Estado Constitucional de Direito

O paradigma do neoconstitucionalismo[1], notadamente, a dimensão normativa e de concepção política de específica forma de Estado de Direito traz propostas e contradições e, ainda, os percalços peculiares do Estado Social. Persiste ainda a pretensão de se fundar um constitucionalismo verdadeiro que apesar de dotado de grande potencial hermenêutico, prossegue consistente.

Fonte: Gisele Leite

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1.    Introdução

A origem e evolução dos Estados relatam a história universal, enfim, o Estado é, realmente, o centro essencial da vida histórica, sendo inerente à natureza humana e, apesar de não ser unânime o entendimento, desde Aristóteles já se pontificava que o homem é animal político ou zoon politikon.

Georg Jellinek confirmava a importância do Estado, mas há quem critique, como o doutrinador espanhol González Vicén que proclamava sobre o "eterno retorno do direito natural", afirmando que o direito natural sempre retorna à consciência dos povos, particularmente, sempre que há alguma transformação, especialmente, a crise social.

Hans Kelsen, o jurista de Viena, aludiu que o fins do Estado não carecia de fundamentos e, que tal debate era externo e estranho à Teoria do Estado. Ainda que conceituemos o Estado como sendo o “povo politicamente organizado”, tal simplória concepção não está apta a demonstrar a faceta de sua importância.

E, recorrendo a Santo Agostinho, concluímos que não saberemos responder de forma clara e objetiva o que é realmente o Estado. Afinal, trata-se de uma das mais complexas organizações sociais, sendo resultante de elevado aprimoramento humano, porém, alguns doutrinadores situam seu surgimento, apenas nos tempos modernos. Não obstante, a existência das cidades gregas e romanas[2] já apresentarem nítidas características semelhantes, como demonstrou Fustel Coulanges em clássica obra intitulada "A cidade Antiga".

É curial aduzir que o Estado surge para o homem, e não o contrário, o homem para o Estado. Sem dúvida, representa um estágio avançado da evolução social, o que ressalta a importância do cidadão, especialmente, do eleitor, pelo seu poder de interferir em sua vida, através do voto, e cobranças dos eleitos, e ainda, através de institutos jurídicos do processo de cunho político-democrático, sendo mesmo o mais basilar fundamento do Estado Democrático de Direito.

O vocábulo "Estado" conforme seu significado vigente, surgiu pela prima vez na literatura político através de Nicolau Maquiavel, cujo nome original era: Niccolò di Bernardo dei Machiavelli em sua obra intitulada Il Príncipe, publicada em 1531, in litteris: “todos os Estados, todos os domínio que tiveram e têm poder sobre os homens, são Estados e são ou repúblicas ou principados" (In: MAQUIAVEL, Nicolau, O príncipe, Coimbra, Atlântida Ed., 1935, p.7).

Existem diferentes correntes doutrinárias que tentam explicar a origem do Estado, entre estas, estão a doutrina teológica, a doutrina do contrato social e a jusnaturalista.

Pela primeira, o Estado seria uma criação de Deus, como obra da vontade soberana de Deus. E, tem como um dos seus expoentes, Santo Tomás de Aquino, Jacques Bossuet e Santo Agostinho e, serviu de esteio para o Estado Absolutista, fortalecendo-o ainda mais, cujo exemplo mais pungente fora o Rei Luís XIV, quem vociferou: "O Estado sou eu" (no original “L'État c'est moi", em inglês "I am the State") é atribuída ao Rei Luís XIV (1638-1715). Também conhecido como Rei-Sol (no original le Roi Soleil), Luís XIV governou a França e Navarra entre 1643 e 1715.

O monarca francês, ora citado, sustentou que o seu poder lhe fora concedido por Deus, tendo esse a obrigação de dar satisfação somente e unicamente a esse Deus por seus atos, portanto, era investido em poder ilimitado.

Aliás, em toda cerimônia pomposa e religiosa, o poder real era abençoado pela unção divina dos soberanos, não eram os homens que conferiam poderes ao rei, mas sim, o próprio Deus.

A doutrina teológica ainda se subdivide em teoria pura do direito divino sobrenatural e a teoria do direito divino providencial. A primeira defendia a tese de que o próprio Deus indicava o homem ou a família que deveria exercer o poder do Estado.

Enquanto a segunda tese, defendia que o Estado fora instituído pela providência divina, e era esta que o dirigia de forma indireta, através de acontecimentos e da vontade humana.

A doutrina do jusnaturalismo surgiu ao fim da Idade Média[3] e defendia que o Estado encontrava fundamento na própria natureza humana, havendo a precedência do direito natural em relação ao direito positivo.

Portanto, antes das leis humanas, há o direito próprio do homem como criação de Deus, sendo essa a essência do direito natural, apesar das suas muitas conceituações e significações, principalmente, ao longo de sua evolução histórica. O direito natural como inerente à própria natureza se revela em ser o conjunto de regras morais que estão inseridas na própria alma humana, e corresponde, por exemplo, o direito à vida, à felicidade, à segurança, ao respeito e, a outros, indispensáveis para a civilização humana.

Já a doutrina contratualista que também dispõe de diversas correntes, enxerga o Estado como originado de acordo de vontades, onde cada um cede parcela de seus direitos individuais em prol de todo o grupo. Pode-se exemplificar como contratualistas, entre outros, Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau e Samuel Pufendorf[4] com sua doutrina do duplo contrato.

Para Hobbes[5], segundo a famosa frase “homini lupus homini” (o homem é o lobo do homem), justamente porque, pelo fato de sermos egoístas e entrarmos em conflito uns com os outros, somos uma ameaça constante uns aos outros. Dessa forma, inevitavelmente, a guerra se torna geral. Todos são ameaça a todos o tempo todo.  A chamada "guerra de todos contra todos" (bellum omnia omnes).

Apesar de egoísta, o homem, movido pelo “medo da morte violenta” e pela racionalidade (afinal o homem é racional, pensa), chega à conclusão de que o bem maior e, mais importante, a vida, está em risco. E, para defendê-la, só há um caminho possível: renunciar à liberdade total e fazer um pacto, um contrato, o “Contrato social”, pelo qual os homens saem da vida solitária do ‘estado de natureza’ e vão viver juntos, sob um poder soberano, no ‘estado civil’, ou seja, em sociedade.

No entanto, a única forma deste contrato dar certo, ou seja, que os homens respeitem o que prometeram uns aos outros e que preservem a sua vida, é se houver um poder absoluto que os obrigue a respeitarem o contrato. Lembre-se: o homem é mau por natureza (egoísta) e viver em sociedade não significa que essa natureza modificou.

Se não houver um poder maior que, pelo medo, imponha o cumprimento do pacto, o homem não respeitará o prometido. Justamente a partir daqui é que podemos compreender a obra mais importante do filósofo, o "Leviatã".

“Leviatã" de Hobbes: o rei absoluto com uma armadura formada pelos seus súditos, causando temor pela espada e dominando toda a paisagem. Detalhe do texto escrito em latim: "Non est potestas super terram quae comparetur ei", que pode ser traduzido livremente "Não há poder na Terra que se compare a ele".

Retirado na mitologia fenícia, o Leviatã, figura que também é relatada no Antigo Testamento, no livro de Jó, é um monstro gigantesco, uma espécie de crocodilo, que vivia em um lago e tinha como missão defender os peixes mais fracos dos peixes mais fortes. Dessa mesma forma age o Estado hobbesiano: defende a vida de todos, não permitindo que uns atentem contra a vida dos outros. Mas, para garantir o respeito ao pactuado, o Estado deve impor, pelo medo, tal obediência. Por isso, ele deve ser forte, cruel e violento.

Hobbes era filósofo empirista, inglês, nascido em 1588 e defendeu o Estado natural e o Estado político. No estado natural, o poder de cada um é mensurado pela sua força efetiva, isto é, o mais forte é superior ao mais fraco e, nesse estado, o homem é o lobo do próprio homem, o homem é sociável por acidente, e não por natureza, se socializa para manter sua integridade.

O Leviatã, um monstro bíblico presente no Livro de Jó, que dizimava a população às margens do Rio Nilo. Assim, para Hobbes, o homem não é um ser social. Enfim, sua sociabilidade é forçada em prol de sua segurança, pois, somente o Estado poderia efetivamente garantir a liberdade e a integridade do homem.

Assim, no estado de natureza, o homem decidiu criar, artificialmente, a instituição do governo. E, nesse estado, o homem não busca apenas satisfazer sua natureza, mas também é movido pela vaidade, assim ao ofender e querer sobrepujar ao outro, cria-se, nesse outro, um sentimento de vingança, gerando, portanto, um círculo vicioso que sempre produzirá mazelas para o homem.

Trata-se de um estado infeliz, pois o homem desejará apenas a submissão do outro e, não a sua morte, pois se o outro morrer, acabará seu prazer em demonstrar poder e superioridade, já antecipando traços da visão hegeliana de Estado.

A doutrina contratualista de John Locke que era filho de burgueses comerciantes e, que testemunhou o momento conturbado da história inglesa, a Revolução Gloriosa[6], ocorrida entre 1688 a 1689. Ressalte-se, ainda, que as ideias de Locke foram bastante relevantes para o desenrolar da dita Revolução inglesa.

Nitidamente, Locke seguiu a doutrina contratualista de Thomas Hobbes, apesar de ter discordado em relação ao absolutismo, através de sua obra, a tese do cientista Robert Filmer[7] que defendeu o absolutismo em sua obra intitulada “O Patriarca”, alegando que tal absolutismo remonta às suas origens, a Adão e Eva. Assim afirmou que não há nenhum direito que ofereça a Adão e Eva qualquer autoridade sobre o mundo.

E, no estado de natureza todos são iguais, estando apenas subordinados às regras divinas, defendendo que a posição de qualquer pessoa pode ser castigada por uma transgressão, seja imposto o castigo por parte de outrem buscando a devida reparação dos danos sofridos.

Locke criticou, veementemente, o absolutismo, afirmando que era melhor viver em estado de natureza, onde todos são iguais, do que sob as rédeas do absolutismo. Os homens que decidiram viver em sociedade pelo seu próprio consentimento. Destacou que no estado de natureza, os indivíduos possuem direitos inalienáveis, tais como, o direito à vida, à liberdade e à propriedade.

A doutrina contratualista de Rousseau, nascido em 1712, em Genebra. Defendeu o fato que determinadas capacidades humanas só podem ser adequadamente desenvolvidas numa comunidade política, onde estejam presentes os princípios democráticos, sua reflexão crítica em relação as outras doutrinas contratualistas, tais como a de Hobbes e Locke, são apresentadas no seu “Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens”[8].

Para Rousseau, o contrato social é essencial para o processo de humanização, pois, onde havia homens astutos e egoístas, passariam a existir os patriotas e cidadãos. A vontade geral tem por finalidade o bem comum, sendo esse inalienável e indivisível.

Enfim, o Estado idealizado por Rousseau é um Estado de liberdade e justiça e que garanta a cada um, seus direitos em decorrência da própria natureza do poder político e de seu exercício democrático.

Enfim, o Estado Moderno surgiu em contraponto ao Estado medieval peculiarizado pelo regionalismo político e o universalismo religioso. Aliás, o regionalismo político criava um verdadeiro emaranhado de reinos[9], cada um dotado de suas próprias características e regras enquanto o universalismo religioso impunha ainda uma autoridade incontestável a todos seus súditos.

O Estado Moderno, portanto, rompeu com tais características, esboçando novos sistemas. E, decaiu a suserania e, surgiu a soberania arquitetada através de estrutura burocrática administrativa, leis gerais, criando um sistema tributário, idioma nacional, moeda unificada e força militar para, enfim, proteger e manter a soberania nacional, o bem-comum e a ordem.

Na Europa, o surgimento do Estado Moderno deu-se com o Estado Absolutista, sendo a primeira face. As principais características do Estado Absolutista era o poder absoluto e ilimitado enfeixado na mãos do rei, poder advindo de Deus, conforme defenderam as doutrinas de Jean Bodin[10] e Jacques Bossuet.

Dentre os mais importantes Estados Absolutistas destacamos Portugal, França, Itália e Inglaterra. Os eventos que contribuíram para sua derrubada foram a Revolução Gloriosa (1688-1689) na Inglaterra, o surgimento do Iluminismo e a Revolução Francesa (1789).

Com o declínio do Estado absolutista, propulsionado por eventos como a Revolução Gloriosa, o Iluminismo e a Revolução Francesa, deu-se o surgimento do chamado Estado Liberal. O Estado Liberal combatia visceralmente todos os ideais absolutistas, seus caracteres religiosos, seu culto teocêntrico e, a noção de que a vontade de Deus na terra era incontestável.

Deste modo, com a evolução do pensamento humanista principalmente sustentado pelo Iluminismo e pelo movimento enciclopedista, o giro antropocêntrico e o espírito revolucionário da época, deu-se o aparecimento do Estado Liberal[11] nutrido pelos ideais da Revolução Francesa calcados na tríade: liberdade, igualdade e fraternidade.

E, foram justamente os dois primeiros princípios (liberdade e igualdade) a base do pensamento da sociedade liberal. Pois, a liberdade era crucial para viver e produzir, e, para tanto era necessário o distanciamento da máquina estatal, o desenvolvimento do comércio, e ainda, sob os ecos da Revolução Industrial que conclamavam o homem para a mercancia.

O Estado, assim, deveria minimamente[12] interferir nas relações sociais, o Estado seria um mal, porém, um mal necessário. Sua interferência é necessária, porém, deveria se restringir a alguns setores da vida social. O relevante para o Estado Liberal é exatamente limitar o poder. Crucial, porém, ressaltar que o Estado Liberal não é um Estado anárquico[13], apesar de sua mínima interferência na sociedade, porém, esta é concreta e existe, ao contrário da anarquia que defende doutrina do desaparecimento do poder público.

O Estado Liberal visa garantir a liberdade tão defendida pelos modernos e, ainda, a liberdade negativa, conforme a clássica distinção feita por Benjamin Constant. A racionalidade desta limitação do poder do Estado se sustenta na doutrina dos direitos humanos, direitos inatos do homem, os quais não podem ser violentados pelos governantes. Por serem naturais, não podem ser revogados pelos homens, no dizer de Norberto Bobbio: "não precisam estar fundamentados em pesquisa empírica ou histórica".

Como visto, o problema do liberalismo é a limitação do poder, e esta se dá em dois ângulos: nos poderes e nas funções do Estado. A limitação do poder do Estado se dá através de instituições de regras gerais, esculpidas constitucionalmente, e tais regras devem ser consentâneas aos direitos fundamentais.

A limitação das funções do Estado se dá com a separação de poderes, os quais podem ser, mutuamente, fiscalizados, balanceando assim, a estrutura social dos poderes. Não há a supremacia de nenhum deles sobre qualquer outro, todos os três poderes[14], Legislativo, Executivo e Judiciário, têm a mesma importância na dinâmica do poder público.

Enfim, com tamanha limitação de poder do Estado Liberal, na posição clássica de Adam Smith, apenas é de sua competência prover a segurança interna e externa e realizar as obras que não fossem realizadas por particulares.

O controle da economia por parte de poucos, a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929[15] devido ao aumento substancial de oferta, concomitantemente, com a diminuição da procura, gerando descrença no capitalismo vigente, um dos corolários do Estado Liberal, fizeram que surgisse descrédito na livre-iniciativa do Estado Liberal, dando azo ao surgimento e crescimento do Estado Social.

O contexto histórico é composto com o crush da Bolsa de Nova Iorque de 1929, o advento da Revolução Russa, que foi a primeira experiência com o fim de colocar em prática das ideias de Karl Marx, além do intenso questionamento surgido contra o sistema capitalista, propiciaram a decadência do Estado Liberal, tudo isso, propiciou a ascensão do Estado Social[16].

Lembrando que o socialismo surgiu, particularmente, como reação às consequências da Revolução Industrial, seus efeitos sobre a classe operária. A tecnologia emergente decorrente da Revolução industrial, o que propiciou o aumento da produção. As relações humanas se modificaram, a relação que até então exista entre mestre e aprendiz, é substituída pela livre contratação e demissão, e não havia mais o longo processo de treinamento de empregados.

Desta forma, a percepção de tempo igualmente fora alterada, e deu-se significativo aumento populacional, aumento da jornada de trabalho, trabalho infantil e da mulher, novas doenças laborais também começaram a se disseminar. A infraestrutura da sociedade não comportava o expressivo desenvolvimento e aumento populacional.

Nessa época, o Direito ainda não conseguia acompanhar a dinâmica do desenvolvimento social, diversas relações não eram abarcadas pelas normas e, surgiu o que a Sociologia denominou de anomia[17], isto é, uma situação de vazio de normas, acarretando assim crescimento exagerado nos índices de tabagismo, alcoolismo e suicídio.

Já, no plano profissional, começaram as greves e protestos em prol de melhores condições laborais, máquinas foram quebradas, indústrias e fábricas incendiadas. E, por parte dos empregadores, houve mortes e tortura.

Ao mesmo tempo em que havia progresso, havia desigualdade, a classe social dominante não desejava perder os privilégios, a classe dominada lutava por direitos[18] e pela mudança da realidade social.

Nesse cenário histórico, surgiram e se desenvolveram as doutrinas socialistas, e, alguns dos seus pilares era a estatização dos meios de produção e a justiça distributiva e, perfazia um Estado Socialista dotado de alto teor de paternalismo, e autoritarismo pois ditava o que fazer e, ao grupo só restava cumprir.

Tais doutrinas propunham uma inversão na ordem social, o que é explicitado na célebre passagem do Manifesto Comunista: "a história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história da luta de classes". Havia a necessidade da união do proletariado contra a classe dominante. É importante ressaltar um fato histórico de grande significância: a Comuna de Paris[19], ocorrida em 1870, movimento que caracterizou a insurreição operária.

Entre as medidas tomadas na comuna estão a entrega das fábricas abandonadas pelos empresários a cooperativas integradas por seus operários; a separação entre Estado e Igreja; a abolição do Exército, visto estar toda a população civil armada[20]; a derrubada do sistema de separação de poderes, sendo instituído o sistema de comunas, ou conselhos. É importante ressaltar, também, que havia eleições para todos os cargos públicos, inclusive para a magistratura.

O Estado Socialista ou (Providência) surge, então, para permitir o crescimento econômico do país, ao mesmo tempo em que visa garantir proteção individual aos cidadãos. Esse Estado foi apoiado também no plano doutrinário econômico, principalmente através da teoria keynesiana[21] (John Maynard Keynes), que propunha o intervencionismo do Estado na economia.

Alguns Estados adotaram o sistema socialista, como exemplo, a China, a Rússia, os países do Leste Europeu, Cuba. Alguns não conseguiram sua sustentação, outros permanecem socialistas[22] até hoje, e, alguns estão em crise. Todavia, o socialismo sempre gerará discussões apaixonadas por parte de uns e repúdio por parte de outros, é um sistema em que vive o amor e o ódio.

A coletividade, e não o indivíduo, é o interesse do Estado Socialista. Esse é um dos caracteres que concorrem para que ele não se coadune com o atual Estado Democrático de Direito. Pois, o Estado Democrático de Direito tem por foco cada um dos indivíduos em si e, não todo o grupo como almejava o Estado Socialista, para o Estado Democrático de Direito a coletividade é importante, mas o indivíduo, em si, ainda é mais importante que a coletividade.

Podemos definir o Estado Democrático de Direito como constituído pelo conjunto de regras jurídicas, democraticamente e discursivamente, selecionadas, ou seja, o Estado Democrático de Direito é um Estado que garante a igualdade inclusiva, onde todos os direitos fundamentais da pessoa humana são preservados.

O campo de concentração, os regimes de exceção, ditaduras militares mudaram o horizonte do mundo democrático. Os regimes totalitários de direita ou de esquerda não conseguiram proteger o indivíduo, muito menos, ser uma alternativa viável para a possibilidade de um desenvolvimento humano, político, jurídico e social. Afinal, nenhuma ditadura é boa.

O Estado Democrático de Direito[23] nasce para possibilitar que todos os homens, indistintamente, possam através de sua fala (eis, a importância da linguagem para a política, e principalmente, para a filosofia contemporânea) expor, discursivamente, eleger regras para delimitar o novo contorno da sociedade. Visa o bem do homem, proporcionando ao homem liberdade e igualdade, construindo a igualdade, porém, a igualdade na diferença[24].  Objetiva incluir todos, indistintamente, sem exclusão de sexo, escolaridade, orientação sexual ou religiosa.

Leciona o professor Marcelo Novelino, “a igualdade não deve ser confundida com homogeneidade”. Nesse sentido, a lei pode e deve estabelecer distinções, uma vez que os indivíduos são diferentes em sua essência, devendo os iguais serem tratados igualmente e os desiguais tratados desigualmente, de acordo com suas diferenças[25].

Todos são importantes, pois todos discursam democraticamente para a construção de uma sociedade melhor, mais justa e solidária em de uma sociedade sem discriminação, que seja locus de novas ideias, de respeito com o outro, garantida pela total observância e cumprimento dos direitos fundamentais do homem, só assim, extirparemos do mundo os regimes que nunca deveriam ter existido, regimes ditatoriais, excludentes e intolerantes.

O Estado Democrático de Direito é uma conquista do homem, conquista garantida com muita luta, muito sangue, sofrimento e tristeza. Por isso, o Estado Democrático de Direito garante sua solidez, pois rompeu com toda a ordem arbitrária e tendenciosa, visando efetivamente a uma sociedade melhor, onde haja inclusão e pleno desenvolvimento humano e social[26].

Desenvolvimento

O Estado Constitucional tem como sua principal característica é o surgimento da lei como fonte precípua do Direito, inaugurando-se o chamado Estado Legalista ou Legalitário.

Para compreender o Estado Constitucional de Direito faz-se necessário relembrar que com a Revolução Francesa, inaugurou-se nova era, o chamado período legislativo ou primeiro positivismo. Esta última expressão remonta-se à Escola Exegética, que teve seu apogeu no século XIX. Pode-se considerá-la como vertente do método gramatical de interpretação, na qual predomina o subjetivismo histórico do legislador. Uma de suas características conforme alude Norberto Bobbio, é a influência do princípio da onipotência do legislador.

Em verdade, prefere-se a segunda expressão, uma vez que jamais deixamos de viver num período legislativo desde a Revolução Francesa, na medida exata em que a lei está ainda presente reconhecida como uma das fontes primordiais do Direito. A mudança foi do papel atribuído e reconhecido às leis. A soberania deixou de ser atribuída ao monarca, identificado com o Antigo Regime das monarquias absolutas para pertencer em definitivo ao povo.

Reconhece-se plenamente o poder de criação dessas leis (democracia), o povo estabelece suas leis, suas próprias regras de convivência. O que na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, ficou eternamente consignado como: A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer pessoalmente, ou pelos seus representantes, à formação.

A passagem para uma soberania popular incluiu e compeliu a identificação do Direito com a lei. E, isso bem se pode confirmar na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, ao consignar que se admitiriam limites aos direitos naturais de cada Homem, mas que “Ces bornes ne peuvent être déterminées que par la loi”.

À lei foi conferida a privilegiada posição no sistema jurídico, apenas a lei era admitida coo legítima restrição às liberdades naturais do homem. É o que denominou Gèny in litteris: “fétichisme de la loi écrite et codifiée”, que parece ter sido também identificado por outros doutrinadores, que cogitaram em fetiche do Direito como revelado unicamente pela lei. Trata-se, portanto, da aplicação irrestrita do dogma da soberania popular.

Contudo, a lei não é, nem poderia ser feita diretamente pelo povo, ou ainda pela abstração de uma vontade soberana do povo. O conceito de povo de Rousseau fora substituído, pelo ideário francês da Revolução, pelo conceito de nação, conferindo-lhe uma conotação jurídica para além da nota irracionalidade da ideia de povo. A formação da teoria da representação democrática e, por conseguinte, da democracia indireta - aquela na qual o povo exerce seu poder por meio de representantes corresponde principalmente ao núcleo de ideias jurídico-políticas da Revolução Francesa.

A origem e a estrutura de tal formação estão condicionadas por dois motivos, a saber: um, a impossibilidade técnica da democracia direta, é dizer, da tese de Rousseau, questão na qual os teóricos da Constituinte se vinculam com o pensamento de Montesquieu e de Lolme; o outro, pela substituição da ideia do povo como algo tangível e visível pela ideia da nação. Em resumo, é o resultado da aplicação do princípio democrático em um grande espaço e para uma grande população”.

Essa primeira proposição, teoricamente democrática e impositiva da ideia de representação, embora lhe seja essencial, não é a única a sustentar o Estado legalista. Mas, chega-se fatalmente à conclusão de que a lei passa a ser a fonte das fontes, como expressão da vontade geral[27].

Ao se cogitar em fonte do Direito é imprescindível, pelo menos ab initio, registrar a estarrecedora ideia de que o consagrado vocábulo, quando aplicado ao Direito, não constitui ingênua metáfora, porque em seu uso está implícita uma conotação jusnaturalista.

Conclui-se que a fonte do direito é a declaração do Direito, considerando-se esta preexistente àquela manifestação que o apresenta. Assim, obtém-se uma visão privatista do Direito, característica da época, considerando-o como conjunto normativo pronto, já produzido e depurado do processo de produção dessas normas.

Adjetiva-se como privatista exatamente na média em que seu estudo prescindia do processo de formação, tema que, ao contrário, é recebido na atualidade como tipicamente de Direito Público. Naquela representação inicial, a concepção da lei toma-a como algo declarado, não como algo construído pelo homem.

Sob a perspectiva contemporânea, o caráter privatista dessa tese em diversas outras searas. Também é considerada como inapropriada para o contexto atual.

Segundo Rousseau quando da defesa da soberania popular pelo império absoluto da lei. Kant não apenas concedeu a lei com referência à soberania do povo, mas racionalizou sua supremacia: “Não há, assim, contra o poder legislativo, soberano da cidade, nenhuma resistência legítima da parte do povo; porque um estado jurídico somente é possível pela submissão à vontade universal legislativa [...].

A mais leve tentativa desse gênero é um crime de alta traição (proditio eminens); e um traidor dessa natureza deve ser punido com a pena de morte [...].

A razão do dever, em que se acha o povo ao suportar até o abuso do poder soberano declarado insuportável, consiste no fato de que a sublevação contra o poder legislativo soberano deve sempre ser considerada como contrária à lei, e mesmo como subversiva de toda constituição legal. Para que a sublevação fosse permitida, seria preciso haver uma lei pública que a autorizasse.

Mas, neste caso, a legislação suprema encerraria em si uma disposição segundo a qual não seria soberana, e o povo, como súdito, num mesmo e único juízo se constituiria soberano daquele a quem está submetido, o que é contraditório. Esta contradição é flagrante, se alguém fizer a seguinte reflexão: quem, pois, deveria ser juiz na contenda entre o povo e o soberano? (Porque são, contudo, sempre juridicamente considerados, duas pessoas morais diferentes.) É evidente que aqui o primeiro quer ser juiz em sua própria causa”.

Portanto, a alteração de uma constituição pública (viciosa), que algumas vezes poderia ser necessária, só pode ocorrer através do próprio soberano, por meio de uma reforma e não por meio do povo; não deve ser feita, pois, pela revolução. Contudo, se esta acontecesse, somente poderia atingir o poder executivo, não o legislativo.

As leis representariam o produto final da razão, um corpo (normativo) dotado de racionalidade. Tudo estava baseado na ideia da proximidade verificável entre razão e verdade, sendo o método lógico o mais adequado para conferir suporte a essa tese. Era a concepção advinda do Iluminismo e do jusnaturalismo racionalista, que irradiou para o setor jurídico. Isso impedia qualquer preocupação maior com o processo de formação das leis. Natural seria reconhecer à lei supremacia praticamente absoluta.

Isso bem se pode depreender da lição de Malberg[28]: “Nesta hierarquia dos poderes e das autoridades, o corpo legislativo possui o mais alto poder. Estatui de maneira inicial: em especial, cria o direito livremente. As regras que dita constituem a ordem jurídica superior e estatutária do Estado, e, por conseguinte, obrigam a todos os órgãos ou autoridades estatais diferentes do próprio órgão legislativo”.

Ademais, a doutrina tradicional (consagrada historicamente) das fontes do Direito pretendeu apresentar uma resposta adequada às demandas por segurança jurídica e, por isso, conferiu exclusividade e, com ela, predomínio à lei.

A ideia de fontes faz remeter às origens, evitando que o Direito possa ser identificado a partir de seu conteúdo (material): a forma supera esse aspecto (para fins de identificação do Direito) e adquire um lugar de proeminência absoluta.

A subordinação e mitigação do Poder Judiciário dentro do contexto do Estado Constitucional ou Legalitário. A força formal de lei foi responsável, conforme assinalado, pela superioridade absoluta das leis. E, distingue-se essa força em passiva e ativa. 

A força passiva é a capacidade de resistência ou força em sentido estrito, e força ativa é a capacidade de inovar. São ambas relacionada com a forma. É a força passiva em relação às normas de grau inferior a responsável pela supremacia da lei. Na força ativa se controla (problema da exclusividade) o conteúdo do Direito como um todo pelo controle da produção das leis.

À lei foi atribuída, inicialmente, força passiva em relação as decisões judiciais em geral. Portanto, estas, não eram dotadas de idêntica força ou superior à das leis, nem minimamente poderia ser capaz de contrastá-las. O reconhecimento da lei como o principal veículo introdutor de Direito e sua supremacia foram possíveis, parcialmente, por essa força passiva relativamente às decisões judiciais.

Percebe-se, assim, que não poderia haver e não houve espaço para a interpretação do Direito e das leis. É a célebre e representativa desse momento a frase atribuída a Napoleão ao ver o primeiro comentário ao Código Civil que é considerado como o marco do primado da lei. Mon code est perdu[29]. Cf. François Gény, Méthode d’interprétation et sources en droit privé positif: essai critique, t. 1, p. 23.

A imposição da lei é, assim tão visceral que não deixa lugar para a construção teórica no primeiro positivismo, e menos ainda a interpretação e criação do Direito fora dos limites da aplicação mecânica da lei.

Afinal, não pode haver nenhum artigo na Constituição que conceda a um poder do Estado o direito de se opor ao soberano no caso de este violar a Constituição - por conseguinte, o direito de reprimir.

Assim, a atividade judiciária era então considerada, consequentemente, uma atividade essencialmente mecânica, mecanicista e secundária. Enquanto o Legislativo é considerado o poder inicial, de cujas decisões devem partir e a estas devem submeter os juízes. Aos juízes e aos demais operadores do Direito não era reconhecida qualquer legitimidade em eventual atuação normativa: apenas a lei poderia desempenhar essa função.

A questão ou o problema da regularidade da execução, de conformidade â lei, e em seguida o problema de garantias dessa regularidade são correntemente examinados. Ao contrário, a questão da regularidade da legislação, ou seja, da criação do direito e, a ideia de garantias dessa regularidade se defrontam com algumas dificuldades teóricas. Não há uma petição de princípio para mensurar a criação do direito em um padrão que não seja o mesmo do objeto a mensurar?

E o paradoxo que reside na ideia de uma conformidade do direito ao direito é tão grande que — com a concepção tradicional — identificamos sem mais legislação e criação do direito, e, por conseguinte, lei e direito; de maneira que as funções reunidas sob o nome de execução, a justiça e, mais particularmente ainda, a administração parecem por assim dizer alheias ao direito, não criadas propriamente para falar do direito, mas somente aplicar, reproduzir um direito de cuja criação seria como que alcançada antes destas. Se admitimos que a lei é todo o direito, regularidade equivale à legalidade. Não é então evidente que possamos estender mais a noção de regularidade".

O paradoxo da democracia pode realmente ser definido através da tensão existente entre o constitucionalismo[30] que consiste no ideal de governo limitado pela lei com o fim de proteger os direitos fundamentais e, a democracia que é conceito que abriga o ideal do governo do povo.

Essa tensão, cuja origem remonta ao início do constitucionalismo moderno, foi e, ainda é, na atualidade o objeto principal de estudo da filosofia política e constitucional norte-americana.

Há a busca de uma resposta ao paradoxo da democracia a partir da teoria de Frank I. Michelman que se pautou em seu três textos, a saber: Traces of Self-Government (1986), Constitutional Autorship (1998) e Brennan and Democracy (1999). No primeiro texto, o autor resgatou os elementos da teoria republicana e discute as relações entre a autodeterminação individual e coletiva e suas implicações na teoria constitucional.

O segundo texto abordou o problema da autoria constitucional em três vertentes teóricas, a saber: o positivismo jurídico, o populismo constitucional e o liberalismo constitucional. E, no terceiro texto abordou o conflito entre a democracia e o constitucionalismo, partir da relação entre a democracia e revisão judicial.

O doutrinador concebe o positivismo jurídico como uma teoria para a qual a constituição (com c minúsculo) pode ser aceita pela população sem que se faça referência à autoria, haja vista que o ordenamento jurídico é fundamentado na aceitação social ou eficácia (Hart[31]), ou numa norma fundamental transcendental (Kelsen). Separando o direito da moral, não visualizam a necessidade de aceitação moral do sistema normativo, pois a norma, estabelecida democrática ou autoritariamente, deve ser obedecida, não importando sua autoria.

Conclusão

A preocupação com o ideal democrático está presente no constitucionalismo liberal, assim como no populismo. Contudo, dois elementos irão distinguir as doutrinas analisadas aqui daquelas abordadas anteriormente: a concepção do indivíduo como agente da soberania popular e a defesa de que certos direitos devem permanecer afastados do processo político decisório. Michelman, em Brennan and Democracy, aborda estas questões a partir do constitucionalismo substancialista de Dworkin e procura apontar as vantagens e desvantagens dessa proposta.

A proposta de Dworkin[32] é que a interpretação se dê com base numa leitura moral da constituição, realizada de forma construtiva com fundamento no ideal político da integridade. Numa sociedade democrática necessariamente devem ser encontrados os princípios da equidade, justiça, legalidade ou devido processo legal e finalmente o da integridade política, compreendido como um princípio por meio do qual é possível cobrar do Estado e das instituições políticas e jurídicas uma ação coerente pautada em normas e princípios.

Dworkin considera também que a liberdade de participação nas decisões coletivas (liberdade positiva) não é sacrificada quando a premissa majoritária é ignorada, ao contrário, acredita que pode até mesmo aumentar sob a perspectiva da concepção constitucional de democracia.

A exigência de certas condições democráticas pressupõe a adequação a condições de participação moral numa determinada comunidade política, que são de duas espécies: estruturais – referentes ao fato de uma comunidade política ter sido instituída ao longo de um processo histórico, com fronteiras territoriais conhecidas e estáveis; e de relação – “determinam como um indivíduo deve ser tratado por uma comunidade política verdadeira para que possa ser um membro moral dessa comunidade”. Essas condições são a participação em qualquer decisão coletiva, a existência de interesse e independência em relação à decisão.

Dessa forma, afirma a possibilidade de cada um autogovernar-se no campo da elaboração da lei e oferecer uma solução para o problema da aparente contradição entre o governo da lei e o autogoverno.

Após a análise do populismo constitucional e da democracia constitucional liberal, Michelman[33] encontra-se exatamente diante do paradoxo da democracia constitucional: de um lado depara-se com a afirmação procedimental segundo a qual um regime não pode ser democrático se o conteúdo das leis básicas não puder ser decidido pelo povo e, de outro, a tentativa de retirar do processo deliberativo exatamente os conteúdos considerados parte integrante de um regime democrático. (In: CONSANI, Cristina Fotoni. Os apontamentos de Frank Michelman sobre o paradoxo da democracia constitucional. Disponível em: http://direitoestadosociedade.jur.puc-rio.br/media/42artigo4.pdf  Acesso em 3.3.2021).

Afinal, para velar pela higidez do pacto fundante do Estado, ou seja, a Constituição, as imposições constitucionais devem galgar máxima efetividade garantida pelo Judiciário, procurando igualmente proporcional o equilíbrio constitucional do Legislativo para o Judiciário. Relevante ressaltar que a função judiciária é a única capaz de tornar efetiva e concreta a supremacia da lei sobre o Governo.

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Notas:

[1] Neoconstitucionalismo trata-se de um movimento teórico de revalorização do direito constitucional, de uma nova abordagem do papel da constituição no sistema juridico, movimento este que surgiu a partir da segunda metade do século XX. O neoconstitucionalismo visa refundar o direito constitucional com base em novas premissas como a difusão e o desenvolvimento da teoria dos direitos fundamentais e a força normativa da constituição, objetivando a transformação de um estado legal em estado constitucional. A doutrina pátria de um modo geral vem tratando o neoconstitucionalismo – para nós o pós-positivismo à brasileira – como o novo direito constitucional, identificado como um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio as quais podem ser assinalados, como marco teórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; como marco filosófico, estaria o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre direito e ética e, finalmente, como marco teórico, encontraríamos o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional.

[2] A polis grega surgida no período arcaico, abriu na época, novas e fecundas possibilidades para os helenos. E, a partir dessa nova forma de organização social se implantou no cotidiano grego a filosofia, e com esta, as discussões sobre política e justiça. Portanto, o surgimento das cidades-Estado particularmente no mundo grego muito contribuiu para o surgimento de peculiar situação histórica: o choque entre duas mentalidades. De um lado, a mentalidade típica do mundo arcaico mergulhada no misticismo e pelas limitações do homem frente ao divino. E, de outro lado, a mentalidade clássica que punha em “xeque” o misticismo enxergado como remédio para as limitações humanas da razão. Propunha “um algo de novo”.

[3] A última parte da Idade Média foi um período tumultuado. A Inglaterra e a França travaram a Guerra dos Cem Anos (1337–1453). A Peste Negra, uma epidemia de peste bubônica, matou cerca de um terço da população europeia entre 1347 e 1351. Muitas mudanças levaram ao fim da Idade Média. O sistema feudal se enfraqueceu, com o crescimento do poder dos reis em países como Portugal, Espanha, França e Inglaterra. Na década de 1450 foi inventada a imprensa, que permitiu a produção de livros em larga escala. Com isso, as pessoas se tornaram mais instruídas. Também teve início o Renascimento, período de grande desenvolvimento do conhecimento e das artes. As grandes navegações abriram novos horizontes. Os europeus chegaram à América, o que provocou mudanças na maneira como o mundo era percebido.  Começavam assim os tempos modernos.

[4] A doutrina do Estado de Pufendorf defende peremptoriamente a teoria do duplo contrato e empreende de forma inconteste a justificativa teórica da necessidade do pacto de submissão. Contrário aos argumentos de Hobbes, o jurista alemão explica a formação do Estado por dois pactos bem diferentes entre si: a primeira convenção correspondente ao desejo dos indivíduos pela formação de uma mesma associação civil, trata-se de pacto de união que reúne os cidadãos e, também impõe obrigações mútuas. A segunda convenção comporta dois aspectos, a escolha do soberano mediante um acordo contratual dos associados e o compromisso de obediência irrestrita, e a troca de promessas mútuas entre o soberano e seus súditos - o primeiro promete a proteção de todos e agir em busca do bem comum, os segundos, por sua vez, prometem obediência. Quem não aceita participar desta aliança permanece fora da sociedade e conserva sua liberdade natural, está entregue à própria sorte e deve arcar com o ônus da providência dos meios materiais de sua própria conservação. Os associados que recorrem à aliança estão, por isso, desobrigados do socorro aos não-associados. A finalidade do pacto é ao mesmo tempo superar a condição de insegurança natural e infrapolítica dos homens, garantido o auxílio mútuo, e iniciar “o começo e o esboço de um Estado”.

[5] A visão pessimista de Hobbes acerca a natureza do homem, pode ser explicada pelo período vivido por ele, marcado por inúmeros conflitos na Inglaterra e na Europa. Também, há de se levar em conta que toda a sua filosofia tem como objetivo legitimar o absolutismo na Inglaterra.

[6] Foi um movimento impulsionado pelo Parlamento e o príncipe Guilherme de Orange contra a proteção do rei Jaime II à religião católica. A Revolução Gloriosa é considerada o fim da Revolução Puritana. Os ingleses viviam um período de descontentamento. Desde a ascensão ao trono de Jaime II, em 1685, a Inglaterra passou a ser governada por um rei católico que defendia o absolutismo. O problema é que o anglicanismo e outras variações da religião protestante já estavam consolidadas na Inglaterra. O rei Jaime II valorizava o catolicismo em detrimento do protestantismo, pois o considerava uma religião falsa. Assim, numa posição privilegiada, disponibilizou cargos do reino, bem como da Universidade de Oxford, para homens católicos. Os católicos começaram a ameaçar os protestantes, os quais receavam que a sua crença fosse perseguida. Igualmente, aqueles que haviam adquirido propriedades pertencentes à Igreja Católica temiam perdê-las, caso o catolicismo fosse restaurado.

[7] Sir Robert Filmer (1588-1653) foi teórico político inglês que defendeu o direito divino dos reis. E, sua reconhecida obra publicada em 1680, foi alvo de inúmeras tentativas dos Whig de refutação, incluindo Algernon Sidney. Filmer já estava na meia-idade quando a controvérsia entre o rei e a Câmara dos Comuns o despertou para a atividade literária. Seus escritos fornecem exemplos das doutrinas sustentadas pela seção extrema do partido de Direita Divina. A expressão mais completa dos pensamentos de Filmer é encontrado em Patriarcha, ou o poder natural dos Reis, publicado postumamente em 1680, mas provavelmente começou na década de 1620 e quase certamente concluída antes da Guerra Civil começou em 1642.  De acordo com Christopher Hill, " Todo o argumento de Patriarcha, e de suas obras publicadas no início dos anos 1640 e 1650, é baseado na história do Antigo Testamento do Gênesis em diante ". Os proponentes modernos de Filmer contrapõem-se a isso observando que o foco nos argumentos bíblicos de Filmer negligencia seus argumentos mais fortes da história e da lógica. As Observações de Filmer sobre o Original do Governo sobre o Leviatã de Hobbes, o Sr. Milton contra Salmasius e De jure belli ac pacis de H. Grotius apareceram em 1652. De acordo com seu título, ataca vários clássicos políticos, o De jure belli ac pacis de Grotius, a Defensio pro Populo Anglicano de John Milton e o Leviathan de Thomas Hobbes. É a fonte da famosa citação de Hobbes, afirmando que as pessoas "como cogumelos surgiram da terra sem qualquer obrigação umas para com as outras". O panfleto intitulado O Poder dos Reis e, em particular, do Rei da Inglaterra (escrito em 1648) foi publicado pela primeira vez em 1680.

[8] Locke expõe a necessidade de estabelecer uma sociedade política baseada em um pacto entre homens livres e iguais, uma concepção que justificava as desigualdades como inerentes às próprias condições de existência social e política dos indivíduos. Na obra famosa, o genebrino dissertou sobre os motivos que conduziram os seres humanos a serem desiguais. Embora admita que a desigualdade é quase nula no estado de natureza, afirmou que seu primeiro progresso se deu, ainda no estado natural, com o estabelecimento da propriedade privada, ou seja, a propriedade impulsionou a desigualdade entre os homens. De um lado, há a concorrência e rivalidade, e de outro lado, a oposição de interesses e, de ambos, o desejo de alcançar cada vez mais propriedades. A terra e a herança, motivavam, para o filósofo, o mais lastimável dos equívocos humanos, a guerra. Todos esses males são efeitos da propriedade privada. Mas, foi a propriedade privada a condição basilar para a constituição da sociedade civil e do contrato social. É a partir desta, por exemplo, que Rousseau estabeleceu a dicotomia entre ser e ter, entre essência e aparência, a raiz da degeneração humana que o genebrino identificou nas artes, na cultura, na sociedade civilizada. Assim, a constituição da propriedade foi o passo fundamental para que o ser humano perdesse seus traços mais naturais, se desnaturalizando, tornando-se artificial, um ser corrompido. Como ele mesmo afirmou: “Da extrema desigualdade das condições e das fortunas, da diversidade das paixões e dos talentos, das artes inúteis, das artes perniciosas, das ciências frívolas, surgiria uma multidão de preconceitos, igualmente contrários à razão, à felicidade e à virtude.

[9] Bruges – Belgium; Prague – Czech Republic; York – England; Trakai – Lithuania; Siena – Italy; Edinburgh – Scotland; Toledo – Spain; Tallinn – Estonia.

[10] Bodin foi um grande pensador da área da economia e da política. Em sua obra mais emblemática “A República” (dividida em 6 volumes) abordou temas relacionados ao Estado, tipos de governo e de justiça, além do poder e da religião. Jean Bodin (1530-1596) foi um jurista e teórico político francês, que exerceu grande influência na sociedade europeia através da formulação de suas teorias econômicas e seus princípios de “bom governo”, numa época em que os sistemas medievais foram dando lugar aos Estados centralizados. Foi considerado o iniciador do conceito moderno de soberania. Em 1576, publicou “Os Seis Livros da República”, que se tornou uma das mais conhecidas obras de filosofia política. No livro, Bodin formula o conceito moderno de soberania e também afirmou sua preferência pela monarquia regida por leis e defendeu a independência do poder político com relação ao religioso, como também a prevalência do direito sobre a força para obter um bom governo. O primeiro livro descreveu os diferentes tipos de poder (conjugal, paternal e senhorial) e define o cidadão e a soberania. O segundo livro descreveu as formas de Estado (monarquia, aristocracia e democracia). O terceiro definiu as funções dos órgãos do Estado (senado, oficiais, magistrados e colegiados). O quarto livro comentou a ascensão e queda dos Estados e suas causas. O quinto livro discutiu a adaptação do Estado ao estilo e caráter da população, como também os diversos aspectos da administração estatal (fisco, penas e recompensas, guerras, tratados e alianças). O sexto livro debateu algumas políticas públicas (censo, finanças e moeda) e por fim, compara as três formas de Estado e os tipos de justiça correspondente a cada uma.

[11] Em 1815, o primeiro uso da palavra "liberalismo" apareceu em inglês. Na Espanha, os liberales, o primeiro grupo a usar o rótulo liberal em um contexto político, lutaram por décadas para a implementação da Constituição de 1812. De 1820 a 1823, durante o Triênio Liberal, o rei Fernando VII foi forçado pelos liberais a jurar defender a Constituição. Em meados do século XIX, o termo liberal foi usado de forma politizada para partidos e movimentos em todo o mundo. Com o tempo, o significado da palavra liberalismo começou a assumir sentidos díspares em diferentes partes do mundo. De acordo com a Encyclopædia Britannica:  "Nos Estados Unidos, o liberalismo está associado às políticas de welfare state (Estado de bem-estar social) do programa New Deal da administração democrata do Pres.  Franklin D. Roosevelt, enquanto na Europa é mais comumente associado a um compromisso com políticas econômicas de governo limitado e laissez-faire".  Consequentemente, nos Estados Unidos, as ideias de individualismo e economia de laissez-faire anteriormente associadas ao liberalismo clássico tornaram-se a base para a emergente escola do pensamento libertário e são componentes-chave do conservadorismo americano. Ao contrário da Europa e da América Latina, a palavra liberalismo na América do Norte refere-se quase exclusivamente ao liberalismo social. O partido canadense dominante é o Partido Liberal e o Partido Democrata dos Estados Unidos é geralmente considerado liberal. No Brasil e em Portugal, a palavra "liberal" designa geralmente proponentes da direita política, mais especificamente defensores da liberdade econômica — o termo "neoliberal" é usado, no Brasil e em Portugal, de maneira pejorativa para designar parte do mesmo grupo.

[12] O conceito de "Estado mínimo" já era sugerido por Lao-Tsé na China Antiga em seu clássico Tao Te Ching, ao defender que o soberano ideal deveria agir o mínimo possível. A concepção da expressão "estado mínimo" na década de 1970 foi uma reação à maciça presença dos estados nas economias de todo o mundo durante a maior parte do século XX. A expressão "estado mínimo" tem sua origem no neoliberalismo, corrente surgida nos anos 1970 e 1980 que procura reviver o capitalismo laissez-faire do liberalismo clássico dos séculos XVIII e XIX. A não-intervenção estatal na economia é um conceito elementar do liberalismo clássico, introduzido inicialmente pelo filósofo e pai da Economia, Adam Smith.

Porém, a concepção da ideia de estado reduzido em especial foi introduzida por Robert Nozick, através do seu trabalho “Anarquia, Estado e Utopia”. Nessa obra o autor, embora criticasse o anarquismo individualista, afirmava que o estado mínimo era a forma de governo mais moralmente justificável. Basicamente, os defensores do estado mínimo apresentam três razões principais pelas quais esse modelo seria o melhor:

Menor erro de cálculo econômico, o que reduz os desperdícios de recursos escassos e melhora na alocação de capital de uma sociedade; Maior crescimento econômico e geração de empregos, pois libera recursos engessados pelo Estado. Menor carga tributária e maior liberdade de empreender. Mas ao contrário do que muitos acreditam, a ideia de estado mínimo não está ligada a inexistência do Estado, e sim na sua racionalização.  Dessa forma, os minarquistas defendem que o Estado mantenha apenas suas funções básicas, deixando todo o resto a cargo da iniciativa privada.

[13] A palavra anarquia foi originada na Grécia, a partir da palavra anarkhia, que, em tradução livre, significa ausência de governo. Dessa forma, ela é um sistema político que reconhece a importância da autonomia da sociedade, lutando contra os regimes estatais e a autoridade que os governos trazem. Em outras palavras, é um sistema que defende as bandeiras de autonomia coletiva, horizontalidade nas relações — tanto políticas quanto sociais — e da construção de uma sociedade igualitária, livre de relações de poder. Assim, uma comunidade anarquista tem como base a autogestão e a coletividade para se manter, atuando com uma economia de subsistência. É importante ter em mente que o anarquismo, embora seja caracterizado pela ausência de governo, não vive sem regras. Existem bases consolidadas para garantir o bom convívio social, permitindo uma vida em harmonia entre todas as populações.

[14] A corrente Tripartite (separação do governo em três), sendo Aristóteles o pioneiro em sua obra “A Política” que contempla a existência de três órgãos separados a quem cabiam as decisões de Estado. Eram eles o Poder Deliberativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário. Em seguida Locke, em sua obra “Segundo Tratado Sobre o Governo Civil”, defende um Poder Legislativo superior aos demais, o Executivo com a finalidade de aplicar as leis, e o Federativo, mesmo tendo legitimidade, não poderia desvincular-se do Executivo, cabendo a ele cuidar das questões internacionais de governança. Posteriormente, Montesquieu cria a tripartição e as devidas atribuições do modelo mais aceito atualmente, sendo o Poder Legislativo aqueles que fazem as leis para sempre ou para determinada época, bem como, aperfeiçoam ou revogam as já existentes; o Executivo – o que se ocupa o Príncipe ou Magistrado da paz e da guerra -, recebendo e enviando embaixadores, estabelecendo a segurança e prevenindo invasões; e por último, o Judiciário, que dá ao Príncipe ou Magistrado a competência  de punir os crimes ou julgar os litígios da ordem civil. Nessa tese, Montesquieu pensa em não deixar em uma única mão as tarefas de legislar, administrar e julgar, já que a concentração de poder tende a gerar o abuso dele.

[15]  O dia 24 de outubro de 1929 foi marcado pela quebra da Bolsa de Nova York, que abalou os mercados financeiros de todo o mundo. Os ecos dessa crise também chegaram ao Brasil e mudaram – por completo – a economia e a política do país. Antes da quebra da bolsa, os Estados Unidos estavam embalados pela vitória na Primeira Guerra Mundial e por um crescimento industrial e urbano sem precedentes. Esse sonho de prosperidade levou muita gente a se endividar para comprar ações na bolsa de valores. Só que essa bolha especulativa cresceu e estourou. Logo na abertura dos negócios, naquele 24 de outubro de 1929, o índice Dow Jones recuou 11%. Era apenas um prenúncio do que estava por vir. Ao todo, o índice amargou quatro anos seguidos no vermelho, o que foi suficiente para anular os ganhos de quase uma década. E os prejuízos não ficaram restritos ao mercado financeiro. A economia dos Estados Unidos mergulhou na Grande Depressão: famílias inteiras ficaram na miséria, empresas e bancos faliram e fábricas fecharam. Os impactos dessa crise acabaram alcançando o Brasil, que praticamente só exportava café. O país perdeu compradores e mergulhou junto na recessão. A queda nas vendas enfraqueceu a oligarquia cafeeira que sustentava a República velha. Exatamente um ano depois, em 24 de outubro de 1930, na esteira da crise, Getúlio Vargas dava um golpe e assumia o governo do país. Para tentar segurar o preço do café, Vargas adotou uma medida radical:  queimou milhões de sacas, reduzindo a oferta. A medida, porém, teve pouco efeito. O rombo nas contas externas disparou e, em outubro de 1931, o Brasil era capa do New York Times, declarando a sua primeira moratória.

[16] O Estado de bem-estar social, ou Estado-providência, ou Estado social, é um tipo de organização política, económica e sociocultural que coloca o Estado como agente da promoção social e organizador da economia. Nesta orientação, o Estado é o agente regulamentador de toda a vida e saúde social, política e económica do país, em parceria com empresas privadas e sindicatos, em níveis diferentes de acordo com o país em questão. Cabe, ao Estado de bem-estar social, garantir serviços públicos e proteção à população, provendo dignidade aos naturais da nação. O Estado de bem-estar social moderno nasceu na década de 1880, na Alemanha, com Otto von Bismarck, como alternativa ao liberalismo económico e ao socialismo. Pelos princípios do Estado de bem-estar social, todo indivíduo tem direito, desde seu nascimento até sua morte, a um conjunto de bens e serviços, que deveriam ter seu fornecimento garantido seja diretamente através do Estado ou indiretamente mediante seu poder de regulamentação sobre a sociedade civil. São as chamadas prestações positivas ou direitos de segunda geração, em que se inclui gratuidade e universalidade do acesso à educação, à assistência médica, ao auxílio ao desempregado, à aposentadoria, bem como à proteção maternal, à infantil e à senil. Os apoiantes demonstram como exemplo de sucesso na adoção integral do Estado de bem-estar social a experiência de países nórdicos. Por outro lado, críticos alegam que pode haver compreensão equivocada do funcionamento do Modelo nórdico, e que os defensores do Estado de bem-estar social em outros lugares tentam copiar apenas os direitos e não as obrigações implementadas por aqueles países. De todo modo, os dados frios nórdicos, oriundos de nações que adotaram o sistema corretamente, independentemente de apoiadores onde o modelo não foi adotado por completo, mostram eficiência desse modelo de dignidade universal refletida em seu IDH, que, ao contrário do senso comum, não elimina a possibilidade de enriquecimento, apenas diminui a miséria quase por completo com distribuição de recursos e de renda realizadas sob regras reforçadas, objetivando a mera dignidade de todos.

[17] O estudo da relação entre direito e anomia ocorre a partir da análise do direito sob a perspectiva de sua eficácia social e, nesse sentido, se refere ao estudo dos padrões de condutas sociais instituídos pelo direito e a forma como os indivíduos se comportam diante desses padrões, bem como o modo como as normas.

[18] Nas indústrias inglesas do período da Revolução Industrial, a jornada diária de trabalho costumava ser de até 16 horas com apenas 30 minutos de pausa para o almoço. Os trabalhadores que não aguentassem a jornada eram sumariamente substituídos por outros. Com a revolução industrial veio um aumento do tempo de trabalho durante o ano, entre outros fatores pela iluminação artificial e o êxodo rural.  Nos Estados Unidos, a jornada média era de 70 horas semanais ao fim do século XVIII, de 60 horas ao fim do século XIX, e de 50 horas no início do século XX. Em 1926, a Ford e outras empresas adotavam uma jornada de 40 horas. Em 1938, o presidente Franklin Roosevelt sancionou uma lei estipulando uma jornada máxima de 40 horas, sendo a média à época de 42 a 27 horas de acordo com o setor. No século XXI, na França a jornada é de 35 horas, enquanto na Coreia do Norte pode chegar a 122 horas em campos de trabalho.

[19] A Comuna de Paris foi uma tentativa de implantação de um governo socialista ocorrida entre março e maio de 1871.  Dentre as realizações da comuna: os preços foram congelados e controlados, o salário-mínimo foi instaurado, a Igreja foi separada do Estado novamente e o ensino gratuito foi estabelecido.

A Comuna de Paris — considerada por alguns estudiosos a primeira república proletária da história — adotou uma política de caráter socialista, baseada nos princípios da Primeira Internacional dos Trabalhadores. Tanto Marx quanto Engels argumentaram que a Comuna de Paris foi um exemplo da ditadura do proletariado. A Comuna é considerada, por grupos políticos revolucionários posteriores (anarquistas, comunistas, situacionistas), como a primeira experiência moderna de um governo popular. Um acontecimento histórico resultante da iniciativa de grupos revolucionários e do espontaneísmo político das massas, em meio a circunstâncias dramáticas de uma guerra perdida (Guerra franco-prussiana) e de uma guerra civil em curso.

[20] Alguns dos países, como a Costa Rica, o Haiti ou Granada, passaram por um processo de desmilitarização. Outros foram formados sem forças armadas, como Samoa há 50 anos atrás; a principal razão sendo que, no momento da sua criação, estavam sob a proteção de outro país.

[21] O keynesianismo, também chamado de Escola ou Teoria Keynesiana, é uma teoria político-econômica que defende a intervenção do Estado na organização econômica de um país. Desta maneira, o Keynesianismo é oposto ao liberalismo econômico, que sustenta que a economia deve ser regulada pelo mercado. A doutrina keynesiana ficou conhecida como uma “revisão da teoria liberal”. Nesta teoria, o Estado deveria intervir na economia sempre que fosse necessário, a fim   de evitar a retração econômica e garantir o pleno emprego. De acordo com Keynes, a teoria liberal-capitalista não disponibiliza mecanismos e ferramentas capazes de garantir a estabilidade empregatícia de um país.  Segundo Keynes, o poder público deveria investir em áreas em que as empresas privadas negligenciavam.

[22] Socialistas atuais: China República Popular da China; (desde 1949); Partido Comunista da China. Coreia do Norte República Popular Democrática da Coreia; (desde 1948); Partido dos Trabalhadores da Coreia. Cuba República de Cuba; (Revolução Cubana em 1959, estado socialista declarado em 1961); Partido Comunista de Cuba. Vietname República Socialista do Vietnã; (desde 1945 no Norte, desde 1976 após a unificação); Partido Comunista do Vietnã. Laos República Democrática Popular de Laos; (desde 1975); Partido Popular Revolucionário do Laos.

Estados Comunistas: Estados Unipartidários e Pluripartidários no mapa. Transnístria República Moldava da Transnístria; (desde 1990).

[23] A expressão em inglês The Rule of Law, por vezes tida como sinônima de Estado de Direito, na verdade, representa sentido ligeiramente distinto deste último. Ela pode ser vista como antecedente direto e imediato do Estado de Direito, na doutrina inglesa, conforme observa Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2004b, p. 11): “Assim, no limiar da revolução de Cromwell, estava definido o rule of law que Dicey sintetiza em três pontos: primeiro, a ausência de poder arbitrário por parte do Governo; segundo, a igualdade perante a lei; terceiro, as regras da Constituição são a consequência e não a fonte dos direitos individuais, pois ‘os princípios gerais da Constituição são o resultado de decisões judiciais que determinam os direitos dos particulares (private persons) em casos trazidos perante as cortes’.  Portanto, ‘a Constituição é o resultado da lei comum da terra’ (ordinary law of the land)”. Como se vê, a locução rule of law tem caráter mais específico do que a expressão Estado de Direito, enquanto caracterizadora da situação inglesa na relação do poder público com os seus cidadãos. Inclusive, alguma insuficiência da dimensão da fórmula rule of law pode ser identificada, conforme anota com mestria Canotilho: “a necessidade de um ‘New Bill of Rights’ e mesmo de uma ‘Written Constitution’ que estabeleça vinculações jurídicas precisas à clássica e incontornável parliamentary sovereignty”.  (CANOTILHO, 2002, p. 94). In: DA SILVA, Enio Moraes. O Estado Democrático de Direito. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/42/167/ril_v42_n167_p213.pdf  Acesso em 6.3.2021.

[24] A denominada por alguns de igualdade real ou substancial, a igualdade material tem por finalidade igualar os indivíduos, que essencialmente são desiguais. Sabe-se que as pessoas possuem diversidades que muitas vezes não são superadas quando submetidas ao império de uma mesma lei, o que aumenta ainda mais a desigualdade existente no plano fático. Nesse sentido, faz-se necessário que o legislador, atentando para esta realidade, leve em consideração os aspectos diferenciadores existentes na sociedade, adequando o direito às peculiaridades dos indivíduos. A igualdade em seu sentido puramente formal, também denominada igualdade perante a lei ou igualdade jurídica, consiste no tratamento equânime conferido pela lei aos indivíduos, visando subordinar todos ao crivo da legislação, independentemente de raça, cor, sexo, credo ou etnia. Com a Revolução Francesa, afirmava-se a igualdade perante a lei, em uma perspectiva puramente negativa, na medida em que submetia todos os indivíduos ao império da lei geral e abstrata, desconsiderando assim as desigualdades existentes no plano fático.

[25] Aristóteles foi responsável por inserir o princípio da igualdade na seara da filosofia, quando explicitou que “a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, dando a cada um o que é seu”. A referida afirmação, apesar de vaga, denuncia que “o enunciado geral de igualdade, dirigido ao legislador, não pode exigir que todos sejam tratados exatamente da mesma forma ou que todos devam ser iguais em todos os aspectos”.

[26] O problema da conciliação da liberdade econômica com a justiça social (ou o socialismo) foi colocado, pelo liberalismo, não como um problema ético — onde não há questionamento de valores —, e sim como um problema prático de como os meios podem corresponder aos fins; Por estes motivos, a melhor  percepção do Liberalismo ocidental contemporâneo se dá nos diversos pensadores ou nas diversas escolas interessadas na política econômica e na política social: L. Einaudi, W. Röpke, Beveridge, a escola keynesiana, a escola de Friburgo (W. Eucken) e a escola de Chicago (M. Friedman, F. H. Hayek). Embora todos subordinem à liberdade a solução da questão social (a justiça), estas escolas se diferenciam em maior ou menor grau de medo de que o Estado assistencial leve inevitavelmente ao fim do Liberalismo.  De Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico, define Justiça Social como sendo a contribuição de todos para a realização do bem comum. Esse conceito por mais simplório que pareça sintetiza a justiça social: bem comum. O problema aparece quando políticas públicas resumem e limitam a execução do bem comum a uma reserva do possível, que na maioria das vezes se transvesti numa impossibilidade generalizada para usufruir direitos fundamentais, para o mínimo existencial.

[27] Gilberto Bercovici tem razão, o pensamento constitucional precisa ser reorientado para a reflexão sobre os conteúdos políticos. E, talvez retomar a proposta de Loewenstein, que entendia que a Teoria da Constituição como uma explicação realista do papel que a Constituição joga na dinâmica política. Enfim, o direito constitucional é realmente um direito político. E, a Constituição pode não ter a pretensão de resumir ou abarcar em si a totalidade do político, conforme ocorreu com a Teoria da Constituição Dirigente, pois foi nesse universo normativo fechado que prosperou o positivismo jurisprudencial. (In: GARCÍA, Eloy. El Estado Constitucional ante su "Momento Maquiavélico". Madrid: Editora Civitas, 2000).

[28] Raymond Carré de Malberg (1961-1935) foi jurista francês e um dos principais estudiosos constitucionais da França. Como professor de direito público em Caen, Nancy e Strasbourg, Carré de Malberg desenvolveu uma teoria positivista completa e crítica do direito constitucional francês, influenciada pelo pensamento alemão do entre guerras expresso na Constituição de Weimar. Embora suas obras, incluindo Contribution à la théorie générale de l'Etat (1920) e La loi, expression de la volonté générale (1931), tenham se tornado clássicos muito citados nos estudos franceses do pós-guerra, tiveram pouca aceitação no exterior. Uma frase marcante: "O Estado tem um poderio (une puissance) que não deriva de nenhum outro poder (pouvoir) e que não pode ser igualizado por nenhum outro poder".

[29] Napoleão tinha convicção de que seus feitos militares seriam esvaecidos com o tempo, em especial após a derrota de Waterloo, ficaria, para sua glória, o Código, mercê de seu sistema e de sua inegável clareza. No exílio, entretanto, teve ciência da obra de MALEVILLE (um dos quatro membros da comissão de elaboração do Código), primeiro comentarista da monumental obra. Ao saber dos comentários, teria afirmado: mon code est perdu! Os comentários, a interpretação, tudo levaria à destruição da lei. In: NUNES, Amaury. Napoleão Bonaparte e o novo CPC: Ton Code Est Perdu! Disponível em: http://amaurynunes.com.br/2019/09/03/napoleao-bonaparte-e-o-novo-cpc-ton-code-est-perdu/ Acesso em 4.3.2021.

[30] Em sentido amplo, o constitucionalismo é empregado para designar a existência de uma Constituição nos Estados, independentemente do momento histórico ou mesmo do regime político praticado. Apesar de que Constituição, em sentido moderno, só surgiu apenas a partir das Guerras Religiosas do século XVI e XVII, todos os Estados, até os absolutistas ou totalitários, possuíam uma norma básica, fosse expressa ou tácita, que era responsável por legitimar o poder soberano. E, assim, o constitucionalismo se confunde mesmo com a própria história das Constituições. Já em sentido restrito, o termo é usado e associado à duas noções básicas que tanto o identificam, a saber: o princípio da separação dos poderes, segundo as versões feitas por Kant e Montesquieu; e a garantia de direitos, utilizada como instrumento de limitação do exercício do poder estatal para a proteção de liberdade fundamentais. Assim, Nicola Matteucci definiu o constitucionalismo como sendo uma "técnica da liberdade", ao estabelecer mecanismos de desconcentração do exercício do poder com o intuito de impedir o seu uso arbitrário e de assegurar os ideais de liberdade, o constitucionalismo se contrapõe ao absolutismo. Na célebre frase de Karl Loewenstein (1970), a história do constitucionalismo “não é senão a busca pelo homem político das limitações do poder absoluto exercido pelos detentores do poder, assim como o esforço de estabelecer uma justificação espiritual, moral ou ética da autoridade, em vez da submissão cega à facilidade da autoridade existente.

[31] A teoria da obediência absoluta à lei enquanto tal foi presente especialmente no início do desenvolvimento teórico do positivismo ético, por se tratar de uma afirmação moral ou ideológica e não científica. A verdade é que o positivismo ético fora sustentado por poucos teóricos e, mais contemporaneamente rejeitado por completo pelos positivistas como John Austin, Hans Kelsen, Alf Ross e Herbert Hart que realizaram uma separação teórica absoluta entre direito e moral. Sendo expressão de um momento histórico que teve como clímax o advento da modernidade. Para melhor compreender o ponto de vista de Hart é preciso observar o modelo positivista a partir de três teses principais, a saber:  1.A tese das fontes sociais; 2.A tese da separação conceitual; 3. A tese da discricionariedade judicial. A primeira tese defendeu que a existência do Direito é definida pelas práticas sociais complexas e que estipulavam a formação das fontes sociais do Direito. A segunda tese argui as conexões entre direito e a moral que são contingentes. E, a terceira tese estava baseada na questão da textura aberta da linguagem, e em particular, da linguagem jurídica que mantém normas jurídicas com termos genéricos, vagos e controvertidos.

[32] O debate entre Herbert Lionel Adolphus HART (1907-1994) e Ronald M. DWORKIN é um dos mais instigantes temas da Filosofia do Direito do final do século XX, sendo que um de seus objetos é o problema da discricionariedade do intérprete. A consolidação do positivismo jurídico que teve lugar no século XIX mediante a junção dos métodos da exegese e do conceitualismo procurava dar ao intérprete — em especial ao juiz — uma tarefa neutra em relação à lei.  Desse ponto comum surgiram duas grandes tendências teóricas que vão se desenvolver no século XX: a) uma primeira, aparentemente mais fiel à tradição positivista que, tendo verificado as possibilidades da lógica no raciocínio jurídico, chega à conclusão deque, naqueles casos em que a lógica não fosse apta para fundamentar uma decisão jurídica, o intérprete estaria autorizado a se valer de discricionariedade, tornando-se então um sujeito político criador de direito; e b) uma segunda, pelo contrário, tentando evitar aquela conclusão —que afinal de contas atingia os alicerces do Estado liberal forjado pelo iluminismo — tentou construir uma nova lógica que pudesse compensar o déficit de racionalidade que caracterizava a argumentação jurídica, ou seja, um método jurídico alternativo que conduzisse o processo de decisão quando o direito escrito e a lógica se mostrassem insuficientes ou conduzissem de qualquer modo a resultados insatisfatórios.

[33] Frank Isaac Michelman (1936) é jurista norte-americano e professor emérito da Harvard Law School. Michelman escreveu o influente artigo de revisão da lei, Property, Utility and Fairness, (80 Harv. L. Rev. 1165 (1967)) sobre as razões econômicas para a compensação justa na 5ª Cláusula de Tomada de Emenda na Constituição dos Estados Unidos. Este artigo foi citado pela maioria em seu parecer no processo Penn Central v. New York City, o caso da Suprema Corte que tratou da autoridade de uma lei local da cidade de Nova York que proibia a empresa ferroviária de construir um arranha-céu acima do histórico Grand Terminal Central estrutura. A análise de Michelman baseou-se em avaliar se os custos incômodos e o valor para a sociedade valiam a pena. Ele observou que, embora os Tribunais nem sempre forneçam decisões justas ou proveitosas, elas fornecem resultados perfeitos que podem ser obtidos pelos Tribunais. Ele observou que os órgãos administrativos e legislativos estavam se esquivando de seus papéis no processo de compensação. Michelman foi vice-presidente da American Society for Political and Legal Philosophy 1994-96 e como presidente, 1998-2001. Michelman foi o primeiro a receber o Prêmio Brigham-Kanner de Direitos de Propriedade do College of William and Mary em 2004.  O Prêmio é concedido anualmente a um indivíduo cujo trabalho contribui para promover a causa dos direitos de propriedade privada. Ele foi selecionado para o prêmio em grande parte devido ao seu artigo, "Propriedade, utilidade e justiça: comentários sobre os fundamentos éticos da lei de 'compensação justa'", 80 Har.L. Rev. 1165 (1967). Em 2005 ele ganhou o American Philosophical Society Award. Em uma cerimônia em novembro na Filadélfia, a American Philosophical Society concedeu ao Professor Frank Michelman o Prêmio Henry M. Phillips de Jurisprudência. O prêmio foi concedido apenas 20 vezes em mais de um século e homenageou as contribuições significativas de Michelman para o campo da jurisprudência. Em novembro de 2007, Frank Michelman foi um visitante ilustre da American Academy em Berlim, Alemanha.  Ele se aposentou do cargo de professor universitário em 2012 e, em fevereiro de 2013, Cass Sunstein foi nomeado pelo presidente da Universidade de Harvard, Drew Gilpin Faust, para sucedê-lo.  As décadas de 1980 e 1990 marcaram a hegemonia de uma nova tradição constitucional: o constitucionalismo republicano. Esta tradição, originalmente desenvolvida nos Estados Unidos, pregava o resgate de ideais como bem comum, deliberação cívica e vontade popular por meio de revisão da história e da teoria político-constitucional. Entre os seus maiores expoentes, estava o professor Frank Michelman. Michelman sugere um caminho para se reconciliar, no pensamento e na prática constitucional, o ideal republicano do autogoverno e os limites territoriais e populacionais das democracias. Para superar esse distanciamento entre o ideal de cidadania participativa e os limites da vida moderna, Michelman apresenta a Suprema Corte como a instituição capacitada a assumir e representar, ainda que “simbolicamente”, o princípio do autogoverno. O principal argumento é de que a primazia conferida pelo autor à Suprema Corte, em vez de realizar o ideário republicano, acaba por neutralizar a capacidade coletiva de perseguir, no pensamento e na prática, aprimoramentos na democracia contemporânea.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Constitucionalismo CF Estado Constitucional de Direito Estado de Direito Democracia

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