A responsabilidade objetiva do empregador nos casos de acidentes de trabalho pelo desempenho de atividade de risco

Davi do Espírito Santo, Bacharel em Direito pela Faculdade Dinâmica das Cataratas - UDC - Foz do Iguaçu - PR. E-mail: davi.m@uol.com.br.

Fonte: Davi do Espírito Santo

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Davi do Espírito Santo ( * )

Na responsabilidade objetiva, há, em princípio, pulverização do dever de indenizar por um número amplo de pessoas. A tendência prevista é de que no contrato de seguro se encontrará a solução para a amplitude de indenização que se almeja em prol da paz social. Quanto maior o número de atividades protegidas pelo seguro, menor será a possibilidade de situações de prejuízo restar sem ressarcimento. Ocorre, porém, que o seguro será sempre limitado ou tarifado; optando-se por essa senda, indeniza-se sempre, mas certamente se indenizará menos. É o que ocorre, por exemplo, na indenização por acidentes do trabalho, nos acidentes aéreos e em várias outras situações. Como vimos o presente Código Civil apresenta norma aberta para a responsabilidade objetiva conforme artigo 927, parágrafo único. Nas chamadas normas abertas realça-se a discricionariedade do juiz, pontilhada amplamente no Código de 2002.

Essa norma da lei mais recente transfere para a jurisprudência a conceituação de atividade de risco no caso concreto, o que talvez signifique perigoso alargamento da responsabilidade sem culpa. É discutível a conveniência, ao menos na atualidade, de uma norma genérica nesse sentido. Como se pode observar no Código Civil de 2002, este acolheu expressamente a teoria da responsabilidade civil baseada no risco, estabelecendo, em seu artigo 927, parágrafo único, uma regra genérica segundo o qual "haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".

Para Cairo Júnior, a indagação que surge neste momento é a seguinte: o supracitado dispositivo legal, prevendo a responsabilidade objetiva, poderá ser aplicado às relações de trabalho, mesmo em conflito com o disposto no artigo 7°, XXVIII, da Constituição Federal de 1988, que só admite a responsabilização direta do empregador quando este agir com dolo ou culpa?

Segundo o autor, responde-se afirmativamente diante da seguinte situação hipotética: determinada empresa desenvolve atividade perigosa, mais precisamente fabricação de substâncias explosivas. Havendo detonação acidental de um depósito de explosivos, dentro do estabelecimento da referida empresa, que provoque danos, tanto nos empregados quanto nos seus vizinhos, a obrigação de indenizá-los não poderá ser derivada de uma responsabilidade subjetiva para os primeiros e, objetiva para os últimos, por uma simples questão de lógica e razoabilidade.

Diante dessa constatação, resta definir o fundamento para aplicabilidade da regra contida na norma ordinária e não o regramento constante do dispositivo constitucional, com a conseqüente inversão da hierarquia do ordenamento jurídico.

O Direito do Trabalho surgiu com o objetivo de, criando uma desigualdade jurídica inclinada para a proteção do operário, equilibrar a desigualdade existente na relação tática entre empregado e empregador, que pende para este último. Trata-se do princípio da proteção do qual deriva o princípio da norma mais favorável (1).

Pode-se objetar a construção doutrinária acima mencionada, argumentando que a aplicação do princípio supracitado só se verifica em se tratando de regras tipicamente trabalhistas, e o referido artigo 927, parágrafo único do Código Civil, somente seria aplicável às relações civis ordinárias. Uma análise apressada dessa assertiva poderia levar a sua aceitação. Contudo, percebe-se que o Direito do Trabalho não possui normas de base, ou seja, normas que tratam, verbi gratia, do ato jurídico, da nulidade, da responsabilidade civil, entre outros, que são necessários para a prevenção dos conflitos trabalhistas(2).

Desse modo, o Direito Comum, ou mais precisamente o Direito Civil, é utilizado de forma subsidiária não só pelo Direito do Trabalho, mas pelos demais ramos do Direito Privado, como o Direito Comercial, Direito do Consumidor, etc., contribuindo para a formação do conteúdo mínimo do contrato de trabalho e para a integração das normas trabalhistas, conforme o disposto no artigo 8º da CLT:

Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, pela analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Parágrafo único. O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

Definida a incidência da norma contida no artigo 927, parágrafo único do Código Civil, necessário se faz interpretar o conteúdo deste dispositivo legal. Adaptado à relação empregatícia, conclui-se que o empregador responde, objetivamente, pelos danos que causar, quando o desenvolvimento normal de sua atividade implicar, por sua própria natureza, risco para os direitos do empregado.

6.1. A ATIVIDADE DE RISCO

Atividade de risco é aquela exercida diretamente onde o risco é equivalente. Entende-se como atividade de risco aquela que tem a probabilidade, em maior ou menor grau, de provocar dano em outrem. Nas palavras de Sílvio de Salvo Venosa, o dispositivo da responsabilidade objetiva transfere para a jurisprudência a conceituação de atividade de risco no caso concreto, o que talvez signifique perigoso alargamento da responsabilidade sem culpa.

Assim, no âmbito da relação de emprego, são consideradas de risco as atividades insalubres e perigosas, estas definidas, respectivamente, pela CLT, da seguinte forma:

Artigo 189 da Consolidação das Leis do Trabalho:

Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.

Artigo 193 da Consolidação das Leis do Trabalho:

São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho, aquelas que, por sua natureza ou método de trabalho, impliquem o contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado.

Cairo Júnior relata que o Ministério do Trabalho e Emprego editou as Normas Regulamentadoras números 15 e 16 instituindo o quadro de atividades ou operações insalubres ou perigosas. Nesse sentido se manifesta Ana Paola Diniz (3):

À luz do Código Civil de 2002, a regra geral da responsabilidade subjetiva cede espaço à teoria objetiva naqueles setores da atividade empresarial identificáveis como de risco à saúde do trabalhador. À míngua de legislação delimitando-os, caberá ao magistrado estabelecê-lo nas situações concretas trazidas a juízo. Poderá ter como indicativo seguro, por exemplo, os índices de doenças ocupacionais e acidentes do trabalho manifestáveis em cada empresa, ou dentro da mesma empresa, em cada setor de trabalho; as atividades relacionadas como insalubres ou perigosas pela Normas 15 e 16 e, até mesmo, a legislação previdenciária quando estabelece a conexão entre a manipulação de algumas substâncias no trabalho e as doenças profissionais.

Por fim, Cairo Júnior, relata que aos empregadores que desenvolvam atividades que não são consideradas insalubres ou perigosas, continua prevalecendo a teoria da responsabilidade civil fundada na culpa do empregador de natureza contratual.

Destarte, qualquer acidente ou doença que advenham do trabalho, nos termos da Lei 8.213/91 e demais diplomas legais que seguiram desde sua edição, dispensam a prova de culpa, operando-se o ressarcimento objetivamente, mesmo que a culpa pelo infortúnio seja exclusiva do trabalhador. Ainda assim, farão jus aos benefícios previdenciários, pois está coberto pelo seguro social(4). A responsabilidade da Previdência Social pelo acidente é objetiva e contratual. Não se perquire o nexo causal e o dano, portanto, a existência de uma lesão incapacitante, decorrente do trabalho.

Se pretender, contudo, responsabilizar diretamente o empregador, entendendo que este laborou com dolo ou culpa, contribuindo para a ocorrência do acidente, terá que discutir tal culpabilidade na esfera extracontratual. Isto ocorre porque a responsabilidade civil do empregador independe da responsabilidade objetiva da previdência e pode ser pleiteada cumulativamente com aquela e sem prejuízo da mesma.

Os acidentes e doenças causados pelos riscos existentes nos ambientes de trabalho são pagos pela sociedade através do sistema de seguridade, ou seja, a sociedade paga pelos danos causados pelo empregador. O trabalhador vítima de acidente ou doença só consegue estender esta responsabilidade para a empresa através de ação civil reparatória, quando consegue provar que a empresa agiu com má-fé, provando a existência de 'culpa ou dolo', predominando assim a responsabilidade subjetiva.

Portanto, a prova da culpa do empregador, em se tratando de responsabilidade extracontratual, não se presume, devendo ser demonstrada pelo trabalhador lesionado, sob pena de insucesso no pleito. Excepciona-se, por oportuno, os fatos que somente podem ser provados por documentos de posse exclusiva do empregador, como boletins de ocorrência, atas de reunião da CIPA, relatórios, controles internos, comprovantes de fornecimento de EPIs e outros, que não estando à disposição do trabalhador, devem ser juntados pelo empregador, por força do artigo 359 do Código de Processo Civil, operando-se a inversão do ônus da prova em relação a todos os fatos contestados, com eles relacionados(5).

Foram diversas as matérias transferidas à análise do Poder Judiciário, que ao interpretar o conceito de acidente de trabalho e a amplitude conferida ao mesmo, pela legislação previdenciária criou novas concepções bastante ousadas e inovadoras. Para tanto, rompeu com os velhos entendimentos que limitavam a proteção ao trabalhador, sobretudo quanto aos acidentes de trajeto, nos quais, a jurisprudência, após muitas discussões acerca da interrupção do nexo causal com relação ao trajeto percorrido de casa para o trabalho e vice-versa, passou a entender que paradas momentâneas (padarias, escola, etc.) não desnaturam o acidente de trajeto.

O legislador não chegou a definir, nem ao menos exemplificar, as chamadas atividades de risco. Em alguns casos a tipificação é óbvia, como por exemplo, postos de gasolina, refinarias, distribuidoras de combustíveis e quaisquer outras empresas que exerçam atividades de manejo de inflamáveis, alta tensão, empresas de vigilância, transporte de valores, fábricas de produtos tóxicos etc. Em outros, caberá ao juiz definir, com base nas circunstâncias do caso concreto, se determinada atividade causadora de dano poderia ser considerada atividade de risco, para fins de caracterização da responsabilidade objetiva.

Conclui-se que a responsabilidade do empregador deve ser entendida de forma subjetiva, por culpa, e no sistema da culpa aquiliana, ou seja, independentemente do grau de culpa, até por culpa leve.

É claro que é indispensável considerar do grau de culpa para fins de arbitramento da condenação, como de regra, uma vez que ocorrida culpa levíssima do empregador não há como se fundamentar e sustentar da pertinência de condenação nos mesmos moldes da hipótese se tivesse obrado com culpa grave o empregador, realizando-se, em suma, graduação importante, por exemplo, no momento da fixação das verbas de reparação de dano patrimonial e extra-patrimonial, tipicamente cumuláveis neste tipo de ação. Isso com o novo Código Civil são de mandamento expresso, nos termos dos artigos 944 e 945.

No caso, os acidentes de trabalho, ocorrendo, ofendem a integridade física do empregado, e assim podem ser esses titulares de pedidos de dano material e moral, e nesse caso deve ser cotejado, para fins de fixação dessa reparação pelo juiz, o grau de culpa objetiva do empregador.

Desse modo, a tradicional responsabilidade extracontratual, extra negocial, também denominada tradicionalmente aquiliana, apresenta hodiernamente outros matizes, pois não coincide unicamente com o aspecto da reparação dos atos ilícitos. Há indenizações em sede de direitos difusos ou coletivos que extrapolam esse simples entendimento. A responsabilidade civil do empregador tem natureza contratual. Em qualquer hipótese, a culpa constitui elemento indispensável para sua configuração, salvo nos casos em que o empregador desenvolva atividades insalubres e/ou perigosas, quando a sua responsabilidade passa a ser objetiva em face do dispositivo no artigo 927, parágrafo único do Código Civil de 2002, citado anteriormente.

Relevante destacar que o ônus da prova não pertence ao empregado, mas sim ao empregador, que somente se exonera se demonstrar a existência de caso fortuito ou força maior, sem ligação com o meio ambiente do trabalho ou a culpa exclusiva da vítima.

Aquele que desempenha a atividade de risco, em concreto ou em potencial, não agir com as cautelas normais de segurança, se pode concluir pela aplicação da responsabilidade civil objetiva. E é bastante razoável dizer que a responsabilidade civil objetiva prevista no Código Civil em muito se aproxima com a figura do dolo eventual, em que o agente, pessoa física ou jurídica, assume o risco de produzir dano, embora não o deseje.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAIRO JÚNIOR, José. O Acidente de Trabalho e a Responsabilidade Civil do Empregador. São Paulo: LTr, 2004.

COL, Helder Martinez Dal. Responsabilidade Civil do Empregador: Acidentes de Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

DINIZ, Ana Paola S. M. Saúde no Trabalho. São Paulo: LTr, 2003.



Notas:

* Davi do Espírito Santo, Bacharel em Direito pela Faculdade Dinâmica das Cataratas - UDC - Foz do Iguaçu - PR. E-mail: davi.m@uol.com.br. [ Voltar ]

1 - CAIRO JÚNIOR, José. 2004. [Voltar]

2 - CAIRO JÚNIOR, José. 2004. [Voltar]

3 - DINIZ, Ana Paola S. M. Saúde no Trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p. 103. [Voltar]

4 - Col, H. M. Dal. 2005. [Voltar]

5 - COL, H. M. Dal. 2005. [Voltar]

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