Parecer Jurídico sobre os direitos de crianças e adolescentes portadores de Transtorno de Espectro Autista (TEA) no direito brasileiro vigente
Por Gisele Leite e Ramiro Luiz Pereira da Cruz.
Do Relatório
O
presente parecer aborda o caso concreto noticiado por Ucho.Info. postada em
18.02.2022 que noticia maus-tratos a criança com deficiência em escola no
Maranhão, ocorrido na cidade de São Luís, onde a criança passou a apresentar
resistência em ir às aulas que frequentava na Escola Crescimento. A criança
frequentava a referida escola desde os dois anos e sete meses de idade. Trata-se
de instituição de ensino particular, mas, que tem o dever de respeitar
integralmente todas as normativas existentes particularmente as do Direito
Educacional vigentes no país.
Convém
ressaltar que em face da federação brasileira, os Estados e os Municípios não
dispõem de plena autonomia para dispor sobre sua organização, inexistindo,
portanto, liberdade absoluta nem plenitude legislativa no tocante a matéria.
De
fato, a Constituição Federal Brasileira é a sede de normas centrais que confere
homogeneidade aos ordenamentos parciais constitutivos do Estado federal, quer
seja no plano constitucional, no domínio das Constituições Estaduais, seja na
área subordinada à legislação ordinária.
Assim, com fulcro na Lei 12.764/2012 que instituiu a
Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro
Autista, e que estabeleceu diretrizes para sua concretização, em seus
dispositivos, a saber: art.3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro
autista:
I. a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer. (...)
Art.
4º A pessoa com transtorno do espectro autista não será submetida a tratamento
desumano ou degradante, não será privada de sua liberdade ou do convívio
familiar nem sofrerá discriminação por motivo de deficiência. (grifo
nosso).
Conclui-se,
ipso facto, que cabe ao Poder Público assegurar efetivamente o direito à
saúde e ao bem-estar de todos os portadores desse transtorno, como garantia de
direito à vida.
Convém,
ressaltar que se trata de Parecer jurídico opinativo, tecendo considerações de
ordem técnico-opinativo. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal que, de
forma específica, já expôs seu entendimento, in verbis:
"O
parecer emitido por procurador ou advogado de órgão de Administração Pública
não é ato administrativo. Nada mais é do que opinião emitida pelo operador do
direito, opinião técnico-jurídica, que orientará o administrador na tomada da
decisão, na prática do ato administrativo, que se constitui na execução ex
officio da lei. Na oportunidade do julgamento, porquanto envolvido na
espécie simples parecer, isto é, ato opinativo que poderia ser, ou não
considerado pelo administrador”.(Mandado de Segurança 24.584-1. Distrito
Federal. Relator Ministro Marco Aurélio de Mello - STF).
As
crianças com TEA apresentam alterações na comunicação, interação social e
comportamental e, assim, existem diversos desafios para sua inclusão em
diferentes espaços sociais. Passaremos analisar as leis que garantem a educação
e a inclusão das crianças portadoras de TEA no ensino regular. Aliás, é
previsto no texto constitucional vigente e também em normas infraconstitucionais,
que a educação é direito de todos, sem distinções, como garantia de
concretização do princípio da dignidade da pessoa humana que é um dos
fundamentos do Estado Democrático de Direito, conforme artigo 1º, II da
CFRB/1988, inerente à República Federativa do Brasil.
O brilhante doutrinador Ingo Wolfgang Sarlet
(2001) bem define a dignidade humana, in litteris:
"Temos por dignidade da pessoa humana a
qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do
mesmo respeito e consideração por parte
do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e
deveres fundamentais que assegurem a
pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como
venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável,
além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos
da própria existência e da vida em
comunhão dos demais seres humanos."
Frise-se
que a dignidade da pessoa humana, em sendo um fundamento da República, a essa
categoria erigido por ser um valor central do direito ocidental que preserva a liberdade individual e a
personalidade, portanto, um princípio fundamental, alicerce de todo o ordenamento
jurídico pátrio, não há como ser
mitigado ou relativizado, sob pena de gerar a instabilidade do regime
democrático, o que confere ao dito fundamento caráter absoluto.
Infelizmente,
em nosso país, é sabido que o acesso à educação inclusiva e de qualidade aos
portadores de TEA é tarefa hercúlea, tendo em vista os inúmeros obstáculos para
sua consumação e, somente através da luta de familiares dessas crianças, que
esses direitos se tornam possíveis.
No Brasil, existem várias leis que protegem as
pessoas com deficiências tal como a Lei 12.764/2012, Lei 7.85/1989, Lei
8.899/1994. Além da Lei de Inclusão, a Convenção de Direitos da Pessoa com
Deficiência e a Carta dos Direitos para pessoas com autismo de 1992.
É primordial entender que a escola inclusiva é
aquela que abre espaço para todas as crianças, incluindo as que apresentam
necessidades especiais. É um direito do autista e de seus familiares e um dever
da escola, a qual a família busca matricular essa criança. Infelizmente, ainda
existe grande resistência na inclusão de autistas nas escolas de ensino
regular, apesar da garantia à lei, à igualdade e à inclusão escolar sejam
patentes e positivadas, mas, não são suficientes.
Pois, faltam condições estruturais que se referem tanto aos aspectos físicos (equipamentos e materiais pedagógicos, por exemplo) como os recursos humanos (acesso aos programas de formação continuada e o apoio de profissionais de educação especializados).
Mas,
repise-se que a educação é um direito de todos, sem distinção. Afinal, a
inclusão de pessoas com autismo, partindo de uma justificativa jurídica de
políticas de inclusão, na qual a Constituição da República Federal do Brasil de
1988 buscou alcançar a universalização do ensino, conforme define o seu artigo 6º,
que aponta que a educação como direito fundamental social, reconhecido também
no artigo 205 do mesmo diploma legal
como um direito de todos e dever do Estado e da família que tenciona o pleno
desenvolvimento da pessoa seu preparo para exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
A
escola deve ser inclusiva além de aperfeiçoar a convivência em comunidade, de
forma que seja livre de preconceitos, discriminações e rejeições. À luz do
princípio da igualdade material, onde se trata de forma desigual pessoas que se
encontram em condições desiguais e, em conformidade de suas desigualdades,
também da dignidade da pessoa humana que é algo pertencente ao ser humano, algo
atrelado a este, que ninguém pode subtrair, bem como, do princípio da inclusão
que parte do direito de todos à educação, independentemente das diferenças
individuais.
O
autismo é conhecido como uma alteração que provoca um distanciamento da criança
do mundo exterior, ficando sempre centrado em si mesmo, o que indica sérias
perturbações nas relações afetivas. É uma síndrome que causa alterações na
capacidade de interação social, no qual provocam sinais e sintomas como
desarmonia na fala, prejuízo na forma de expressar ideias e sentimentos, e
ainda apresentam comportamentos incomuns como não gostar de interagir, ficar
agitado ou repetir movimentos incessantemente.
Sendo
um Transtorno do Neurodesenvolvimento, sendo o Transtorno do Espectro Autista
(TEA) uma categoria diagnóstica que pode ser definida em leve, moderada ou
severa.
O termo ‘‘autismo’’ deriva do grego “autos”, que significa “por si mesmo”. Essa palavra foi usada pela primeira vez pelo psiquiatra Eugen Bleuler em 1908, para descrever um paciente esquizofrênico que se isolava em seu próprio mundo.
Embora
o autismo tenha um número relativamente grandioso de ocorrência, somente no ano
de 1993 foi inserido na Classificação Internacional de Doenças da Organização
Mundial da Saúde. Já em 2008, no dia 2 de Abril foi instituído pela ONU como o
Dia Mundial de Conscientização do Autismo.
Atualmente,
acredita-se que o causador do autismo é uma base genética, hereditária, em que
os pais passam para os filhos uma mutação nova, em que aparece somente na
criança.
O
artigo 1° da Declaração Universal da ONU, de 1948 diz que “todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e
consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade”. Já
a Constituição Federal de 1988 consagrou a dignidade humana como princípio fundamental
da República Federativa do Brasil.
Deste
modo, exige-se que todas as instituições públicas e privadas, devam observar
esse princípio no qual é uma qualidade intrínseca ao ser humano, algo
inseparável que ninguém nunca pode retirar. Então, se conclui que as pessoas
com espectro autista têm o direito de uma vida com dignidade, que é inerente a
eles. Conforme o magistério de Moraes (2005, p. 129):
“A dignidade da pessoa humana é um valor
espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta, singularmente, na
autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a
pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo
invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente
excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos
fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas
as pessoas enquanto seres humanos”.
As pessoas com autismo têm os mesmos direitos, previstos na Constituição Federal de 1988 e outras leis do país, que são garantidos a todas as pessoas, também tem todos os direitos previstos em leis específicas para pessoas com deficiência (Leis 7.853/89, 8.742/93, 8.899/94, 10.048/2000, 10.098/2000, entre outras) e bem como em normas internacionais assinadas pelo Brasil.
A Lei
nº 12.764 de dezembro de 2012, foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff e
institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno
do Espectro Autista (TEA) e as garantias, de configuração própria para a sua
efetivação. Foi, sem dúvida, um marco decisivo em relação aos direitos do
autista.
O
dispositivo legal vai além de meramente estabelecer diretrizes para a proteção
dessas pessoas, em seu parágrafo segundo ele determina que a pessoa com
transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência para todos
os efeitos legais, tendo direito a todas as políticas de inclusão do país -
entre elas, as de Educação: “§ 2ºA pessoa com transtorno do espectro autista é
considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais”.
A Lei
12.764, a partir do seu artigo 3°, especifica uma série de direitos que são
inerentes às pessoas com transtorno de espectro autista, importante salientar
que muito destes já estavam elencados na Constituição da República e na
legislação constitucional e agora na Lei 12.764 e na Lei 13.146/2015 (Estatuto
da pessoa com deficiência).
In
litteris:
Art. 3° São direitos da pessoa com
transtorno do espectro autista:
I - a vida digna, a integridade física e
moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer;
II - a
proteção contra qualquer forma de abuso e exploração;
III -
o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas
necessidades de saúde, incluindo:
a) o
diagnóstico precoce, ainda que não definitivo;
b) o
atendimento multiprofissional;
c) a
nutrição adequada e a terapia nutricional;
d) os
medicamentos;
e)
informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento;
IV - o
acesso:
a) à
educação e ao ensino profissionalizante; [...]
A vigente Constituição Federal
brasileira, já alcunhada de Redentora, deixa patente em suas disposições a
proteção das pessoas com deficiência seja no sistema de educação, no mercado de
trabalho, na garantia de direitos previdenciários, dentre outros, e nesse
sentido há o artigo 208, e seus incisos III e IV, in litteris:
Art. 208. O dever do estado
com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...]
III - atendimento educacional
especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular
de ensino;
IV - acesso aos níveis mais elevados de
ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.
A Constituição vigente trata
também sobre a educação no artigo 227, § 1º, inciso II, dispõe que:
Art. 227.
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.[...]
II-criação de programas de prevenção e
atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física,
sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem
portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a
convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a
eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.
A Constituição Federal também
garante no seu artigo 203 a habilitação, a reabilitação e a integração de
pessoas deficientes, e ainda garante um salário-mínimo mensal para quem não
tiver como se manter ou ser mantido pela família.
O assunto educação também é
abordado no Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90 (ECA). O artigo
54, diz que:
É dever do Estado assegurar à
criança e ao adolescente:
I - ensino fundamental, obrigatório e
gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva extensão da obrigatoriedade
e gratuidade ao ensino médio;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
Foram definidos na Resolução
do Conselho Nacional de Educação. CNE nº4/2009 nesses termos:
“Alunos com deficiência são aqueles que têm
impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou
sensorial [já os] alunos com transtornos globais do desenvolvimento [são os
que] apresentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento
nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa
definição alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Ret,
transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem
outra especificação [e,os] alunos com altas habilidades/superdotação [são] aqueles
que apresentam um potencial elevado e grande envolvimento com áreas de
conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança,
psicomotora, artes e criatividade” (CNE, 2009, p. 1).
Convém, indicar que é cabível
a punição administrativa para gestor
escolar pelo descumprimento da lei.
O art. 7º da Lei 12.764 prevê
punições de caráter administrativo para o gestor escolar ou autoridade
competente que desaprova a matrícula de aluno com transtorno do espectro
autista, ou qualquer outro tipo de deficiência e poderá ser punido por multa de
3 (três) a 20 (vinte) salários-mínimos.
O desacordo do gestor escolar
ou autoridade competente à matrícula de pessoa com transtorno do espectro
autista não pode se consistir no simples fato da falta de vagas ou até mesmo na
falta de atendimento especializado, pois a jurisprudência tem entendido que os
motivos acima não são suficientes para os entes públicos se furtarem a
responsabilidade da educação inclusiva.
As escolas costumam afirmar
que existe um limite de vagas para alunos especiais em cada turma, porém, não
há fundamento legal que justifique tal afirmação. De fato, a lei não impõe esse
limite e a jurisprudência também não o aceita. É o que se extrai de
interessante julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferido
em 08 de novembro de 2017:
APELAÇÃO – AÇÃO INDENIZATÓRIA – RECUSA NA
MATRÍCULA DE CRIANÇA COM NECESSIDADES ESPECIAIS – NÚMERO MÁXIMO DE ALUNOS POR
SALA –DANOS MORAIS VERIFICADOS - O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei
13.146/15) estabelece que a matrícula de pessoas com deficiência é obrigatória
pelas escolas particulares e não limita o número de alunos nessas condições por
sala de aula; - As provas dos autos denotam que havia vaga na turma de
interesse da autora, mas não para uma criança especial, pois já teriam atingido
o número máximo de 2 alunos por turma; - Em que pese a discricionariedade
administrativa que a escola tem para pautar os seus trabalhos, a recusa em
matricular a criança especial na sua turma não pode se pautar por um critério
que não está previsto legalmente. A Constituição Federal e as leis de proteção
à pessoa com deficiência são claras no sentido de inclusão para garantir o
direito básico de todos, a educação; -
Não há na lei em vigor
qualquer limitação do número de crianças com deficiência por sala de aula, a
Escola ré sequer comprovou nos autos que na turma de interesse da autora havia
outras duas crianças com deficiência – e também o grau e tipo de deficiência –
já matriculadas, - Dano Moral configurado – R$20.000,00. RECURSO PROVIDO (TJSP
- 30ª Câmara de Direito Privado. Processo: Apelação 1016037-91.2014.8.26.0100.
Relatora: Maria Lúcia Pizzotti. Julgado em 08/11/2017) (Grifo nosso)
A Suprema Corte brasileira
abordou sobre pessoas com deficiência no ensino regular no julgamento da Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5357. Dessa forma, julgou constitucionais
as normas do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), no que
discorre de a exigência das escolas privadas acolherem pessoas com deficiência
no ensino regular, bem como a adaptação destes no ambiente escolar e prover as
medidas de adaptação necessárias sem que
o ônus financeiro seja repassado às mensalidades, anuidades e matrículas.
Com a promulgação da Lei
12.764/2012 em 27 de dezembro, foi a primeira lei a considerar o autista como
uma pessoa com deficiência e, entre os direitos alcançados está o de ter
acompanhante especializado em sala de aula, conforme aduz o seu artigo 3º: “em
casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista
incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art.
2°, terá direito a acompanhante especializado.”
Este dispositivo, em destaque,
certamente é um grandioso passo para a educação inclusiva. Antes dessa lei, as
pessoas com autismo não dispunham de legislação específica para que tivessem os
seus direitos de acesso à educação assegurados.
A Lei 13.146/2015 que garante
que os discentes com autismo, ou outro transtorno que exija tratamento
especial, tenham acesso à escola. E,
portanto, a instituição escolar deverá prover as adaptações que favoreçam o
desenvolvimento da criança ao espaço em questão. E, também o fornecimento de
material gratuito, caso necessário.
Lembremos que o ser humano
enquanto ser social se desenvolve em contato com outras pessoas, e dessa forma,
vai colaborando para o adequado desenvolvimento do autista bem como a superação
de suas dificuldades.
Portanto, a existência do
acompanhante faz-se essencial dentro do contexto escolar posto que atuará como
facilitador de relações entre o discente e os demais alunos, não retirando o
papel do professor, que deve atuar junto com acompanhante, desempenhando suas
funções no procedimento de desenvolvimento do aluno.
O acompanhante não pode ser
visto como babá, pois seu labor está voltado a prover independência do discente
portador de TEA, para que ela, consequentemente, no futuro, alcance controlar
suas emoções e realizar de forma mais fácil as atividades cotidianas.
A jurisprudência brasileira
provê e reconhece plenamente o direito a não efetivação do direito à educação
inclusiva, conforme abaixo:
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. MANDADO DE
SEGURANÇA. REEXAME NECESSÁRIO. MENOR PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA. DIREITO A ACOMPANHAMENTO
ESPECIALIZADO NO HORÁRIO
ESCOLAR. LEI 12.764/2012.I - O acesso à educação especificamente dos portadores
de deficiência física, o inciso III do art.208 da CFRB/88 estabeleceu que é
dever do Estado fornecer atendimento especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. II - Dever do Estado de assegurar à
pessoa com transtorno do espectro autista a frequência a sistema educacional
inclusivo, com a presença de mediador, ou seja, será assegurado o
acompanhamento especializado visando facilitar o acesso à educação, na forma do
art. 3º, parágrafo único, da Lei 12.764/2012, que instituiu a Política Nacional
de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro. III - Sentença
confirmada em sede de reexame
necessário.
Conforme a decisão acima, que o acesso à
educação especificamente dos portadores de deficiência física, conforme
estabelece o inciso III do art. 208 da
CFRB/88 é de dever do Estado fornecer atendimento especializado aos portadores
de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
Apresentam-se casos reais e
julgados no ordenamento jurídico brasileiro a respeito do tema, de maneira à
desta forma efetivar os direitos e garantias fundamentais aos seres humanos,
especialmente, aqueles que possuem uma necessidade maior.
TJ-BA – Agravo de Instrumento AI
00075487120178050000 (TJ-BA) Data de publicação: 26/02/2018. Ementa: AGRAVO DE
INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. PLANO DE SAÚDE. AUTORA PORTADORA TRANSTORNO DO
ESPECTRO AUTISTA – TEA. NECESSIDADE DE TRATAMENTO CONTÍNUO. POSSIBILIDADE.
DIREITO À SAÚDE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RECURSO
CONHECIDO E PROVIDO. O direito à saúde – objeto dos contratos de plano de saúde
– foi erigido pela Constituição Federal à condição de direito fundamental,
possuindo previsão constitucional nos seus arts. 6º e 196 . Não há de se
olvidar que o princípio da dignidade da pessoa humana pode, e deve, diante do
caso concreto, se sobrepor a qualquer norma jurídica, seja de natureza legal,
seja de natureza contratual, quando restarem ameaçados direitos fundamentais,
principalmente aqueles inerentes à saúde e, consequentemente, à vida,
essenciais ao exercício dos demais direitos e garantias, assegurados no
ordenamento jurídico pátrio. Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça já
consolidou o entendimento no sentido de ser plenamente possível o ajuizamento de
demandas pleiteando todo o tratamento da enfermidade que acomete a autora, de
forma a abarcar também os tratamentos futuros que o requerente vier a
necessitar. (Classe: Agravo de Instrumento, Número do Processo:
0007548-71.2017.8.05.0000, Relator (a): Mário Augusto Albiani Alves Junior,
Primeira Câmara Cível, Publicado em: 26/02/2018 ) (grifo nosso)
Há, portanto, garantias que
possibilitam um acompanhamento e ao mesmo tempo uma melhora de vida, porém,
para que um indivíduo portador do transtorno espectro autista consiga que seja
efetivado há um desgaste familiar elevado, pois é sábio que a realidade não
condiz com as normas dispostas que dão direitos aos portadores.
A Lei 8.069 - Estatuto da
Criança e do Adolescente em seu artigo 54 menciona os deveres do Estado frente
à educação das crianças e adolescentes, especificando em seu inciso III, o
“atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino”.
Em todas as etapas e
modalidades da educação básica, o atendimento educacional especializado é
organizado para apoiar o desenvolvimento dos alunos, constituindo oferta
obrigatória dos sistemas de ensino. Deve ser realizado no turno inverso ao da
classe comum, na própria escola ou centro especializado que realize esse
serviço educacional.
A Lei nº 9.394/96 de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) em seu Artigo 4º, no inciso
III, diz que, a inclusão dos educandos com necessidades educacionais especiais
sempre que possível deve ser na escola de ensino regular e ainda de forma
gratuita. “Nesse processo, tem-se na rede pública a provisão do direito ao
acesso ao ensino público, preferencialmente na rede regular de ensino, a toda e
qualquer criança com necessidades educacionais especiais” (FONSECA, 2014, p.
26).
Corroborando no artigo 60 da
Lei 9.394/96 em seu parágrafo único, fala sobre a importância do atendimento
educacional especializado em parceria com o ensino regular, em que o mesmo vem
a contribuir para melhor atender o sistema educacional dos indivíduos com
necessidades educacionais especiais.
In litteris:
Art.60. Os órgãos normativos dos sistemas
de ensino estabelecerão critérios de caracterização das instituições privadas
sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em Educação
Especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo Poder Público. Parágrafo
único. O poder Público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do
atendimento aos educandos com necessidades especiais na própria rede pública
regular de ensino, independente do apoio às instituições previstas neste artigo”.
Então, o Poder Público oferece
o atendimento aos educandos com necessidades especiais na rede pública para
assim, garantir sua gratuidade e maior abrangência, de forma preferencial, mesmo
apoiando as demais instituições que trabalham de forma exclusiva com a educação
especial.
O MEC implementou o Programa
Educação Inclusiva: direito à diversidade visando apoiar o trabalho inclusivo
nas escolas, possibilitando a formação de gestores e professores para atuação
inclusiva em todos os municípios brasileiros, para que assim, seja garantido a
todos a escolarização, bem como, oferta do atendimento especializado e a
acessibilidade garantida (BRASIL, 2001).
É possível perceber que o
Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade não só apoia a inclusão, mas
atua intimamente com o trabalho pedagógico, apoiando a formação dos gestores
atuantes nas escolas e professores, para que a inclusão seja efetivada e uma
realidade plena.
Logo, a inclusão dos autistas
nas escolas públicas é necessária, pois despertar nos educandos atitudes de
solidariedade, pois tal “acordar” começa na escola, onde o indivíduo é
orientado a trabalhar suas atitudes diante da sociedade.
Incluir não é só integrar
[...] Não é estar dentro de uma sala onde a inexistência de consciencialização
de valores e a aceitação não existem. É aceitar integralmente e
incondicionalmente as diferenças de todos, em uma valorização do ser enquanto
semelhante a nós com igualdade de direitos e oportunidades. É mais do que
desenvolver comportamentos, é uma questão de consciencialização e de atitudes
(CAVACO, 2014, p. 31).
Diante de tal afirmação do que
é o ato de incluir, é possível perceber que a inclusão envolve todo um
processo, desde aceitar a matrícula até o desenvolvimento da consciência da
importância da inclusão, sendo de conhecimento de todos. Para que haja a
inclusão eficiente e não o simples inserir, deve-se estar preparado para
receber e trabalhar com os autistas, para que não haja desrespeito no ambiente
em que vive.
O trabalho escolar inclusivo
não deve focar-se nas dificuldades apresentadas pelo indivíduo autista, mas em
suas potencialidades, visto que estas proporcionam maior impacto para o
trabalho de seu desenvolvimento.
A relação família-escola é de
grande importância para o trabalho inclusivo, pois através de tal
relacionamento é possível promover qualidade na inclusão, pois a comunicação da
família junto à escola vem só a contribuir, contribuindo assim para o processo
social dentro desses dois ambientes conjuntamente.
Embora os docentes sejam
especializados na área, é de fundamental importância que a escola proporcione a
capacitação dos mesmos, com formações continuadas adequadas às necessidades,
pois o papel do professor é primordial para o processo de inclusão escolar.
Logo, é necessário que os docentes se proponham a assumir tal desafio, pois
todos são beneficiados com a inclusão.
A Lei 13.146 de 06/07/2015 foi
criada para promover em igualdade de condições todos os direitos e liberdades
fundamentais da pessoa com deficiência.
Não estamos cogitando, somente,
de agressões, conforme está descrito nos artigos 4º e 5º desta mesma lei, a
saber:
§ 2º
Se qualquer dos crimes previstos no caput deste artigo é cometido
por intermédio de meios de comunicação social ou de publicação de qualquer
natureza: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (grifo nosso)
O crime de discriminação,
físico, individual, virtual ou coletivo, pode e deve ser denunciado e punido
para haver o desestímulo social na prática e proteger adequadamente a criança que é um ser humano em
desenvolvimento.
Cabe ressaltar que essa
sanção, apesar de ter caráter pedagógico-punitiva, deve ser efetiva, ou seja,
fazer com que o agressor realmente reveja seus valores individuais, identifique
suas as falhas de caráter e as corrija. Caso assim não seja, não passará de uma
repreensão inodora, sem atingir os efeitos desejados, voltando tudo ao status
quo... pura perda de precioso tempo.
É o parecer, diante do caso
concreto noticiado por UCHO.INFO, disponível em: https://ucho.info/2022/02/18/caso-de-maus-tratos-a-crianca-com-deficiencia-em-escola-do-maranhao-precisa-ser-apurado-pelas-autoridades/?fbclid=IwAR0xOGgRx53ktl_hflkb65FV1ggUPeYNGYVID_55dtdshPPXdP3yVZsZ8xU
Acesso em 18.02.2022 que diante da materialidade delitiva, com comprovação
pericial das lesões corporais sofridas pela criança, bem como prova testemunhal
e, avaliação psicológica feita da criança, deverá a referida escola ser investigada
e a punição será seu fechamento (pela crassa violação de todos os dispositivos
legais vigentes que regulam a Educação no país), sem prejuízo dos demais
discentes, que devem ser encaminhados aos serviços de amparo psicológico e
social e, ainda, a outras instituições para não haver prejuízo na aprendizagem
e em seu direito à educação.
Compete ao Ministério Público,
ao Conselho Tutelar e a Justiça brasileira combater e coibir, com rigor, tais
práticas lesivas à educação e à inclusão de pessoas portadoras de transtorno de
espectro autista.
Alertamos que as consequências
da violência escolar sofrida são muitas e profundas. Para a vítima da
violência, se traduzem em evidente baixa autoestima, atitudes passivas,
transtornos emocionais, problemas psicossomáticos, depressão, ansiedade, pensamentos suicidas etc., resultando em
danos extrapatrimoniais e materiais sérios e, até de difícil reparação.
É necessário combater, com veemência, toda sorte de violência principalmente em ambiente escolar, que deve ser o propícia a inclusão dos discentes e à formação da cidadania brasileira.
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Autores:
Gisele
Leite, Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia.
Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas
Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE – Associação
Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas.
Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras
Jurídicas. Membro do ABDPC – Associação Brasileira do Direito Processual Civil.
Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil,
Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores – POA -RS.