A imparcialidade do julgador na fase pré-processual penal no Brasil
A decisão do STF, em quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 6298, 6299, 6300 e 6305), deu prazo de 12(doze) meses, prorrogáveis por outros 12 (doze), para que leis e regulamentos dos tribunais sejam alterados para permitir a implementação do novo sistema a partir de diretrizes fixadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O prazo começou a contar a partir da publicação da ata do julgamento.(24.8.2023). A então ministra Rosa Weber, presidente do STF, afirmou que o direito ao juiz imparcial é uma garantia prevista na Constituição Federal e em convenções internacionais das quais o Brasil é signatário. Segundo a presidente, a obrigação do Estado passa pela criação de normas para inibir a atuação do magistrado em situações que comprometam ou aparentem comprometer sua imparcialidade
O nosso vetusto Código de
Processo Penal publicado pelo Decreto-Lei 3.689 de 1941[1] sofrera algumas significativas
mudanças interpretativas, particularmente após a Constituição Federal
brasileira de 1988 e, com a instituição de direitos e garantias fundamentais
procurou primar por uma persecução processual justa, tendo como princípio
bussolar a presunção de inocência do réu.
Mas, permanece no processo
penal pátrio os resquícios do regime ditatorial, sendo a fase pré-processual regida pelo sistema
inquisitivo.
Tanto que CPP traz ainda disposições que são, no mínimo, incompatíveis com a CF/1988, como, por
exemplo, a possibilidade de a autoridade judiciária atuar na fase investigatória, bem
como na fase processual, produzindo provas independentemente de provocação,
isto é, de ofício.
A CF de 1988, cujo viés
garantista é substancialmente diferente da que permeava a sociedade à época do
dito CPP, trouxe novos institutos e suscitou novos princípios, e entre a
Constituição que orientava a nação quando do surgimento do nosso CPP e a atual,
nossa sociedade experimentou períodos de muita agitação, tanto política quanto
institucional, ora sob regimes autoritários ora sob regime mais democrático.
Mostrou-se o doutrinador Pacelli
enquanto a ideologia do CPP mostra-se claramente autoritária, havendo sempre
preocupação com a “segurança pública”, nossa atual Constituição prima por um
sistema com uma gama de garantias individuais, a começar por considerar a
inocência do acusado, regra, que terá seu status alterado apenas quando
houver sua responsabilidade penal reconhecida por sentença condenatória
transitada em julgado, como preceitua o artigo 5º, LVII “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
O viés garantista[2] da vigente Constituição
Federal brasileira passou a demandar do processo muito além do meio para a
simples aplicação da lei penal, mas, sobretudo, exige que este se transforme em
meio de garantia ao cidadão frente ao poder punitivo do Estado.
Realiza-se então conforme nos
ensina Pacelli, uma busca da igualdade, durante a persecução criminal, entre o
acusado e o Estado, que “ocupa posição de proeminência, respondendo pelas
funções investigatórias e acusatórias, como regra, e pela atuação da
jurisdição, sobre o qual exerce o monopólio”.
Outro ponto questionável é a
configuração da organização judiciária do país, que permite que o mesmo
magistrado responsável por conduzir o Inquérito Policial[3] também julgue o réu em
eventual processo instaurado.
Sublinhe-se que a atuação do
juiz na produção probatória, confunde-se por atuar como verdadeiro órgão
acusador e, ainda, na condução consecutiva da fase investigatória e processual,
o que coloca em dúvida a imparcialidade do julgador e quais seriam os meios
adotados para mitigar ou extinguir tal parcialidade, que traz evidente prejuízo
ao réu no processo penal brasileiro.
A história do processo penal
pátrio passou por períodos obscuros pelos quais o país sofrera bastante e com o
advento da Redentora ou a Constituição Cidadã[4], deu-se a sinalização de
novo Estado apto a priorizar melhor os direitos e garantias fundamentais das
pessoas.
É crucial para materialização
do Estado de Direito que o processo judicial venha a seguir a ótica
constitucional e que o julgador assuma a responsabilidade legal de praticar os
atos necessários para o bom e regular desenvolvimento do processo.
Mas, o vetusto Direito
Processual Penal esbarra no texto constitucional vigente em face das regras do
devido processo legal, o torna obrigatório que tanto as partes como o juiz
devam observar o caminho justo e democrático na condução do processo penal.
Lembremos que o princípio da
ampla defesa deve fornecer o espaço e as condições adequadas para que as partes
possam finalmente atuar no processo exercendo o direito de impugnação, oferecendo
assim, todas as informações que sejam necessárias para expor seu ponto de vista
sobre os fatos submetidos ao julgamento. A ampla defesa inclui a defesa
técnica, a autodefesa, a defesa efetiva e também qualquer meio de prova capaz
de demonstrar a inocência do réu acusado.
E, atrelado ao princípio da
ampla defesa[5]
há o princípio do contraditório que possibilitar aquele ser aliado no processo,
o que estabelece a igualdade entre as partes podendo ter oportunidade de dizer
e contradizer. Portanto, graças à dialética que se materializa o princípio do
contraditório.
A conjugação do princípio da
ampla defesa com o do contraditório[6] torna-se, então,
imprescindível para que o princípio do devido processo legal que é previsto
constitucionalmente vigente seja plenamente aplicado.
Há proteção ao indivíduo
submetido a julgamento pelo Estado, de forma a proporcionar paridade entre as
partes ao se garantir direitos relativos à petição, à plenitude de defesa, à citação regular, aos recursos, às revisões
criminais, dentre outros.
O princípio do juiz natural e
imparcial talvez seja o que abarque maior relevância neste estudo, cuja interpretação advém do art. 5°,
incisos XXXVII e LIII da CF/1988, e pode ser compreendido, conforme expõe
Guilherme de Souza Nucci, como aquele princípio que “estabelece o direito do réu de ser julgado por um juiz
previamente determinado por lei e pelas normas constitucionais, acarretando, por
consequência, um julgamento imparcial.”
Merece considerável destaque o
princípio da presunção de inocência, consagrado no art. 5°, LVII, da CF/1988.
Pelo referido princípio, o réu ingressa no processo sendo presumidamente inocente, ficando a cargo único
e exclusivo da acusação provar o contrário, utilizando-se, para tanto, da dialética
processual para alcançar o convencimento do juiz acerca da culpabilidade do acusado.
Conclui-se que diversos são os
princípios norteadores do processo penal brasileiro, em particular referência a
CF/1988, pelo fato do ordenamento jurídico pátrio manter e guardar íntima
relação com o diploma normativo que se situa no ápice superior de toda
hierarquia das normas jurídicas.
Existem três sistemas[7] principais construídos
historicamente e que tutelam o processo penal. O primeiro deles é o sistema
inquisitorial, que se caracteriza por ser um sistema no qual o magistrado exerce
concomitantemente as funções de julgador, defensor e acusador. Esse sistema foi adotado
precipuamente pelo Direito Canônico no início do século XIII e se propagou por toda a Europa.
O sistema inquisitivo
predominou até o início do século XIX,
quando então sofreu abalos pelos ideais da Revolução Francesa, principalmente
em razão da valoração do ser humano, que se disseminou por todo processo penal
Já o sistema acusatório traz
nítida separação de funções. De forma que a acusação e defesa são partes
distintas, mas que estão em igualdade de condições. E, o juiz deve se manter
equidistante em razão das partes, configurando-se imparcial. É chamado de
acusatório o sistema porque ninguém deverá ser chamado em juízo sem haver uma
acusação fática e precisa. Além de o juiz não determinar a atividade
investigatória e probatória, sendo proibido, agir de ofício.
No sistema misto vige uma
conjugação dos sistemas inquisitorial e acusatório posicionando-se em duas
fases distintas, e ordenadas, primeiro, sendo inquisitorial e depois
acusatório. É também chamado de sistema francês em face de ter sua inspiração
decorrente do Code d'Instruction Criminelle, de 1808.
Nota-se que na primeira fase,
o investigado não é visto como parte, mas sim, como objetivo, quando não são
observados os princípios do contraditório e da ampla defesa. Já na segunda fase,
adotam-se os elementos peculiares ao sistema acusatório, onde, teoricamente, as
funções do julgador e acusador são divorciadas.
Realmente existem divergências
doutrinárias sobre o qual o real sistema vigente no ordenamento jurídico
brasileiro, Eugênio Pacelli e Renato Brasileiro de Lima defendem que há o
sistema acusatório em face da previsão na CF/1988 do artigo 129, I, que aponta
que a titularidade da ação penal cabe ao Ministério Público.
Ademais, a fase investigativa,
segundo esses autores, não faz parte do
processo, sendo apenas procedimento administrativo. Já Guilherme de Souza Nucci acredita que o
sistema adotado seja o misto, aduzindo que há verdadeiro hibridismo no vigente sistema
processual penal brasileiro.
Embora a CF/1988 estabeleça
princípios constitucionais relativos ao processo penal que apontem para o
sistema acusatório, não há imposição de sua adoção, ou melhor, não havia.
A Lei 13.964/2019, dentre
várias inovações, introduziu o art. 3°- A ao CPP, por meio do qual expressamente
declarou que a estrutura do processo penal deverá ser acusatória, vedando-se qualquer
iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação
probatória do órgão acusador (BRASIL, 2019).
Entretanto, em apreciação da
Medida Cautelar nos autos das Ações
Declaratórias de Inconstitucionalidade 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, o Ministro
Luiz Fux do Supremo Tribunal Federal suspendeu a eficácia dos artigos 3°-A a
3°-F.[8]
Uma ação seja instaurada e se
dê início ao processo propriamente dito, é necessário percorrer um caminho
delineado pela própria legislação.
As investigações criminais, segundo a maior parcela da literatura
especializada, constituem a fase pré-processual do processo penal e, lato
sensu, se iniciam pela instauração de um procedimento próprio pela
autoridade competente denominado de Inquérito Policial, procedimento
administrativo que objetiva arregimentar
indícios de autoria e materialidade.
Trata-se de procedimento investigatório,
conduzido pela Polícia, denominada de judiciária, que se destina, ao final, a fornecer ao titular da ação penal os
elementos necessários para a provocação do Poder Judiciário, por meio do
oferecimento da denúncia.
No tocante às características
do Inquérito Policial, tem-se, inicialmente, a sua dispensabilidade. Ao afirmar
que para se propor uma ação penal são necessários a prova da materialidade do delito
e os indícios de autoria, não significa afirmar, necessariamente, que deverá
ser instaurado Inquérito Policial[9] para apurar tais
elementos.
Inclusive, o artigo 27 do
Código de Processo Penal brasileiro estabelece que qualquer pessoa do povo
poderá se dirigir até o Ministério Público, comunicando a prática de crime,
fornecendo, por escrito, todas as informações sobre o fato e a autoria.
Ademais, prevê o artigo 46, §1°, do aludido diploma legal, prazo específico
para o Ministério Público oferecer denúncia quando optar por dispensar o
Inquérito Policial.
A instauração do Inquérito
Policial no Brasil pra apuração do crime e de sua autoria não é obrigatória,
sendo que tais elementos podem ser obtidos por outros meios, desde que não
violem os princípios e garantias fundamentais elencados e positivados na
CF/1988.
Foi o que ratifica Eugênio
Pacelli, in litteris: “[...] o inquérito não é indispensável à
propositura de ação penal, podendo a
acusação formar o seu convencimento a partir de quaisquer outros elementos
informativos.” (PACELLI, 2018, p. 57).
O Inquérito Policial tem por
característica ser escrito, por exigência do artigo 9° do CPP, motivo pelo qual todas as diligências devem
ser devidamente documentadas nos autos. (BRASIL, 1941).
Além disso deverá ser
sigiloso, justamente para se evitar qualquer frustração na produção de provas,
preservar a intimidade e a imagem daqueles que figuram como vítima ou investigado
no feito. No entanto, apesar do sigilo, o artigo 7°, inciso XIV, do Estatuto da
Ordem dos Advogados do Brasil, confere
ao advogado o direito de ter acesso aos autos de flagrante e de investigações
de qualquer natureza, mesmo
sem procuração. Isto é, conquanto estejam as informações documentadas e na
posse da Polícia Judiciária ou do Ministério Público (BRASIL, 1994).
Por fim, o Inquérito Policial
é inquisitivo. Ensina Paulo Rangel que esse caráter “(...) faz com que seja
impossível dar ao investigado o direito de defesa, pois ele não está sendo
acusado de nada, mas, sim, sendo objeto de uma pesquisa feita pela Autoridade Policial.
É conveniente sublinhar que
durante a investigação criminal não vigem os princípios constitucionais do
contraditório e da ampla defesa, posto que seja um procedimento destinado a
colher informações por parte da autoridade policial. É quando vige propriamente
a fase de caráter inquisitorial.
Uma vez realizadas as
primeiras diligências, todos os dados apurados na investigação, como já mencionado,
serão reduzidos a escrito nos autos do Inquérito Policial e, após, serão remetidos
ao juiz competente, nos termos do artigo 10, §1° do CPP.
A autoridade judiciária, em seguida,
remeterá os autos para o Ministério Público, pois é o destinatário final das
provas obtidas para o exercício do direito de ação (BRASIL, 1941).
Quando os autos do inquérito
policial forem recebidos pelo representante do Ministério Público irá, então,
decidir se oferecerá ou não denúncia, e se entende que são suficientes as
provas para confirmar tanto a materialidade do crime como também os indícios de
autoria delitiva.
E, caso as provas não sejam
cabais para elucidação dos fatos, o MP em atenção ao artigo 16 do CPP, poderá
requerer, ao juiz, a devolução dos autos do inquérito policial para haver a
realização de novas diligências necessárias e imprescindíveis para o
oferecimento da denúncia.
Quando encerradas as investigações,
o Inquérito Policial será remetido ao Ministério Público para que este decida por dois caminhos
possíveis: caso não provada a materialidade do crime ou não existentes indícios suficientes de
autoria, o representante do Ministério Público poderá requerer ao juiz o arquivamento do Inquérito
Policial; se provada a materialidade do crime e haja indícios suficientes de autoria do
delito, o Ministério Público deverá oferecer denúncia, em respeito ao princípio da obrigatoriedade que o
vincula a esse múnus, dando início à ação penal.
Cabe mencionar, que a Lei
13.964/2019, que ficou conhecida como “Pacote anticrime”, alterou substancialmente a forma de arquivamento do
Inquérito Policial, dando maior autonomia ao próprio órgão acusador.
De acordo com o art. 28, do
CPP, o arquivamento determinado pelo Ministério Público não mais será submetido
ao crivo do juiz, mas ao órgão de revisão do parquet, donde será
realizada a homologação (BRASIL, 1941). Porém, o STF também suspendeu os
efeitos da nova regra por meio da liminar na ADI 6.298, reestabelecendo a
validade da regra anterior até que haja julgamento de mérito pelo Plenário.
O juiz competente, então,
apreciará a denúncia quando provocado, dando-se início à segunda fase do processo penal (se
compreendido que o Inquérito Policial faz parte da primeira fase do processo ou
fase pré-processual).
Nessa fase, as diligências a
serem tomadas dependem de diversos procedimentos especiais previstos na
legislação. Mas, tomando-se como
referência o procedimento ordinário, o juiz ouvirá a defesa, que apresentará
suas razões sustentando o não
recebimento da denúncia.
Após, o julgador decidirá
recebê-la ou rejeitá-la. Caso recebida, tem-se o início do desenvolvimento
regular do processo, havendo apresentação da resposta à acusação, produção de
provas e o proferimento de sentença judicial, sempre observando o
contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.
Assim, vale destacar que tanto
o contraditório quanto a ampla defesa com o advento da Lei 13.245/2016
inquérito policial deixou de ser meramente inquisitório, pois a Lei
13.245/2016, alterou o artigo 7º da Lei 8.906/1994, possibilitando o
contraditório e a ampla defesa em sede do inquérito policial, o princípio do
contraditório e ampla defesa ganhou outra dimensão com o fragmento da nova lei.
A referida lei ao permitir o
advogado fazer perguntas, formular quesitos, inaugurou o contraditório dentro
do inquisitório.
O contraditório e ampla
defesa, princípio constitucional, tal princípio é assegurado pelo artigo 5º,
inciso LV da Constituição Federal, no inquisitório consiste em dar ao acusado a
oportunidade de defesa até em fase do inquérito policial com a criação da Lei
13.245/2016.
O contraditório no inquérito
policial veio positivar com a alteração da Lei 8.906/1994 o que já é uma
garantia constitucional. Quando a Constituição Federal preceitua em seu artigo
5º, inciso LV que são direitos de todos, o contraditório e ampla defesa não
exclui ninguém e, sim afirma que é para todos, portanto não há que discutir se
é injusto ou não as mudanças que a Lei 13.145/2016 trouxe para o inquérito
policial, que dar a prerrogativa do advogado ter acesso na fase inquisitório do
inquérito policial.
Assim sendo, as fases
comunicam-se entre si, por questões lógicas, o que torna imprescindível à
obediência às regras processuais e aos princípios que delineiam o procedimento em
questão, sob pena de nulidade dos atos praticados.
Conclui-se, portanto, que a
fase inquisitorial lida com direitos e garantias fundamentais protegidos pela CF/1988 e por isso merece a
devida tutela normativa e fiscalização por parte dos órgãos e instituições públicas tais como o
Poder Judiciário, o Ministério Público, a Polícia Judiciária e a Defensoria Pública, a fim de
que as prerrogativas máximas conquistadas pela sociedade sejam respeitadas.
Apesar de haver notórias
previsões legais que protejam ostensivamente os direitos dos cidadãos, é
possível ainda se defrontar com ilegalidade crassas que passam despercebidas e
violam cronicamente o sistema acusatório na fase processual e também o
princípio da imparcialidade do juiz que são consolidados pelo texto
constitucional brasileiro em vigor.
O busilis principal é
sobre as atribuições do juiz em fase de investigações criminais e,
particularmente, quanto à atual organização judiciária brasileira, vez que
esses dois fatores contribuem em muito para a contaminação da imparcialidade do
juiz, quando se der início, a fase processual.
A atuação do juiz na fase
pré-processual, ainda que merecedora de críticas, é necessária para o desenvolvimento regular da investigação
criminal. Não se poderia dar a cargo exclusivo da Polícia Judiciária e do
Ministério Público a execução de atos sem a autorização do Poder Judiciário,
sob pena de violação aos princípios constitucionais processuais e aos direitos
e garantias fundamentais protegidos pela Carta Maior.
No entanto, o atual sistema
inquisitorial brasileiro confere determinadas atribuições ao Poder Judiciário
que despertam questionamentos. Em regra, o juiz atua na fase inquisitorial
quando provocado.
De início, percebe-se a
incidência do princípio da inércia, quando o Inquérito Policial é enviado ao
juiz para que a partir daí se abra vista
dos autos ao Ministério Público e este, por sua vez, requeira o que entender de direito. Caso o parquet opine, por exemplo,
pela decretação de prisão preventiva, o juiz proferirá decisão fundamentada nos
autos.
Se o Ministério Público
entender que ainda necessitam ser realizadas diligências investigatórias pela
Autoridade Policial, o juiz, então, proferirá despacho nos autos remetendo o Inquérito
Policial à Polícia Judiciária para que o pedido formulado seja executado.
O atual Código de Processo
Penal brasileiro e as leis que tutelam as mais diversas diligências
investigatórias, tais como a Lei de Prisão Temporária (Lei 7.960/1989) e a Lei de Interceptação
Telefônica (Lei 9.296/1996), por
exemplo, estão de acordo com sistema processual penal adotado pela CF/1988 e pelo CPP, ao passo em
que estabelecem a necessidade de peticionamento do órgão acusador ou da
Autoridade Policial perante o juiz, em se tratando de decretação de prisão temporária, de interceptação de
comunicações telefônicas, de busca e apreensão.
Contudo, nos mesmos diplomas
legais acima mencionados, com exceção da Lei de Prisão Temporária, é possível se deparar com ocasiões
em que o juiz pode atuar independentemente de provocação, isto é, de ofício, o que
ocasiona violações ao sistema processual e, consequentemente, a contaminação da
imparcialidade do juiz.
De início, conforme já
destacado, a Lei 9.296/96 regula a
maneira pela qual as interceptações telefônicas serão executadas pela
autoridade competente. Nesse sentido, estabelece o artigo 3° da Lei de Interceptações
Telefônicas, que ela poderá ser determinada pelo juiz, de ofício, ou a requerimento da Autoridade
Policial ou pelo representante do Ministério Público. (BRASIL, 1996).
A guisa de
exemplificação, a interceptação
telefônica constitui diligência de caráter extremo. Trata-se de medida excepcional justamente por lidar com a
restrição do direito fundamental do indivíduo ao sigilo das suas comunicações.
É uma medida investigatória
que busca colher provas da materialidade do delito e/ou indícios de autoria,
partindo-se do pressuposto que somente o titular da ação penal poderia se manifestar nos autos do
Inquérito Policial requerendo a realização de tal diligência, independentemente de manifestação
da Autoridade Policial nesse sentido.
O interesse em produzir provas
deve estar estritamente ligado ao órgão
acusador. A partir do momento em que o juiz tem permissão pelo artigo 3° da Lei
9.296/1996 para decretar de ofício a
interceptação de comunicações telefônicas do investigado ou de possíveis suspeitos da prática
delituosa, passa também a ocupar a figura de um órgão acusador na fase inquisitorial.
Guilherme de Souza Nucci, ao
tratar sobre o ônus da prova[10], também critica a atuação
de ofício do juiz no processo penal ao afirmar, in verbis:
“Quando se percebe um juiz
personalista, que chama a si tudo ou quase tudo relacionado com o crime
principal, pode realizar, nessa busca excessiva por concentração de poder de julgar, um trabalho
pior do que a atividade do inquisidor da Idade Média, pois este, em várias
épocas, defendia o mais fraco do mais
forte. E não julgava inúmeros casos por conexão: cada caso era um caso”.
A respeito da interceptação
das comunicações telefônicas[11] decretada de ofício está fundada única e exclusivamente na intenção do
juiz em produzir provas em uma espécie de atuação conjunta com o Ministério Público, ou
ainda de evitar que provas pudessem ser perdidas por algum motivo. Por melhor
que sejam as intenções do juiz, por assim dizer, a autoridade judiciária na fase inquisitorial deve
respeitar os limites de suas atribuições estabelecidas constitucionalmente.
Assim sendo, o juiz deve
figurar nessa fase pré-processual apenas como um intermediador entre a Polícia
Judiciária e o Ministério Público, analisando e decidindo fundamentadamente
acerca de diligências que necessitem de posicionamento prévio do Poder
Judiciário.
A Ação Direta de
Inconstitucionalidade de 3.450 ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, questiona o art. 3° da Lei
Federal 9.296/1996.
Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 3450 Relator: ministro Gilmar Mendes. Procurador-geral
da República x Presidente da República e Congresso Nacional. A ação questiona o
artigo 3º da Lei Federal 9.296/1996, a fim de lhe excluir a interpretação que
permite ao juiz, na fase de investigação criminal, determinar de ofício a
interceptação de comunicações telefônicas".
O procurador-geral da
República afirma que "a iniciativa da interceptação pelo juiz, na fase que
antecede a instrução processual penal, ofende o devido processo legal na medida
em que compromete o princípio da imparcialidade que lhe é inerente, e vai de
encontro ao sistema acusatório, porque usurpa a atribuição investigatória do
Ministério Público e das Polícias Civis e Federais".
Em discussão: saber se o
dispositivo impugnado viola o princípio do devido processo legal, o princípio
da imparcialidade da instrução processual penal e o sistema acusatório.
PGR: pela procedência do
pedido, para que seja declarada a inconstitucionalidade parcial, sem redução de
texto, do artigo 3º da Lei Federal 9.296/1996, excluindo-se-lhe a interpretação
que permite ao juiz, na fase pré-processual penal, determinar de ofício a
interceptação de comunicações telefônicas. Sobre o mesmo tema será julgada
também a ADI 4112
No caso, o órgão ministerial
utiliza-se dos mesmos argumentos aqui trazidos para apontar a
inconstitucionalidade contida na redação
do aludido dispositivo legal que autoriza a decretação da interceptação das
comunicações telefônicas de ofício pelo juiz. A ADI em questão ainda está
pendente de julgamento pelo Supremo
Tribunal Federal (BRASIL, 2020)
O Código de Processo Penal
brasileiro também comete equívocos ao passo em que admite, de maneira ainda mais explícita, que o
juiz possa atuar de ofício para produzir provas no processo. O artigo 156, inciso I do CPP,
alterado pela Lei 11.690/2008, prevê, em sua atual redação, ser possível ao juiz “[...] ordenar,
mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e
relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida
[...]” (BRASIL, 1941).
Assim sendo, não apenas na
interceptação telefônica, mas em outras diligências investigatórias que o juiz
desejar realizar, poderá fazer independentemente de manifestação do titular da ação penal ou da Autoridade Policial, bastando
que as considere urgentes e relevantes.
O Supremo Tribunal Federal, em
2004, afirmou haver violação ao princípio da imparcialidade do juiz quando atua
de ofício produzindo provas no processo. É o que se extrai do julgamento
colegiado da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.570 (BRASIL, 2004).
Questiona-se a atuação de
ofício do juiz na fase inquisitorial, o
que manifestamente viola o princípio da imparcialidade do juiz. Logo, no
tocante à atuação de ofício do juiz na fase processual, sabe-se que há
entendimentos doutrinários que defendem a incidência dos princípios da verdade
real e do impulso oficial sob o argumento de que, desde que observados e
aplicados devidamente com imparcialidade pelo juiz, servem de fundamento para
que provas sejam decretadas de ofício para que o magistrado forme a sua convicção.
Todavia, com o devido respeito
a tais entendimentos doutrinários, a relação entre o Processo Penal e a
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, conforme já abordado, não permitem que o magistrado atue se não
devidamente provocado pelas partes, razão pela qual tais princípios não encontram respaldo
normativo e constitucional.
Assim sendo, não há dúvidas de
que, não apenas na fase processual, mas também na fase inquisitorial, a atuação de ofício do
magistrado é claramente inconstitucional.
Constata-se que o
contemporâneo ordenamento jurídico brasileiro apresenta flagrantes
inconstitucionalidades, não somente no que se refere à possibilidade de o
Judiciário atuar como espécie de acusador na fase inquisitorial, porém, em face
da estrutura organizacional do Judiciário brasileiro que tanto compromete a
imparcialidade do juiz.
Na atual organização
judiciária se constitui no fato de que o mesmo juiz que conduziu a fase
inquisitorial será o juiz que receberá a denúncia eventualmente oferecida pelo titular
da ação penal e dará início à fase processual penal, proferindo, ao final, sentença.
Diversas são as consequências que se originam desse problema e que prejudicam severamente o réu
durante a instrução processual. E neste ponto, vale mencionar a Teoria da Dissonância
Cognitiva.
Trata-se de estudo na área da
psicologia sobre a cognição e comportamento humano, formulada inicialmente pelo autor Leon
Festinger e intitulada originalmente de Theory of cognitive dissonance[12].
A teoria descreve que há tendência natural do ser humano em se prender à estabilidade cognitiva, isto é, diante do
conflito de ideias e tomada de decisões, prevalece o que estiver conectado às pré-compreensões do
intérprete.
Segundo o jurista alemão Bernd
Schünemann e publicada no Brasil em obra coordenada por Luís Greco. No trabalho do jurista intitulado
“O juiz como terceiro manipulado no processo penal?”, Schünemann demonstra que o contato
prévio do juiz com as investigações criminais e a produção de provas macula sua percepção no
momento da instrução e julgamento do processo, pois de acordo com a teoria da
dissonância cognitiva, ficaria o magistrado vinculado, mesmo que involuntariamente, às conclusões
arregimentadas na fase pré-processual, o que, consequentemente, afetaria sua imparcialidade.
Para afastar essa parcialidade
do juiz, em 2010, por meio do Projeto do Novo CPP, PL 8045/10, foi criada a figura do juiz das
garantias. Entretanto, como o projeto permanece em tramitação na Câmara dos
Deputados, esse instituto ficou relegado até o ano de 2019.
Com a Lei 13.964/2019, diversas mudanças foram
introduzidas no CPP, como novas regras
para colaboração premiada, inauguração da cadeia de custódia, formalização da
audiência de custódia, acordo de não persecução penal e, como não poderia
deixar de mencionar, a instituição do
juiz das garantias.
Esse juiz seria o responsável
pela fase de investigação, enquanto um segundo juiz atuaria na fase processual.
O juiz das garantias, como o
próprio nomen aduz, seria o
garantidor dos direitos do acusado, sendo responsável por analisar às
representações feitas pelo Ministério
Público e Autoridade Policial, receber ou rejeitar a denúncia ou queixa, além de poder decidir pela absolvição sumária do
acusado e, não sendo o caso desta, finalizar sua atuação com o agendamento da audiência de
instrução e julgamento, quando então outro juiz assumiria o processo.
A instituição do juiz das
garantias consubstanciada à vedação expressa da atuação de ofício do juiz na
fase investigatória e probatória (art. 3°-A, CPP), com a consequente imposição
do sistema acusatório, constitui meio
eficaz para preservação da cognição prévia e imparcialidade do magistrado.
Embora a lei tenha previsto
essas mudanças, elas permanecem incólumes, haja vista a decisão em Liminar na Medida
Cautelar nas ADIN ’s 6.298, 6.299, 6.300
e 6.305, do Ministro Luiz Fux, que
suspendeu, sine die, a eficácia dos art. 3°-A a 3°-F, até que ocorra julgamento pelo Plenário (LIMA, 2020, p. 128).
Quando se trata sobre
organização judiciária, é importante frisar que, em regra, os Tribunais dos
Estados-membros e do Distrito Federal se utilizam de suas competências
legislativas para se estruturarem
internamente, em conjunto com a existência de uma lei de origem do Poder Legislativo daquele ente federativo que
trate sobre a organização e divisão judiciária.
Sobre o âmbito federal, a
própria Constituição trata sobre essa divisão, a partir de seu artigo 92. O
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, por exemplo, organiza-se
mediante Resoluções editadas por sua Corte Superior, por meio das quais há
divisão de varas especializadas em determinados
campos do direito para todas as comarcas existentes no Estado de Minas Gerais.
Nos termos da Resolução da
Corte Superior do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais de 523/2007, em seu artigo 5°, parágrafo único,
no caso fictício citado, o juiz atuante
na Vara de Tóxicos, que conduziu a fase inquisitorial, foi o mesmo que recebeu
a denúncia e julgou o réu (BRASIL,
2007).
Ora, sabido é, por tudo o que
aqui foi exposto, que na fase de investigações criminais não há observância aos princípios do
contraditório e da ampla defesa. Por tais circunstâncias, aliado ao fato de a legislação brasileira conter
equívocos que permitem ao juiz atuar como acusador, quando a denúncia é
recebida e é dado início ao processo penal, o magistrado já se encontra viciado e maculado cognitivamente.
O Inquérito Policial deve ser
observado exclusivamente sob o enfoque de servir como fundamento para a justa causa da ação penal. É
por esse motivo que o artigo 155 do Código de Processo Penal veda a utilização de provas
colhidas tão somente na fase inquisitorial para a formação da convicção do juiz, uma vez que
elas não foram produzidas sob o crivo do contraditório (BRASIL, 1941).
Durante a instrução do
processo, conceda à defesa, pelo prazo legal, o direito de contestar as provas trazidas pela
acusação, certamente, o convencimento do juiz acerca dos fatos estará atrelado, de certa
maneira, às investigações policiais realizadas no Inquérito Policial, em decorrência do contato
direto do magistrado com as provas ali produzidas e lançadas nos autos.
A situação torna-se ainda mais
grave para o réu quando o juiz eventualmente atua na fase inquisitorial decretando a produção de provas
de ofício, conforme já abordado. Dificilmente a defesa conseguirá reverter a convicção do juiz
acerca da culpa imputada ao réu pela acusação quando, por exemplo, a autoridade judiciária
determinou a interceptação das comunicações telefônicas na fase inquisitorial de ofício,
ou que ainda deferiu o pedido de prisão temporária formulado pelo Ministério Público, sem, no
entanto, ouvir a parte contrária
O Ministério Público oferece
denúncia por estar convicto de que o delito
foi praticado pelo acusado, também estará o juiz quando recebe uma denúncia
fundada em provas que ele mesmo
determinou a produção de ofício, com base em suas próprias convicções.
Assim como afirmado pelo STF
na já mencionada ADI 1.570 (tópico 4), o juiz que se apropria das funções de investigador e inquisidor viola
o princípio da imparcialidade (BRASIL, 2004).
O cenário ideal, portanto, à
luz do princípio da imparcialidade do juiz, é de que o magistrado tenha o
primeiro contato com os fatos narrados a partir do processo. Ou melhor, que haja a adoção do juiz das garantias para atuar
na fase pré-processual e um segundo juiz para a fase processual.
Dessa forma, o juiz
responsável pelo julgamento ficaria equidistante entre as partes, passaria a analisar os fatos sob o
ponto de vista tanto da defesa quanto da acusação, primando-se, sempre, pela presunção de
inocência do réu.
Somente após a produção de
provas, observado o contraditório, a ampla defesa e a presunção de inocência do
réu, é que o juiz, então, formaria sua convicção nos termos do devido processo legal idealizado pela Constituição,
restando apto a proferir a sentença penal.
Não se pode olvidar o fato de
que o Inquérito Policial possa ser consultado pelo juiz no curso do processo. No entanto, a mera consulta
não acarreta violação a sua imparcialidade, já que, repita-se, as provas ali contidas devem
ser descartadas para fins de formação de convicção do julgador.
Ocorre que, em muitas capitais brasileiras já
existe juízo reservado ao controle de legalidade das investigações, como, por
exemplo, a cidade de Belo Horizonte (MG). Conforme mencionado, processos
envolvendo crimes tipificados na Lei 11.343/06, por força da Resolução de 523/2007 do TJMG, devem tramitar perante a
Vara de Tóxicos, a mesma em que tramitará o Inquérito Policial. Contudo, a referida
resolução traz algumas ressalvas (BRASIL, 2007).
Na verdade, o objeto principal
da Resolução 523/2007 é a criação da chamada Central de Inquéritos Policiais da Comarca de Belo
Horizonte. Esta central é responsável pela tramitação de Inquéritos Policiais
que versem sobre crimes que não sejam os dolosos contra a vida, ou aqueles tipificados na Lei 11.343/06, ou aqueles previstos no Estatuto
da Criança e do Adolescente (arts. 225 a
244-A da Lei Federal 8.069/1990) e no
Estatuto do Idoso (arts. 95 a 108 da Lei
Federal 10.741).
Estabelece o artigo 5°, caput,
da Resolução 523/2007 que:
“Caberá à Central de Inquéritos
Policiais, por seus Juízes ali designados, com competência jurisdicional plena,
o processamento de todos os Inquéritos
Policiais da competência das Varas Criminais da Comarca de Belo Horizonte, a elas previamente distribuídos,
até a apresentação da denúncia ou queixa,
conhecendo e decidindo sobre os atos a eles relativos e seus incidentes,
inclusive medidas cautelares, habeas corpus e mandado de segurança em matéria criminal, competindo-lhe, ainda, o
processamento das propostas de transação
penal e o arquivamento do inquérito ou das peças de informação, se for o caso, observado o disposto no art. 28
do Código de Processo Penal. (BRASIL,
2007)”.
Em resumo, a Central de Inquéritos
Policiais da Comarca de Belo Horizonte possui juízes designados única e exclusivamente para atuarem
no processamento dos Inquéritos Policiais instaurados naquela Comarca. Os procedimentos
investigativos recebem distribuição prévia para algumas das Varas Criminais, mas enquanto
não oferecida denúncia, os autos não são remetidos àqueles juízos.
A Corte Superior do Tribunal
de Justiça do Estado de Minas Gerais acertou em estabelecer a instalação de uma
central responsável pela tramitação dos Inquéritos Policiais, pois, dessa forma, o principal problema aqui exposto
em que o réu é submetido a julgamento por um mesmo juiz que conduziu a fase investigativa
fica sanado
A figura do juiz das garantias
já poderia ser implementada nas Comarcas em que há, para tanto, operacionalidade. E como
há autonomia quanto à organização judiciária pelos Tribunais, as adequações seriam feitas
conforme disponibilidade de tempo e orçamento. Caso o Tribunal de Justiça de algum
Estado-membro não possua condições suficientes, outra opção mais viável seria a nomeação de um
juiz auxiliar em cada Vara Criminal que ficasse responsável única e exclusivamente pela
tramitação dos Inquéritos Policiais, sendo que, a partir do momento em que houvesse oferecimento de
denúncia, o juiz titular daquela Vara passaria a assumir a condução do processo.
Para os Tribunais superiores,
como é o caso do STF, por exemplo, poder-se-ia pensar na seguinte solução: o Ministro-relator
responsável pelo processamento do Inquérito Policial fica desautorizado a participar do julgamento
colegiado. Da mesma maneira como ocorreria nas Comarcas dos Estados-membros, oferecida a
denúncia, o Ministro-relator submeteria os autos para outro Ministro para que seja o
responsável pela condução do processo criminal.
Para tanto, as soluções acima
abordadas seriam implementadas com simples alterações na estrutura organizacional de cada Tribunal
mediante a edição de Resoluções próprias.
A instituição do juiz das
garantias e alterações normativas nas organizações
internas dos Tribunais poderiam solucionar, ou ao menos mitigar, o problema da contaminação da imparcialidade do juiz,
estabelecendo-se a divisão de atuações dos magistrados, garantindo que aquele
que conduziu as investigações policiais não seja o mesmo que julgará o réu em
eventual ação penal. Ademais, não haveria dúvidas quanto à adoção do sistema processual penal acusatório.
Por todo o exposto,
depreende-se que a temática abordada é de relevante interesse social e constitucional, já que envolve o direito
fundamental à liberdade, intrinsicamente relacionado à dignidade da pessoa humana.
É mais do que urgente, por
assim dizer, que as instituições públicas
e todo o povo se mobilizem em busca de superação dos obscuros resquícios
contidos no atual ordenamento jurídico,
fazendo-se prevalecer os institutos que respeitem os direitos e garantias fundamentais.
O Supremo Tribunal Federal
(STF) validou, nesta quinta-feira (24/8/2023), o instituto do juiz de garantias[13] e julgou que a sua
implementação deve ser obrigatória em todo o território nacional. Os ministros
fixaram um prazo de 12 meses, renováveis pelo mesmo período, para que as
autoridades possam fazer as adequações necessárias.
Na 11ª sessão de julgamento, a
presidente da Corte, ministra Rosa Weber, proclamou o resultado. A decisão foi
proferida nas ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, em que são questionadas normas
do Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) que instituíram a figura do juiz de
garantias no Código de Processo Penal brasileiro.
O STF estabeleceu que o juiz
de garantias deverá atuar na fase da investigação criminal até o oferecimento
da denúncia. A partir dessa etapa, a competência passará a outro magistrado, o
juiz de instrução e julgamento. Atualmente as responsabilidades ficam apenas com
o juiz de primeira instância.
Para o presidente do Ibccrim
(Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), o advogado Renato Vieira, sócio
do escritório Kehdi Vieira, a possibilidade de o Supremo mudar esse ponto vai
“aniquilar” a essência do juiz de garantias e “frustrar” uma oportunidade de
melhorar o sistema processual penal brasileiro.
A mudança nas competências do
juiz das garantias surgiu na análise das ações no STF, a partir de uma proposta
no voto do ministro Dias Toffoli. Renato Vieira entende que a atuação do juiz
de garantias se encerra com o oferecimento da denúncia.
Um dos pontos que Toffoli
levantou para basear seu entendimento é o de que a proposta inicial afetaria a
independência funcional do juiz do julgamento.
“Restringir o acesso aos elementos
do inquérito, alegando impacto na imparcialidade do juiz, afeta diretamente a
independência funcional do magistrado em exercer seu julgamento conforme sua
consciência jurídica, desde que concretamente motivada nos autos, em busca da
verdade possível”, disse em seu voto.
Ao final do julgamento, a
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o caso será cumprida e, a AMB
está pronta para auxiliar os magistrados na execução das determinações
previstas na legislação. É fundamental, porém, que a implantação do novo modelo
se dê dentro de um prazo razoável e com respeito à autonomia dos Tribunais.”
A definição de prazo para a
implantação do juiz de garantias ainda está aberta no Supremo. Há propostas de
12(doze), 18 (dezoito) e 36 (trinta e seis) meses. A fixação deverá ser feita
ao final do julgamento.[14]
Para defensores do referido
modelo, a nova figura garante mais imparcialidade nos processos criminais e
evita condenações injustas. O juiz das garantias foi instituído na esteira da
"Vaza Jato"[15] e revelações de atuação
parcial e conluio do ex-juiz Sérgio Moro com procuradores da força-tarefa da
Lava Jato em Curitiba.
De acordo com a proposta do
novo CPP, o "juiz de garantias" atuaria apenas na fase inicial do
inquérito criminal, durante as investigações. Já a fase final e a sentença
seriam conduzidas por outro juiz. A Ajufe (Associação dos Juízes Federais do
Brasil) teme que essa medida obrigue a Justiça a deslocar juízes da área cível
para a criminal, gerando atrasos, prescrições e impunidade no julgamento dos
processos.
O Supremo Tribunal Federal
(STF) publicou, em (19/12/2023), o
acórdão da decisão que reconheceu a constitucionalidade do Juiz das Garantias.
Trata-se de mais uma vitória da OAB Nacional, uma vez que as ações diretas de
inconstitucionalidade (ADI) 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305 teve a entidade como
amicus curiae. Vide a íntegra do acórdão disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15363755297&ext=.pdf Acesso
em 14.2.2024.
Já previsto na pauta desse mês
de fevereiro, o julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.042.075
(tema 977 de repercussão geral)[16], em que o IBCCRIM, como
amicus curiae, sustenta a imprescindibilidade de decisão judicial para acesso a
dados pessoais contidos em meios físicos ou digitais (como, a exemplo do caso
concreto, de aparelho celular relacionado à prática delitiva) (Brasil, 2017a).
Para os meses subsequentes,
aguarda-se a retomada do julgamento do RE 635.659, sobre a
(in)constitucionalidade da criminalização de drogas para consumo pessoal. Como
já mencionado pelo Instituto (IBCCRIM, 2023), espera-se que a Suprema Corte
reveja o posicionamento até agora formado (restrito ao porte de maconha), para
abranger qualquer substância psicoativa ilícita.
O mesmo ocorre com a Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental[17] (ADPF) 442, em que o
Instituto, também como amicus curiae, pleiteia a inconstitucionalidade da
criminalização do aborto, adotando-se como critério a possibilidade de
interrupção de gravidez até a 12ª (décima-segunda) semana de
gestação (Brasil, 2017b). Espera-se que os demais Ministros sigam o
substancial voto proferido pela então Ministra Relatora Rosa Weber pela
procedência da ação.
Outro julgamento que pode ter
grande impacto no cenário nacional é o da quebra de sigilo de dados de
coletividade de pessoas (RE 1.301.250, tema de repercussão geral 1.148).
O Instituto, na qualidade de amicus
curiae[18],
sustenta a inconstitucionalidade da medida, pois "esbarra no núcleo do
direito fundamental à proteção de dados, na medida em que enseja grave risco de
um cenário de vigilância permanente (proporcionalidade em sentido estrito)" (Brasil,
2020, peça 66).
Aguarda-se que, em breve, seja
novamente incluído em pauta, após o voto da relatora, Ministra Rosa Weber, pelo
provimento do recurso, e a vista dos autos solicitada pelo Ministro Alexandre
de Moraes, que os devolveu para julgamento.
Igualmente, na figura de amicus
curiae, o IBCCRIM aguarda o desfecho de duas importantes ações de
constitucionalidade, 3.450 e 7.389, que tratam, respectivamente, da decretação
de interceptação telefônica de ofício pelo juiz (art. 3º da Lei 9.296/96)
(Brasil, 2005, peça 42) e da Política Antimanicomial do Poder Judiciário[19] (Resolução CNJ 487/23)
(Brasil, 2023, peça 34).
Outra questão na ordem do dia
diz respeito à licitude de relatórios de inteligência financeira (RIFs) do
Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF, atual Unidade de
Inteligência Financeira - UIF), requisitados diretamente pela autoridade
policial, sem prévia autorização judicial, à luz da decisão tomada no RE
1.055.941 (tema 990 de repercussão geral). Esse é o objeto da RCL 61.944
(Brasil, 2023), que se espera seja julgada pelo Plenário em 2024, para
consolidar o entendimento da Corte nessa matéria.
Ressalte-se, por fim, que tecnicamente a imparcialidade do julgador corresponde ao pressuposto processual subjetivo, sem o qual o processo é nulo, ou pelo menos, anulável.
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Notas:
[1]
A última atualização do CPP foi feita pela Lei 14.197/2021 que revogou a Lei de
Segurança Nacional e incluiu o Título XI, que se refere aos crimes contra o
Estado Democrático de Direito. Anteriormente, o CPP teve modificações sofridas
em 2019 com a Lei 13.964/2019.
[2]
O garantismo penal é a segurança dos cidadãos que, num Estado Democrático de
Direito, onde o poder obrigatoriamente deriva do ordenamento jurídico,
principalmente da Constituição Federal brasileira vigente, e atua como
mecanismo para minimizar o poder punitivo e, garantir, ao máximo, a liberdade
dos cidadãos. Garantismo designa uma filosofia política que requer do direito e
do Estado o ônus da justificação externa com base nos bens e nos interesses dos
quais a tutela ou a garantia constituem a finalidade. Nesse derradeiro sentido,
o garantismo pressupõe a doutrina laica da separação entre direito e moral,
entre validade e justiça, entre ponto de vista interno e ponto de vista externo
na valoração do ordenamento, ou mesmo entre o “ser” e o “dever ser” do direito.
Equivale à assunção, para os fins da legitimação e da perda da legitimação
ético-política do direito e do Estado, do ponto de vista exclusivamente
externo.
[3]
O inquérito, de acordo com Salles Júnior (2008), apresenta os atributos de
oficialidade, oficiosidade, autoritariedade e indisponibilidade, a saber: a)
Oficialidade: é uma atividade inerente do processo investigativo, feita por
órgãos oficiais, não podendo, desta forma, ficar condicionada a particulares;
b) Oficiosidade: não é necessário a provocação para ser instaurado, ou seja,
não é necessária a ação direta de um cidadão para que o mesmo se inicie, porém,
para a sua instauração é obrigatória a notificação da infração penal, exceto
quando se trata de ação penal pública e privada, condicionados à apreciação
direta do Ministério Público. A esse respeito, o Código Processual Penal define
que qualquer pessoa pode provocar o inquérito e dispor de provas nos casos de
ação penal pública condicionada e ação penal privada, conforme o a 27:
“qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público,
nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações
sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de
convicção” (BRASIL, 1941); c) Autoritariedade: é liderado em sua execução por
autoridade pública, no caso, a autoridade policial (Delegado de Polícia ou, em
casos excepcionais, representante do Ministério Público); d) Indisponibilidade:
é indisponível, ou seja, após seu efetivo início, não pode ser arquivado pela
autoridade policial, segundo a disposição do CPP, contida no artigo 17.
[4]
Na época da promulgação do CPP era vigente a Constituição brasileira de 1937, a
Libertadora, outorgada pelo presidente Getúlio Vargas, caracterizou-se
basicamente em uma república autoritária, atendendo a interesses de grupos
políticos que ambicionavam um governo forte que consolidasse o domínio daqueles
que se mostravam ao lado do presidente.
Dentre as principais características constantes nos 187 artigos da
Constituição de 1937 estão a centralização do Poder Executivo, Legislativo e
Judiciário na pessoa do Presidente, a separação era apenas formal; o
trabalhador não poderia fazer greve; os direitos e garantias individuais foram
limitados.
[5]
E o fato de a Constituição assegurar aos acusados a ampla defesa, com os
recursos a ela inerentes, enquanto o CPP, lei infraconstitucional, exige que
para ter acesso a tal direito o acusado (que não tenha bons antecedentes ou não
seja primário) deve ser preso. Tal regra complementa-se no artigo 595 que diz
“se o réu condenado fugir depois de haver apelado, será declarada deserta a
apelação” — condiciona-se o acesso do acusado ao duplo grau de jurisdição à
primariedade e bons antecedentes, pressupostos para, em tese, ver-se livre da
prisão.
Tanto a ampla defesa como a
garantia do duplo grau de jurisdição, embora este não esteja expresso, são
tutelados pela Constituição Federal, como nos diz Nucci, fazendo com que os
dispositivos que se discute devam, ao invés de serem interpretados
literalmente, cotejados com nossa Carta, sendo lidos, como nos mostra Moreira,
da seguinte maneira: “não se pode condicionar a admissibilidade da apelação ao
recolhimento do réu à prisão, mesmo que ele não seja primário e de bons
antecedentes”. Deve-se reconhecer do seu recurso, ainda que solto o réu, e
mesmo que tenha sido preso e venha a fugir. A fuga do acusado não será
impedimento para o regular andamento da apelação.
[6] A Lei 13.45, de 12 de janeiro de 2016, modificou o Estatuto de Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Lei 8.906 de 04 de julho de 1994, que incidiu resultou em profundas mudanças na investigação criminal do Brasil. Essas alterações aumentaram a participação dos advogados na fase pré-processual investigativa dos processos e, por consequência, desencadeou uma série de discussões acerca desse procedimento. A interpretação majoritária da redação anterior do artigo 7º do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, por muito tempo, tratou da atuação do advogado na fase preliminar da investigação criminal, muitas críticas foram direcionadas a essa realidade, pois o referido artigo era passível de interpretação restritiva, em conjunto com a Súmula Vinculante de número 14.
[7]
A doutrina identifica três sistemas de processo penal: o inquisitivo, o
acusatório e o misto. Os sistemas processuais variam de país para país e
normalmente, não necessariamente, são reflexo da conjuntura político-social de
cada um deles. No Brasil, tendo em vista as incongruências persistentes entre o
Código de Processo Penal e a Constituição Federal de 1988, muito se discute,
ainda, acerca do sistema processual penal vigente.
[8]
Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do
juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de
acusação. (Incluído pela Lei nº
13.964, de 2019) (Vigência) (Vide ADI 6.298) (Vide ADI 6.300) (Vide ADI 6.305).
Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável
pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos
direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do
Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente: (Incluído pela Lei nº 13.964,
de 2019) (Vigência) (Vide ADI 6.298) (Vide ADI 6.299) (Vide ADI 6.300) (Vide
ADI 6.305)
I - Receber a comunicação
imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do caput do art. 5º da
Constituição Federal; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
II - Receber o auto da prisão
em flagrante para o controle da legalidade da prisão, observado o disposto no
art. 310 deste Código; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
III - zelar pela
observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à
sua presença, a qualquer tempo; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
(Vigência)
IV - Ser informado sobre a
instauração de qualquer investigação criminal; (Incluído pela Lei nº 13.964, de
2019) (Vigência)
V - Decidir sobre o
requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar, observado o
disposto no § 1º deste artigo; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
(Vigência)
VI - Prorrogar a prisão
provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las,
assegurado, no primeiro caso, o exercício do contraditório em audiência pública
e oral, na forma do disposto neste Código ou em legislação especial pertinente;
(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
VII - decidir sobre o
requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não
repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e
oral; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
VIII - prorrogar o prazo de
duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas
pela autoridade policial e observado o disposto no § 2º deste artigo; (Incluído
pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
IX - Determinar o
trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para
sua instauração ou prosseguimento; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
(Vigência)
X - Requisitar documentos,
laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;
(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
XI - decidir sobre os
requerimentos de: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
a) interceptação
telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou
de outras formas de comunicação; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
(Vigência)
b) afastamento dos sigilos
fiscal, bancário, de dados e telefônico;(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
(Vigência)
c) busca e apreensão
domiciliar; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
d) acesso a informações
sigilosas; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
e) outros meios de obtenção
da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado; (Incluído pela
Lei nº 13.964, de 2019) Vigência)
XII - julgar o habeas
corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia; (Incluído pela Lei nº
13.964, de 2019) (Vigência)
XIII - determinar a
instauração de incidente de insanidade mental; (Incluído pela Lei nº 13.964, de
2019) (Vigência)
XIV - decidir sobre o
recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 deste Código;
(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
Vigência)
XV - Assegurar prontamente,
quando se fizer necessário, o direito outorgado ao investigado e ao seu
defensor de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos no
âmbito da investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às
diligências em andamento; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
XVI - deferir pedido de
admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia; (Incluído
pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
XVII - decidir sobre a
homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada,
quando formalizados durante a investigação; (Incluído pela Lei nº 13.964, de
2019) (Vigência)
XVIII - outras matérias
inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
(Vigência)
§ 1º O preso em flagrante
ou por força de mandado de prisão provisória será encaminhado à presença do
juiz de garantias no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, momento em que se
realizará audiência com a presença do Ministério Público e da Defensoria
Pública ou de advogado constituído, vedado o emprego de videoconferência. (Incluído pela Lei nº 13.964, de
2019) (Vigência)
§ 2º Se o investigado
estiver preso, o juiz das garantias poderá, mediante representação da
autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar, uma única vez, a
duração do inquérito por até 15 (quinze) dias, após o que, se ainda assim a
investigação não for concluída, a prisão será imediatamente relaxada. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
(Vigência)
Art. 3º-C. A competência do juiz das
garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial
ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399
deste Código. (Incluído pela Lei nº 13.964,
de 2019) (Vigência) (Vide ADI 6.298) (Vide ADI 6.299) (Vide ADI 6.300) (Vide
ADI 6.305)
§ 1º Recebida a denúncia ou
queixa, as questões pendentes serão decididas pelo juiz da instrução e
julgamento. (Incluído pela Lei nº
13.964, de 2019) (Vigência)
§ 2º As decisões proferidas
pelo juiz das garantias não vinculam o juiz da instrução e julgamento, que,
após o recebimento da denúncia ou queixa, deverá reexaminar a necessidade das
medidas cautelares em curso, no prazo máximo de 10 (dez) dias. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
(Vigência)
§ 3º Os autos que compõem
as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados na
secretaria desse juízo, à disposição do Ministério Público e da defesa, e não
serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e
julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis, medidas
de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser remetidos
para apensamento em apartado. (Incluído
pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 4º Fica assegurado às
partes o amplo acesso aos autos acautelados na secretaria do juízo das
garantias. (Incluído pela Lei nº
13.964, de 2019) (Vigência)
Art. 3º-D. O juiz que, na fase de
investigação, praticar qualquer ato incluído nas competências dos arts. 4º e 5º
deste Código ficará impedido de funcionar no processo. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
(Vigência) (Vide ADI 6.298) (Vide ADI 6.299) (Vide ADI 6.300) (Vide ADI 6.305)
Parágrafo único. Nas
comarcas em que funcionar apenas um juiz, os tribunais criarão um sistema de
rodízio de magistrados, a fim de atender às disposições deste Capítulo. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
(Vigência) (Vide ADI 6.299)
Art. 3º-E. O juiz das garantias será
designado conforme as normas de organização judiciária da União, dos Estados e
do Distrito Federal, observando critérios objetivos a serem periodicamente
divulgados pelo respectivo tribunal.
(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência) (Vide ADI 6.298) (Vide
ADI 6.299) (Vide ADI 6.300) (Vide ADI 6.305)
Art. 3º-F. O juiz das garantias deverá
assegurar o cumprimento das regras para o tratamento dos presos, impedindo o
acordo ou ajuste de qualquer autoridade com órgãos da imprensa para explorar a
imagem da pessoa submetida à prisão, sob pena de responsabilidade civil,
administrativa e penal. (Incluído
pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência) (Vide ADI 6.298) (Vide ADI 6.299) (Vide
ADI 6.300) (Vide ADI 6.305).
[9] Assim sendo, a fase pré-processual, trata-se do “procedimento tendente ao cabal e completo esclarecimento do caso penal, destinado, pois, à formação do convencimento (opinio delicti) do responsável pela acusação”. “O inquérito policial é a peça mais importante do processo de incriminação no Brasil. É ele que interliga o conjunto do sistema, desde o indiciamento de suspeitos até o julgamento”. Garcia (1999, p. 7-8), por sua vez, esclarece o conceito de inquérito policial como um: instrumento formal de investigações. É peça informativa, compreendendo o conjunto de diligências realizadas pela autoridade para apuração do fato e descoberta da autoria. Relaciona-se com verbo inquirir, que significa perguntar, indagar, procurar, averiguar os fatos, como ocorreram e qual o seu autor.
[10]
A busca da verdade real ou material tão sagrada no bojo do artigo 156 CPP é
decorrência da própria natureza do bem da vida e valores que justificam a
existência mesmo do processo penal que é o interesse do Estado em tutelar, a
liberdade individual. Conforme foi dito por Tancredo Neve apud Jardim, a lei
deve ser a organização social da liberdade.
[11] Validade da interceptação decretada por Juiz da Central de Inquéritos Criminais que não será o competente para julgar a ação penal. Ementa Oficial Ementa: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. VARA ESPECIALIZADA EM INQUÉRITOS POLICIAIS. JUÍZO COMPETENTE PARA O EXAME DAS MEDIDAS CAUTELARES. 1. A Vara de Inquéritos Criminais de que trata o art. 50, I, “e”, da LC 234/2002 do Espírito Santo (Código de Organização Judiciária desse Estado), antes das modificações determinadas pela LC 788/2014, é competente para decidir sobre medidas cautelares que, na fase inquisitorial, estão sujeitas à reserva de jurisdição, inclusive a de quebra de sigilo de interceptações telefônicas. 2. Ordem denegada. (HC 126536, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 01/03/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-054 DIVULG 22-03-2016 PUBLIC 28-03-2016)
[12]
A dissonância cognitiva é o nome dado a um viés cognitivo que leva as pessoas a
procurarem algum tipo de coerência em suas crenças e ideologias, embora a
realidade as desminta com fatos. Muito comum em diversos segmentos da
sociedade, a dissonância cognitiva também faz vítimas diariamente no mercado
financeiro; Festinger explica que a presença de dissonância (incoerência) conduz
à ação para reduzi-la, assim como a presença da fome, por exemplo, leva à ação
para reduzir a fome. Tal qual a ação de um impulso, quanto maior a dissonância,
maior será a intensidade da ação para reduzi-la e maior a evitação de situações
que a aumentariam.
Segundo Schünemann (2012),
em virtude de o magistrado formar determinada concepção do crime pela leitura
dos autos do inquérito (imagem construída), é de se supor, em princípio, que
não divirja de seu conteúdo. Por essa razão, é natural que o magistrado procure
confirmar o inquérito na audiência de instrução e julgamento conforme as
informações tendencialmente supervalorizadas (consonantes) e em desacordo com
as tendencialmente subvalorizadas (dissonantes).
[13]
O juiz das garantias deverá atuar na fase do inquérito policial. Também será
responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela
salvaguarda dos direitos individuais dos investigados. O juiz das garantias
ainda terá como atribuição supervisionar as investigações policiais e do
Ministério Público. O juiz de garantias é um magistrado que tem a
responsabilidade de salvaguardar os direitos individuais dos investigados e a
legalidade da investigação criminal na fase de inquérito policial. Isso
significa que a partir do oferecimento da denúncia, quando os investigados
passam à condição de réu, essa responsabilidade passa a ser do juiz de
instrução e julgamento, que propriamente julga os investigados. A legislação
anterior à mudança aprovada em 2019 estabelecia que um mesmo juiz participa da
fase de inquérito e de julgamento, o que, para alguns especialistas, compromete
a imparcialidade do julgamento.
[14] Existiram meras discussões teóricas em alguns
países, tendo sido implementados institutos no intuito de evitar que os
magistrados formassem sua convicção na fase pré-processual (investigação).
Podem ser evocados os exemplos do giudice per le indagini preliminari
(juiz de investigações preliminares), na Itália, e o juez de garantia,
no Chile. Nesses casos, procedeu-se à especialização das funções do juiz
responsável por intervir na investigação, a fim de distingui-lo do magistrado
atuante na fase processual.
[15]
Vaza Jato foi o vazamento de conversas realizadas através do aplicativo
Telegram entre o então juiz Sergio Moro, o então promotor Deltan Dallagnol e
outros integrantes da Operação Lava Jato. A divulgação das conversas foi feita
pelo periódico virtual The Intercept Brasil, a partir de 9 de junho de
2019. As transcrições indicaram que Moro cedeu informação privilegiada à
acusação, auxiliando o Ministério Público Federal (MPF) a construir casos, além
de orientar a promotoria, sugerindo modificação nas fases da operação Lava
Jato; também mostraram cobrança de agilidade em novas operações, conselhos
estratégicos, fornecimento de pistas informais e sugestões de recursos ao MPF.
[16]
Tema 977 - Aferição da licitude da prova produzida durante o inquérito policial
relativa ao acesso, sem autorização judicial, a registros e informações
contidos em aparelho de telefone celular, relacionados à conduta delitiva e
hábeis a identificar o agente do crime. Há Repercussão? Sim. Relator(a): MIN.
DIAS TOFFOLI Leading Case: ARE 1042075 Descrição: Recurso
extraordinário em que se discute, à luz do art. 5º, incs. XII e LVI, da
Constituição da República, a licitude da prova produzida durante o inquérito
policial subsistente no acesso, sem autorização judicial, de registros e
informações contidas em aparelho de telefonia celular relacionado à conduta
delitiva, hábeis a identificar o agente do crime.
[17]
Ação inserida no âmbito do controle concentrado e abstrato de
constitucionalidade, e é utilizada quando há alegações de que atos normativos,
como leis, decretos ou regulamentos, estão violando diretamente preceitos
fundamentais da Constituição. Pode-se dizer que as espécies de arguição de
descumprimento de preceito fundamental são duas: arguição preventiva (evitar
lesão) e arguição repressiva (reparar lesão).
A arguição de descumprimento de preceito fundamental, mesmo que criada
para ocupar lacunas processuais-constitucionais, tem a característica de
melhorar o controle de constitucionalidade, ainda que, a ampliação das
objetividades jurídicas da ação direta de inconstitucionalidade parecesse mais
vantajosa.
[18]
Os amigos da corte: requisitos para admissão, funções e limites, segundo a
jurisprudência do STJ. Amicus curiae (amigo da corte) é uma expressão
latina utilizada para designar o terceiro que ingressa no processo com a função
de fornecer subsídios ao órgão julgador. Para atuação como amicus curiae deve
ser demonstrada relevância da matéria, especificidade do tema objeto da demanda
ou repercussão social da controvérsia, nos termos do art. 138 do CPC,
aplicável, por analogia, ao processo penal, com fundamento no art. 3º do CPP, o
que não ocorreu.