Consumidor Ganhou no Caso "Nestlé - Garoto"

José Marcelo Martins Proença - advogado, integrante da Advocacia Approbato Machado, Doutor pela USP em Direito Comercial. Autor do livro "Concentração Empresarial e o Direito da Concorrência", Editora Saraiva.

Fonte: Jornal Jurid

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José Marcelo Martins Proença ( * )

A rumorosa e acertada decisão proferida pelo CADE no caso "Nestlé-Garoto" expressa uma verdade até então pouco revelada: os consumidores brasileiros não são defendidos tão somente pelo seu Código, mas por outros sistemas legislativos também voltados para a função primordial de defender os hipossuficientes consumidores. A chamada de Lei do Abuso do Poder Econômico (no.8884/94), ou Lei Antitruste, tem por objetivo inegável defender o consumidor. De fato, em mercados competitivos, bem preservados por aquela lei, os preços dos bens e serviços tendem a permanecer próximos do ponto de equilíbrio entre a oferta e a demanda, contrariamente ao que ocorre em mercados concentrados, onde os preços se afastam do ponto de equilíbrio, ocasionando transferência indevida de riqueza do consumidor ao fornecedor.

Em mercados competitivos, os concorrentes tendem a produzir pelo menor preço, preocupando-se, inclusive, com a qualidade dos produtos.Em mercados concentrados, além da intenção de se vender pelo maior preço possível, com lucros arbitrários e abusivos, não há uma preocupação com a qualidade do produto, uma vez que não há perigo, em princípio, da perda da clientela. Assim, uma vez que a intenção da Lei Antitruste é proteger a concorrência nos mercados, ou seja, garantir um mercado efetivamente competitivo, não há como negar o objetivo da legislação de proteger os consumidores, dado que, em última análise, quem ganha com o mercado competitivo são eles.

É verdade que a concentração do mercado pode ser autorizada pelo CADE, mas desde que não prejudique o consumidor. A Lei Antitruste prevê expressamente a possibilidade da autorização dos atos de concentração empresarial, desde que: a) tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente, aumentar a produtividade; melhorar a qualidade de bens ou serviços; ou proporcionar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; b) os benefícios decorrentes da concentração sejam distribuídos eqüitativamente entre os seus participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais, de outro; c) não impliquem a eliminação da concorrência de parte substancial de mercado relevante de bens ou serviços; d) sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os objetivos visados.

No caso "Nestlé-Garoto", onde se constatou elevada concentração de mercado em vários produtos e sérias barreiras de entrada para eventuais novos agentes, o conselheiro Fernando de Oliveira Marques, em acertado e corajoso voto, manifestou o entendimento de que não houve demonstração da sua distribuição ao mercado e ao consumidor, aumentando a concorrência e, conseqüentemente, o bem-estar-social. Arrematando o voto, não vislumbrou efetivas possibilidades de distribuição eqüitativa dos benefícios da operação com os consumidores.

Outro conselheiro, Thompson Andrade, também deu um voto vigoroso em defesa do consumidor, destacando que a "elevada participação de mercado, aliada às barreiras à entrada presentes neste mercado, representará um forte desincentivo, seja para transferir parte das eficiências para os consumidores (distribuição eqüitativa), seja para realizá-las integralmente (ineficiência), em face do enfraquecimento da pressão competitiva. Ou seja, o menor vigor concorrencial representará um desestímulo para reduções de preços".

Por esses argumentos, ou seja, pela preocupação em defender o consumidor, o CADE tomou a decisão correta e justa, justificando-se a ementa do julgamento do caso "Nestlé - Garoto": "Eficiências insuficientes para compensar dano à concorrência e garantir a não redução do bem estar do consumidor". Tal decisão em não permitir a incorporação da Garoto pela Nestlé acaba por manter os direitos do consumidor intimamente relacionados com a manutenção da concorrência. À crescente classe dos "chocólatras", desde que não haja revés em qualquer esfera (já tentada, como é de conhecimento público), proponho um brinde com um generoso milk shake de chocolate.



Notas:

* José Marcelo Martins Proença - advogado, integrante da Advocacia Approbato Machado, Doutor pela USP em Direito Comercial. Autor do livro "Concentração Empresarial e o Direito da Concorrência", Editora Saraiva. [ Voltar ]

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2 Comentários

Renato D. de Carvalho comerciante18/02/2005 0:29 Responder

Com meu pouco conhecimento das leis (assim como a maioria da população), estou aqui a matutar se o CADE, ou algum órgão que o valha, se existir, não interfere quando os gigantes da área econômica vão fazendo aquisições apos aquisições. Será que não tem ninguém para acompanhar isso, para ver que com a concentração dos bancos o tanto comentado, pelo CADE: a concorrência, o menor preço e melhor qualidade pelos produtos, ficam relegados a segundo plano pelos banqueiros. Nos bancos hoje fazemos o deposito, retiramos o dinheiro, pagamos as contas e se tivermos que ir a agencia enfrentamos filas quilométricas. Dia destes dias estava na fila de um grande banco e vi um anuncio que o caixa não recebia IPVA, o correntista deveria paga-los tão somente pela internet. É BRINCADEIRA??? Nada contra a fusão da Nestlé e Garoto, (não posso comer chocolate mesmo, mas que gostava de comer gostava), nada contra a criação da AMBEV, (também não bebo), agora e quanto aos bancos? Alguém versado nestas circunstâncias poderia me dar uma luz? Faço aqui outra pergunta: Porque o CADE demorou todo este tempo (quase 3 anos 15/03/2002), porque só agora? E os prejuízos que isso vai dar, quem vai pagar? Não sei não mas pode vir ai uma nova MP assim como COPPANG (Contribuição Obrigatória Para Ajudar Nestlé Garoto). Vamos esperar pra ver pra quem vai sobrar.

Elzio Fernandes Baltar Administrador e Estagiario de Direito22/02/2005 12:08 Responder

Acrescento que o CADE deverá olhar com muita propriedade também a suposta parceria da SKY com a DIRECTV. Quando o consumidor faz a escolha para um determinado produto, entende-se que está preferindo um em detrimento ao outro por vários motivos. Neste caso, como consumidor da DIRECTV pago a mensalidade pelos bons serviços prestados. Mas a concorrência é tão brutal e vil, que a simples perda de audiência dos inespresíveis programas de domingo fazem com que o consumidor não poderá mais ter a simples opção de escolha pelo produto. Aliás uma concorrência desleal para com o consumidor, porque a SKY compra o direito de transmissão e o não transmite. A Lei Antritruste deverá ser aplicada neste caso específico. Ou o Monopólio da TV por assinatura estará estabelecido. Felizmente este propósito para com o consumidor já está refeito na Espanha, mas aqui no Brasil a coisa se arrasta. Senhores do CADE, observem. Nós consumidores ainda temos o direito de livre escolha.

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