O imponderável Estado Democrático de Direito
A noção do Estado Democrático de Direito materializada de forma fragmentária e progressiva concebeu um modelo de atendimento das necessidades e a manutenção do seu poder político, especialmente às classes sociais mais ricas. A liberdade propugnada pela classe dominante que lhe permita ilusoriamente falar em nome de toda a sociedade.
A
Constituição Federal brasileira de 1988, a Redentora, foi estruturada sobre o
paradigma do Estado Democrático de Direito, o que introduziu nova dimensão ao
constitucionalismo pátrio. Logo, em seu primeiro artigo já traduz sistema
complexo de conceitos e propostas transformadoras, cuja implementação vem sendo
tentada em diferentes países no mundo, há muito tempo, obtendo apenas um mísero
sucesso relativo[1].
A
plena democracia tão almejada no período do pós-guerra originada por ampla
releitura da estrutura e dos fins do Estado, o que se asseverou no século XXI,
quando a opção pela adoção de medidas de força, ocorreu como resposta às
diferentes crises fundamentais e das bases da democracia, o que redunda em um
Estado de Exceção permanente.
Lembremos
que o constitucionalismo moderno surgiu justamente num momento histórico em que
já não se suportava mais o Estado absolutista. E, Daniel Sarmiento elenca
algumas condições favoráveis à superação do absolutismo, tal como o pluralismo
religioso europeu que influenciou sobre o entendimento de que o monarca havia
sido designado por Deus, a ascensão da burguesia que se tornou uma classe
social em busca de representatividade e poder político, além de direitos que
possibilitassem o fortalecimento e majoração de suas riquezas e atividades
comerciais, e por fim, o Iluminismo.
O
Estado moderno também contribuiu para a ascensão do capitalismo, buscando
encerrar o pluralismo jurídico que vigorava com o feudalismo. Considerando que
cada feudo tinha suas próprias regras e sua própria medida, o comércio entre
estes era difícil e a unificação política e econômica favoreceu a expansão
capitalista e burguesia.
O
Iluminismo influenciou a formação do Estado moderno ao estabelecer o homem como
centro e fundar bases racionais para o governo de um Estado. O indivíduo
adquiriu destaque e, com isso, dissociou-se do coletivo e, passou a importar
tanto quanto, ou até mais do que o grupo.
Nesse
sentido, o constitucionalismo moderno sustenta a limitação jurídica do poder do
Estado em favor da liberdade individual. A relevância adquirida pelo indivíduo
e sua razão elevaram o contrato (entre indivíduos) à máxima representação de
sua liberdade, não devendo sofrer a interferência do Estado.
O
estudo de vários fenômenos políticos, sociais e jurídicos que circunscrevem as
formas de organização do poder estatal, o que nos permite divagações e variadas
conclusões. Afinal, a conceituação do Estado parece ser tarefa tão complexa
quanto compreender este ente que ora se coloca em posição antagônica e ora em
sintonia com a sociedade civil, dando-lhe os rumos e trazendo benefícios
essenciais à sobrevivência.
O
chamado constitucionalismo moderno como movimento político, jurídico e
ideológico procurou prover a estruturação do Estado e a limitação do exercício
de seu poder, e tais metas foram concretizadas através da elaboração de uma
Constituição escrita e rígida destinada a representar sua lei fundamental.
Essas
primeiras Constituições de orientação liberal, resumia-se no estabelecimento de
normas acerca da organização do Estado, do exercício e da limitação do poder
estatal, assegurando uma enumeração de direitos e garantias fundamentais dos
indivíduos e pela separação de poderes.
Essa fase primeira do constitucionalismo tratou da consolidação da primeira geração dos direitos fundamentais[2] relacionados ao ideal de liberdade (direitos civis e políticos).
Mais
tarde, no início do século XX, com o agravamento da ideologia socialista, surge
a necessidade de se concretizar a igualdade de oportunidades a todos os
integrantes da sociedade, uma vez que a igualdade formal não mais cumpria o seu
papel social.
E,
depois, desenvolveu-se a segunda geração de direitos fundamentais,
particularmente, com a Constituição mexicana de 1917 e da Constituição Alemã de
1919[3] (a chamada de Constituição
de Weimar), que consagraram os direitos sociais, econômicos e culturais,
pautados no ideal da igualdade (material).
Nesse
contexto, o Estado abandona seu ideal abstencionista, passando a intervir no
corpo social com o fim de corrigir as desigualdades existentes. Passam os entes
políticos a executar políticas tendentes a garantir a fruição de direitos como
a saúde, a moradia, a previdência, a educação. E, essa nova fase inaugura o
constitucionalismo contemporâneo[4].
De
acordo com cada momento histórico e, em função de diversas circunstâncias sociais,
o Estado adquire feições diferenciadas numa trajetória evolutiva constante, o
que permite aos estudiosos identificar algumas fases características.
Ao
definir o Estado Democrático de Direito através de seus elementos essenciais
cuja presença nos permita confirmar sua existência e funcionamento. Em verdade,
tal modelo estatal não se faz persente em todas as partes, nem acontece
simultaneamente para todos os povos do mundo e, no fundo, é fruto de longa
maturação e nas tentativas de superação de crises que assolaram também outras
formas de Estado.
A
crise contemporânea da democracia também impactou a estrutura do Estado, o que
nos leva a refletir sobre as contestações sofridas e atingem o momento
evolutivo na história das organizações dos poderes públicos, mas não se trata
de sua derradeira fase, nem traz consigo a solução perfeita para todos
problemas que afligem a sociedade humana.
Em
suas raízes que remontam ao Estado de Direito instaurado a partir da Revolução
Francesa, é caracterizado pela legitimidade,
entendida,
em sentido mais amplo, como abrangente da origem do seu poder, do exercício
dessa e da finalidade do Estado. A origem
do
poder, portanto, está na vontade do povo, no seu consentimento, mas a sua
legitimidade não se esgota apenas nesse momento.
Segundo
Maria Sylvia Zanella Di Pietro[5] aponta que as
consequências negativas produzidas pelo Estado Social de Direito e pelo
positivismo jurídico reclamavam novas transformações no papel do Estado e,
estas vieram mediante a introdução de um novo elemento à concepção do Estado de
Direito Social. Acrescentou-se a ideia de Estado Democrático.
Em
síntese, o Estado, sem deixar de ser Estado de Direito, protetor das liberdades
individuais e, sem deixar de ser Estado Social, protetor do bem comum, passou a
ser também Estado Democrático. E, daí deriva a expressão Estado de Direito
Social e Democrático. Não que o princípio democrático não fosse acolhido em
suas concepções anteriores, mas passa a ser visto sob nova roupagem. O que se
deseja é a participação popular no processo político, nas decisões do governo,
no controle da Administração Pública.
Assim,
o princípio do interesse público adquire nova roupagem. No período do Estado
Liberal, o interesse público a ser protegido era aquele de feição utilitarista,
inspirado nas doutrinas contratualistas liberais do século XVIII e reforçadas
pelas doutrinas de econômicas como Adam Smith e Stuart Mill. O Direito tinha
que servir à finalidade de proteger as liberdades individuais como instrumento
de tutela de bem-estar geral, em sentido material.
Conclui-se
que essa nova concepção de Estado de Direito, o interesse público humaniza-se,
à medida em que passa a se preocupar não apenas com os bens materiais que a
liberdade de iniciativa almeja, mas também com valores considerados essenciais
à existência digna: quer-se liberdade com dignidade, o que exige atuação do
Estado para diminuir as desigualdades sociais, e levar a toda a coletividade o
bem-estar social.
Continua
Di Pietro a destacar outro aspecto novo é o que concerne ao princípio da
legalidade, mantém-se a ideia de submissão da Administração Pública à lei,
porém, não se trata apenas da lei em sua concepção formalista, vazia de
conteúdo e eficácia.
Algumas
Constituições cogitam em obediência à lei e ao Direito, como a Lei Fundamental
da República Federal da Alemanha e a Constituição espanhola de 1978, desejando
significar que todos os órgãos do Estado devem submeter-se na base do
ordenamento jurídico, independentemente de sua expressa previsão no direito
positivo.
Enfim,
procura-se substituir a ideia de Estado legal, puramente formalista, por um
Estado de Direito vinculado aos ideais de justiça. Pretende-se submeter o
Estado de Direito e não à lei em sentido apenas formal. Daí, hoje cogitar-se em
Estado Democrático de Direito, que compreende a participação do cidadão (Estado
Democrático) e o da justiça material (Estado de Direito). (In: DI PIETRO, Maria
Sylvia Zanella. Conheça a origem do Estado Democrático de Direito. Disponível
em: http://genjuridico.com.br/2019/07/22/estado-democratico-de-direito-conheca-sua-origem/ Acesso em 25.01.2022).
Aliás,
a atual realidade do Estado Democrático de Direito que vivencia a sua própria
crise, principalmente, devido a complacência com que países têm adotado medidas
excepcionais, que são contrárias à tutela dos direitos fundamentais em prol da
defesa da segurança.
No
caso de nosso país que contou com a Constituição Federal de 1988 que estabelece
esse Estado, mas as diversas escolhas políticas e legislativas tendem a apontar
o país em rumo diverso.
No
momento, em que é notória a crise da democracia brasileira que é indicada por
muitos como sendo obstáculo para o bom desenvolvimento econômico ou ordem.
Torna-se imprescindível identificar os fundamentos do Estado Democrático de
Direito e, consequentemente, quais tutelas jurídicas priorizar.
Portanto,
o modelo chamado de “democrático de Direito” compreende de acordo com seus dois
principais paradigmas como sua origem e fundamento na ordem jurídica
constitucional e pautar toda sua atuação consoante ao princípio democrático. A
Constituição federal brasileira vigente serve de fundamento de validade e os
valores sociais traduzidos em princípios e os direitos fundamentais que
condicionam o perfil do Estado, definindo-lhe os rumos e orientação sua atuação
política.
A
defesa da democracia[6] dentro da dimensão de
participação representativa pluralista, o que representa o eixo básico do
Estado Democrático de Direito.
A
participação democrática deve ser capaz de assegurar a ingerência da sociedade
na condução do Estado e, no exercício do poder. Principalmente, pautado pela
realização do bem comum e que atenda as reivindicações e clamores sociais que
aos poderes políticos chegam, sejam através de manifestações populares
realizadas pela via eleitoral, seja pela direta participação da comunidade na
gestão da coisa pública.
Nesse
sentido, a guisa de exemplificação, aponta-se a política pública de segurança
recentemente imposta pelo governo estadual do Rio de Janeiro, denominada “Cidade
Integrada” ocorrida na favela do Jacarezinho o e na Muzema onde os moradores
criticam que há falta de diálogo, bem como a convocação de policiais
denunciados por violações de direitos são as principais reclamações apontadas.
O novo programa de ocupação social de comunidades é uma reformulação do programa das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) criado em 2008. De acordo com o projeto, dividido em três fazes, há a ocupação prevista de seis favelas, a saber: Jacarezinho; Muzema/Tijuquinha/Morro do Banco, no Itanhangá; Cesarão, em Santa Cruz; Pavão-Pavãozinho/Cantagalo, em Copacabana e em Ipanema; Maré e Rio das Pedras[7].
O
Estado Democrático de Direito apresenta algumas características que o
distinguem e não permitem que esta denominação possa ser conferida não de modo
amplo, a ponto de abarcar todo e qualquer Estado, erigido sobre as bases
constitucionais.
Tanto
o constitucionalismo como a Constituição Federal surgem como o fundamento de
validade do Estado Democrático de Direito sendo o elemento central de
legitimação dos atos e instituições estatais. E, no vigente texto
constitucional pátrio há a ordem de valores que bem reflete as vontades da
sociedade que foram materializadas pelo constituinte à qual incumbe delimitar a
conformação desejada e as tarefas esperadas do Estado.
A
proteção à vida é tarefa essencial do Estado Democrático de Direito. A
democracia através da participação do povo na formação e gestão do Estado
garante que toda a sociedade terá condições de influenciar na elaboração
legislativa e na implementação de políticas públicas.
A observância
do princípio democrático impõe que assegure a máxima liberdade, de sorte que
existam o mínimo de restrições à participação popular, com maior grau de
possível igualdade, garantindo a todos que possam efetivamente influenciar de
idêntica maneira na condução do modelo estatal.
Em
tempo, as restrições à liberdade impostas pelos protocolos sanitários em face
da pandemia de Covid-19 não significam corrupção ou violação do princípio
democrático nem das liberdades constitucionalmente garantidas no ordenamento
jurídico brasileiro.
A
proteção dos direitos fundamentais é o ponto central do ordenamento jurídico
constitucional irradiando para todo o sistema jurídico (infraconstitucional). O
sistema jurídico deve assegurar a integridade do valor maior, que justifica a
própria existência do Estado, bem como a proteção do ser humano, em sua
preciosa dimensão de dignidade.
Assume
o Estado a tarefa primordial de cuidar que os direitos fundamentais sejam
efetivamente implementados com absoluta prioridade, devendo, consequentemente,
se direcionar tanto sua atuação legislativa quanto suas políticas públicas em
direção à concretização deste ideal.
Outra característica é a justiça social[8] para que a participação democrática possa ser realizada em sua plenitude há que se buscar a máxima redução de desigualdades sociais. A pandemia de Covid-19 asseverou as desigualdades sociais, principalmente, em razão da elevação da taxa de desemprego.
Em
sociedades em que não haja níveis mínimos de equilíbrio entre os diversos
grupos não se mostra viável, uma efetiva participação na gestão de interesses
comuns, restando alijados do processo democrático aqueles que não encontram,
por seus próprios meios e espaço para manifestar uma igualdade em sentido
material, colocando-se em fundamento os mecanismos que permitam a superação da
exclusão e que também acabem por tolher a democracia.
Toda a
conduta do Estado deve se encontrar vinculada à legalidade e à ordem jurídica.
Sendo certo que por legalidade não se deve entender apenas a submissão ao corpo
normativo infraconstitucional, mas, principalmente, a obediência ao comando
constitucional com ênfase para os direitos fundamentais.
A
pauta axiológica[9]
que melhor exprime esses direitos fundamentais dá azo a uma nova realidade para
o Direito, permitindo que seja o autêntico instrumento de transformação social,
a parte do momento em que leva para dentro da ordem jurídica positivada os
ideais que devem ser perseguidos pelo Estado. (In: STRECK, L.L.).
Outros
traços marcantes podem ser identificados, a moldura comum do Estado Democrático
nos remete a algumas ilações, A ideia de que a ordem político-social do Estado
se funda na diferenciada relação entre a sociedade civil e os poderes públicos.
A
tradição dos modelos estatais traz a permanente tensão entre os poderes
instituídos e a sociedade, e no paradigma ora analisada, o que se busca não é
oposição e, sim, complementariedade.
No
percurso histórico boa parte da teoria da prática estatal se pauta na premissa
de que o Estado e a sociedade se situam em polos opostos e antagônicos e, que a
sobrevivência desta depende da construção de mecanismos capazes de controle do
poder, abertura à participação social, abre espaço para que deixe este modelo
de tensão para estimular a ingerência de segmentos da sociedade na sua
estrutura e na gestão de interesses públicos.
Consequentemente,
os poderes públicos[10] e a sociedade encontram
caminhos disponíveis para abandonar suas tradicionais trincheiras e rumar
juntos no sentido de estruturação de um novo modelo de exercício de poder,
dividindo tarefas e responsabilidades.
Pode-se,
então, afirmar que a acepção de Estado designa não somente um soberano ou os
poderes públicos, mas a junção destes com a sociedade.
A
noção, ora em comento, é encontrada em doutrinadores Dieter Grimm[11] que reconhecem que Estado
e sociedade possuem deveres recíprocos e complementares, especialmente, no que
se refere à implementação de direitos fundamentais, enxergando ambos reunidos
em um mesmo plano. É o que Grimm apud Santiago denomina de Estado pactista[12] no qual as ações
tipicamente entregues com exclusividade dos poderes públicos são divididas em
vários atores, sujeitos e, abre caminho para a sociedade realizar variadas
tarefas que, por muito tempo, foram entendidas como dever como Estado.
Sob
tal perspectiva, dá-se a evolução do Estado Constitucional[13], algo que algumas nações
já alcançaram e, tantas outras ainda o perseguem, mas que certamente, não
configura o apogeu nem máxima idealização que se possa ser a vida em uma
sociedade política.
Ademais,
como se identificará, mesmo dotado de grandes qualidades, o Estado Democrático
de Direito, também possui insuficiências e sofre constantes contestações, e
assim há a permanente demanda de se adaptar às realidades mutantes e fluídas
(ou até mesmo líquidas na dicção de Zygmunt Bauman[14]).
A
história do Estado é compreendida sob enfoque institucional, pode ser narrada,
sob diferentes enfoques conforme a perspectiva adotada pelo estudioso, o que
nos leva às diferentes versões e a um tempo diferenciado conforme os variados
contextos sociais e políticos.
O
Estado Moderno[15]
é identificado pela primeira vez na península itálica no século XV, quando se
iniciou a institucionalização do poder. Através desse fenômeno, tem-se que o
poder, que antes provinha da pessoa do soberano, doravante, passa a ser
compreendido como inerente ao próprio Estado.
Em
outras palavras, o poder não pertence ao monarca em razão de condições pessoais
e, sim, apenas na medida em que ocupe a função de soberano. Esse processo de
desvinculação do poder, permitiu a continuidade das instituições estatais,
deixando de representar a queda do soberano como sendo momento de ruptura política
e jurídica e, de outo lado, o início da separação da sociedade.
Soma-se,
ainda, a desfragmentação dos territórios o que marca o fim da era feudal,
estabelecendo-se espaços territoriais definidos dentro dos quais o poder
soberano podia ser exercido.
Têm-se
definidos, desta forma, os elementos cruciais de organização política e
jurídica dos Estados que orientariam a formação dos Estados nos séculos XV, XVI
e XVII[16].
Consigne-se
também que em seus primeiros séculos a vida do Estado Moderno, constituído sob
a égide do absolutismo, o que não trazia nítidos elementos limitadores de
poder, situação que levava a uma realidade de dominação e exclusão em larga
margem da sociedade dos círculos de poder, inclusive suas parcelas mais ricas
que não demoraram reivindicar profundas alterações nas estruturas estatais.
O
Estado monopolizador de poder e depositário da coação incondicionada, torna-se
(...) algo semelhante à criatura que, na imagem bíblica, se nota contra o
criador, conforme alude Paulo Bonavides.
Tal
quadro foi retratado nas obras de Thomas Hobbes e John Locke, filósofos que, ao
longo do século XVII, sobre esta se debruçaram, deixando reflexões sobre a
realidade vigente em suas épocas, ainda que sob diferentes perspectivas,
afinal, Hobbes, pertencia dos estamentos dominantes, dominantes e Locke era um
revolucionário.
Marcam
esta fase de transição as revoluções ocorridas na Inglaterra no século XVII,
que culminaram contra na ascensão do Estado Liberal, pautado controle do poder
soberano como elemento essencial para as garantias das liberdades sociais.
Na
mesma época, surgiram a ideia de divisão de funções das instituições estatais
e, um rígido corpo de normas voltadas à preservação de liberdades individuais,
de forma a salvaguarda a sociedade do arbítrio, tão comum nos Estados
absolutistas da época.
Destaca,
outrossim, Paulo Bonavides (2004) que na doutrina do liberalismo, o Estado
sempre foi o fantasma que aterrorizou o indivíduo. O poder, de que não pode
prescindir o ordenamento estatal, aparece, inicialmente na moderna teoria
constitucional como o maior e mais cruel inimigo da liberdade.
A
revolução inglesa atravessou mares e, ao final do século XVII aportou na
América do Norte e, em França. Onde surgiram pensadores como Madison, Hamilton,
Jay, Jefferson e, ainda, Rousseau, Sièyes que buscaram transpor as lições
britânicas e que agregaram novo elemento: a Constituição.
A
Constituição surge, primeiramente, nos Estados que se formam na América do
norte e, logo em seguida, em França, como um documento fundante de nova ordem
estatal, revestido de toda solenidade e força jurídica, ao qual foi dado
estabelecer a forma de relação entre Estado e sociedade, protegendo as
liberdades individuais pela delimitação do poder soberano naquilo que se
denomina “Constituição” em sentido formal.
As
Constituições foram logo agregadas às Declarações de Direito, às quais coube
prescrever a pauta de liberdades para complementar este sistema de construção
de um Estado limitado pelo dever de não interferir na capacidade de autodeterminação
das pessoas.
As
conquistas revolucionárias, em pouco tempo, se disseminaram pelo mundo europeu
e, também em outras partes, caracterizando-se a primeira metade do século XIX
como uma transição para o paradigma do constitucionalismo pautado na estruturação
do Estado Constitucional de matriz liberal.
É o
momento histórico que consolida a noção do império do direito, subjugando-se
toda a atividade estatal aos ditames traçados pelas normas jurídicas,
concebidas pelos Parlamentos, o espaço por excelência para expressar a voz
daqueles que segundo a concepção contratualista dos séculos XVII e XVIII,
detinham verdadeiramente a força e o poder.
O
Estado de Direito é fruto de uma estrutura de poder construída a partir de
referências e limites definidos pela ordem jurídica, à qual incumbe restringir
o uso da força e evitar o uso arbitrário das prerrogativas concedidas aos
governantes.
O Estado de Direito teve início depois da Revolução Francesa e que marcou o fim do absolutismo e a instauração de um sistema de governo parlamentarista. Durante o Antigo Regime, o absolutismo, o governantedetinha o poder máximo e, dessa forma, não precisava respeitar nenhuma lei vigente. Porém, com fim desse regime e, o advento do parlamentarismo, passou então a vigorar o denominado Estado de Direito.
O
referido modelo estatal foi justificado por John Locke em sua obra intitulada
"Segundo Tratado sobre o Governo". Para o pensador, o estado de
natureza do ser humano não era um estado de ausência absoluta de leis como para
Thomas Hobbes, mas, sem que houvesse um Estado para mediar os conflitos, o
homem usaria a força para satisfazer seus interesses próprios.
No
momento que isso acontecesse, entraríamos em um estado de guerra que só teria
fim com o estabelecimento de contrato em que as pessoas renunciassem seus
direitos de aplicar as leis para o Estado, para que este, por sua vez,
distribuísse com equidade os direitos de cada um.
Vale
ressaltar que em um Estado de Direito, o governante não detém o poder absoluto.
Portanto, a figura do soberano governante é substituída por sendo soberana
apenas a lei que está acima de todos, estando também acima dos governantes que,
no caso da França pós-revolução são os parlamentares.
Entretanto,
o referido modelo estatal abre um questionamento: se a lei é a soberana, e está
acima de todos, mas quem cria essa lei? E, essa lei atende aos interesses de
quem?
A
grande questão do Estado de Direito está no fato de que não há necessidade de
contemplar o que chamamos de "vontade geral". Como sabemos, o poder
não emana necessariamente do povo, e não há responsabilidade com a soberania popular.
É bom ressaltar que a noção de Estado de Direito tem raízes na Idade Média, como forma de contenção do poder absoluta, e ressurgiu justamente nas derradeiras décadas tal como ideal extremamente poderoso para os que lutam contra o autoritarismo e o totalitarismo, tornando-se um dos principais alicerces do regime democrático. Para adeptos e defensores de direitos humanos, o Estado de Direito é encarado como ferramenta indispensável para coibir a discriminação e, ainda, o uso arbitrário da força.
E,
simultaneamente, a ideia de Estado de Direito, ao ser renovado por libertários
como Hayek em meados do século XX passou a receber forte apoio de agências
financeiras internacionais e instituições de auxílio ao desenvolvimento
jurídico, como pré-requisito essencial para estabelecimento de economias de
mercado eficientes.
Por
outro viés do espectro político, mesmo os marxistas, que viam antigamente o
Estado de Direito como mero instrumento superestrutural dirigido à manutenção
do poder das elites, começaram a vê-lo como um bem humano incondicional. De
forma que seria hercúleo encontrar outro qualquer ideal político que seja
louvado por públicos tão diversos. Porém, a questão é: estamos todos defendendo
a mesma ideia? Obviamente que não.
Cada
concepção de Estado de Direito, e suas respectivas características refletem
distintas concepções políticas e econômicas que se busca avançar.
Classicamente
o conceito de Estado de Direito fora submetido a severa reavaliação nas
primeiras décadas do século XX e, pensadores como Max Weber em “Economia y
Sociedad” alertaram sobre o processo de desformalização do Direito como
consequência das transformações na esfera pública.
E,
depois os anos que se seguiram após os trabalhos de Weber foram marcados pela
tensa luta política e intelectual sobre a capacidade do Rechtstaat de se
adequar aos novos desafios apresentados pela Constituição social democrática de
Weimar.
E, tal
luta pode ser encarada no debate havido entre conservadores como Carl Schmitt e
os socialdemocratas representados por Franz Neumann. Hayek respondeu a essas
perspectivas céticas sobre o Estado de Direito em seu influente trabalho
intitulado "O Caminho da Servidão" de 1944.
Para
Hayek, a intervenção estatal na economia e o crescente poder discricionário dos
burocratas de estabelecer e buscar a realização de objetivos sociais ameaça a
eficiência econômica, como consequência das transformações nas funções do
Estado, houve um processo de declínio da condição do Direito como instrumento
substantivo na proteção da liberdade.
A
noção de que o Estado não tem apenas a obrigação de tratar os cidadãos de modo
igual perante a lei, mas também, o dever de assegurar a justiça substantiva,
foi acompanhada pelo argumento, proposto por novos teóricos do direito, de que
o conceito tradicional de Estado de Direito se tornou incompatível com o mundo
moderno.
Diferentes
teorias jurídicas, tais como o positivismo, o realismo jurídico ou a
jurisprudência de interesses construíram versão formal do Direito, liberando o
Estado das inerentes limitações impostas por uma concepção substantiva.
Para
superar tal situação de “opressão”, na qual o Estado pode exercer coerção sobre
seus cidadãos – através de atos normativos – sem a necessidade de justificar
suas ações em uma lei abstrata e geral, seria necessário retornar às origens do
Estado de Direito. Para isso, Hayek revisitou a história e formulou uma lista
de elementos normativos essenciais do Estado de Direito, visto como instrumento
par excellence para assegurar a liberdade.
De
acordo com essa versão, ele não pode ser comparado ao princípio da legalidade
desenvolvido pelo direito administrativo, porque o Estado de Direito representa
uma concepção material referente ao que o Direito deveria ser.
Essa
concepção material o configura como uma doutrina meta legal e um ideal
político, que serve à causa da liberdade, e não como uma mera concepção de que
a ação governamental deva estar de acordo com as normas.
O
Estado de Direito deveria ser formado, para Hayek, pelos seguintes elementos:
(a) a lei deveria ser geral, abstrata e prospectiva, para que o legislador não
pudesse arbitrariamente escolher uma pessoa para ser alvo de sua coerção ou
privilégio;
(b) a lei deveria ser conhecida e certa, para
que os cidadãos pudessem fazer planos – Hayek defende que esse é um dos
principais fatores que contribuíram para a prosperidade no Ocidente;
(c) a lei deveria ser aplicada de forma
equânime a todos os cidadãos e agentes públicos, a fim de que os incentivos
para editar leis injustas diminuíssem;
(d) deveria haver uma separação entre aqueles
que fazem as leis e aqueles com a competência para aplicá-las, sejam juízes ou
administradores, para que as normas não fossem feitas com casos particulares em
mente;
(e)
deveria haver a possibilidade de revisão judicial das decisões discricionárias
da administração para corrigir eventual má aplicação do Direito;
(f) a
legislação e a política deveriam ser também separadas e a coerção estatal
legitimada apenas pela legislação, para prevenir que ela fosse destinada a
satisfazer propósitos individuais; e
(g)
deveria haver uma carta de direitos não taxativa para proteger a esfera
privada.
Dessa
maneira, a concepção de Estado de Direito defendida por Hayek engloba uma visão
substantiva do Direito, uma noção estrita da separação de poderes e a
existência de direitos liberais que protejam a esfera privada, moldada assim
para servir como um instrumento de proteção da propriedade privada e da economia
de mercado. O maior problema dessa
concepção é que, através dela, o Estado de Direito se torna refém de um ideal político
particular.
A
reação em face a esse e aos outros tipos de formulações substantivas do Estado
de Direito, como aquela mais direcionada ao aspecto social que resultou do
Congresso de Delhi, organizado pela Comissão Internacional de Juristas de 1959,
Joseph Raz que propôs uma concepção mais formalista que evitaria a confusão
entre diversos objetivos sociais e ideológicos e, as virtudes intrínsecas de
Estado de Direito. E, para ele, se o Estado de Direito for um Estado governado
por boas leis, então explicar a sua natureza é difundir uma filosofia social
completa. Porém, dessa forma, o termo perde qualquer utilidade.
Segundo
Raz, o Estado de Direito em lato sensu significa que as pessoas devem obedecer
às leis e ainda serem reguladas por elas.
No entanto,
em uma teoria política e jurídica, ele deve ser lido de forma mais estrita, no
sentido de que o governo seja regulado pelas e também submetido às mesmas. A
proposição de Raz requer que as leis devam ser entendidas como regas gerais,
para possam efetivamente guiar as ações.
Nesse
sentido, o Direito não é apenas um fato decorrente do poder, precisa, ao revés,
possuir uma forma particular. Segundo Raz, ainda, mas não compartilhou a ideia
defendida por Hayek, segundo a qual apenas as normas abstratas e gerais podem
construir sistema de Estado de Direito.
Para
Raz, seria impossível governar apenas com normas gerais, pois qualquer sistema
concreto deve ser composto por normas gerais e outas específicas, que em
contrapartida devem ser consistentes com as primeiras. Para concretizar o
objetivo de um sistema jurídica que possa guiar e conduzir a ação individual.
Portanto,
Raz criou sua própria lista com os princípios do Estado de Direito, segundo os
quais as leis devem ser prospectivas, acessíveis, claras e relativamente
estáveis e, a edição de normas específicas deve ser conduzida por outas que
seja, por sua vez, também sejam acessíveis, claras e gerais.
Porém,
essas regras somente farão sentido se houver instituições responsáveis pela sua
aplicação consistente, a fim de que o Direito possa se tornar um parâmetro
efetivo para guiar a ação individual.
A formulação de Raz requer, desse modo, a existência de um judiciário independente, porque, se as normas fundamentam racionalmente as ações e o judiciário é responsável por aplicá-las, seria inútil guiar nossas ações pelas leis se as cortes pudessem levar em consideração outras razões que não as leis ao decidir casos concretos. Pela mesma razão, os princípios do devido processo, como o direito das partes a serem ouvidas e a imparcialidade, devem ser contemplados. O Estado de Direito também requer que as cortes devam ter competência para rever atos de outras esferas do governo, a fim de assegurar a conformidade desses com o Estado de Direito.
As
cortes devem ser facilmente acessíveis para que não se frustre o Estado de
Direito. Por último, os poderes discricionários das instâncias responsáveis
pela prevenção criminal devem ser reduzidos no intuito de não se deturpar as
leis.
Nem o
promotor nem a polícia devem ter a discricionariedade para alocar seus recursos
destinados ao combate ao crime com base em outros fundamentos que não aqueles estabelecidos
legalmente.13
Dentro
dessa perspectiva, o Estado de Direito é um conceito formal de acordo com o
qual os sistemas jurídicos podem ser mensurados, não a partir de um ponto de
vista substantivo, como a justiça ou a liberdade, mas por sua funcionalidade. A
principal função do sistema jurídico é servir de guia seguro para a ação
humana.
Essa é
a primeira razão pela qual as concepções formalistas do Estado de Direito,
semelhantes à formulada por Raz, recebem amplo apoio de diferentes perspectivas
políticas.
É
extremamente importante para os governos em geral contarem com um eficiente
instrumento para guiar o comportamento humano. Contudo, servir de ferramenta
para distintas perspectivas políticas não significa que mesmo a concepção
formalista de Estado de Direito seja compatível com todos os tipos de regimes
políticos.
Por
favorecer a previsibilidade, a transparência, a generalidade, a imparcialidade
e por dar integridade à implementação do Direito, a ideia do Estado de Direito
se torna a antítese do poder arbitrário.
Dessa
maneira, as perspectivas políticas distintas que apoiam o Estado de Direito têm
em comum uma aversão ao uso arbitrário do poder; essa é uma outra explicação
sobre por que o Estado de Direito é defendido por democratas, liberais
igualitários, neoliberais e ativistas de direitos humanos.
Apesar
de suas diferenças, eles são todos a favor de conter a arbitrariedade. Em uma
sociedade aberta e pluralista, que ofereça espaço para ideais concorrentes
acerca do bem público, a noção de Estado de Direito se torna uma proteção comum
contra o poder arbitrário.
Existe,
no entanto, uma explicação menos nobre para o apoio amplo ao Estado de Direito
que deve ser mencionada. Tendo em vista que o Estado de Direito é um conceito
multifacetado, se usarmos cada um de seus elementos constitutivos
separadamente, eles serão extremamente valiosos na promoção de valores ou
interesses diferentes e muitas vezes concorrentes, como eficiência de mercado,
igualdade, dignidade humana e liberdade.
Para
aqueles que defendem reformas de mercado, a ideia de um sistema jurídico que
proporcione previsibilidade e estabilidade é de extrema importância.
Para
os democratas, a generalidade, a imparcialidade e a transparência são
essenciais e, para os defensores de direitos humanos, a igualdade de tratamento
e a integridade das instâncias de aplicação da lei são indispensáveis.
Portanto,
a leitura parcial desse conceito multifacetado, feita por concepções políticas
distintas, também ajuda a entender a atração de público tão amplo pelo Estado
de Direito.
Assim,
quando nós encontramos alguém defendendo o Estado de Direito, precisamos ser
cautelosos e verificar se ele não está apenas exaltando uma das virtudes do
Estado de Direito. Apenas a virtude que justamente sustenta os objetivos
sociais que ele quer promover.
Consoante
a Stephen Holmes, a principal tese de Nicolau Maquiavel sobre esse tema é que
os governos devem ser levados a tornar o seu próprio comportamento previsível
em busca da cooperação.
Os
governos tendem a se comportar como se estes fossem limitados pela lei, ao
invés de usar a imprevisibilidade da lei como meio para disciplinar as
populações a eles submetidas. (...) porque eles possuem objetivos específicos
que requerem um ato de cooperação voluntária.
Desta
forma, a lei seria utilizada com parcimônia pelo governante a fim de obter
cooperação por parte de grupos específicos dentro da sociedade, o que ele não
teria sem mostrar algum respeito pelos seus interesses. Assim, na medida em que
o governante precisar de maior apoio, mais grupos serão incluídos na proteção
proporcionada pela lei e, em troca desse apoio, eles se beneficiarão do
tratamento previsível do governante.
O
Liberalismo e a democracia, porém, requerem a expansão do Estado de Direito
para todos. Foi assim, de fato, que o Estado de Direito se desenvolveu desde a
Idade Média, através da expansão de privilégios a diferentes grupos.
A Magna Carta é, talvez, o primeiro símbolo
representante desse processo de expansão de direitos legalmente reconhecidos o
que culminou na Carta Internacional de Direitos Humanos no século XX e nas
Cartas de Direitos das democracias constitucionais contemporâneas.
A
distribuição de direitos, capaz de fortalecer as pessoas, torna-se, assim, o
fator-chave para obter a cooperação. T.H. Marshal, em seu clássico intitulado
"Cidadania, Classe Social e Status" (1967) proporciona uma
clara descrição da evolução da cidadania nos países ocidentais, através do
processo de inclusão do povo na proteção proporcionada pela lei.
Tem
sido por meio do embate político que novos grupos conseguem obter status
jurídico por intermédio dos direitos civis, políticos, sociais e econômicos,
recebendo, como contrapartida por sua cooperação, diferentes níveis de inserção
do Estado de Direito.
Assim,
mesmo que nós possamos confundir o Estado de Direito com os direitos dos
cidadãos, é muito difícil historicamente dissociar o processo de expansão da
cidadania da ampliação do Estado de Direito. A generalidade e a aplicação
imparcial da lei, como virtudes internas do Estado de Direito, estão
diretamente associadas à noção de igualdade perante a lei obtida pela expansão
da cidadania.
Observa-se
que nos regimes democráticos contemporâneos, nos quais a legitimidade e
cooperação dependem de alto grau de inclusão, os direitos tendem a ser
distribuídos mais generosamente do que em outros regimes menos democráticos.
Porém,
mesmo em regime democrático, o governo não necessita de cooperação de todos
grupos em termos equânimes, o que faz com que não exista incentivo para tratar
a todos igualmente perante a lei, o tempo todo.
E,
além disso, tendo em vista que os grupos possuem recursos sociais, econômicos e
políticos desproporcionalmente distribuídos dentro da sociedade, o custo para
estes cooperarem também é desproporcional, resultando dizer que a lei e sua
respectiva aplicação serão moldadas conforme as diferentes camadas de
privilégios.
Significa
que qualquer aproximação com o conceito do Estado de Direito depende não apenas
da expansão de direitos no papel, mas também, e talvez de maneira mais crítica,
de
como esses direitos são consistentemente implementados pelo Estado. Eis aqui o
paradoxo enfrentado por muitos regimes democráticos com altos níveis de
desigualdade social.
Apesar
de que direitos iguais sejam reconhecidos na literatura, como medida simbólica
para cooptar a cooperação, os governos não se sentem compelidos a respeitar as
obrigações correlatas a esses direitos iguais, nos mesmos termos para todos os
membros da sociedade.
A
partir do momento em que os custos para exigir a implementação dos direitos
através do Estado de Direito são desproporcionalmente maiores para alguns
membros da sociedade do que para outros, ele se torna um bem parcial,
favorecendo essencialmente aqueles que possuem poder e recursos para conseguir
vantagens com isso.
Em
outras palavras, a igualdade formal proporcionada pela linguagem dos direitos
não se converte em acesso igualitário ao Estado de Direito ou à aplicação
imparcial das leis e dos direitos. Dessa maneira, é possível ter direitos, mas
não possuir suficientes recursos para exigir a sua implementação.
Nesse
sentido, é apropriado pensar no Estado de Direito não em termos de sua existência
ou inexistência, mas sim em graus de inclusão. O processo democrático pode
expandir o Estado de Direito.
Porém,
mesmo os regimes democráticos em sociedades com extremos níveis de
desigualdade, onde as pessoas e os grupos possuem recursos e poder desproporcionais,
o Estado de Direito tende a ser menos capaz de proteger os economicamente
desfavorecidos e de fazer os poderosos serem responsabilizados perante a lei.
No
entanto, o controle do poder estatal e sua submissão à lei não é apenas uma
consequência de como o poder está socialmente distribuído.
Nas
sociedades modernas, as instituições são criadas para moldar o comportamento,
através de inúmeras formas de incentivo. Instituições também podem ser
desenhadas para controlar umas às outras. Conforme notado por Madison: quando a
ambição é institucionalmente direcionada para restringir a ambição, a
possibilidade de ter o governo sob controle aumenta.20 Os momentos fundacionais
se tornam assim muito importantes.
Quando
poderes sociais concorrentes não são suficientemente fortes para superar uns
aos outros, eles tendem a se comprometer com a criação de estruturas políticas
dotadas de poderes fragmentados e contrapostos. Os grupos menos favorecidos
podem se beneficiar do resultado desses conflitos de elite. Essa é a lógica
básica que informa o constitucionalismo moderno.
Contudo, o Estado de Direito tem como objetivo mais do que ter um governo submetido ao controle constitucional e legal. Ele também procura guiar o comportamento individual e a interação social. Dessa forma, também é necessário explorar por que as pessoas se comprometeriam com o Direito. Assim é importante buscar compreender quais são as razões que todos nós levamos em consideração quando obedecemos ao Direito.
Esclarece Gustavo Zagrebelsky: “O Estado de Direito indica um valor e alude ao solo a uma das direções de desenvolvimento da organização do Estado, não encerra em si, consequências precisas. O valor da eliminação de a arbitrariedade e o arbítrio da atividade estatal que afeta aos cidadãos. A direção é a inversão da relação de poder que constitui a quintessência do Machtstaad(Estado de força)[17] e do Polizeistaat (Estado de Polícia[18]) não mais rex facit legerem sem lex facit regem”. (tradução livre: O rei faz a lei sem a lei fazer o rei.)
A
predominância de uma imagem "realista" da política e a centralidade
da noção de poder na definição do Estado e de sua atividade não representavam,
portanto, um embaraço para a reflexão ética. Machtstaat (Estado de
poder) e Machtpolitik (política de poder) são, nesse contexto
intelectual, categorias que permitem pensar como o Estado, ao suplantar as
forças contrapostas ao seu natural movimento de autodeterminação, concretizaria
uma finalidade ética: a realização daquilo que lhe seria próprio e único, sua
destinação particular no teatro da história.
Assim,
o problema da síntese entre poder e moralidade, entre potência e espírito,
entre kratos e ethos trazia consigo a herança de toda uma
reflexão em torno do conceito de "individualidade histórica" e, em
particular, da ideia de "individualidade do Estado".
Como o
próprio Meinecke (apud Iggers, 1988, p. 9) afirma no livro sobre a
gênese do Estado nacional alemão:
"[...] a moralidade não tem apenas um
lado universal, mas também um individual; e a aparente imoralidade do egoísmo
do Estado em relação ao poder pode ser moralmente justificada a partir dessa
perspectiva. Pois nada que venha do caráter individual e íntimo de um ser pode
ser imoral". (In: IGGERS, G. I. 1988. The German conception of
history. 2ª. ed. Hanover: Wesleyan University Press; ______. 1995. Historicism:
the history and the meaning of the term. Journal of the History of Ideas,
v. 56, n. 1; MEINECKE, F. 1983. La idea de la razón de Estado en la Edad
Moderna. 2ª. ed. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales.)
Maquiavel
é uma referência inescapável e direta. O paradigma é representado pela famosa
alusão à “arte dello stato” (arte do Estado) que aparece numa passagem da celebérrima carta escrita a
Francesco Vettori no dia 10 de dezembro de 1513, em que o secretário florentino
faz menção à composição d’O Príncipe (um livro de principatibus, isto é,
literalmente, “sobre os principados”), acrescentando que «por esta obra, se
fosse lida, se veria que os quinze anos em que estudei a arte de governar o Estado [arte dello
stato] não os passei dormindo nem jogando» (Maquiavel 1971b: 1160).
“Arte”
é palavra que entra no léxico do italiano e das outras línguas românicas
através da palavra latina ars, que, por sua vez, corresponde à palavra grega tekne.
Neste âmbito, apenas é possível fazer uma rápida referência ao debate
platónico, antes, e aristotélico, depois, acerca da “neutralidade” das
técnicas.
Num
seu recente livro dedicado à obra de Maquiavel, Carlo Ginzburg reenvia,
apropriadamente, à Ética a Nicômaco de Aristóteles, na versão comentada por
Donato Acciaioli que se encontrava na biblioteca do pai de Maquiavel, Bernardo,
na qual o próprio Acciaioli realça em particular a distinção entre prudência (prudentia)
e arte (ars) através do exemplo da retórica, aristotelicamente definida
como técnica de persuasão sobre tópicos contrapostos («ars disserendi et
oratoria est potens ad probandum et suadendum contraria interdum de eodem»)
(Ginzburg 2018: 57). Esta definição, por sua vez, reenvia à interpretação da
retórica que Platão atribui a Górgias, que, no diálogo homónimo, opõe às
objeções de Sócrates a analogia entre arte do discurso e arte da luta: o
treinador que ensina a técnica da luta não pode ser responsabilizado pelos usos
imorais que dela fazem os seus discípulos.
Assim,
o tema da amoralidade da arte do Estado desenvolve-se no contexto do debate acerca
da amoralidade das técnicas em geral, isto é, da sua indiferença perante as
questões morais que sobrelevam do seu âmbito de competência.
Os
conceitos de “arte do Estado” e de “razão de Estado” têm assim em comum a
interpretação da política como uma disciplina caracterizada por uma
normatividade própria, por uma racionalidade instrumental e por objetivos
autónomos (a “salvação” ou o bem-estar do Estado). Assim sendo, os “estadistas”
deverão ser julgados, em primeiro lugar, com base na capacidade que têm (ou não
têm) de dominar a técnica e de atingir os objetivos.
A
literatura seiscentista sobre o tema da “razão de Estado” não seria senão uma
forma de “maquiavelismo” disfarçado, uma tradução das ideias do secretário
florentino em termos menos escandalosos e frequentemente associados a uma
homenagem – cada vez mais formal e superficial – à moral tradicional de origem
religiosa.
Apesar
da explícita oposição ao maquiavelismo, as teses de Botero poderiam, em suma,
ser consideradas como uma versão menos provocativa, mas também menos sincera,
da defesa da especificidade da política e dos seus problemas.
Lembremos
que no Estado Liberal de Direito, a lei era considerada como ordem geral e
abstrata, já no Estado Social a mesma lei passou a ser um mecanismo de ação,
portanto caráter específico e concreto. Entretanto, em ambos modelos estatais,
se fez necessária haver reformulação do modelo clássico até então concebido,
conjugando o ideal democrático ao Estado de Direito, paralelamente às garantias
jurídico-legais e à preocupação social.
A
consequência é a transformação do status quo que não apenas para "adaptar
as condições sociais de existência". Por essa razão, seu conteúdo
ultrapassa o aspecto material da concretização de uma vida digna a pessoa
humana e passa a agir simbolicamente como autêntico fomentador da participação
pública.
Nesse
sentido, o democrático é adjetivo que qualifica o Estado, estendendo suas
consequências sobre a ordem jurídica. Portanto, o Estado de Direito Democrático
que é alcunhado por J.J. Canotilho, deve estruturar o Estado Constitucional,
que é mais do que um Estado de Direito, porque significa uma ordem jurídica
limitada pelo povo. Sendo assim, a articulação do Direito e do poder no Estado
Constitucional significa a organização estatal em termos democráticos,
prevalecendo o princípio da soberania popular, na qual o poder político deriva
do poder do povo.
É
nesse sentido, a afirmação de que "só o princípio da soberania popular
segundo o qual "todo o poder vem do povo" assegura e garante o direito
à igual participação na formação democrática da vontade popular.
Realmente,
no Estado Democrático de Direito, a Constituição, revela-se em ser instrumento
básico de garantia jurídica, mediante a previsão de um direito mais alto, ou
seja, dotado de força obrigatório incluindo o legislador, pretende restabelecer
uma noção de direito mais profunda que aquela vigente no positivismo
legislativo que lhe havia reduzido. Ipso facto, a lei concede espaço em
favor de uma instância mais alta: a Constituição que se converte em espaço de
mediação.
Entretanto,
uma unificação completa não poderia ser proposta sob pena de substituição do
antigo soberano (um monarca ou assembleia parlamentar) que se expressava na lei
pela soberania abstrata da Constituição.
Desta
forma, ao invés de uma unificação melhor seria propor uma série de divisões, no
sentido de efetuar a separação dos desatentos aspectos do direito que no Estado
de Direito do século XIX estavam unificados ou reduzidos pela lei. Assim, a Constituição
potencializa e não reduz a complexidade legal.
Ex
positis, o Estado Democrático de Direito apresenta como
princípios, a saber: a) a constitucionalidade, isto é, a vinculação a uma Constituição
como um instrumento básico de garantia jurídica; b) a organização democrática
da sociedade; c) o sistema de direitos fundamentais individuais e coletivos; d)
a justiça social como mecanismo de correção de desigualdades; e) igualdade não
apenas como possibilidade formal, mas também como articulação de uma sociedade
justa; f) divisão de poderes ou funções; g) legalidade; h) segurança e certeza
jurídicas. De fato, a própria observância desses princípios aponta para a
capacidade do Estado Democrático de Direito de ultrapassar a formulação do
Estado Liberal e Social de Direito.
Destaque-se, ainda, que o império da lei que se impõe, deve significar que o legislador mesmo se vincule à própria lei que criou, tendo presente que a faculdade de legislar não seja instrumento para dominação arbitrária. No entanto, tal leitura sobre o Estado Democrático de Direito como condição e possibilidade de governos regidos pelos termos da lei não é suficiente quando se ousa enfrentar os conteúdos reais presentes na existência de sociedades dominadas e, por vezes, vencidas pelas contradições econômicas, sociais e culturais que tanto esfacela sua consciência política.
É
preciso sublinhar que a lei não é necessária a pacífica expressão de uma
sociedade política internamente coerente, tornando-se, muitas vezes,
instrumento de competição, enfrentamento e acirramento social, mantendo o
conflito, principalmente quando não tratado de forma adequada.
Consequentemente,
a lei deixa de ser garantia absoluta da estabilidade, pelo contrário, esta
muitas vezes se transforma em mais um motivo de instabilidade em face da
colisão de interesse, o que aponta novamente para necessidade sempre crescente
de intervenção legislativa.
O
Estado em crise, pari passu, se retrai e a pluralidade de fontes do direito
traz a consciência de que o problema se instala devido à crise de eficácia e de
legitimidade do Direito. Então, as Constituições surgem como remédio para
multiplicidade e para propor coalização de ordenamentos, propondo um Direito
mais forte e dotado de obrigatoriedade, inclusive para o legislador. Desse
modo, a unificação se dá por meio da Constituição.
É
discutível se o Estado Democrático de Direito pressuponha a valorização do
jurídico e, do papel do Poder Judiciário. Eis que é uma faceta que visa
primordialmente apreciar como vem sendo tratados os conflitos sociojurídicos no
Brasil contemporâneo, principalmente em face de alternativas consensuais e
autônomas para abordagem para solução de conflitos.
Se
antes, no Estado Liberal, o centro decisório pairava e se fixava no
legislativo, o que não é proibido, é permitido, os chamados direitos negativos.
Já no Estado Social, o Executivo se sobressaía diante da necessidade da criação
de políticas públicas e da frequente intervenção do Estado na economia, por
outro viés, no Estado Democrático de Direito, o foco de tensão se dirige para o
poder Judiciário, isto é, a inércia e as possíveis lacunas do Executivo e do
Legislativo começam a ser supridas pelo Judiciário, a fim de concretizar tal objetivo,
lança mão de diversos mecanismos jurídicos contidos e positivados na
Constituição que estabeleceu explicitamente o Estado Democrático de Direito.
É
possível afirmar, portanto, que a concretização do Estado Democrático de
Direito depende muito mais da ação concreta do Judiciário que propriamente de
procedimentos legislativos e administrativos, que pode e deve ser
relativizados, já que não se pode supor nem esperar que o Judiciário seja a
solução mágica para tantos problemas sociais.
Enfim,
a Constituição não vem sendo cumprida e, faltam políticas públicas que sejam
cumpridoras fiéis dos ditames do Estado Democrático de Direito e, nesse
contexto lúgubre, surge o Judiciário como instrumento capaz de resgatar os
direitos não realizados e a cidadania brasileira.
Portanto,
diante da inércia ou ineficácia dos demais poderes da República Federativa, a
efetivação do Direito e, propriamente dos direitos passa para o centro de
decisões no âmbito do Judiciário. O que faz supor, no meu entender,
erroneamente que há um ativismo judicial.
A
crise do modelo de produção de Direito se instalou em razão da dogmática
jurídica que ainda insiste enfrentar os conflitos interindividuais enquanto a
contemporânea sociedade, torna-se cada vez mais moderna e complexa e, repleta
de conflitos transindividuais. Trata-se de uma crise de modelo de Direito, tão
presentes nas práticas jurídicas de nossos tribunais, fóruns e na doutrina.
Corroborando
com essa observação há a lição de Streck, in litteris: " de um lado
temos uma sociedade carente de realização de direitos e, de outo, uma
Constituição Federal que garante estes direitos da forma mais ampla
possível". É justamente, nesse exato momento que o Estado Democrático de
Direito passa ser um fabricante em série de ação estatal concreta,
privilegiando a efetividade da lei.
E, assim,
representa a vontade constitucional de realização do Estado Social, tornando um
plus normativo. Evidentemente, é incontestável que o Estado
contemporâneo vivencia crise, precisando mesmo rever todos seus paradigmas,
seja na esfera econômica quanto também nos modelos de regulação social e
jurídica tradicionalmente praticados.
A
própria evolução tecnológica impõe que haja reformulação na concepção de tempo
e espaço e o Estado que era estático e com organização determinada sobre certo
território nacional com suas delimitações muito bem definidas, não pode ficar
exatamente assim, os contornos são outros.
Precisamos
rever as instituições, os paradigmas e dogmas pois tudo se tornou líquido e,
consequentemente não mantêm sua forma com facilidade, já não atende
adequadamente. Essa fluidez que nos identificou Bauman, veio para marcar a
história da humanidade, portanto, o conceito de Estado e suas funções precisam
ser atualizadas, sendo necessário supor que uma série intervenção pode criar o
risco de ruptura.
Essa
ruptura ocorre em razão da função de desregulação estatal, da lentidão em dar
respostas às demandas cada vez mais céleres, por sua incapacidade de ocupar seu
espaço, dando margem ao surgimento do direito inoficial e do direito marginal,
enfim, provocando o descolamento entre a legislação positivada e a realidade
social vivente. Assim, já se pode atestar que há a retração do Estado, cuja
função precípua é proteger o direito do cidadão, desenvolvendo suas
prerrogativas ao espaço privado, que, aproveitando-se de sua ausência ou
ineficiência, muitas vezes, cria ou diz o Direito.
Enfim,
todas as crises ocorrentes no Estado contemporâneo[19] são de caráter
estrutural, cujos aspectos principais são o financeiro, o ideológico onde há
embate entre burocracia versus democracia e o filosófico que abriga o embate
entre individualismo e solidarismo, sendo que seus efeitos são a
desconstitucionalização, a flexibilização e o desprestígio prático, pois a
crise política que abate a democracia.
E, por fim, é também uma crise funcional que se reflete no Legislativo, no Executivo e na Jurisdição que deveria prestigiar as fórmulas alternativas de composição de conflitos. É preciso construir nova abordagem para as soluções de conflitos, principalmente, garantindo com maior celeridade e eficiência a eficácia das leis e da cidadania brasileira. Só assim, poderemos, concretamente, proteger e prestigiar a dignidade da pessoa humana.
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Notas:
[1]
Nota-se o substancialismo das Constituições no mundo, sendo fenômeno histórico
do pós-segunda guerra mundial, significando a alta positivação de direitos
fundamentais nos textos constitucionais, o que majorou as atribuições judiciais
constitucionais. Quando acabou a Segunda Guerra Mundial, o país era governado
de forma autoritária por Getúlio Vargas, que apoiou, inicialmente, as nações
derrotadas e seus respectivos modelos de Estado. Porém, com a vitória dos
Aliados, novas pressões sobre o governo ditatorial de Vargas se intensificaram,
uma vez a constatação de que não seria mais possível tolerar e suportar o
autoritarismo brasileiro. Ressalve-se que não apenas o Brasil sofreu os efeitos
dessa onda de liberalismo e democracia. E, muitos países ocidentais igualmente
modificaram seus textos constitucionais em razão do pós-guerra, assim surgira
no Brasil a Constituição Federal de 1946, e também no Equador, Haiti e Panamá
que adotaram novas constituições, seguidos da República Dominicana, Peru e
Venezuela em 1947 e no México em 1948. Também na Europa se deu o mesmo fenômeno
como em França, Itália, Bulgária e na Alemanha em 1949.
[2]
Os direitos fundamentais de primeira geração ou dimensão são os direitos
individuais com caráter negativo por exigirem diretamente uma abstenção do
Estado, seu principal destinatário. Alguns exemplos de direitos fundamentais de
primeira geração são o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à liberdade
de expressão, à participação política e religiosa, à inviolabilidade de
domicílio, à liberdade de reunião, entre outros. Em 1979, Vasak apresentou em
uma palestra sua teoria geracional publicada dois anos antes. A palestra foi
fruto de uma conferência no Instituto Internacional de Direitos Humanos de
Estrasburgo (França). A base de sua teoria são os princípios da Revolução
Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Esses três conceitos são
utilizados para dividir, de forma didática, os direitos humanos em três
perspectivas históricas de entendimento. Através da teoria geracional de Vasak
é possível, portanto, distribuir os direitos humanos em: primeira geração
(liberdade), segunda geração (igualdade) e terceira geração (fraternidade).
Nesse texto, nós te explicamos tudo sobre isso. Essa geração tem como elemento
principal a ideia clássica de liberdade individual, concentrada nos direitos
civis e políticos. Esses direitos só poderiam ser conquistados mediante a
abstenção do controle do Estado, já que sua atuação interfere na liberdade do
indivíduo. Os direitos civis ou individuais são prerrogativas que protegem a
integridade humana (proteção à integridade física, psíquica e moral) contra o
abuso de poder ou qualquer outra forma de arbitrariedade estatal. Exemplos de
direitos civis são a liberdade de expressão, direito ao devido processo legal,
presunção de inocência, proteção à vida privada, à liberdade de locomoção,
entre outros. Já os direitos políticos asseguram a participação popular na
administração do Estado. O núcleo desse direito envolve o direito ao voto,
direito a ser votado, direito a ocupar cargos ou funções políticas e por fim o
direito a permanecer nesses cargos. São direitos de cidadania, que asseguram
além disso tudo direitos ligados ao processo eleitoral, como filiação
partidária, alistamento eleitoral e a alternância de poder. A diferença entre
os direitos civis e políticos é que o primeiro é universal, ou seja, abrange a
todas as pessoas, sem qualquer distinção. Mas os direitos políticos são
direitos de participação restritos à cidadania e por isso atingem somente os
eleitores, garantindo-lhes direito a participar da vida político-institucional
de seu país.
[3]
A estrutura da Constituição de Weimar é claramente dualista: a primeira parte
tem por objetivo a organização do Estado, enquanto a Segunda parte apresenta a
declaração dos direitos e deveres fundamentais, acrescentando às clássicas
liberdades individuais os novos direitos de conteúdo social.
A “República de Weimar” foi
um período de transição na história alemã (entre 1919 e 1933) em que o sistema
de governo passou de uma monarquia para a democracia representativa, sob a
forma de República Parlamentarista. Com efeito, este nome se deve ao local em
que a constituição republicana foi promulgada, em 11 de agosto de 1919, na
cidade de Weimar, região central da Alemanha.
[4]
Constitucionalismo clássico ou liberal: cuja característica marcante é o
surgimento das constituições escritas; nelas são consagrados os direitos
fundamentais de primeira geração. Com o neoconstitucionalismo tem-se a
dignidade da pessoa humana como núcleo da constituição. Constitucionalismo
refere-se a um sistema normativo, consignado na Constituição, e que se encontra
acima dos detentores do poder. Sociologicamente representa um movimento social
que dá sustentação à limitação do poder, inviabilizando que os governantes
possam fazer prevalecer seus interesses e regras na condução do Estado. De
qualquer modo, o constitucionalismo não pode ser entendido senão integrado com
as correntes filosóficas, ideológicas, políticas e sociais dos séculos XVIII e
XIX. Por outro lado, o neoconstitucionalismo é uma ruptura com o
constitucionalismo liberal de previsão meramente formal de direitos. É
tentativa de garantia material de direitos fundamentais para todos.
[5] Há de se observar uma necessária separação entre o público e o privado, de sorte a que não se afronte ao princípio da impessoalidade. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o princípio da impessoalidade tem desdobramento em dois prismas, o primeiro com relação a igualdade de atuação em face dos administrados, por meio da qual busca-se a satisfação do interesse público; o segundo com referência a própria Administração, de modo que os atos não são atribuídos aos seus agentes, mas ao órgão responsável, não cabendo àqueles promoção pessoal mediante publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos.
[6]
A democracia pode ser definida, segundo o economista político Joseph
Schumpeter, como “o arranjo institucional para se chegar a certas decisões
políticas que realizam o bem comum, cabendo ao próprio povo decidir, através da
eleição de indivíduos que se reúnem para cumprir-lhe a vontade”. O Poder
Judiciário brasileiro, que dispõe de 40% a mais de funcionários por vara do que
a média mundial, além de custar quatro vezes mais do que países em condições
parecidas socioeconomicamente, não é capaz de acompanhar a quantidade de
trabalho necessária para suprir a demanda existente. Atualmente são mais de 70 milhões de
processos em tramitação na Justiça, sendo estimado que cerca de 45 milhões
deles esteja aguardando julgamento.
[7]
O setor da segurança pública também é marcado pela corrupção e incompetência, a
qual produz completa desconfiança sobre os cidadãos, que evitam até mesmo fazer
boletins de ocorrência de alguns crimes dos quais foram vítimas. Dados da Polícia
Federal apontam que enquanto há atualmente meio milhão de policiais na ativa
tanto na polícia civil como na militar, são mais de dois milhões o número de
pessoas que trabalham como seguranças privados, ou seja, quatro vezes mais que
os “seguranças estatais”. Importante frisar que os policiais civis e militares
seguem turnos de apenas 12 a 24 horas seguidas, estando livres para descanso
por 36 a 72 horas, sendo que muitos deles aproveitam esse tempo de folga para
trabalharem como seguranças particulares, ato este proibido por lei, para
complementar seus rendimentos. (In: SANTANA, Adriel. Estado contemporâneo:
análises e questionamentos. Disponível em: https://direitoeliberdade.jusbrasil.com.br/artigos/142844223/o-estado-contemporaneo-analises-e-questionamentos
Acesso em 03.02.2022).
[8]
Justiça social é uma construção moral e política baseada na igualdade de
direitos e na solidariedade coletiva. Em termos de desenvolvimento, a justiça
social é vista como o cruzamento entre o pilar econômico e o pilar social. O
conceito surge em meados do século XIX, referido às situações de desigualdade
social, e define a busca de equilíbrio entre partes desiguais, por meio da
criação de proteções (ou desigualdades de sinais contrários), a favor dos mais
fracos. Para ilustrar o conceito, diz-se que, enquanto a justiça tradicional é
cega, a justiça social deve tirar a venda para ver a realidade e compensar as
desigualdades que nela se produzem. No mesmo sentido, diz-se que, enquanto a
chamada justiça comutativa é a que se aplica aos iguais, a justiça social
corresponderia à justiça distributiva, aplicando-se aos desiguais. O mais
importante teórico contemporâneo da justiça distributiva é o filósofo liberal
John Rawls. Em Uma Teoria da Justiça (A Theory of Justice), de 1971,
Rawls defende que uma sociedade será justa se respeitar três princípios:
garantia das liberdades fundamentais para todos; igualdade equitativa de
oportunidades; e manutenção de desigualdades apenas para favorecer os mais
desfavorecidos. A justiça equitativa de Rawls surge da busca por um ideal de
justiça que de certa forma neutralize o modo de ser, social e biológico (no que
diz respeito as habilidades naturais que dão vantagens aos indivíduos) que de
algum modo pode ser arbitrário. Rawls utiliza do contrato social como método
para estabelecer os dois princípios da justiça, sendo eles a liberdade e
igualdade.
[9]
Pautado no império da lei, mas a lei que busque a igualdade de condições entre
os socialmente desiguais (igualdade material) e não mera lei generalista que
imponha tão-somente uma igualdade formal, como no Estado Liberal de Direito.
Pressupõe, portanto, uma Constituição rígida, originária da vontade popular e
que vincule e subordine todos os poderes instituídos. Ferdinand Lassalle (1988)
afirma que a verdadeira constituição é aquela que reflete os reais fatores de
poder que regem uma nação, sendo que esta constituição real muitas vezes não
coincide com a constituição escrita, editada com base em interesses distintos
daqueles que realmente direcionam a sociedade. O referido autor denomina a
constituição escrita de “constituição folha de papel” (constituição meramente
formal), porque constitui-se na simples expressão textual dos reais fatores de
poder, transformando-os em institutos jurídicos. Portanto, para Lassalle
(1988), quando a constituição formal reflete o conteúdo da constituição real –
aquela que rege de fato a sociedade em determinado momento histórico –, estamos
diante de um texto constitucional juridicamente legítimo.
[10]
Preconiza um ativismo judicial calcado na argumentação jurídica, bem como, a
leitura moral da constituição da defendida por Dworkin, valendo-se de uma teoria
política. Os casos difíceis da Constituição devem ser explicados com o auxílio
das mais diversas disciplinas, tais como a teoria política, teoria
constitucional, filosofia jurídica. O discurso dos juízes, nestes casos, é
principialista, refletindo os hard cases, dentro de uma leitura construtivista.
[11]
Dieter Grimm é um jurista alemão. De 1987 a 1999 foi juiz do Tribunal
Constitucional Federal Alemão. Em 1979, Grimm recebeu venia legendi,
tornando-se professor de Direito Público da Universidade de Bielefeld (Universität
Bielefeld), onde ensinou até 1987. Também atuou como diretor do Centro para
Pesquisa Interdisciplinar local de 1984 a 1990. A partir de 1999, tornou-se
professor da Universidade Humboldt de Berlim (Humboldt-Universität zu Berlin)
onde se aposentou em 2005. Além disso, foi reitor do Instituto de Ciências de Berlim
(Wissenschaftskolleg zu Berlin), sendo membro permanente e ativo até os
dias de hoje. Desde 2002, Grimm também é membro do conselho administrativo do
canal público alemão de televisão ZDF (ZDF-Verwaltungsrat). Como juiz,
Grimm era membro do Primeiro Senado do TCF. Seu nome é exaustivamente citado em
obras do direito por seu célebre voto dissidente na decisão “Reiten im Walde”,
versando sobre a interpretação extensiva do Art. 2 Abs. 1 da Constituição
Alemã, que trata do livre desenvolvimento da personalidade. No TCF foi sucessor
de Konrad Hesse; e sucedido por Wolfgang Hoffmann-Riem. Em seu artigo publicado
em 1980, intitulado “Reformalisierung des Rechtsstaats als
Demokratiepostulat?” ele resolveu uma controvérsia sobre o Estado de
Direito e a Democracia. É professor visitante da Faculdade de Direito da
Universidade de Yale, onde ministra o curso “Constitucionalismo dos Estados
Unidos e da Europa: Uma Comparação".
[12]
Sob denominação de teorias racionalistas, agrupam-se todas aquelas que
justificaram o Estado como de origem convencional (pactual, contratual), isto
é, como produto da razão humana. São as chamadas teorias contratualistas ou
pactistas. Partem de um estudo das primitivas comunidades em estado de
natureza. Concluem seus autores que a sociedade civil (o Estado organizado)
nasceu de um acordo entre os indivíduos.
[13]
O Estado Constitucional tem como sua principal característica é o surgimento da
lei como fonte precípua do Direito, inaugurando-se o chamado Estado Legalista
ou Legalitário. Para compreender o Estado Constitucional de Direito faz-se
necessário relembrar que com a Revolução Francesa, inaugurou-se nova era, o
chamado período legislativo ou primeiro positivismo. Esta última expressão
remonta-se à Escola Exegética, que teve seu apogeu no século XIX. Pode-se
considerá-la como vertente do método gramatical de interpretação, na qual
predomina o subjetivismo histórico do legislador. Uma de suas características
conforme alude Norberto Bobbio, é a influência do princípio da onipotência do
legislador. In: LEITE, G. Estado Constitucional de Direito. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/estado-constitucional-de-direito
Acesso em 25.01.2022.
[14]
A modernidade imediata é “líquida” e “veloz”, mais dinâmica que a modernidade
“sólida” que suplantou. A passagem de uma à outra acarretou profundas mudanças
em todos os aspectos da vida humana. A modernidade líquida seria "um mundo
repleto de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e de forma
imprevisível". Na sociedade
contemporânea, emergem o individualismo, a fluidez e a efemeridade das
relações. Bauman é um dos expoentes da chamada “sociologia humanística” e
dedicou a vida a estudar a condição humana. Ele é visto por muitos como um teórico
perspicaz e por outros como um ingênuo pessimista. Suas ideias refletem sobre a
era contemporânea em temas como a sociedade de consumo, ética e valores
humanos, as relações afetivas, a globalização e o papel da política. Para
Bauman, “a modernidade sólida tinha um aspecto medonho: o espectro das botas
dos soldados esmagando as faces humanas".
Pela estabilidade do Estado, da família, do emprego ou de outras
instituições, aceitava-se um determinado grau de autoritarismo. Segundo o sociólogo, a marca da
pós-modernidade é a própria vontade de liberdade individual, princípio que se
opõe diretamente à segurança projetada em torno de uma vida estável.
[15]
As deficiências da sociedade política medieval determinaram as características
fundamentais do Estado Moderno. A aspiração à antiga unidade do Estado Romano,
jamais conseguida pelo Estado Medieval, iria crescer de intensidade em
consequência da nova distribuição da terra. Com efeito, o sistema feudal,
compreendendo uma estrutura econômica e social de pequenos produtores
individuais, constituída de unidades familiares voltadas para a produção de
subsistência, ampliou o número de proprietários, tanto dos latifundiários
quanto dos que adquiriram o domínio de áreas menores. Os senhores feudais, por
seu lado, já não toleravam as exigências de monarcas aventureiros e de circunstância,
que impunham uma tributação indiscriminada e mantinham um estado de guerra constante,
que só causavam prejuízo à vida econômica e social. Desperta a consciência para
a busca da unidade que se concretiza com a afirmação de um poder soberano, no
sentido de supremo, reconhecido como o mais alto de todos dentro de uma precisa
delimitação territorial. O Estado Moderno, cujas marcas fundamentais, desenvolvidas
espontaneamente, foram-se tornando mais nítidas com o passar do tempo e à
medida que, claramente apontadas pelos teóricos, tiveram sua definição e
preservação convertidas em objetivos do próprio Estado. Existe uma grande
diversidade de opiniões quanto ao número dos elementos essenciais para a existência
do Estado.
[16]
O surgimento dos Estados Nacionais, também chamados de Estados-nação, ocorreu
principalmente no fim do século XVIII. A
concepção do Estado nacional ocasionou divergências entre reis e imperadores,
no século XVI e XVII, no XIX entre igreja e nação, e entre senhores feudais e o
Estado. Os Estados-Nações, ou propriamente dito países, surgiram principalmente
no fim do século XVIII início do século XIX. Foram constituídos a partir do
processo de industrialização original e/ou clássica com mecanismo de divisão do
espaço geográfico internacional, estabelecendo uma nova configuração política e
espacial, tudo isso é fruto da burguesia e revolução industrial que contribuiu
para proteger o mercado de um determinado território. A concepção do Estado
nacional ocasionou divergências entre reis e imperadores, no século XVI e XVII,
no XIX entre igreja e nação, e entre senhores feudais e o estado.
Posteriormente aos conflitos, o estado foi consolidado superando as ideologias
e interesses da igreja e dos senhores feudais, assim promoveu a centralização
do poder, e essa dava direito de representação da nação. In: FREITAS, Eduardo de. "Surgimento dos
Estados Nacionais"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/geografia/como-surgira-os-estados-nacionais.htm
. Acesso em 25 de janeiro de 2022.
[17]
Foi o historiador bismarckiano Heinrich Gotthard von Treitschke (1834-1896)
quem, adoptando a ideia do Estado ser a mais elevada categoria da eterna
sociedade humana cunhou a expressão der Staat ist Macht. Tem antecedentes na perspectiva hobbesiana,
segundo a qual o direito é igual ao poder. Já antes o suíço alemão Karl Ludwig
von Haller (1768-1854), em Restauration der Staatswissenschaft, de
1816-1825, referia que o Estado como um domínio independente que comanda os
outros e que não está ele mesmo ao serviço de ninguém, defendendo que, como no
mundo inanimado, o forte oprime o fraco, assim entre os animais e também entre
os homens se encontra a mesma lei embora com aspectos mais nobres, pelo que
constitui mandamento imutável e eterno de Deus que o mais poderoso deve dominar
e sempre dominará. O Estado passou, pois, a entender-se como um senhorio para
aplicar a autoridade de um senhor, ao mesmo tempo que se considerou que o
indivíduo estava preso por uma série de laços a um todo que o ultrapassa
infinitamente e que a força é que criaria o direito. A tese está próxima das Realpolitik,
das teses belicistas, da sociologia de luta e do darwinismo social. Neste
ambiente, o jurista Rudolf von Ihering (1818-1892), em Kampf ums Recht,
de 1872, considera que a luta pela existência é a lei suprema de toda a criação
animada; manifesta-se em toda a criatura sob a forma de instinto de conservação
(). Partindo desta premissa, assinala que a manutenção da ordem jurídica, por
parte do Estado, não é senão luta incessante contra a anarquia que o ameaça e
que, como em todas as lutas, não é o peso das forças postas em presença que faz
pender a balança. O Estado aparece assim como a única força do direito, da
mesma forma como o direito é a soma das condições da vida social, tal como esta
é assegurada pelo poder do Estado através do constrangimento exterior. É,
portanto, natural que considere o Estado como a sociedade feita detentora de
força reguladora e disciplinada da coação (...) o Estado é a sociedade usando
do seu poder de coação; para exercer esse poder toma ela a forma de Estado. O
Estado é, pois, a forma do exercício regulado e assegurado da força de coação
social, ou mais resumidamente: é a organização da coação social. Salienta que
existe um poder distinto e superior, agindo por meio dos seus órgãos e dos seus
representantes próprios, um ser de uma espécie mais elevada, tendo fins e meios
mais elevados. Desta forma, se aceita que a paz é o fim que o direito tem em
vista, não deixa de assinalar que a luta é meio de que se serve para o
conseguir. Porque, como em todas as lutas, não é o peso das razões, mas o poder
relativo das forças postas em presença que faz pender a balança e que produz
frequentemente resultado igual ao paralelograma das forças, isto é, um desvio
da linha direita no sentido da diagonal. Noutra obra, Der Zweck im Recht,
de 1877, considera que o Estado tem um interesse egoísta na sua subordinação ao
direito, dado que tal situação lhe reforça a legitimidade, assegurando-lhe a
obediência dos particulares. Aqui refere que o carácter do Estado é o de ser um
poder superior a qualquer outra vontade que se encontra num determinado
território. Este poder é, e deve ser, para que ele tenha um Estado, um poder
material, isto é, o poder de facto superior a qualquer outro poder que exista
sobre o território considerado. Antes desta condição ser preenchida, todas as
outras são antecipações, dado que para as preencher o Estado deve existir e não
existe senão quando a questão do poder está resolvida. Neste sentido, proclama
que a falta de Macht é pecado mortal do Estado (...) um Estado sem Macht é uma
contradição, pelo que o direito é a política da força. Esta perspectiva é,
aliás, inversamente proporcional ao anarquismo, dado ser marcada pelas mesmas
fontes e pelos mesmos argumentos. Como proclamava Max Stirner (1806-1856), o eu
é o único princípio, levando à negação de todo o resto. Assim, cada um fazendo
de si o centro (...) vencer ou ser vencido, não há outra alternativa. O vencedor
será o senhor, o vencido será o escravo: um gozará de soberania e dos direitos
do senhor; o outro preencherá, cheio de respeito e de temor, os seus deveres de
sujeito. Se os anarquistas dizem que o Estado é o Mal, como Mikhail Bakunine
(1814-1876), em Estatismo e Anarquia, de 1873, outros consideram-no como um
Bem. Ambos o reduzem à força; ambos consideram que a violência e a luta é que
são os motores da história. Para Bakunine o estatismo é todo o sistema que
consiste em governar a sociedade de cima para baixo em nome de um pretendido
direito teológico ou metafísico, divino ou científico, enquanto a anarquia é a
organização livre e autónoma de todas as unidades ou partes separadas que
compõem as comunas e a sua livre federação, fundada de baixo para cima, não
sobre a injunção de qualquer autoridade, mesmo que eleita, ou sobre as
formulações de uma sábia teoria, seja ela qual for, mas em consequência do
desenvolvimento natural das necessidades de todas as espécies que a própria
vida gera. Não tarda que Trotski proclame que todo o Estado se funda na força.
Ou que Weber considere que a violência não é o único instrumento do Estado, mas
o seu instrumento específico, dado que ele reivindica o monopólio legítimo do
uso da violência física.
[18]
Estado policial é o tipo de organização estatal fortemente baseada no controle
da população (e, principalmente, de opositores e dissidentes) por meio da
polícia política, das forças armadas e outros órgãos de controle ideológico e
repressão política. Ampliou-se assim, tanto quanto possível, o campo de ação da
polícia. Outra característica do “Estado de Direito” é a sua oposição ao
“Estado Policial”, ou seja, aos regimes autoritários e totalitários onde
direitos e liberdades são apenas disposições de pedaço de papel. O conceito de Polizeistaat
(em alemão, "Estado de polícia") foi cunhado pela historiografia
liberal alemã da segunda metade do século XIX, aludindo em particular à Prússia
de Frederico II, o Grande (1712 – 1786). No século XVIII, o conceito tinha uma
conotação positiva, como uma primeira forma de ordenamento constitucional
personalista. À época, era geralmente aceito que os atos emanados da autoridade
e voltados à manutenção da ordem e da segurança, estivessem acima do controle
dos tribunais.
Ampliou-se assim, tanto
quanto possível, o campo de ação da polícia. O Estado policial representa uma
evolução do típico estado absolutista monárquico, baseado no ius politiae
(um direito calcado em alguns princípios jusnaturalistas), voltado à promoção
do bem-estar dos súditos e à satisfação dos seus interesses, os quais eram,
porém, determinados pela autoridade, "confundindo-se" então com os
interesses do tipo patrimonial.
Assim, o bem-estar dos
súditos, a prosperidade do Estado e a ordem pública não seriam assegurados pela
dinâmica das forças sociais, mas por um rigoroso e correto controle
administrativo, de caráter autoritário, vertical e paternalista. Após a morte
de Frederico II, em 1794, foi publicado um código (Allgemeines Landrecht für
die Preussischen Staaten) que, pela primeira vez, no âmbito dos estados
alemães, estabeleceu o princípio segundo o qual a lei obriga também aquele que
a promulgou. Desta forma, ao Estado policial sucede o Estado de direito
(Rechtstaat). Já no contexto das democracias constitucionais contemporâneas, o
conceito assume uma conotação negativa - como um Estado marcado pelo uso
intenso das forças da ordem ou de polícia secreta. A ideia de Estado policial
aparece, então, ligada ao totalitarismo e sua ideologia.