Pós-impeachment: Defesa de Dilma proporá golpe ao STF apostando em “conluio” caso a Presidente reste impichada?

"Impeachment"como questão maior, quando o pós-impedimento poderá revelar-se a tentativa de frustração do resultado democrático-constitucional de todo procedimento. Explicitaremos, e em parecer demonstraremos as consequências do que poderá revelar-se o "grande golpe" na democracia, na Constituição Federal, no povo brasileiro. O STF estará com a palavra.

Fonte: Leonardo Sarmento

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No Brasil, grande parcela da doutrina segue a paradigmática opinião do eminente PAULO BROSSARD que, na esteira da doutrina americana, reputa o instituto como possuidor de feição claramente política, originando-se de causas políticas, objetivando resultados políticos, bem como instaurado e julgado segundo critérios políticos, embora não exclua, obviamente, a utilização de critérios jurídicos.


Na mesma linha seguem juristas como THEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, que impele ser o impeachment um processo político, tanto no direito público americano, como no direito público brasileiro, não assumindo, por consequência, a conotação de processo penal ou de procedimento “quase-criminal”.


Já no julgamento do MS nº 20.941-DF, o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE manifestou sua posição sobre o que chamou de “natureza primacialmente política do instituto”, considerando os atos praticados pelos órgãos do parlamento neste tipo de processo como, embora possuindo forma e eficácia jurisdicionais, essencialmente políticos.


Na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no MS nº 21.623-DF, trata o processo de impeachment como político-penal. No mesmo writ, entretanto, o Ministro CELSO DE MELLO não só admitiu ao impeachment uma natureza eminentemente política, como reconheceu à sanção, neste tipo de processo, uma índole político-administrativa.


Embora ainda persista a divergência carreada de forte conveniência político-partidária, não nos aventa razoável sustentar qualquer tipo de natureza penal para o instituto do impeachment ou mesmo natureza mista, político-penal quando falamos do mérito e não do procedimento. Trata-se de julgamento no qual, embora utilizando critérios jurídicos (procedimento), é decidida com base puramente política a conveniência ou não de manter um governante no cargo. Basta que aquele tenha procedido, conforme o art. 9º, 7 da Lei nº 1079/50, que define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento, de modo incompatível com o decoro, a honra e a dignidade do cargo, o que permite ao julgador uma discricionariedade tão ampla que só pode ser decidida a punição com base em critérios políticos. Essa excessiva abrangência da discricionariedade valorativa do órgão político julgador indica, então, possuir o instituto, em nosso sistema jurídico, natureza eminentemente política.


Inconteste em decorrendo o processo de impeachment de um “juízo de conveniência”, político em sua essência, é que se costuma dizer que o Judiciário não pode interferir na decisão de mérito proferida pela Câmara dos Deputados e, depois, pelo Senado Federal. Admite, contudo, a atuação do Supremo Tribunal Federal no processo quando a adoção de regra procedimental violar direito de defesa do acusado, visto que o procedimento recebe expressa tutela constitucional revestindo-se de uma natureza judicialiforme.


Pois, apesar de todo exposto, apostará a defesa de Dilma na tentativa de se judicializar o mérito do processo de impedimento por meio de recurso (ação) perante o Supremo Tribunal Federal, na tentativa de subverter o comando constitucional e tergiversar com a essência constitucional do instituto do impedimento. Aposta a defesa da Presidente possuir maioria ideológico-partidária no STF comprometida com a causa do Partido dos Trabalhadores capaz de desfazer a decisão final do Senado Federal a partir da análise do mérito do processo de impedimento – a existência ou não do crime de responsabilidade.


O processo de impedimento, talvez a medida mais democrática de previsão constitucional que nosso Diploma Maior de 1988 incorporara, possibilita que um governo que se desvia de seu sentido de probidade administrativa praticando crime de responsabilidade reste, a partir de um procedimento constitucional rígido, protagonizado pelos representantes eleitos pelo povo (Câmara dos Deputados – 1º juízo de admissibilidade e Senado Federal – 2º juízo de admissibilidade e julgamento do mérito) avalie a conveniência ou inconveniência de se manter no cargo mandatário acusado pelo cometimento do referido crime.


Representaria um GOLPE no Estado Democrático inadmitir a possibilidade da destituição de um governo eleito que se desvia do interesse público que o elegeu com fins de auto-locupletar-se apenas por haver em certo momento através do sufrágio alcançado uma momentânea maioria que o legitimava.


Quando o governo se desvia do interesse público que o elegeu e aquela maioria episódica alcançada pelo sufrágio não mais existe, quando a ampla maioria da sociedade clama por sua destituição, legitima-se a partir, que seus representantes eleitos para tal mister, que compõem o Congresso Nacional – Câmara e Senado – delibere sobre a perda dessa legitimidade superveniente, e caso entenda, segundo seu juízo político, pela ocorrência de crime de responsabilidade, delibere e decida pela retirada do mandato que perdera a legitimidade para sufragar o poder. A sociedade não pode ser escravizada por uma escolha infeliz (sufrágio), e com maiores razões quando dolosamente foi levada à erro de cognição quanto a realidade dos fatos.


Caso a Constituição de 1988 não previsse a possibilidade democrática de se discutir o impedimento possibilitaria que governos com o fulcro de alcançar seus fins eleitoreiros deliberadamente mentissem, levando a erro de cognição todo os eleitores que a eles confiram seus votos, possibilitando que em seus mandatos se desviassem do pacto social pré-eleitoral que motivou e legitimou seus sucessos nas urnas. Há sim um grau de fidúcia necessário entre os representantes eleitos e os representados que os elegeram que deve restar reafirmado durante todo o mandato.


Nossa Constituição perfez todas as linhas principais do processo de impedimento e com a recepção da Lei 1079/50, a partir do filtro constitucional proposto pelo Supremo Tribunal Federal, formatou-se nos termos constitucionais cada passo do procedimento que deliberará e julgará se o mandatário praticou ou não crime de responsabilidade.


Insta inconteste que o procedimento deve obedecer todas as garantas constitucionais outorgadas à defesa do mandatário impichado, como o contraditório, a ampla defesa e o devido processo constitucional, quando procedimento possui sim características judicialiforme.


Quanto ao mérito, conforme já assentamos, haverá um juízo políitico-discricionário sobre a existência ou inexistência do crime de responsabilidade, e deste objetivo constitucional não se pode afastar, tanto não se trata de uma decisão judicial que é tomada por políticos e cada voto dispensa fundamentação, quando sabemos que as decisões judiciais hão sempre de ser fundamentadas.


Incabível nos termos constitucionais a tentativa de se judicializar o mérito do impedimento – o julgamento quanto à existência ou não do crime de responsabilidade – pois retirar-se-ia todo o formato democrático do instituto quando não mais os representantes do povo decidiriam sobre o mandato do impichado eleito pelo povo, mas ativistas de toga não eleitos pelo povo e sim indicado por governantes que funcionariam como déspotas, quando golpeariam a Constituição de 1988 retirando a competência constitucional do Poder Legislativo sobre a questão meritória que se faz explícita e inafastável.


O julgamento final de mérito muito se assemelha ao que temos no tribunal do júri, quando os jurados (juridicamente leigos) decidem pela existência ou inexistência de crime doloso contra a vida. No julgamento do impedimento representantes do poder legislativo eleitos pelo povo (juridicamente leigos) decidirão segundo os seus conhecimentos e convicções se o mandatário impichado praticou ou não crime de responsabilidade. Em ambos a presidência da sessão caberá a um juiz de toga, quando para o julgamento do impedimento caberá ao ministro do Supremo Tribunal Federal.


Por obvio, assim como no tribunal do júri que não se exige dos jurados juridicamente leigos conhecimento jurídico para que condenem ou absolvam o acusado pela prática de homicídio doloso contra a vida, no julgamento de impedimento também não se exige conhecimento jurídico para que se absolva ou condene o mandatário pela prática de crime de responsabilidade.


E qual seria a diferença? A diferença é clara e precisa. A decisão do tribunal do júri por tratar-se de matéria jurídico-penal – crime comum (crime doloso contra a vida) – admite, especificamente, expressamente, que se recorra da decisão ao tribunal (2ª instância), quando os senhores de toga poderão rever a decisão posta pelo júri. Diferentemente dispôs sabiamente o constituinte originário no tocante ao processo de impedimento, que não previu qualquer possibilidade recursal da decisão política de mérito do Senado Federal exatamente por não se tratar de um crime comum, mas uma das hipóteses de crime de responsabilidade elencada como ato político-funcional que atente contra a probidade da Administração, jamais atos tidos como de crime comum estranhos ao exercício político-funcional do mandatário.


Assim nestes termos, quando o mandatário praticar crime comum responderá perante a justiça competente e não perante o Senado Federal como no caso de pratica de crime de responsabilidade, respeitadas às imunidades constitucionais previstas. Percebe-se que o sistema constitucional é redondo, possui uma unidade coesa, complementar e que se identifica.


Vale dizer, exempli gratia, exatamente como ocorreu no caso Collor, que restou condenado pelo Senado Federal pelo crime de responsabilidade e tempos depois absolvido pelo Supremo Tribunal Federal no tocante ao crime comum que restara acusado.


Com isso, queremos firmar que “cada um no seu quadrado” há de se manter em respeito aos lindes da Constituição Federal de 1988. Inadmissível a ideia que apostaríamos no melhor estilo “Mãe Dináh” da propositura de recurso (ação) por parte da defesa da Presidente judicializando o mérito do impedimento perante o Supremo Tribunal Federal a partir de uma possível condenação do impichado perante o Senado Federal.


Tentativa neste talante é tentativa de GOLPE à Constituição Federal de 88, que previu o início e o fim do processo de impedimento, quando este tem seu fim com a condenação ou absolvição do impichado pelo Senado Federal, sob pena do princípio Democrático, do princípio Republicano, do princípio da Separação dos Poderes restarem absolutamente vilipendiados com a capacidade de se instaurar a maior crise entre os “Poderes da República” da história deste país e a assunção de um super poder acima dos demais e da própria Constituição, que seria um Poder Judiciário semelhante ao Poder Moderador encetado na Constituição de 1824, em particular o Supremo Tribunal Federal absolutamente sem freios, absoluto por foca divina. Para assuntos que não são de sua competência “menos é mais”, assim deve proceder um Judiciário parcimonioso e respeitador dos seus limites constitucionais.


Pleito da defesa da presidente em caso de condenação pelo Senado Federal perante o Supremo Tribunal Federal deve ser inteiramente inadmitido de pronto pela mais absoluta incompetência constitucional do STF para apreciação da matéria. Da mesma forma, caso a Presidente reste absolvida pelo Senado Federal, mesma sorte deverá ter a demanda que porventura reste dirigida à Corte Maior que procure discutir o mérito de sua absolvição.


Retirar a decisão final do Senado Federal aceitando a judicialização do mérito sem que a Constituição tenha previsto referida possibilidade recursal (ou de ação) representaria um ativismo judicial odioso inteiramente sem base constitucional (processo descrito do início ao fim de CRFB/88 suplementado pela Lei 1079/50 já constitucionalmente filtrado pelo Supremo como dito), o que revelar-se-ia o mais factível exemplar de um torpe GOLPE perpetrado em conluio por quem tem por dever maior exatamente o de guarda da Constituição, assim o Supremo Tribunal Federal.


Ao Supremo Tribunal Federal cabe a interpretação das normas constitucionais, mas jamais como o fito de interpretar lhe está autorizado o direito de criar normas que não existem. A função criativa normativa cabe ao Poder Legislativo competente, salvo exceções constitucionais expressas.


Notem que o constituinte sabiamente atentou-se ao equilíbrio necessário para que reste tomada da decisão final, quando permite ao Supremo Tribunal Federal (Judiciário) cuidar das garantias constitucionais no tocante a defesa do impichado (devido processo constitucional) na Câmara e no Senado no que atine ao procedimento. Assim STF promoveu uma filtragem constitucional de todo o procedimento de impedimento, atendendo aos freios e contrapesos para que se tome a melhor decisão democrática. Mas não apenas, pois conferiu também a Presidência do julgamento do impedimento no Senado Federal não ao Presidente do Senado, mas ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, que não influenciará no mérito do impedimento, mas assegurará que a defesa da Presidente reste amplamente tutelada.


Resta evocar que a única demanda que seria constitucionalmente viável posteriormente a decisão final do Senado Federal atenderia ao tocante do procedimento, caso não restasse assegurada a ampla defesa da Presidente, situação que nos aparenta quase lúdica tendo em vista, conforme já fizemos lembrar e reiteramos, todo o procedimento sofreu a filtragem constitucional do Supremo e o julgamento é presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal exatamente para colocar ordem nos trabalhos e fazer com que o due processo of law não reste mitigado, mas sim inteiramente assegurado.


No que toca ao mérito, caso provocado, ao Supremo apenas caberá o constitucional "silêncio eloquente" de se abster. Apesar de todo exposto confiamos que o melhor entendimento no que concerne ao único direito admissível, o respeito à Constituição, há de prevalecer entre os insignes ministros do Supremo Tribunal Federal.


Principais artigos da Constituição Federal de 1988 que se relacionam com a discussão:


Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:


I - a existência da União;


II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;


III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;


IV - a segurança interna do País;


V - a probidade na administração;


VI - a lei orçamentária;


VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.


Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.


Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.


§ 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:


I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;


II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.


§ 2º Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.


§ 3º Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão.


§ 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.


Enfim, que a supremacia da Constituição reste respeitada, que a supremacia popular a partir de uma decisão final dos representantes do povo reste assegurada, sem que fins ideológico-partidários ilegítimos tomem a Corte Maior e aniquilem o Estado Democrático de Direito por meio de um Golpe antidemocrático.


Autor: Leonardo Sarmento é Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Processual Civil, Empresarial e com MBA em Direito e Processo do Trabalho pela FGV. Autor de 3 obras jurídicas e algumas centenas de artigos publicados. Nossa última obra (2015) de mais de 1000 páginas intitulada "Controle de Constitucionalidades e Temáticas Afins", Lumen Juris.

Palavras-chave: Crime de Responsabilidade Impeachment Dilma Rousseff STF "Conluio" CF

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