Pandemia como excludente de responsabilidade civil
A pandemia de Covid-19 com suas consequentes medidas restritivas impostas pelo poder Público na tentativa de controlar a disseminação virótica, impôs a necessidade de se refletir quanto à possibilidade de esta ser considerada ou não como excludente de indenizar. Recomenda-se, sempre que possível a revisão contratual e, o reestabelecimento do equilíbrio contratual.
Depois
do advento da responsabilidade civil objetiva, somente a interrupção do nexo de
causalidade poderá afastar a condenação do réu ao ressarcimento.
Analisando
se a pandemia de Covid-19 pode ser considerada como força maior, rompendo o
nexo de causalidade, erigindo-se como excludente de responsabilidade. Mas, a
caracterização da força maior dependerá da análise do caso concreto, não sendo
mesmo possível uma adoção constante e linear.
É
sabido que o sistema da responsabilidade civil estava baseado em três
alicerces, a saber: culpa, dano e nexo de causalidade. E, para que surgisse o
dever de indenizar era indispensável que a vítima comprovasse a culpa do agente
causador, que compreendia a negligência, imperícia ou imprudência[1].
Diante
da dificuldade em se comprovar a ocorrência da culpa, por vezes, erigindo-se em
prova diabólica, foi aos poucos aumentando o desenvolvimento do capitalismo
industrial e moderno dotado de inovadoras tecnologias, resultando em injustiças
o acesso concreto da vítima ao ressarcimento dos danos por esta suportados.
Nesse
contexto, a doutrina procurou investigar critérios objetivos de imputação de
responsabilidade civil para que pudesse substituir ou ao menos atenuar o papel
central da culpa.
E, com
surgimento da responsabilidade objetiva[2], a ênfase voltou-se para o
nexo de causalidade, portanto, somente sua ruptura seria hábil para afastar a
condenação do réu. E, dentre as situações que podem acarretar tal ruptura, se
figuram o caso fortuito e da foça maior.
Em
verdade, desde março de 2020, o mundo encara a pandemia causada pelo
coronavírus e seus impactos são diversos e repercutem, sobre as relações
contratuais, empresariais, com a impossibilidade de cumprimento de obrigações
pendentes e gerando responsabilidade civil.
Primeiramente,
cumpre investigar os elementos da responsabilidade civil partindo-se da culpa e
até o desenvolvimento da responsabilidade objetiva. O conceito etiológico de
responsabilidade civil está atrelado a noção de ressarcimento, de forma que
seja possível a reestabelecer o equilíbrio entre a vítima e o causador do dano,
sendo este um dos elementos necessários para configurar o dever de indenizar.
Questiona-se
se a pandemia seria considerada como caso fortuito ou força maior e, por conseguinte,
capaz de romper o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilização civil.
As
grandes codificações consagraram o sistema de responsabilidade civil fundado em
três alicerces, representados pela culpa, nexo de causalidade e dano, cabendo à
vítima demonstrar o caráter culposo da conduta do ofensor, o dano e o nexo de
causalidade entre a conduta e o dano.
Devido
à dificuldade para imputar eventual responsabilização civil, havia barreiras
que são denominadas como filtros da responsabilidade civil, conforme bem alude
Anderson Schreiber, já que cumpria a vítima comprovar um dano e, além de sua
ocorrência existencial, a culpa do ofensor e, ainda, o nexo de causalidade
entre esta e o dano.
Com
frêmito da evolução do capitalismo industrial e de novas tecnologias, a
dificuldade em se comprovar a ocorrência da culpa foi se intensificando e
resultado em injustiças por dificultar o acesso concreto da vítima à reparação
de danos por esta suportados[3].
Repare-se
que com o advento da responsabilidade civil objetivo, houve considerável
transformação da jurisprudência[4], exigindo-se maior atenção
para a análise e constatação do nexo de causalidade. E, tais transformações
trouxeram inovações sensíveis para as soluções, especialmente, em face da
pandemia de Covid-19, forçando-nos a revisitar os institutos como a força maior
como excludente de responsabilidade.
Se faz
necessário entender a culpa como primaz fundamento da responsabilidade civil, e
com o advento da responsabilidade civil objetivo, o conceito de dano ressarcível
e, no que consiste o nexo de causalidade.
Lembremos
que o sistema de responsabilidade civil previsto no Código Beviláqua, ou seja,
de 1916, restava fulcrado na prática do ato ilícito, cujo elemento nuclear era
a culpa. E, a culpa foi inegavelmente, a categoria nuclear do sistema de
responsabilidade civil, sendo concebida pelos juristas da modernidade e
abrigada pela ideologia liberal e individualista na época dominante.
O que
nos forçou a construir um sistema de responsabilidade que se fundasse no mau
uso da liberdade individual, justificando, assim, a concessão de amplo espaço à
atuação de particulares. Portanto, a responsabilidade e liberdade passam, assim,
a ser noções intimamente vinculadas, onde uma serve de fundamento à outra.
Ab initio, a
culpa era conceituada como erro de conduta, cometido pelo agente que,
procedendo contra o direito, causa danos a outrem, sem intenção de prejudicar
e, sem a consciência de que seu comportamento poderia causá-lo.
Contudo,
a noção de culpa foi se alterando profundamente, saindo do foco principal, da
noção de culpa psicológica, que fora a base da responsabilidade civil do século
XIX, dando azo à culpa normativa que traduz, o desrespeito aos padrões
objetivos de comportamentos exigíveis no caos concreto.
Os
elementares da culpa também são definidos como a negligência, imperícia ou
imprudência, sendo elementos de conduta voluntária e, obtendo resultado
involuntário, previsão ou previsibilidade e falta de cuidado, cautela,
diligência ou atenção.
E, assim,
há atribuição maior ou menor de um caráter moral a culpa, com ênfase em se
verificar a existência de comportamento reprovável por parte do causador do
dano. E, ipso facto, a associação da conotação psicológica da culpa com
rigorosa exigência de sua demonstração conduziu gradativamente, à modelagem
jurisprudencial e doutrinária de um obstáculo sólido para a reparação de danos.
Após
profundas mudanças sociais provocadas pela Revolução Industrial, os acidentes
causados pelo uso de técnicas de produção e, ainda, em desenvolvimento
multiplicaram-se, fazendo com que as insuficiências da responsabilidade civil
individual e subjetiva viesse à tona.
Tal
fenômeno não se trata de exclusividade do direito pátrio, sendo igualmente
indicado por Geneviève Viney, quando relata o progresso da responsabilidade
civil objetiva[5],
ou de pleno direito, tendências consideradas como gêmeas.
O
declínio da responsabilidade individual, progresso do objetivo ou como de
direito: estas são de fato as duas tendências gêmeas cujo progresso atingiu
todos os observadores.
Mas,
ao alargar o seu âmbito de investigação a todas as instituições que contribuem
para a reparação de danos, ele também perceberia que a responsabilidade é agora
muito em grande parte comprometida por outros processos que permite a gestão
direta de certos riscos por parte da comunidade, o que talvez a levasse a questionar
a lugar que hoje pertence a esta instituição neste todo complexo. (Viney,
2008).
Então,
a partir desse momento, a responsabilidade civil começou a ocupar lugar central
dentre as preocupações dos civilistas, principalmente, no sentido de se
flexibilizar ou mesmo afastar a culpa, com o fito de resolver os problemas decorrentes
da reparação de danos, diante de inúmeras injustiças impostas pela dificuldade
de sua demonstração.
E,
segundo Schreiber como fruto profícuo desse debate, a responsabilidade objetiva
veio a ser adotada em quase todos os ordenamentos jurídicos, por meio de leis
especiais, aplicáveis aos setores específicos e, relacionados aos anseios
sociais mais sensíveis no âmbito da responsabilidade civil.
No
ordenamento jurídico pátrio, a responsabilidade objetiva ingressou efetivamente
por meio de leis especiais, tendo a Constituição Federal brasileira de 1988
aberto novos caminhos para prever novas hipóteses específicas de
responsabilidade objetiva, vide o artigo 7, XXVIII, artigo 21, XXIII, combinado
com o artigo 37, §6º CFRB/1988, inaugurando-se nova tábua axiológica mais
sensível à adoção do risco como fundamento de responsabilidade.
No
esteio dessa tendência, veio o Código Civil brasileiro de 2002 que converteu em
objetiva a responsabilidade aplicável a uma série de hipótese antes dominadas
pela culpa presumida, como a responsabilidade por fato de terceiro e por fato
de animais.
Schreiber
aponta que a responsabilidade objetiva seria o fruto profícuo da dificuldade e
das injustiças impostas pela dificuldade da demonstração da culpa, e essa
tendência veio a ser seguida pelo CC de 2002 que seguiu a orientação constitucional
e, instituiu ainda, no parágrafo único do artigo 927, que significa uma
verdadeira cláusula geral de responsabilidade civil para atividade de risco[6].
Com a
disseminação da responsabilidade objetiva se comprovou a decadência das
concepções elaboradas no individualismo jurídico para regular os problemas mais
agudas da sociedade moderna. E, dentre as tendências principais da
responsabilidade civil pode-se apontar a chamada erosão dos filtros
tradicionais da responsabilidade civil[7], consistente na perda da
importância da prova da culpa e do nexo de causalidade.
De
toda sorte, o que se atesta é a transferência ou eliminação do ônus da prova da
culpa e a relativização da importância da prova do nexo de causalidade.
Em
todo caso, se verifica é a transferência ou eliminação do ônus da prova da
culpa e a relativização da relevância da prova do nexo de causalidade,
decorrente da sua flexibilização, com fito de assegurar à vítima alguma
reparação.
Essa
mudança de paradigma calcado doravante na solidariedade e cooperação que
funcionam como princípios hermenêuticos, influindo diretamente na aplicação do
Direito e, sob essa ótica, não se pode deixar a vítima ao desamparo, mas a
verdade é que nem sempre esta poderá ser amparada. E, assim, temos a relevante e
necessária relação entre solidariedade e a cooperação, de um lado e, a
responsabilidade de outro.
Foi a
erosão dos filtros da responsabilidade civil que demonstrou a tendência
jurisprudencial em deslocar o foco em direção ao dano, no sentido de assegurar,
por qualquer meio disponível, a reparação integral dos prejuízos suportados
pela vítima.
Quanto
ao conceito de dano que é um dos elementos necessários à configuração de
responsabilidade civil. Para exata compreensão da responsabilidade civil é
indispensável que se estabeleça a noção de dano e, em especial, de dano
ressarcível e suas subdivisões. Portanto, o conceito de responsabilidade civil
resta atrelado à noção de ressarcimento, de forma a reestabelecer o equilíbrio
entre a vítima e o causador do dano, sendo este, um dos elementos necessários
para a configuração do dever de indenizar.
Uma parte da doutrina tem optado, também, por
substituir a expressão responsabilidade civil por direitos de danos, em razão
do fenômeno da objetivação da imputação de danos, paulatinamente, construída
pela eliminação de tradicionais muros de contenção à obrigação de
indenizar", fazendo com que a atividade preponderante do julgador nas
pretensões compensatórias consista em avaliar se há um dano injustificado.
Sublinha-se o deslocamento do eixo da
responsabilidade civil para o fato jurídico lesivo, num fenômeno chamado por
Nelson Rosenvald de “big bang” de interesses merecedores de tutela”
(ROSENVALD, 2021).
Diante
disso, a fim de apresentar um conceito de dano, destaca-se as lições de José Dias
de Aguiar, para quem o dano pode ser conceituado como resultado da lesão a um
direito (DIAS, 2012).
A
partir desse conceito, verifica-se a necessidade de diferenciar lesão, dano e prejuízo:
enquanto a lesão está relacionada ao ato causador do dano, este “se apresenta
como consequência daquela e deve ser reparado pelo lesante, em razão de sua
responsabilidade, apurando-se os prejuízos suportados no patrimônio da vítima,
seja material ou ideal” (AMARAL; PONA, 2014).
Desta
forma, tem-se que o dano ressarcível pode ser subdivido em danos patrimoniais e
extrapatrimoniais, que comportam, igualmente, subcategorias, conforme se verá
adiante. Antes, porém, importa ressaltar que o dano, para ser considerado ressarcível,
deve resultar em um prejuízo certo, ainda que seus efeitos se produzam em
relação ao futuro, impedindo ou diminuindo o benefício patrimonial da vítima
(dano emergente e lucros cessantes), não se justificando, porém, a reparação do
dano hipotético.
Este
requisito também está presente no direito comparado, como se pode observar das
lições de Carlos A. Gherst: “La doctrina tradicional imponía e impone al
daño los siguientes requisitos: a) certidumbre; b) que sea personal del
accionante, y c) que de él resulte una lesión a un derecho subjetivo o interés
legítimo” (GHERST, 1997, p. 47).
Em
livre tradução: “A doutrina tradicional impôs e impõe aos danos os seguintes
requisitos: a) certeza; b) que seja pessoal do autor; e c) que resulta em dano
a um direito subjetivo ou interesse legítimo”.
Em
referência aos danos patrimoniais, estes, podem ser conceituados como os danos
cuja origem seja a lesão que recaia sobre um interesse afeto ao patrimônio da
vítima, estando nestes incluídas as categorias de danos emergentes e lucros
cessantes.
Convém
ressaltar que a superação doutrinária, que no passado, procurou identificar o
conceito de dano com o dano patrimonial, pois, depois da Constituição
brasileira de 1988, restou expresso e assegurado o direito à indenização por
dano material ou patrimonial ou extrapatrimonial (moral), restando evidente a
possibilidade de reparação desses danos.
Os
danos extrapatrimoniais, portanto, são os que atingem o lesado em seus valores
não econômicos, em seu patrimônio psicológico, tranquilidade psíquica, os
chamados direitos da personalidade, tal como a honra, nome, imagem e, etc.
E,
através, desse conceito é possível conceber que o dano extrapatrimonial e o
dano moral não se equivalem. Em verdade, o dano extrapatrimonial pode de ser
considerado como gênero do qual se subdividem quatro espécies de danos, a
saber: danos à imagem, dano estético, dano existencial e, enfim, o dano moral.
Em
resumo, pode-se dizer que o dano à imagem ocorre quando há indevida captação,
independentemente de qualquer lesão à honra ou à vida privada da vítima. Por
sua vez, o dano estético tem adquirido especial relevo funcional, indo além do
mero enfeamento da vítima, sendo percebido como significativo desequilíbrio
corporal infligido à pessoa.
Por
sua vez, o dano existencial, pode ser considerado como modificação prejudicial
relevante na vida de uma pessoa decorrente de um fato danoso.
Nelson
Rosenvald defende que o dano moral deve operar por exclusão, impondo-se sempre
que a lesão a um interesse existencial concretamente merecedor de tutela não
ocorra nos territórios da indevida captação da imagem ou da funcionalidade
orgânica. Assim, as ofensas à reputação, privacidade, integridade psíquica,
liberdade e solidariedade ainda se inserem nas lindes do dano moral.
O referido doutrinador ainda afirma que essa taxonomia se faz necessária a fim de viabilizar, namedida[8] do possível, uma reparação integral, evitando-se a transformação da amplitude da expressão "dano moral" em uma "guerra de etiquetas", a ponto de o dano extrapatrimonial ser qualquer coisa e qualquer coisa ser nada.
Pode-se
concluir que os conceitos referentes ao dano moral e dano extrapatrimonial, não
mais se confunde, sendo o primeiro, espécie do gênero, do qual também fazem
partes os danos à imagem, estético e existencial.
Atualmente, se constata a expansão desmedida dos danos ressarcíveis que desafiam a doutrina e a jurisprudência e demanda uma transformação na forma de abordá-los, a fim de que sejam elaborados critérios para a seleção dos interesses merecedores de tutela, em conformidade com os valores fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro evitando-se, dessa forma, a proliferação de demandas ressarcitórias de caráter fantasioso.
O nexo
de causalidade é, precisamente, o mais delicado dos elementos da
responsabilidade civil e o mais difícil de ser determinado. É a primeira questão
a ser encarada quando do julgamento das demandas indenizatória, pois, para que
haja o dever de indenizar, é imprescindível a demonstração do nexo de
causalidade entre o ato culposo ou a atividade objetivamente considerada e o
resultado danoso.
Aliás,
a relevância do estudo do conceito de nexo de causalidade decorre da
proliferação de novas hipóteses de responsabilidade e do desprestígio da culpa,
inapta a atender como critério seguro ao julgador na determinação do dever de
indenizar.
É
fundamental, conforme apontou Savatier, que coincidência não implica em
causalidade. A causalidade é o liame entre dois eventos, sendo um, a consequência
do outro. A simplicidade dessa definição, no entanto, oculta suas reais
dificuldades práticas desta decorrentes, ante a necessidade de delimitar o
conceito de causa de modo a evitar uma responsabilização demasiadamente ampla.
Tanto
a doutrina pátria quanto a estrangeira não são uníssonas em relação às teorias
doutrinárias existentes, sendo até algumas tratadas como sinônimos por uns e,
de forma diferenciada por outros. E, nesse contexto, dentre as diversas teorias
existentes acerca da causalidade jurídica, podem ser destacadas as seguintes:
a) a teoria da equivalência das condições; b) a teoria da causalidade adequada;
c) teoria da causalidade eficiente; d) a teoria da causa direta e imediata.
Lembremos
que a chamada teoria da equivalência das condições ou da conditio sine qua non,
é a mais antiga e considera que todas as condições de um dano se equivalem,
consistindo em causas do prejuízo todos os antecedentes que concorreram de
algum modo para a sua realização.
Tal
teoria é criticada por atribuir ao dano um infinito número de causas. E,
Philippe Malaurie e Aynés afirmaram que essa infinidade de causas tenderia a
tornar cada homem responsável por todos os males que atingem a humanidade. As
dificuldades decorrentes da teoria da equivalência das condições levaram a
doutrina a desenvolver a teoria chamada de causalidade adequada, concebida por
Von Bar e aprimorada, anos depois, pelo filósofo Von Kries[9], no fim do século XIX.
Enfim,
de acordo com essa teoria, a causa de um evento seria aquela mais apta, em
abstrato, à produção de certo resultado.
De
acordo com Schreiber, o que se busca é identificar, na presença de mais de uma
possível causa, qual destas, inerentemente das demais, é potencialmente apta a
produzi os efeitos danosos: "Esta condição seria a causa adequada do dano
(e daí, o nome da teoria); as demais condições seriam circunstâncias não
causais.
Com o
passar do tempo, tal teoria caiu em desprestígio, sendo inclusive associada à
teoria da equivalência das condições, em razão da indefinição do que seria
adequado, conceito atrelado ao grau de probabilidade do dano. E, segundo Caio
Mário da Silva Pereira, a probabilidade não é certeza.
Adiante,
formulou-se a teoria da causalidade eficiente, quando as condições que
concorrem para certo resultado não são equivalentes,
existindo
sempre um antecedente que, em face de um intrínseco poder qualitativo ou
quantitativo, elege-se como autêntica causa do evento.
Portanto, a causalidade seria determinada
conforme cada caso concreto, devendo ser ciosamente observada pelo julgador,
dentre as diversas causas possíveis, qual teria sido a mais eficiente para a
produção do evento danoso.
Em
sentido oposto à teoria da causalidade adequada, surge a teoria da causalidade
eficiente que peca por ausência de rigor científico, em face do empirismo que
permeia toda sua aplicação.
Mais
tarde, veio ter destaque a teoria da causalidade direta e imediata, também
denominada de teoria da interrupção do nexo causal que considera como causa
apenas o evento diretamente vinculado ao dano, restringindo-se aos
acontecimentos mais próximos ao dano.
Eis
que tal teoria acabou sendo positivada em muitos ordenamentos jurídicos,
inclusive pelo Código Civil brasileiro de 1916, no artigo 1.060 e, fora mantida
pelo Código Civil de 2002, em seu artigo 403, in litteris:
"Ainda que a inexecução resulte de dolo
do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros
cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei
processual."
Porém,
gradativamente, se percebeu que a tese da causalidade direta e imediata poderia
ser muito restritiva, impossibilitando, assim, a reparação da vítima, pois
excluiria a ressarcibilidade dos danos indiretos e remotos. E, para combater a
injustiça de tamanha limitação, desenvolveu-se no âmbito da própria teoria da
causalidade direta e imediata a chamada subteoria da necessariedade causal.
Assim,
as expressões "dano direto e dano imediato" são compreendidas de
forma substancial, sendo um liame de necessariedade, e não de mera proximidade,
entre a causa e o efeito. Haverá, portanto, o dever de reparar, quando o evento
danoso for efeito necessário de determinada causa.
Não
obstante as incertezas das teorias sobre o nexo de causalidade, sob o ponto de
vista teórico, a análise jurisprudencial nos revela o surgimento de outras
inúmeras teorias, muitas vezes, apenas para justificar a escolha subjetiva do
julgador e, assim, fundamental a reparação de um dano. Esta conduta, é objeto de
fortes críticas por parte de Anderson Schreiber.
Os
tribunais se valem da miríade de teorias exatamente para justificar a escolha
subjetiva do julgador, trazendo apenas uma construção teórica para a ampla
discricionariedade, sendo que a causa, no entendimento do juiz, é a que melhor
assegurar proteção à vítima
Tais
dificuldades em determinar conceitualmente o nexo de causalidade restam
presentes também no direito italiano e direito francês. Tanto que Suzanne
Carval reconhece que o busilis da causalidade não pode ser resolvido como uma
única redação ortodoxa e rígida.
Já, no direito francês se verifica a dificuldade hercúlea em determinar em quais caos é possível afirmar que um evento causou o dano, não havendo, assim como em nosso país, uma exata correspondência entre as teorias desenvolvidas pela doutrina e a utilizada pelos tribunais. E, conhecemos as lições de Muriel Fabre-Magnan, da Universidade de Paris (Pantheón- Sorbonne).
Com o
advento da responsabilidade objetiva, que alterou substancialmente a atuação
dos tribunais, ao desvincular o dever de repara da culpa do sujeito, somente a
interrupção do nexo de causalidade é que pode credenciar o afastamento do réu
de sua condenação. E, o juízo de responsabilidade, acaba por traduzir-se em juízo
sobre a existência do nexo de causalidade existente entre o fato e o dano.
Uma
vez rompido o nexo de causalidade, excluído está o dever de indenizar em três
situações, a saber: i) culpa exclusiva da vítima; ii) fato de terceiro; e iii)
caso fortuito ou força maior. Estes fatores rompem o liame de causalidade entre
a atividade do agente e o dano por serem estranhos à cadeia causal.
O caso
fortuito e a força maior são por vezes considerados como sinônimos por parte da
doutrina, correspondendo ambos aos eventos externos, alheios à vontade do
agente e de seu controle, podendo ser ainda diferenciados pela
imprevisibilidade ou irresistibilidade do evento.
Portanto, estaremos diante do caso fortuito quando se tratar de evento imprevisível e, por isso, inevitável; se o evento for inevitável, ainda que previsível, por se tratar de fato superior às forças do agente, como normalmente são os fatos da Natureza, como as tempestades, enchentes e, etc., estaremos em face da força maior, como o próprio nome diz.
É o famoso
act of God, ato de deus, na versão dos ingleses, em relação ao qual o
agente nada poderia fazer para evitá-lo, ainda que fosse previsível.
José
Aguiar Dias, mencionando a lição de Arnoldo Medeiros tratou os termos como
sinônimos, e apontou que a noção de caso fortuito ou de força maior decorre de
dois elementos: um interno, de caráter objetivo, ou seja, a inevitabilidade do
evento e, outro, externo ou subjetivo, a ausência de culpa.
Adotou,
portanto, conceito misto e não há senão aceitar-lhe a lição no sentido de que não
há acontecimentos que possam, a priori, ser sempre considerados casos
fortuitos; tudo dependerá das condições de fato em que se verifique o evento. O
que é hoje caso fortuito, amanhã poderá deixar de sê-lo, em face do progresso
da ciência ou da maior providência humana.
Eis
que recentemente, em fevereiro de 2022, deu-se fortes tempestades na cidade de
Petrópolis, na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, quando diversas
ciências como a meteorologia, a geologia, e demais ciências naturais
relacionadas com o solo e o clima informavam sobre a iminência de
desmoronamento das encostas petropolitanos, causando alto número de óbitos,
feridos e desabrigados.
Há,
nitidamente, a responsabilidade do Estado que segue a responsabilidade civil
objetiva, principalmente, em razão de tragédias anteriores, e por não ter sido
tomadas as medidas preventivas e mitigadoras dos danos materiais e morais.
E,
nesse mesmo entendimento Geneviève Viney considerou o caso fortuito e a força
maior como sinônimos, uma vez que o Código Civil Francês faz referência às duas
expressões, muitas vezes, de forma simultânea, in litteris e em livre tradução:
“A expressão” força maior ‟, que expressa a
ideia de constrangimento irresistível, é tradicional na linguagem jurídica
francesa. Também é conhecida por outros sistemas jurídicos e aparece em muitas
convenções internacionais e, em particular, na convenção de Viena sobre a venda
internacional de mercadorias (art. 49).
Embora
seja sinônimo de “caso fortuito ‟- expressão a que o Código Civil se refere frequentemente
e por vezes simultaneamente, em especial no artigo 1148 -, ela evoca mais
diretamente a força superior àquela do homem - o vis major - que o
impede de agir do modo como gostaria ou o obriga a fazer o que não quer.
[...] Assim, em matéria de responsabilidade
civil, a força maior designa o evento que, por um lado, teve na realização do
dano uma influência tão decisiva que tornou praticamente desprezível o papel
das demais condições e que por outro lado, impossibilitou o cumprimento das
obrigações do devedor ou o cumprimento dos deveres normalmente impostos ao
mandatário. É por isso que, de acordo com o ditado, “Ao impossível ninguém está
obrigado ‟, admite-se que a força maior permite ao defensor escapar de qualquer
responsabilidade”.
Apesar
da ausência de tratamento uniforme ao conceito de caso fortuito e força maior,
a sua diferenciação tem pouco efeito prático, pois, afinal, ambos recebem o
mesmo tratamento jurídico previsto no artigo 393 do Código Civil, isto é, são
considerados mitigadores de responsabilidade civil, sendo relevante compreender
que estão fora dos limites da culpa.
Portanto,
uma vez estabelecida a identidade entre o caso fortuito e a força maior, é
necessário distinguir seus efeitos quando se trata de responsabilidade civil
contratual e extracontratual. E, tal diferenciação é curial à medida em que, em
âmbito contratual, a análise dos requisitos da força maior é realizada a partir
das circunstâncias existentes no momento da formação do vínculo.
Considere-se,
ainda, as previsões pelas partes e ainda a eventual distribuição dos riscos, a
lembrar que: "a própria lei permite que as partes convencionem o
deslocamento do risco do fortuito em favor do credor, fazendo com que persista
a responsabilidade do devedor, mesmo se a inexecução se der em decorrência de
evento inevitável para o qual este não tenha concorrido. Homenageia-se a
autonomia privada [...].
Mesmo assim,
só se considerarão assumidos pelo devedor os riscos previsíveis na época da celebração
do contrato. Se a inexecução se der por causa imprevisível àquele tempo, a
transferência dos riscos não se implementará (TEPEDINO; BARBOSA; MORAES,
2004)."
Na
relação de responsabilidade extracontratual, a presença de caso fortuito ou de
força maior é enfocada no momento da ocorrência do dano, e uma vez
caracterizado o caso fortuito, o nexo de causalidade é plenamente rompido,
elidindo a responsabilidade, sendo irrelevante o fato de ser externo o fato,
para caracterizar o caso fortuito ou de força maior, pois nestes casos, a
caracterização da responsabilidade resta vinculada à imputação culposa.
A
jurisprudência brasileira contemporânea, em todo mundo, tem relativizado progressivamente,
o poder excludente destes fatores, ganhando acolhida a chamada teoria do
fortuito interno, desenvolvida dentro da seara de relações de consumo, com o
fito de evitar a exclusão sumária da responsabilidade do fornecedor por eventos
que, apesar de imprevisíveis e irresistíveis, se verificam anteriormente à
colocação do produto no mercado.
Portanto,
além dos requisitos de imprevisibilidade e irresistibilidade do caso fortuito
ou força maior, é preciso demonstrar que este fator é externo àquela relação,
sob pena de ser mantida a responsabilidade do agente. Enfim, aos tradicionais
requisitos da imprevisibilidade e irresistibilidade do caso fortuito,
acrescenta-se esta terceira exigência que é a externalidade ou externidade do
caso fortuito, sem a qual se conserva a responsabilidade.
Questiona-se, ainda, se a pandemia de Covid-19
poderá ser considerada como caso fortuito sendo capaz de romper o nexo de
causalidade e afastar definitivamente o dever de indenizar.
Conveniente
é recordar que no fatídico dia 11 de março de 2020, a OMS, Organização Mundial
de Saúde classificou a pandemia por conta da disseminação do novo coronavírus
em nível global.
Então,
medidas restritivas[10] foram adotadas por todo o
mundo, pesando sobremaneira na economia de países, entre esses, o Brasil e,
repercutindo nas relações contratuais, empresariais e, ante mesmo a
impossibilidade, em alguns casos, de cumprimento de obrigações pendentes
conforme os termos avençados originalmente.
A
situação pandêmica iniciada em março de 2020 e as medidas excepcionais de
enfrentamento adotadas pelos governantes poderiam ser consideradas como força
maior, porquanto se trate de evento inevitável, irresistível e impossível de controle
e, assim, levar à isenção de responsabilidade.
Porém,
a solução não é simples, nem se dá de modo uniforme. A lição preciosa deixada
por Maria Candida do Amaral Kroetz, in litteris:
"As
circunstâncias decorrentes da pandemia de Covid-19, bem como as medidas, por
sua causa, impostas pelo Estado de restrição de circulação ou de vedação de atividades
que gerem aglomeração de pessoas podem configurar, mas nem sempre, o caso
fortuito ou de força maior. Para que isso opere, o dano observado deve ser justificado
por circunstâncias excepcionais e insuperáveis (KROETZ, 2020)".
Quando
se disciplina de responsabilidade civil contratual ou extracontratual objetiva,
é necessário que se analise os fatos e circunstâncias que permeiam o caso
concreto, bem como a atitude e o comportamento adotados pelo sujeito para
justificar suas ações e omissões.
É
conveniente o exemplo trazido por Gustavo Tepedino, Milena Donato e Antonio Pedro
Dias, que apontam o caso do pianista contratado para se apresentar na Sala São
Paulo, porém, as atividades no local foram suspensas pelo Poder Público[11] em decorrência da
pandemia. E, nesta situação, houve a inexecução involuntária do cumprimento da
prestação, caracterizando o evento de força maior.
Porém, diversamente, é o caso de transporte
aéreo contratado no período em que já havia o contexto pandêmico. E, nesse
caso, a reestruturação da malha aérea em razão da pandemia de Covid-19, não
constitui motivo hábil e capaz de elidir o dever de indenizar, tratando-se,
apenas de fortuito interno.
Assim,
tem-se que a qualificação de determinada situação como caso fortuito ou força
maior, portanto, depende da verificação da objetiva possibilidade de
adimplemento da prestação, seja por impossibilidade do seu objeto (a prestação
não pode ser cumprida por evento externo inevitável), seja do sujeito
(acometido por doença que o incapacita de efetuar a prestação)” (TEPEDINO et.
al, 2020).
Lembremos
ainda que no caso de responsabilidade extracontratual subjetiva, porém, é
necessário que seja realizada a análise no momento da ocorrência do dano,
bastando a ausência de culpa do causador do dano para isentá-lo, pois ninguém é
obrigado a fazer o impossível.
Portanto,
a caracterização do caso fortuito ou força maior dependerá da análise de cada
caso concreto, não sendo possível haver uma solução linear e única, até mesmo
porque as características que distingue a responsabilidade civil quando
contratual, extracontratual objetiva e extracontratual subjetiva[12].
Destaca-se a valoração do papel do intérprete
e a inclusão de aspectos sociais, culturais, econômicos e éticos no debate
jurídico sobre a responsabilidade civil que sofreu transformações, com a
relativa perda de importância da prova da culpa e do nexo de causalidade.
Tal
fenômeno não apenas decorre do advento da responsabilidade objetiva, mas
também, das transformações ocorridas dentro da própria responsabilidade por ato
ilícito. E, ipso facto, com a facilitação da prova da culpa, tem-se o
considerável aumento das demandas indenizatórias.
E,
verifica-se a prova do nexo de causalidade também tem sido flexibilizada pelos
tribunais, antes a premente necessidade de se assegurar de alguma forma a
reparação às vítimas do dano. E, mesmo as excludentes do nexo de causalidade,
como o caso fortuito ou força maior igualmente têm sido relativizadas, a fim de
manter a responsabilidade do agente quando se está diante do fortuito interno.
A pandemia de Covid-19 com suas consequentes
medidas restritivas impostas pelo poder Público na tentativa de controlar a
disseminação virótica, impôs a necessidade de se refletir quanto à
possibilidade de esta ser considerada ou não como excludente de indenizar. Recomenda-se,
sempre que possível a revisão contratual e, o reestabelecimento do equilíbrio
contratual.
Ainda que os tribunais tenham voltado o foco na direção ao dano, não se pode esquecer que nem sempre haverá a exata recomposição patrimonial, porquanto à vida social impõe a todos a assunção de certos prejuízos e a exposição a certos riscos, além de ser necessária elaboração de critérios de seleção dos interesses merecedores de tutela, em conformidade com os valores fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro.
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Notas:
[1]
Negligência, imprudência e imperícia apesar de amplamente citados, não são
raras as vezes em que geram eles confusão entre si, motivo pelo qual um rápido
estudo acerca das diferenças de cada um merece ser visto tanto pelos operadores
do Direito quanto por aqueles que não são da área. Os três são tipos de
modalidade de culpa, comumente utilizados, por exemplo, em caso de erro médico,
acidentes de trânsito ou acidentes com arma de fogo.
A imprudência pressupõe uma
ação que foi feita de forma precipitada e sem cautela. O agente toma sua
atitude sem a cautela e zelo necessário que se esperava. Significa que sabe
fazer a ação da forma correta, mas não toma o devido cuidado para que isso
aconteça. Exemplo disso é o motorista devidamente habilitado que ultrapassa um
sinal vermelho e, como consequência disso, provoca um acidente de trânsito.
Negligência, por outro
lado, implica em o agente deixar de fazer algo que sabidamente deveria ter
feito, dando causa ao resultado danoso. Como agir com descuido, desatenção ou indiferença,
sem tomar as devidas precauções. Um exemplo é o caso de uma babá que, vendo a
criança brincar próximo a uma panela quente, não a afasta, vindo a criança a
sofrer um acidente.
Já a imperícia consiste em o agente não saber praticar o ato. Ser imperito para uma determinada tarefa é realizá-la sem ter o conhecimento técnico, teórico ou prático necessário para isso. Um exemplo é o médico clínico geral que pratica cirurgia plástica sem ter o conhecimento necessário, fazendo com que o paciente fique com algum tipo de deformação. Assim, na imperícia e na imprudência o agente tem uma atitude comissiva, ou seja, de ação. Ele faz alguma coisa. Na imperícia, faz sem ter a habilidade necessária, enquanto que na imprudência faz sem o cuidado devido. Já na negligência a atitude é omissiva, posto que o agente deixa de fazer algo que seguramente deveria fazer. As diferenças entre os três institutos resultam em graus diferentes de responsabilizações, sejam na esfera cível ou penal. Apesar de pequenas, que facilmente geram confusões, é essencial ao aplicador do Direito saber quando cada uma ocorre, para que a devida responsabilidade, após ser averiguada ao caso concreto, possa ser aplicada.
[2] Por derradeiro, destacamos a lição de Orlando Gomes, em sua obra atualizada por Humberto Theodoro Júnior, no sentido de que “Realmente, apesar da multiplicação dos casos submetidos ao princípio da responsabilidade objetiva, permanece, como regra geral, o preceito que condiciona a obrigação de reparar o dano à culpa do agente. Não foi arredado sem embargo da adoção de processos técnicos que elastecem consideravelmente sua aplicação. Nem é possível a substituição pelo risco, porque esta ideia não comporta a mesma generalização. Ainda que se multipliquem asa situações nas quais a obrigação de indenizar seja imposta independentemente da culpa, a solução continuará com o caráter de exceção que possui atualmente. É que a ideia de culpa não pode ser dissociadado conceito de delito. Afora, pois, os casos especificados em lei, nos quais o dever de reparar está previsto e determinado com abstração da conduta do obrigado, a responsabilidade há de resultar de investigação dessa conduta para a verificação de sua anormalidade. Sempre que se quiser atribuir esse dever sem esse pressuposto, há necessidade de especificá-lo na lei. Assim, a questão teria solução extremamente casuística, se porventura se viesse a suprimir a fonte genérica e abstrata da responsabilidade, que é a culpa".
[3]
Assim como o Código Civil, a Constituição Federal e o Código de Defesa do
Consumidor (assim como outros institutos, a exemplo da Lei da Política Nacional
do Meio Ambiente, Lei dos Agrotóxicos, Lei da Energia Nuclear, entre outras
mais) também tratam da responsabilidade civil, entretanto, diante dos bens
envolvidos e do campo do direito falam da responsabilidade civil objetiva.
[4]
Indenização por dano moral – fornecimento de água – corte irregular durante a
pandemia “1-O fornecimento de água é um serviço essencial, ainda mais dentro de
um cenário pandêmico, onde a água potável assume também a função profilática,
de preservação direta da saúde e da vida. 2. Tem-se um quadro de dano moral que
extrapola o ordinário quando a CAESB corta equivocadamente o fornecimento de
água por duas vezes, dentro de um curto intervalo de tempo, de moradora em fase
final de gestação, sobrevindo neste período o parto, de modo que a falta de
água representou risco tanto à puérpera quanto ao recém-nascido.” Acórdão
1370986, 07334952420208070001, Relator: CRUZ MACEDO, Sétima Turma Cível, data
de julgamento: 8/9/2021, publicado no DJE: 28/9/2021.
[5]
A teoria desenvolvida em 1884 pelo francês SAUZET e pelo belga SAINCTELETTE
baseava-se na responsabilidade contratual, ou seja, o vínculo contratual
acarreta garantia de segurança na prestação de serviço. Se o empregado não deu
causa ao acidente, e não tendo este resultado de força maior, faz jus à
correspondente reparação. A grande crítica feita a esta teoria por SALLEILES
foi a de que, sendo contratual a responsabilidade, esta poderia, então, ser
suprimida por uma cláusula expressa de exoneração. Desenvolveu-se, dessa forma,
outra teoria, a do risco proveito ou da responsabilidade sem culpa, que foi
consagrada pela lei francesa de 9 de abril de 1898. Com fundamento no risco, a
partir da teoria de SALEILLES, surgem os adágios ainda hoje conhecidos: “onde
está a utilidade deve estar a carga” (FUSINATO) e “é a empresa que cria o risco
específico; logo, é o empregador que deve fazer frente aos efeitos prejudiciais
que se produzem” (CABANELLAS).
[6]
Assim, no final do século XIX, destacam-se os trabalhos dos juristas RAYMOND
SALEILLES e LOUIS JOSERAND, que, buscando um fundamento para a responsabilidade
objetiva, desenvolveram a teoria do risco. A teoria do risco teve diversas
vertentes, destacando-se: Risco-proveito: responsável é aquele que tira
proveito, onde está o ganho, aí reside o encargo – ub emolumentum ibi
onus; Risco profissional: o dever de indenizar está presente quando o fato
prejudicial é uma decorrência da atividade ou da profissão do lesado; Risco
excepcional: a responsabilidade está presente quando o dano decorre de situação
anormal, escapando do padrão comum da atividade da vítima; Risco integral:
admitida no âmbito do Direito Administrativo, a responsabilidade decorre da
própria atividade, sendo uma forma de repartir por todos os membros da
coletividade os danos atribuídos ao Estado, ainda que o dano seja decorrente de
atividade da vítima; Risco criado: fixando-se na ideia de que se alguém põe em
funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que essa
atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada
caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, a um erro de conduta. Para
CAIO MÁRIO, a teoria do risco criado é a que melhor se adapta às condições de
vida social. Sintetiza o autor: “aquele que, em razão de sua atividade ou
profissão, cria um perigo, está sujeito à reparação do dano que causar, salvo
prova de haver adotado todas as medidas idôneas a evitá-lo, (…) A teoria do
risco criado importa em ampliação do conceito do risco proveito. Aumenta os
encargos do agente, é, porém, mais equitativa para a vítima, que não tem de
provar que o dano resultou de uma vantagem ou de um benefício obtido pelo
causador do dano”.
[7]
A erosão dos filtros tradicionais da responsabilidade civil: o ocaso da culpa e
a flexibilização do nexo causal. A
coletivização das ações de responsabilidade civil. 4. A expansão do dano
ressarcível e a necessidade de seleção dos interesses merecedores de tutela: os
novos danos e seus “limites”. Anderson Schreiber talentosamente desconstrói
alguns mitos e estereótipos que serviram de base a uma série de análises
equivocadas acerca dos problemas da responsabilidade civil e indica caminhos
que podem ser trilhados de modo a conferir a devida proteção aos valores
primordiais do ordenamento sem, contudo, prescindir da necessária segurança
jurídica. A original análise do autor parte do reconhecimento da "erosão
dos filtros tradicionais", isto é, daqueles parâmetros pelos quais, no
passado, se selecionavam os danos que eram passíveis de ressarcimento e que, em
virtude da modificação de seu significado, perderam ou vêm perdendo seu
papel. Após a cuidadosa análise acerca
dos fundamentos tradicionais, Anderson Schreiber começa a desvelar para o
leitor o caminho que percorrerá para apontar soluções para o problema da
expansão desmedida dos danos ressarcíveis.
[8]
Nesse contexto de crise epidemiológica, o Poder Judiciário tem um papel duplo:
como instituição administrativa, com seus prédios e servidores, precisa adotar
medidas que contribuam para a prevenção do contágio; como encarregado da função
jurisdicional do Estado, tem a missão de observar o respeito ao direito à saúde
de toda a população, fiscalizar a legalidade e a efetividade das ações públicas
emergenciais e zelar para que a atuação dos agentes responsáveis pelo
enfrentamento da crise se paute pelos princípios do ordenamento jurídico. Assim
que a Covid-19 começou a circular no Brasil, o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) atendeu rapidamente às recomendações sobre isolamento social e adotou o
trabalho remoto para servidores e magistrados, mantendo julgamentos
exclusivamente por meio virtual. Mesmo com a nova rotina, a corte vem conseguindo
preservar a produtividade dos trabalhos.
[9] Segundo Von Kries, o autor de uma ação culposa somente pode ser responsabilizado pelas consequências adequadas desta, não pelas causais, sendo insatisfatória a concepção pela qual não existe outra espécie de vínculo causal além daquele de condição necessária à produção do resultado. Para demonstrar a esterilidade dessa perspectiva, o autor comparava duas hipóteses, ambas envolvendo um cocheiro embriagado ou que cochila:41 na primeira, este toma o trajeto errado e a charrete é atingida por um raio, causando a morte do passageiro; na segunda, a charrete tomba, matando ou lesando gravemente o passageiro. Von Kries soluciona o problema com base no conceito de “possibilidade objetiva” (objektive Möglichkeit), propondo uma abordagem generalizante do caso concreto: o decisivo é identificar se a condição é genericamente apropriada para produzir um resultado da mesma espécie do ocorrido (há responsabilidade) ou se o nexo existente entre ambos os eventos repousa exclusivamente na individualidade do caso concreto (não há responsabilidade). Nos exemplos citados, a relação entre o ato de embriagar-se ou cochilar e a queda do raio é meramente individual, não havendo responsabilidade; enquanto a estabelecida entre aquele fato e o tombamento da charrete é generalizante, responsabilizando-se.
[10]
O fechamento de shoppings, cinemas e comércio em geral por atos de autoridades
públicas em razão da pandemia tem suscitado acirrada discussão jurídica a
respeito de eventual responsabilização estatal por fato do príncipe, espécie de
força maior. Na órbita trabalhista, o fenômeno está regido no 486 do Texto
Celetista, onde, de fato, vê-se atribuída alguma responsabilidade estatal pelo
prejuízo advindo ao empregador. Confira-se: “Art. 486 – No caso de paralisação
temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal,
estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite
a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará
a cargo do governo responsável”. Igualmente, como falar de ato administrativo
discricionário se, no caso, embora agindo por conveniência (razoabilidade da
medida restritiva) e oportunidade (urgência da medida restritiva), a
administração pública o fez sem o clássico requisito teórico lógico e palmar
para atos desse jaez – liberdade –? Ora, a autoridade pública foi tão impactada
quanto empregados e empregadores. TODOS fomos impactados. O episódio lesivo
inevitável – pandemia – revelou-se inexorável também para a própria
administração pública. A inevitabilidade foi sistêmica e massiva. Não estamos
diante da clássica hipótese de fato do príncipe, onde a administração pondera
interesses e decide tecnicamente, mediante fria e atenta aferição prévia de conveniência
e oportunidade. No caso da pandemia do covid-19, a administração precisou tomar
decisões seríssimas e urgentes em um lapso temporal mínimo mediante balizas
científicas ainda em construção. Como todos e cada um de nós, foi arrastada
pela dureza das circunstâncias e por uma avalanche de informações sinalizadoras
de que uma tragédia humana se aproximava qual tsunami. O “príncipe” não foi
aquele príncipe dos livros: altivo, seguro e poderoso. Em essência, o príncipe
foi mesmo príncipe? Importante registrar, desde logo, que a implantação da
técnica de confinamento social não precisa da certeza científica quanto à sua
real eficácia como pressuposto de ação estatal. Basta a orientação técnica das
autoridades competentes, especialmente do campo da saúde, acerca do uso dessa
medida como instrumento razoável e urgente de mínimo controle sanitário,
segundo o conhecimento científico do momento. Afinal, quanto ao coronavírus, há
mais incertezas que certezas científicas. Não percamos de vista que estamos em
uma sociedade do risco (Ulrich Beck). Há, por ora, medidas essencialmente
precaucionais.
[11] O fato do príncipe se caracteriza como ato estatal, característico de uma decisão de autoridade, que repercute em uma relação jurídica existente dando causa a um dano ou prejudicando o curso normal de seus efeitos. É discutível se o ato estatal deve ou não ser dotado de legitimidade, ou se mesmo o ato ilegítimo pode revestir-se desta qualidade. Isso porque, presumida a legitimidade dos atos da Administração, desde logo produzem efeitos na realidade da vida. Tais efeitos serão rescindidos na hipótese de posterior invalidação do ato, como ocorre, por exemplo, naqueles praticados em abuso ou desvio de poder. O mesmo se diga em relação a atos normativos cuja inconstitucionalidade seja posteriormente declarada. Imagine-se, por exemplo, a violação à garantia fundamental de irretroatividade da lei (art. 5º, XXXVI, da Constituição: "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada"). Desde quando editados os atos, produzem efeitos até que sejam impugnados, e serão justamente tais efeitos que caracterizam a intervenção na relação jurídica preexistente, havida entre particulares ou com o próprio Estado. A impossibilidade de cumprir pode se dar, na realidade da vida, em decorrência de um ato ilegal, ou de uma lei inconstitucional, o que, sem prejuízo de eventual responsabilização posterior da autoridade do qual emana, poderá justificar desde logo o inadimplemento sem culpa do devedor.