Cunha afastado pelo STF? É constitucional?

O Direito não deve restar fundamentado por valores ideológicos, deve sim ser técnico, amparado pela ordem posta que lhe garantirá o lastro mínimo para que não ganhe ares ditatoriais de um arrivismo indesejado

Fonte: Leonardo Sarmento

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O Direito não deve restar fundamentado por valores ideológicos, deve sim ser técnico, amparado pela ordem posta que lhe garantirá o lastro mínimo para que não ganhe ares ditatoriais de um arrivismo indesejado. É preciso atuar com previsibilidade para que tenhamos segurança jurídica.


Inicialmente não vemos, que o art. 86, parágrafo 1º, I da CRFB autorizaria o afastamento de Eduardo Cunha das funções que preside, mas para esta conclusão há que se fundamentar os motivos que nos levaram a assim concluir.


Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.


§ 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:


I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;


(...)


Inelutável que pretende a norma disposta pelo Constituinte impedir o exercício da Presidência de República por réu em processo criminal, quando o princípio da Presunção de Inocência se relativizaria no objetivo de afastá-lo temporariamente de suas funções para a manutenção: da ordem que poderia sofrer com as influências politicas do cargo, da imagem institucional, da estabilidade política e de um hígido Estado Democrático de Direito.


Sem pedaladas constitucionais, o art , 86, parágrafo 1º, I é claro e literal quando trata da suspensão tão apenas do Presidente da República, inserido no Capítulo II – Do Poder Executivo; Seção III – Da Responsabilidade do Presidente da República. Não cabe ao intérprete constitucional ler o que lhe convém quando não é o que se estabeleceu a Constituição federal de 1988. A interpretação da norma constitucional sempre que for clara, límpida, deve ser literal, quando não se trata de uma norma plurissignificativa. Não pode o intérprete interpretar uma norma nos termos de sua conveniência. A ordem jurídica há que conter os atributos da previsibilidade e da segurança jurídica, essenciais para manutenção de um Estado Democrático de Direito não oportunista.


Doutrina ainda quase muda. Que praticamente nada diz à respeito pela novidade da situação, poderá vir a sugerir ser aplicável aos Presidentes da Câmara e do Senado o artigo 319 do Código de Processo Penal, que prevê entre as medidas cautelares alternativas à prisão preventiva a “suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais.


Para essa doutrina seria preciso entrementes, que houvesse processo instaurado, quando em já existindo elementos e indícios mais robustos da prática do delito. É uma barreira protetiva necessária que se insere para preservar o detentor de mandato político, investido no cargo pela soberania popular.


Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).


(...)


VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).


Entendemos inobstante, que o afastamento do presidente da Câmara Eduardo Cunha seria mais uma questão interna corporis da Casa Legislativa, quando uma decisão do Judiciário desse talante poderia ser interpretada como uma interferência indevida de um Poder no outro, ativismo judicial indesejado. Há que se notar que, cargos políticos não estão sujeitos ao mesmo regime dos agentes públicos em geral, estes sim, alvos do artigo 319 do CPP, e isso fundamenta-se com fulcro no princípio da legitimidade popular, quando o Supremo Tribunal Federal deveria adotar uma postura de autocontenção.


Nossa posição está coerente com a posição que adotamos quando o STF fixou o rito de impedimento da Presidente. Nos pronunciamos no sentido de que necessário seria o Supremo trabalhar com a autocontenção em respeito a separação de poderes que revela-se cláusula pétrea constitucional, no sentido dos princípios Democrático e Republicano.


Ocorre que, não foi desta forma que manifestou-se o Supremo Tribunal Federal, quando interferiu, atuou como legislador positivo diante do também literal art. 186 daConstituição Federal, dizendo por si o que nem o constituinte e nem o legislador constituído ordenaram em nosso direito posto constitucional.


Assim, da mesma forma que entendemos por equivocada a decisão do Supremo Tribunal Federal que conferiu poderes não dispostos no texto constitucional ao Senado Federal para admitir ou inadmitir o processo de impedimento por mera maioria simples, caso já admitido pela Câmara dos Deputados (em uma espécie de juízo de revogação do que deliberou a Câmara por maioria gravosa se 2/3); não podemos admitir que se eleja uma leitura conveniente por parte do Supremo quando não é do Presidente da Câmara que trata o art. 86, parágrafo 1º, I, da Constituição, mas sim do Presidente da República.


E para essa interpretação do constituinte de 1988 há uma lógica razoável. O Presidente da República é mandatário eleito direitamente pelo povo, quando o Supremo Tribunal Federal – instituição colegiada - poderá afasta-lo nos crimes comuns, enquanto para os crimes de responsabilidade a tarefa caberá ao Senado Federal – instituição também colegiada. Já o Presidente da Câmara é escolhido pelo plenário da Casa que pertente - órgão colegiado – e pelo princípio da Paridade da Formas é a própria Câmara que deve retirá-lo da Presidência da Casa.


Assim que, inelutavelmente afigura-nos assunto interna-corporis, quando não vem agasalhada a possibilidade de afastamento temporário do Presidente da Câmara dos Deputados pela Constituição Brasileira de 1988 e o artigo mencionado do CPP é direcionado para agentes públicos e não cargos políticos.


Finalizamos lembrando que, o Supremo Tribunal Federal poderá mais uma vez inconstitucionalmente legislar positivamente retirando a competência mais uma vez da Casa do Povo – Câmara dos Deputados – de atuar ao seu tempo (ainda que irrazoável), mais uma vez judicializando o que resta incontestavelmente no âmbito da política. Cabe a política a resolução dos problemas da política quando o ordenamento posto nada dispôs. E que não me venham novamente com o tal do “silêncio eloquente”, um grande subterfúgio encontrado pela doutrina para legislar positivamente sem competência para tal mister. É preciso que em um Estado Democrático de Direito haja minimamente previsibilidade e segurança jurídica, por mais duro que possa parecer sua recepção ao caso concreto.


Até o presente instante primamos pela técnica, quando aplicamos o direito ao caso concreto sem contorcionismos. Saindo da técnica jurídica temos para nós que o Presidente Eduardo Cunha não possui mais legitimidade para ocupar o cargo de Presidente da Câmara, que embora eleito, por suas manobras muitas vezes despidas do atributo da melhor ética que deveria primar a atuação do ocupante do cargo maior da Câmara, que se somam aos fortíssimos indícios de desvios funcionais, ausência de decoro, entre outras acusações que lhe são imputadas ainda oficiosamente (já que ainda não é réu), deveria Cunha afastar-se para que pudesse articular sua defesa sem utilizar-se dos poderes que o cargo lhe confere a fim conferir uma maior estabilidade institucional à Câmara dos Deputados, que com a sua presidência, hoje, encontra-se absolutamente sem credibilidade e sem força institucional para fazer valer até mesmo as suas prerrogativas constitucionais, quando se viu absolutamente esvaziada no rito do processo de impedimento conforme articulamos preteritamente.


Cunha goza de uma capacidade intelectiva política incontestável, um profundo conhecedor do regimento interno da Casa, mas que com lamento é nitidamente utilizada para autobeneficiar-se e beneficiar aos seus aliados, mesmo modelo putrefato de fazer política utilizado pelo Palácio do Planalto e que deveria restar catapultado para o quinto dos infernos, este o nosso desejo mais íntimo e verdadeiro, mas nem sempre “querer é poder”, há que se respeitar a ordem posta, sem o qual fragilizado estará o Estado Democrático de Direito, porém o "fora Cunha" deve sair às ruas ao lado de outras personae non gratae que o Estado Tupiniquim insiste em guardar, proteger.


Independentemente destes dois parágrafos finais (atécnicos) não nos é dado o direito de interpretarmos a Constituição da Republica Federativa do Brasil por nossas conveniências ou quereres íntimos, ainda que possa nos parecer o melhor para o Brasil. O ordenamento posto deve ser respeitado, a vontade do constituinte e o poder de conformação do Legislativo da mesma forma. O Legislativa nada dispôs à respeito. O Supremo Tribunal Federal não pode pretender julgar, legislar e executar quando desejar, quando lhe convier - as competências constitucionais devem ser respeitadas e o princípio da Separação dos Poderes, Democrático e Republicamos, todos cláusulas pétreas da nossa Constituição não podem restar secundarizados por qualquer espécie de conveniência, ainda que possa parecer para o bem do Brasil.


Quando o STF parece demonstrar-se com uma atividade não amparada pela Constituição em detrimento de uma desejada autoconteção em certas disciplinas, com entendimentos jurídicos muitas vezes frágeis ou até mesmo distorcidos do melhor direito no afã de atender interesses que não deveria tutelar, é preciso conter o Supremo Tribunal Federal para que não se torne despótico, ditatorial, quando ao contrário, o Supremo deveria cumprir o papel de iluminar a democracia e o respeito à nossa Constituição Republicana, à começar por sua intervenções que se façam apenas quando amparadas pela Lei Maior, quando razoáveis.


Não é por ser uma oposição que luta com as mesmas armas sujas do Governo Federal que poderá o Supremo arvorar-se para tomar partido desta imunda disputa por protagonismos. Por ora, a política que se resolva e o direito que atue nos termos que lhe é disposto pela ordem posta, muito embora de um Supremo Tribunal Federal de fortes raízes ideológicas em sua atual concepção, a autocontenção parece ser a exceção e o ativismo destemperado uma regra na defesa de interesses seletivos.


Leonardo Sarmento

Leonardo Sarmento

Professor constitucionalista

Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Direito Processual Civil, Direito Empresarial e com MBA em Direito e Processo do Trabalho pela FGV.


Palavras-chave: Eduardo Cunha Afastamento STF CF CPP

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