, a verificação de identidade digital sendo fundamenta o para atos notariais on-line, com uso de métodos biométricos, e garantido a autenticidade das partes envolvidas, a integração de assinaturas eletrônicas certificadas.
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Martins Costa (Org.) A reconstrução do direito privado: reflexos dos
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privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
Notas:
[1]
Na cobrança extrajudicial não existe a presença ou a interferência de advogados
ou qualquer tipo de ação judicial. Nesse tipo de cobrança, a empresa é quem
entra em contato com o devedor e propõe um acordo para o devido acerto das
contas. Por isso que ela é chamada de cobrança amigável. A comunicação pode ser
por meio de carta de cobrança extrajudicial, telegrama, e-mail ou outras formas
documentadas que certifiquem um aviso para pagamento do débito.
[2]
Hélio Marcos Pena Beltrão (Rio de Janeiro, 15 de outubro de 1916 — Rio de
Janeiro, 26 de outubro de 1997) foi um economista e administrador brasileiro,
atuando como ministro nos governos João Figueiredo e Costa e Silva. É pai da
jornalista Maria Beltrão. Foi um dos signatários do Ato Institucional Número
Cinco.
[3] Vejam alguns procedimentos extrajudiciais possíveis, a saber: Inventário e partilha de bens O inventário e partilha de bens na forma extrajudicial está previsto no artigo 610, parágrafos 1º e 2º do Código de Processo Civil. Para os casos de divórcio, separação ou extinção de união estável na forma extrajudicial, as regras são semelhantes e encontram previsão no artigo 733 do Código de Processo Civil: Consenso entre os cônjuges ou companheiros envolvidos; Inexistência de filhos menores; Os cônjuges ou companheiros deverão estar acompanhados de advogado de sua confiança no ato da escritura e portando todos os documentos solicitados pelo tabelião para a lavratura do ato, incluindo o comprovante de recolhimento das taxas ou impostos. Ressalte-se que através da Lei 14.181/2021, que é conhecida como a Lei do Superendividamento que, novamente, protege o descontrole financeiro e incentiva a prática de dívidas sob o argumento posterior de repactuação da dívida por afetar o mínimo existencial do devedor. A Lei do Superendividamento transferia a responsabilidade da educação financeira para o fornecedor. O que pode inibir a cobrança extrajudicial.
[4]
São princípios fundamentais da propriedade:
1º - Oponibilidade erga omnes: o direito de propriedade é oposto contra
qualquer pessoa da sociedade humana que o viole – caráter absoluto. 2º -
Publicidade: o direito de propriedade só é oponível quando se torna público, e
a propriedade se torna pública pelo registro. O registro dá publicidade à
propriedade. 3º - Perpetuidade: o
direito de propriedade é perpétuo. Não é obrigatório. A propriedade só
desaparece por vontade do proprietário ou por determinação legal. Existe uma
exceção que é a propriedade resolúvel.
4º - Exclusividade: não é um princípio absoluto. Exceção: condomínio. 5º
- Elasticidade: a propriedade pode se distender ao máximo ou comprimir ao
máximo à vontade do proprietário. Quando o proprietário detém todos os poderes,
há a propriedade plena. Quando um dos poderes é retirado do proprietário,
chama-se propriedade limitada, o mesmo que direito reais sobre coisas alheias.
Ex: superfície, usufruto, hipoteca.
[5]
Sesmaria era um lote de terras distribuído a um beneficiário, em nome do rei de
Portugal, com o objetivo de cultivar terras virgens. Originada como medida
administrativa nos períodos finais da Idade Média em Portugal, a concessão de
sesmarias foi largamente utilizada no período colonial brasileiro. Sesmarias
eram terrenos abandonados pertencentes a Portugal e entregues para ocupação,
primeiro no território português e, depois, na colônia, o Brasil, onde perdurou
de 1530 até 1822. O sistema foi utilizado desde o século XII nas terras comuns,
comunais ou da comunidade. O nome sesmaria deriva de sesmar, dividir.
[6]
A promessa de compra e venda é espécie de contrato através qual uma pessoa,
física ou jurídica, denominada promitente ou compromitente vendedora, se obriga
a vender a outra, denominada promissária ou compromissária (ou promitente)
compradora, bem imóvel por preço, condições e modos pactuados. Para parte da
doutrina, a diferença entre o compromisso e a promessa de compra e venda é a
existência da cláusula de arrependimento: o compromisso é irretratável, e a
promessa admite arrependimento. A lei, por outro lado, não faz diferenciação
entre os termos “compromisso” e “promessa”. A promessa de compra e venda é
espécie de contrato através da qual uma pessoa física ou jurídica, denominada
promitente ou compromitente vendedor (a), se obriga a vender a outra,
denominada promissária ou compromissária compradora (a), bem imóvel por preço,
condições e modos pactuados. A forma do contrato em foco, seu efeito e sua
execução têm sido alvo de diversas discussões doutrinárias, e até mesmo
jurídicas, dando origem a diferentes correntes jurisprudenciais e merecendo,
outrora, atenção do legislador, com sucessivas alterações nas normas referentes
aos contratos de promessa de compra e venda, culminando com a introdução no
Código Civil de 2002 dos arts. 1.417 e 1.418, que tratam do direito do
promitente comprador.
[7]
O conceito de animus domini não está explicitamente presente no Código
Civil, por se tratar de um elemento subjetivo decorrente da doutrina jurídica.
A lei, no entanto, estabelece que o usucapiente possua a coisa “como se sua
fosse” exigindo, portanto, o animus domini como elemento da posse. O animus
domini é um elemento subjetivo decorrente da doutrina jurídica e, por isso, não
está explícito no Código Civil. Ele pode ser entendido como a íntima vontade, intenção
ou convicção de ser dono de um determinado bem.
[8]
Há várias modalidades de usucapião – usucapião extraordinária, usucapião
ordinária, usucapião familiar, usucapião especial de imóvel urbano – que se
diferenciam pelos requisitos de localização (urbana ou rural), área do terreno,
uso do imóvel (habitacional, produtivo), e de tempo de posse necessário à
aquisição (de cinco a quinze anos). Até a aprovação da Lei nº 11.977/2009, a
aquisição de imóvel por usucapião apenas se operava pela via judicial, independentemente
da modalidade. Os procedimentos de demarcação urbanística e legitimação de
posse em áreas privadas, na forma prevista pela Lei, possibilitaram que a
usucapião especial de imóvel urbano seja realizada totalmente pela via
administrativa, envolvendo os beneficiários, o poder público promotor da
regularização fundiária de interesse social e o cartório de registro de
imóveis da circunscrição imobiliária onde se localize o imóvel.
Sem prejuízo do tempo de
posse anterior, a legitimação registrada no cartório de registro de imóveis dá
publicidade à posse mansa, pacífica, ininterrupta e sem oposição, daquele que
não seja concessionário, foreiro ou proprietário de outro imóvel urbano ou
rural, nem tenha sido beneficiado por legitimação de posse anterior.
[9]
A desjudicialização deu salto em 2015. O incentivo à solução consensual de
conflitos foi uma das pautas iniciais da agenda estratégica do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), que em seu primeiro ano lançou o Movimento Nacional
pela Conciliação (2006). Alguns exemplos de desjudicialização no Brasil: a) Lei
nº 8.560/92 que se refere ao reconhecimento de paternidade perante os serviços
de registro civil; b) Lei nº 9.514/97, que trata dos procedimentos de
notificação do devedor e leilão extrajudicial nos contratos de alienação fiduciária;
c) Lei nº 10.931/2004, que autoriza a retificação administrativa dos registros
imobiliários; d) Lei 11.481/2007 que dispõe sobre a regularização fundiária
para zonas especiais de interesse social; e propiciaram que o judiciário,
nesses casos, ficasse limitado aos conflitos de interesse, às contendas, e que,
por seu turno, os cartórios extrajudiciais passassem a atuar de forma a
prevenir litígios e homologar acordos, solucionando com agilidade os problemas.
[10]
A natureza jurídica da ata notarial se fundamenta numa tripla-função, ou seja,
autenticadora (atribui autenticidade notarial), probatória (pré-constitui
prova) e conservadora (perpetua num documento notarial). Ata Notarial é o
instrumento público através do qual o tabelião descreve, por seus sentidos, uma
determinada situação ou um determinado fato que lhe é apresentado pelo
interessado, e o translada para seus livros de notas ou para outro documento.
[11]
Um resumo do Provimento nº 65/CNJ, que uniformizou nacionalmente a usucapião
extrajudicial. Trataremos apenas da ata notarial e da tributação, deixando para
os Registradores de Imóveis esclarecerem os principais pontos sobre o
procedimento: 1) Sobre a competência do Tabelião para lavratura da ata notarial
de usucapião: Nos termos do art. 5º, a ata notarial mencionada no art. 4º do
provimento será lavrada PELO TABELIÃO DE NOTAS DO MUNICÍPIO EM QUE ESTIVER
LOCALIZADO O IMÓVEL USUCAPIENDO OU A MAIOR PARTE DELE. OBSERVAÇÃO: o art. 5º, o
§ 7º do art. 4º autoriza lavratura de OUTRAS atas notariais e de escrituras
declaratórias por outros notários, ainda que de diferentes municípios.
[12] O provimento nº 65/2017 do CNJ, no art. 13, §
1º, Ia VII, ensina que é dispensada a notificação do titular da matrícula
quando apresentados alguns documentos que comprovem a anuência presumida
decorrente de atos e negócios jurídicos anteriores.
[13]
Caio Mário da Silva Pereira menciona a controvérsia, a tendência da doutrina e
da jurisprudência na aceitação do instrumento particular, mas leciona que
“plantado no terreno do direito real de promessa de venda, não se poderia em
tese deixar de exigir a forma pública para a sua integração, uma vez que ela é
da substância do ato, em todos os contratos constitutivos ou translativos de
direitos reais sobre imóveis de valor superior à taxa legal, excetuado o penhor
agrícola” (art. 134, II, do CC de 1916) ressalvando a exceção por lei especial
quanto aos terrenos loteados.
[14]
Atentem-se sobre os documentos exigidos na ação de adjudicação
compulsória. Contrato; Quitação final,
ou recibos que demonstrem o pagamento total das prestações; Certidão de
propriedade (vintenária, onde se indica a evolução da matricula); IPTU atual;
comprovante de notificação, constituindo o compromitente vendedor em mora.
SÚMULA 239 do STJ: O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao
registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.
[15]
Ad memorandum, o art. 1.088 do Código Civil de 1916, no dizer de Caio
Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil - Forense), é “o ponto de
partida” da série de fases em nosso direito envolvendo a promessa de compra e
venda. Nos termos do artigo citado, poderia o promitente vendedor, antes de
celebrado o contrato definitivo (compra e venda), arrepender-se.
[16] Basicamente, o cálculo é feito em cima da
área disponível, valor unitário padrão residencial com base na Planta Genérica
de Valores do Município, idade do imóvel, características da construção e
localização. Além disso, o cálculo do valor venal leva em consideração
acréscimos, reformas e modificações.
Alguns compradores também podem conseguir até 50% de desconto no valor
do imposto, sendo obrigatório que ambos compradores estejam na sua primeira
aquisição de imóvel, segundo a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973).
[17]
O contrato-promessa de compra e venda é um documento escrito, assinado por quem
promete vender (promitente-vendedor) e por quem promete comprar
(promitente-comprador). Trata-se de uma convenção pela qual as partes, ou
apenas uma delas, se obrigam a celebrar um novo contrato, futuro e definitivo,
num determinado prazo, ou quando verificados certos pressupostos (artigo 410
n.º 1 do Código Civil).
O contrato-promessa regula
os direitos e deveres de comprador e vendedor até à realização da escritura
pública da casa. O documento estabelece as condições para a concretização do
negócio. Inclui, entre outras informações, os valores da compra, o sinal dado
como adiantamento e a data da entrega.