Juízes legisladores ou legisladores judicantes?
A própria evolução da jurisdição e das funções do Poder Judiciário veio ampliar a ciência do Direito e toda sua capacidade de ser controle social e uma das bases sólidas do Estado Democrático de Direito.
Verifica-se que a forma do controle de constitucionalidade das leis no tipo concentrado, realizado pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro, seja na apreciação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn)[1] quanto na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC)[2] pode ser reconhecida como atividade criadora do Direito, conforme os modelos previstos por Mauro Cappelletti, em sua obra intitulada “Juízes Legisladores”.
Boa parcela da doutrina considera que os tribunais, ao realizarem sua criatividade judiciária, estão avançando no interior da área precípua do legislativo cuja função principal, segundo Montesquieu que criou a tese da separação dos poderes, seria a elaboração das leis.
Há os que enxergam nessa atividade legislativa imprópria sendo um desrespeito ao paradigma basilar da modernidade democrática. Por outro lado, há quem defenda que o exercício do Direito Judiciário posto que represente o fortalecimento de um dos poderes do Estado, permitindo o funcionamento do sistema de freios e contrapesos os famosos “checks and balances”[3] dos norte-americanos.
Cappelletti veio analisar com atenção buscando diferenciar entre interpretação e a criação judiciária das leis, bem como observou a transformação de juízes em legisladores diante da separação de poderes.
Faz-se necessário, ainda, destacar os principais aspectos legislativos atinentes ao controle de constitucionalidade no direito pátrio, observando-se se causa ou não o desequilíbrio entre os poderes do Estado.
É curial comentar um quadro comparativo entre o controle concentrado abstrato em outros países e, também analisar sua recepção pelo constitucionalismo brasileiro, particularmente o contemporâneo, o que veio a resultar nas regulamentações da ADIn e da ADC pelo legislador pátrio.
Aliás, por mais de uma oportunidade, o ministro do STF Carlos Velloso ressaltou a relevância do controle concentrado de constitucionalidade, lembrando que este surgiu na Áustria sob a inspiração de Kelsen e, que floresceu particularmente após a Segunda Grande Guerra Mundial.
Carlos Velloso ainda ressaltou que o referido controle continua florescendo porque os povos europeus sentiram dolorosamente, as consequências graves dos desmandos do autoritarismo do Estado.
Perceberam afinal que seria necessário redescobrir a noção de Constituição e, prover os meios e formas aptos a defendê-la. A Constituição representa o breviário do povo livre e, os povos europeus entenderam bem isso.
A produção do direito ou criatividade jurisdicional nos faz refletir sobre a crucial questão: o juiz seria mero intérprete-aplicador do Direito ou se participa in lato sensu, da atividade legislativa, da criação do Direito.
Lembremos que a expressão “Direito Judiciário” cunhada por Bentham, em meados do século XIX, para designar a atividade do juiz que ao declarar o direito existente e vigente, estaria, em verdade, criando o Direito.
O Direito Judiciário inglês, não codificado proporcionava diversos vícios, como a incerteza, obscuridade, confusão e, mesmo a dificuldade de averiguação.
Para Cappelletti não era relevante a diferença conceitual existente entre interpretação e criação do Direito, o verdadeiro problema reside no grau de criatividade e dos modos, limites e aceitação da criação do Direito pelos tribunais.
Um defensor leal da função legislativa dos juízes foi o Chief of Justice, o inglês Garfield Barurck para quem a melhor arte da redação das leis e, mesmo o uso da mais simples linguagem legislativa, sempre deixa de qualquer modo, as lacunas a serem preenchidas pelo juiz e, sempre admite a ambiguidade e as incertezas que, enfim, devem ser resolvidas pela via judiciária.
Cappelletti sustentava que na missão de “criar o direito”, o juiz não possui plena liberdade para interpretação, pois o sistema jurídico estabelece certos limites à liberdade jurisdicional, que tanto podem ter limites processuais quanto os substanciais. E, nisso se traduz o devido processo legal que classicamente institui aplicar o direito substancial ou material através da observância do direito processual, seguindo honestamente os procedimentos previstos e vigentes.
Não existe oposição entre as duas atividades uma vez que o processo de criação ocorre em razão da necessidade de preencher as lacunas resultantes do processo legislativo, o que é realizado através da interpretação.
O busilis está justamente em mensurar o grau de criatividade, será maior quando a decisão do juiz está lastreada na equidade e, será menor quando julga e interpreta, argumentando com alguma lei ou precedente judicial.
Porém, em ambos os casos, a atividade do juiz muito se assemelha a do legislador visto que nem o legislador é totalmente livre pois tem na Constituição ou nas decisões judiciais que são as balizas a delimitar a sua liberdade.
A interpretação assim deve vincular o julgador, seja por meio da lei, de precedente ou equidade. Mas tal vinculação também não é absoluta, pois o juiz tem a necessidade de ser livre e deve fundamentar adequadamente todas suas decisões.
É inquestionável que a atividade judicial envolva sempre a interpretação conforme, já salientou Lorde Radcliffe[4], pois é óbvio que o juiz é criador de Direito, não havendo como não sê-lo.
A exposição do direito legislador é uma das principais causas de expansão na modernidade do direito judiciário ou jurisprudencial e, ipso facto, do poder criativo dos juízes.
Morton White[5] aponta que é a interpretação judiciária que representa um fenômeno do século XX e que tem como incremento a revolta contra o formalismo que se contrapunha, os EUA, na análise de casos concretos; em França, ao positivismo jurídico; e, na Alemanha, ao formalismo científico e conceitual.
Em resumo, erigiu-se como reação ao mecanicismo e à lógica que impunha ao juiz ser a “inanimada boca da lei” (Montesquieu). Com os reformadores, então passou haver a defesa de que o papel do juiz é muito mais complexo, pois ao declarar a lei e aplicá-la de forma criativa, há inexorável inclusão de valores pessoais e argumentos da história, da economia, da política, da filosofia, da ética, da sociologia e da psicologia.
Afinal, escolher nessa tábua axiológica[6] significar ter presentes os resultados práticos e as implicações morais advindas da própria escolha[7].
Levanta-se a dúvida, se a concepção de juiz legislador não comprometeria a noção fundamental de separação dos poderes, ameaçando a democracia e formando um Estado totalitário ou um Estado Judiciário.
No Estado Social ou bem-esta social cumpre o governo providenciar a execução de leis que garantam e assegurem os novos direitos, inclusive os sociais, difusos e coletivos.
Quanto mais abstrata for a lei, maior espaço haverá para que os juízes interpretem e, tal mudança comportamental dos julgadores reflete a própria mudança do Estado Moderno (de Liberal para Social) e a alteração ampliativa do papel desempenhado pelo Direito na sociedade humana.
É certo que o Estado Social majorou seus compromissos ao invés de entregar a gestão nas mãos do mercado, vindo intervir drasticamente na vida social, necessitando, para tanto, de forte produção legislativa e de uma máquina administrativa e burocrática bem ampla e capaz de realizar tal missão.
O Welfare State é originariamente muito um Estado Legislativo e, que se transformou continuamente e, ainda continua em transformação para ser um Estado Administrativo que no fundo, era um Estado burocrático, não sem o perigo de se tornar um Estado policial, conforme bem advertiu Cappelletti.
O gigantismo estatal[8] dotado de legislativo, administrativo e burocracia só fizeram majorar as funções e responsabilidades dos juízes, sendo que a justiça institucional especialmente a referente ao controle judiciário da legitimidade constitucional das leis, constitui um aspecto dessa realidade e responsabilidade.
Ao judiciário apontava-se duas alternativas: a) permanecer fiel à concepção tradicional do século XVIII aos limites da função jurisdicional; b) elevar-se ao nível de outros poderes, tornar-se o terceiro gigante, capaz de controlar tanto o legislador como o administrador.
Em 1789, o modelo clássico instituído em França proclamava o ideal de separação de poderes, no qual os tribunais estavam impedidos de interferir na atividade legislativa ou administrativa.
Aos poucos, porém, fortaleceu-se o Conselho do Estado que inicialmente tinha a competência para receber os conflitos entre cidadãos e administração pública, passando depois a exercer o controle judiciário sobre os atos administrativos do Estado.
Verificou-se tal evolução não somente em França, como também em outros países europeus, notadamente a Alemanha e Itália. A referida função de controle advém da premente necessidade de examinar cuidadosamente a atividade legislativa, notadamente após a Segunda Grande Guerra Mundial.
No direito norte-americano, com maior facilidade a magistratura assumiu a função de exercer a atividade criadora do Direito, tendo inclusive a nobre tarefa desempenhada pela Suprema Corte que é um órgão do Judiciário e, não propriamente, a uma Corte constitucional especial.
A estrita e rigorosa separação de poderes teve como efeito a criação de um judiciário débil e confinado essencialmente aos conflitos privados. Cappelletti aduz que para um sistema de controle recíproco pode, sem perigo para liberdade, fazer coexistir um legislativo forte ao lado de um Executivo e Judiciário igualmente fortes.
É no equilíbrio de forças de contrapesos e controles recíprocos onde reside o inegável sucesso do sistema constitucional norte-americano. Um sistema de check and balances onde o crescimento do Judiciário é o ingrediente necessário ao equilíbrio dos três poderes.
A principal preocupação é saber se a criação judiciária torna o juiz um legislador. Se assumindo o papel acentuadamente criativo, será mesmo que a função jurisdicional, se iguala à função legislativa, com a invasão do Judiciário em território privativo do Legislativo?
De acordo com Lorde Diplock[9], a resposta é afirmativa, pois em razão da função própria, os tribunais estão constrangidos a agir como legisladores. No entanto, Cappelletti discorda, pois, os juízes são chamados a esclarecer, integrar, plasmar e transformar a não raro criar um ex-novo Direito, mas isso, não significa, que sejam legisladores.
O doutrinador italiano enfatiza ainda que é relevante distinguir o processo jurisdicional do processo legislativo, principalmente porque o primeiro envolve o contraditório entre as partes, o que não se dá no processo legislativo.
Mas, reconhecem os tribunais que podem atuar com competência legislativa, ao invés do judiciário, quando exercem o poder de emanar diretivas gerais em temas como interpretação, a vinculação dos tribunais inferiores e emitidos enunciados obrigatórios sem a devida conexão com determinado caso concreto, quando também podem assumir eficácia erga omnes.
As críticas dirigidas à referida atividade criadora do Judiciário apontam-na como enfermidade prática, como é caso do surgimento da ambiguidade, o que torna confusa para a maioria das pessoas; outro problema se refere à eficácia retroativa, colhendo a previsibilidade e gerando o que é repudiado pelo CPC/2015 que é a decisão surpresa.
Outros, ainda, indicam alegada incompetência institucional da magistratura para agir como fonte criadora do Direito, porém, a acusação mais ferina e grave, refere-se à falta de legitimidade democrática dos juízes, que ao contrário do Legislativo e do Executivo, não são eleitos pelo voto popular. E, por essa razão, os magistrados não são obrigados a prestar contas ao povo de seus atos e nem atender aos seus anseios.
Um crítico feroz da criatividade judiciária é o Lorde Devlin[10] que comentou que o filtro atuante do judiciário representaria um desvio tortuoso do processo democrático, levando-se ao Estado totalitário.
Mas, contra-argumentando Martin Shapiro[11] aduz que não necessariamente o Parlamento ou o Executivo, embora eleito pelo povo, realmente representem os interesses da maioria. Podem, certamente, representar sim, os interesses de grupos privados organizados e que conseguem fazer prevalecer sua força política junto aos dirigentes.
Com razão, aponta Shapiro que: “nesse processo de formação, troca e empréstimo de força política junto aos dirigentes. Cabe ressaltar ao lembrar que nas decisões do governo nem sempre são levados em conta conceitos como a “voz da maioria”, de tom democrático ou não-democrático”[12].
Além do argumento de que o Judiciário não é inteiramente desprovido de representatividade conforme defendeu Dahl que tomou por base a Suprema Corte norte-americana, pois seus membros por serem indicados pelo Presidente de República, refletem a posição dominante da maioria popular daquele determinado momento.
Destaca Cappelletti que tal argumento apesar de próprio da Common Law, mas também pode ser usado nos países que adotam a civil law, visto que os membros das Cortes Constitucionais são também indicados politicamente.
Recordamos que esse é o caso do Supremo Tribunal Federal que como guardião da Constituição brasileira posto que tenha seus membros indicados pelo Presidente da República.
Assim não deixa de ser, portanto, um órgão político que, ao decidir os casos concretos em tese, pode dar uma contribuição mais efetiva àquilo que Shapiro alcunhou de “representatividade geral do sistema”, ou seja, a possibilidade de que os mais diversos grupos tenham acesso ao processo judicial, de maneira mais facilitada do que teriam acesso ao processo político do Legislativo.
Temos aqui, portanto, outro argumento utilizado pelos defensores da criatividade judiciária, que proporciona, sem dúvida, uma das mais efetivas participações populares no processo democrático.
A questão tormentosa é saber se os juízes correm o risco de se transformaram em burocratas e isolados da sociedade?
Mauro Cappelletti advertiu que sim, mas nesse caso, através do sistema recíproco, a criação judiciária é considerada aceitável, podendo ser corrigida mediante de ato do Legislativo ou por meio de revisão constitucional.
A lei é um mito que deve ser completado e interpretado para traduzir-se em ação real, em certa medida a interpretação judiciária é sempre criativa do Direito.
Resta saber qual seja essa medida desta criatividade e, se esta produção de Direito pertence à vontade majoritária, conforme se expressa, em forma de maioria simples ou qualificada, conforme a legislação ordinária ou constitucional.
Porém, Cappelletti ressaltou a noção de democracia que não pode ser reduzida a uma simples ideia majoritária, não se trata da ditadura da maioria. Pois democracia[13] significa também participação, tolerância e liberdade.
Um Judiciário razoavelmente independente dos caprichos e vaidades, talvez momentâneos da maioria, pode dar uma grande contribuição à democracia, e para tanto, em muito pode colaborar para um Judiciário suficientemente ativo, dinâmico e criativo e, que tanto seja hábil e capaz de assegurar a preservação do sistema de checks and balances, em face do crescimento dos poderes políticos, e, igualmente, os controles adequados perante os outros posicionados no centro do poder governamental.
Para responder se a tarefa que o juiz tem, é interpretar ou criar o Direito, Cappelletti ressaltou que o juiz, inevitavelmente reúne em si, uma e outra função, mesmo no caso em que seja obrigado a aplicar uma lei preexistente.
Afinal, a interpretação sempre implica em certo grau de discricionariedade[14] e escolha, concluindo-se que o grau de criatividade é particularmente elevado em alguns domínios jurídicos, conforme ocorre com a jurisdição constitucional e a proteção judiciária de direitos sociais e interesses difusos.
Os fundamentos primevos da teoria da separação dos poderes se encontram em Aristóteles, porém o filósofo não buscou a análise da composição e da competência de cada um dos poderes, fato que contribuiu para que suas ideias não se tornassem paradigmáticas da teoria.
Registra-se que a primeira tentativa de separação de poderes entre as atividades do Estado ocorreu com a publicação de Cromwell[15] depois com Locke e Montesquieu com a célebre obra intitulada “Espírito das Leis”.
Refutou Fides Angélica Ommati[16] que Montesquieu se propusera a elaboração da teoria da separação dos poderes, mas sim, elaborou a colaboração posto que os três poderes estatais são coordenados e subordinados entre si, de tal forma que seja possível um equilíbrio e interdependência. Ou seja, uma convivência harmônica e complementar.
Cromwell sugeriu e admitiu a separação entre os poderes Legislativo e Executivo quando instituiu o Protetorado no Reino Unido, no que fora seguido por Locke sob a inspiração do direito holandês que dividia o poder entre o Legislativo, o Executivo e o Federativo.
Os dois primeiros poderes concentrados nas mãos do monarca, atuando de maneira conjunta, enquanto que o Judiciário seria propriamente uma função do Legislativo, segundo os moldes do Direito inglês. Ao passo que o poder Federativo estaria voltado às relações internacionais.
O poder político, segundo John Locke, relaciona-se ao Direito de fazer a lei e visa preservar a propriedade, podendo para tanto, exercer a força, em defesa da comunidade e do bem público. O principal instrumento que possibilita a referida fruição é o Poder Legislativo.
Já em Isenmann[17], a separação de poderes, nos moldes atribuídos Montesquieu não passa de mito apenas reproduzido ao longo das gerações. O mito pressupõe o equilíbrio entre os poderes e que assim funcionaria como limite do próprio poder, assegurando-se assim, a rigorosa e ortodoxa separação de poderes, onde cada poder teria uma função própria e imune de qualquer interferência.
No fundo, não se trata de separação de poderes e, sim, de combinação, fusão, de ligação entre dois poderes reais (Legislativo e Executivo) e um função estatal que seria exercida pelo Judiciário, sendo que cada uma dessas funções seria uma forma de potência, que representa uma parcela da sociedade.
Aliás, Tocqueville[18] em análise ao Judiciário norte-americano observou que o juiz fica impedido a pronunciar-se de caso concreto onde não haja litígio. Só se ocupando de casos particulares e, para agir deve sempre esperar que exista uma demanda.
Os norte-americanos reconheceram que nos juízes, o direito de fundamentar seus veredictos na Constituição até mais que propriamente nas leis. Dessa forma, permitiriam-lhes não aplicar as leis inconstitucionais.
Num aspecto moderno do constitucionalismo e da separação de poderes, Heller[19] sustentou que a divisão de poderes não se traduz em independência, porém em condicionamento recíproco entre os órgãos, visando a defesa dos direitos fundamentais do indivíduo.
No mais atualizado constitucionalismo ocorre uma farta distribuição de poderes e funções estatais entre vários órgãos e organizações autônomas, na qual a legislação, como poder supremo compete ao povo.
Compete ao Executivo a chefia do Estado, enquanto o poder de julgar é atribuído a uma organização independe de ambos. Mas, em todos os tempos se admitiu a confusão dos três poderes concentrados nas mesmas mãos.
O objetivo de Montesquieu segundo Althusser[20] era buscar a combinação das três potências, portanto, antes mesmo de ser um ponto jurídico, era um problema político de relação de forças, de maneira que a dita separação se traduz em divisão ponderada de poder entre potências determinadas, ou seja, o rei, a nobreza e o povo (ou o governo, o parlamento e o povo) que acaba por proteger e garantir os privilégios principalmente a nobreza (ou do Parlamento ou Legislativo) e, subsequentemente, possibilitava a defesa do rei contra possíveis revoltas populares.
Touraine[21] não acreditava que seja a separação de poderes um elemento essencial para a democracia que se define pela natureza dos vínculos entre a sociedade civil e a sociedade política do Estado.
De sorte que se cada poder do Estado fosse independente, um do outro, acreditava Touraine que os poderosos utilizar-se-iam das leis para proteger seus próprios interesses.
E, tal não acontece porque a jurisprudência possibilita a constante transformação das leis adequando-as à realidade social e considerando a evolução da opinião pública e das necessidades sociais.
Não se cogita propriamente de separação de poderes, mas na comparação delimitativa entre o Estado e os direitos fundamentais. Há de se limitar o próprio poder do Estado para se conceber adequadamente a questão democrática.
Ensinou Norberto Bobbio que é a teoria de Montesquieu que trouxe a resposta ao constitucionalismo moderno a toda espécie de despotismo baseado na afirmação de que os princípes que quiseram transformar-se em tiranos começaram sempre reunindo na sua pessoa todas as funções públicas.
A separação dos poderes é estrutura capaz de promover limitações do poder estatal, parte da premissa de se criarem órgãos distintos, que, de forma autônoma e harmônica, de modo que exerçam as diferentes funções do Estado.
O Judiciário segundo os moldes do constitucionalismo liberal, estava limitado à aplicação puramente técnica das normas criadas pelo Legislativo com validade ao caso concreto. A técnica de aplicação jurisdicional da lei deveria conserva o esquema de poder vigente.
No entanto, o poder de exercer o controle de constitucionalidade das leis em tese e com a validade para todos, o Judiciário passou a desempenhar uma função política, que se insere dentre as várias atribuições do Estado moderno, ou seja, a de concretizar a justiça social.
A tese da separação de poderes rejuvenesceu por meio de obras de intérpretes e aplicadores de Direito constitucional da liberdade, pela defesa de valores que bem representam a ordem jurídica.
Para Paulo Bonavides[22] o controle de constitucionalidade tem como fim a defesa do cidadão e das liberdades e ainda a efetivação do Estado democrático do Direito. Dentro desta concepção, as instituições são colocadas a serviço dos direitos humanos.
O controle de constitucionalidade somente se realiza na forma concentrada ou difusa, segundo Clève, e se alguns pressupostos forem realizados, como a existência de uma Constituição formal e escrita, a compreensão como sendo a lei fundamental, dotada de rigidez, supremacia e hierarquia, além da previsão de órgão competente para o exercer o controle de constitucionalidade.
Destacam-se os mecanismos tais como a Ação Declaratória de Constitucionalidade, a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão, Omissão Parcial, Mandado de injunção e o controle no âmbito dos Estados-membros.
O sistema de controle brasileiro é considerado pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, como do tipo misto[23], por ter tanto o controle concentrado e o difuso, apesar que reconheça que sua base é concentrada.
Afinal, a possibilidade de o Judiciário revisar e declarar inconstitucional a lei aprovada pela maioria (que é o princípio supremo da república), confronta com a noção de democracia. Posto que o órgão revisor não foi eleito, ao contrário do órgão que fez a lei.
Mas advertiu Samuel Freeman[24] que mesmo os juízes fossem eleitos, ainda assim a revisão seria um ato contra a maioria. O busilis real é que a revisão limita os direitos iguais de participação dos cidadãos.
O objetivo prevalente da revisão judicial é, por meio, de um órgão não-Legislativo, a impor restrições à norma que desrespeitou o itinerário Legislativo.
Tanto o Executivo, quanto Legislativo e Judiciário são poderes ordinários. Apenas a Corte Constitucional como órgão externo, detém o poder especial de promover a interpretação constitucional. Tal visão contraria a histórica tese federalista de que a Suprema Corte é o poder Judiciário ordinário, responsável pela interpretação.
De acordo com a clássica teoria da separação de poderes[25], o Tribunal determina o significado não só da Constituição Federal bem como os demais atos do Legislativo. Conclui-se que o Tribunal possui a autoridade de interpretação, em último caso, a Constituição.
Freeman argumentou que a separação de poderes[26] ocorre entre os poderes ordinários que os tribunais possuem autoridade para interpretar e aplicar leis ordinárias.
A Constituição é um sistema de normas supremas que estabelece como se criam as outras normas ordinárias e não há nenhum monopólio que garanta ao Judiciário, a autoridade de revisar a forma como os três poderes interpretam a Constituição Federal.
Não cabe haver uma dogmática quanto ao caráter democrático ou não da revisão judicial. Uma revisão positivamente pode ser democrática quando modifica as leis que infringem a igualdade e de direitos básicos.
Porém, a revisão pode ser antidemocrática se alterar as leis que tenham por fim acabar ou diminuir com o poder das elites e promover as mudanças sociais.
Ressaltou Clèmerson Clève[27] que a sociedade contemporânea é a técnica e de massa e, alterou o perfil dos conflitos de interesses e passaram a ser de individuais para coletivos, difusos ou individuais ou homogêneos.
Inúmeros instrumentos jurídicos processuais foram criados recentemente servem para compor essa realidade, tais como o mandado de segurança coletivo, o mandado de injunção e, mesmo a legislação como o Código de Defesa do Consumidor, a Ação Civil Pública, o Estatuo da Criança e do Adolescente e as ações que visam promover o controle de constitucionalidade.
Interessante é a crítica feita por Celso Ribeiro Bastos quanto a ação declaratória de constitucionalidade por instituir efeito vinculante, cujo objetivo maior seria o de atender aos interesses governamentais consistentes em eliminar as discussões legítimas travadas em torno de leis sabidamente mal redigidas e inconstitucionais, o que tem sido uma tônica em nossa frágil (e ainda principiante) República. Isso sem cogitar em nosso atual ensaio na democracia.
Em posição contrária ergueu-se Arnoldo Wald que defende a ADC como “instrumento de unificação jurisprudencial como finalidade básica é evitar a demora e as contradições em relação às questões constitucionais de alta relevância e, que se não foram resolvidas rapidamente, podem ensejar sim, verdadeiro caos jurídico, prejudicando a economia nacional e o próprio desenvolvimento do país”.
Há ainda o posicionamento de Evaldo Brito que questiona a legitimidade da lei que criou a ADC, sustentando que uma norma somente é legítima quando se funda em valores supremos da humanidade tipificadores também de um poder formal conformado pelas características de um Estado Democrático de Direito.
Entre esses valores supremos encontram-se a liberdade a justiça, a igualdade, o pluralismo político, dentro outros que constituem direitos fundamentais.
Com a ADC, opinou José Rogério Cruz Tucci[28], o STF equipara-se, em última análise, a um órgão certificador da constitucionalidade da lei ou do ato normativo federal. E, tal controle, segundo Tucci caberia somente ao Legislativo e não ao Judiciário. Do modo que está colocado, o STF exerce jurisdição constitucional e somente se manifesta se houver dissídio judicial.
Para Ives Gandra Martins a não observância do contraditório do contraditório e da ampla defesa constituem os principais indicadores de inconstitucionalidade da ADC permitindo que o STF decida entrar com a propositura da ação declaratória sem que nenhum elemento da sociedade, que esteja discutindo a matéria em instâncias inferiores, possa participar do processo.
A sociedade, nesse caso, não terá como se defender, pois, impedida constitucionalmente de integrar a lide. O que afronta às garantias fundamentais de contraditório e de ampla defesa, constituindo uma cláusula pétrea do artigo 60, IV da CF/1988, além de violar o princípio da separação de poderes, transformando o Legislativo em um poder diminuto e inseguro.
Scartezzini afirma que não existem dúvidas da quebra da independência de poderes, pois a ADC transforma o STF em órgão sancionador da atividade legislativa, criando claro desequilíbrio entre os poderes do Estado.
Afinal, declarar a constitucionalidade, nos moldes previstos na ADC, é, em última análise, legislar, instaurando-se a dependência entre o Legislativo e Judiciário. Pois doravante, o parlamentar fará a lei após a chancela e o crivo do Judiciário.
Há quem adote posição intermediária, ou seja, não descarta a ADC por completo e nem a diz inconstitucional per si, pois a enxerga como instrumento de impugnação. Não se trata de um processo sem partes e só aparentemente objetivo, pois em substrato há as relações materiais controvertidas.
Considera José Afonso Silva[29] que a constitucionalidade vai ser verificada apenas quando do processamento da medida no STF, onde deve ser observado um mínimo de contraditório. Sem isso, a ADC é inconstitucional.
Em pesquisas que fez Mauro Cappelletti[30] revelou que em França, impera, desde a Revolução de 1789, o controle político de constitucionalidade sendo uma atividade não jurisdicional que é exercida pelo Conselho Constitucional que analisa um ato do Legislativo ou um tratado antes de ser promulgado em um processo onde não há contraditório em ampla defesa.
Também a Itália possui controle constitucional concentrado e a cargo da Corte Constitucional, e, havia ainda modelo completamente diverso na URSS pois o Soviete Supremo exercia ao mesmo tempo as funções legislativas, executivas e judiciárias (havia unidade de poder), portanto, o Soviete Supremo realizava o controle de constitucionalidade das leis.
Os EUA foram os pioneiros no controle difuso desde a Constituição de 1787 e da sentença de Marshall, desde o caso na Suprema Corte em 1803, no caso Marbury versus Madison[31]. Prevalece o princípio da supremacia da Constituição que é adotado por países como Canadá, Japão, Noruega, Dinamarca, Suécia e Suíça.
Tanto a Áustria como a Alemanha adotam o sistema típico concentrado também chamado de “sistema austríaco”, formulado por Hans Kelsen[32] e a Escola de Viena, durante a Constituição de 1920, sendo o dito controle da competência da Corte Constitucional, mas tal fora reformado, admitindo-se, também a ação incidental.
O controle de constitucionalidade presente no constitucionalismo pátrio remonta à Carta Constitucional de 1824 que atribuía ao Parlamento a tarefa exclusiva de legislar bem como a de proceder a interpretação, suspensão e revogação e, ainda, velar e proteger a guarda da Constituição.
Influenciada pela doutrina francesa, a Carta Imperial brasileira privilegiava o Parlamento como depositário de todas as atribuições. Não havia nada que se assemelhasse ao controle judicial de constitucionalidade nem mesmo o poder Moderador do Imperador, conforme ressalta Ministro Gilmar Mendes citando Pimenta Bueno[33] que virava manter a harmonia e o equilíbrio entre os demais poderes.
Com a República, o Brasil adotou o modelo constitucional norte-americano tendo em Rui Barbosa[34] o seu principal expoente. A Constituição brasileira de 1891 consagrou o modelo difuso de controle judicial, instituindo o controle por via de exceção onde o Judiciário só se manifesta quando devidamente provocado pelo interessado.
A primeira Carta republicana brasileira atribuiu ao Supremo Tribunal Federal, sendo órgão revisor das decisões judicias de segundo grau, tornando-se de fato o foro privilegiado para dirimir as controvérsias envolvendo a discussão sobre a validade do tratado, convenção, lei federal ou decisões judiciais em face da Constituição Federal brasileira vigente.
A Lei 221/1924 e a reforma constitucional de 1926 consideraram o sistema de controle difuso de constitucionalidade do direito brasileiro. O referido Judicial Review conforme salientou Rui Barbosa, não se fazia em abstrato e menos que um não se fazia em abstrato e menos que um poder de legislação era um exercício de hermenêutica.
Algumas alterações trazidas pela Constituição de 1934 que obrigou o STF a decidir pelo voto da maioria da totalidade de seus membros, como forma de garantir a segurança jurídica.
Inovação para a atribuição de competência ao Senado para suspender a eficácia de lei declarada inconstitucional pelo STF, conferindo-lhe efeito erga omnes.
Da mesma forma significativa foi a criação de representação interventiva, onde o STF acabaria por declarar a inconstitucionalidade da lei autorizativa da intervenção federal em Estados e municípios, ou de maneira inversa, determinando que a lei interventiva, de iniciativa do Senado, só poderia prosperar caso fosse declarada constitucional pela Suprema Corte.
A criação de uma Corte Constitucional, segundo o modelo austríaco, embora tenha sido proposta, não foi acatada pela Constituição brasileira de 1934.
Com o estabelecimento do Estado Novo a Constituição brasileira de 1937[35] deu-se a concentração de poderes no Executivo. Permitiu-se que o Presidente da República submetesse à apreciação do Parlamento a matéria declarada inconstitucional pelo STF e, caso fosse aprovada por dois terços de votos em cada uma das casas legislativas, invalidava a declaração judicial de inconstitucionalidade[36].
A Constituição brasileira de 1946 restaurou a tradição do controle judicial no Direito brasileiro. O Procurador Geral da República passou a ter a titularidade da representação interventiva, na qual o STF tinha a função final de decidir sobre a constitucionalidade do ato interventivo originário do Senado Federal.
Foi somente em 1965 que a Emenda Constitucional 16 instituiu o controle abstrato de normas estaduais e federais brasileiras. Nas Constituições brasileiras de 1967 (e a Emenda Constitucional nº1 de 1969) trouxeram o monopólio da ação continuou com o Procurador-Geral da República, enquanto que ao Presidente da República fora definida a competência de suspender ato estadual impugnado.
A Emenda Constitucional nº 7, de 1977 introduziu a representação para fins de interpretação da lei, autorizando ao Procurador-Geral da República a legitimidade para provocar o pronunciamento do STF.
A Constituição federal brasileira de 1988 inovou substancialmente principalmente ao ampliar o número de legitimados para a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Ao lado do Procurador-Geral, o artigo 103 atribuiu tal competência ao Presidência da República, às Mesas do Senado, da Câmara das Assembleias Legislativas, ao Governador de Estado, ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, aos partidos políticos com representante no Congresso nacional e à confederação ou entidade sindical nacional.
A principal consequência introduzida pela ampliação de legitimados segundo o Ministro Gilmar Mendes[37], fora o fortalecimento do controle concentrado de constitucionalidade e o enfraquecimento do controle incidental difuso, visto que praticamente todas as controvérsias passaram a ser resolvidas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, mediante controle abstrato de normas, inclusive com a concessão de medida cautelar.
Igualmente aprimorado foi o federalismo, na medida em que os governadores passaram a dispor de um instrumento mais eficaz de aferição da constitucionalidade das leis estaduais.
A Constituição de 1988 revigorou também o sistema representativo, contemplando as minorias partidárias com a possibilidade de arguir a inconstitucionalidade das leis, assim como protegeu os direitos subjetivos através da Ação de Inconstitucionalidade saneadora de omissão normativa constitucional.
A regulamentação de ações de constitucionalidade no ordenamento jurídico brasileiro, o processo e julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade e da Ação Declaratória de Constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, está regulamentado pela Lei 9.869, sancionada em 10 de novembro de 1999. Esta estabelece o rito processual para os institutos previstos nos artigos 102 e 103 da Constituição Federal de 1988, fruto da Emenda Constitucional 3/93.
A ADC foi proposta, pioneiramente, por Ives Gandra Martins e Gilmar Ferreira Mendes, como alternativa à iniciativa do ex-presidente Fernando Collor de reintroduzir a Avocatória[38], que criada pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977, não fora recepcionada pela Constituição de 1988.
A Ação Geral defende a constitucionalidade de uma norma quando instado constitucionalidade, sustenta Mendes, tem sua fundamentação teoria no direito alemão[39] e não constitui nenhuma novidade no direito pátrio.
Antes disso, porém, a Emenda Constitucional 16/65, ao criar a ação de representação direta de inconstitucionalidade. Por isso, Mendes considera a ADC uma ADIn com sinal trocado. Esse é o mesmo entendimento de Hugo de Brito Machado, para quem ambas constituem forma de provocação da Corte Maior para manifestar-se sobre atos normativos em tese.
Diante da Lei 9.868/1999 que foi uma primeira constatação que fica evidente é a diferença de finalidades que as ações buscam alcançar. Determina o inciso I do artigo 3º que a petição propositora da ADIn indicará o dispositivo da lei ou do ato normativo impugnado.
Já o inciso I do artigo 14 ressalta que a petição inicial da ADC indicará o dispositivo da lei ou do ato normativo questionado. Ou seja, enquanto uma ação pretende um posicionamento do STF sobre um ato que se pretende impugnar, por inconstitucional, retirando-o do ordenamento, a outra busca tão-somente obter da Corte superior uma declaração de que determinado ato, que está sendo questionado, tem validade constitucional.
Esta diferença de finalidade a alcançar também se reflete na formulação da petição inicial. Desta forma, é que, conforme o artigo 3º, I na ADIn, a petição[40] indicará o dispositivo da lei ou do ato normativo e os fundamentos jurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações.
Já o artigo 14, III estabelece que na ADC é obrigatória a apresentação de documento que comprove a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória.
O que se pretende impugnar ou questionar nestas ações é a adequação de dispositivo da lei ou do ato normativo à Constituição, conforme prevê o acima citado no inciso I do artigo 13, quando for o caso de ADC.
A Lei 9.868/99 regulamentou um aspecto importante do processo qual seja, dos prazos. Na ADIn, o relator pode informações nos órgãos ou a autoridades das mais emanou a lei ou ato administrativo impugnado. O parágrafo único do artigo 6º prevê que tais informações deverão ser prestadas em trinta dias contados do recebimento do pedido.
Decorrido este prazo, serão ouvidos, sucessivamente, o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, que deverão manifestar-se cada qual, em quinze dias (art. 8º). Somente vencida esta etapa é que será lançado o relatório, com cópia a todos os Ministros e pedido de dia para julgamento (art. 9º)[41].
A questão de prazos[42] na ADC está redigida de maneira confusa, fruto talvez de má técnica legislativa. O artigo 19 informa que decorrido o prazo do artigo anterior, será aberta vista ao Procurador-Geral da República, que deverá pronunciar-se no prazo de quinze dias.
O problema é que não há artigo anterior no caso da ADC (do 13ºa 18º) que mencione qualquer prazo, como ocorre na ADIn, conforme prevê o referido do artigo 8º. Ali era possível fazer referência a vencidos estes prazos pois o artigo 6º estabelecia quais eram estes prazos os trinta dias para que o relator ou visse os órgãos ou autoridades.
Já no caso da ADC não existe prazo do artigo anterior. Assim, permanece a dúvida, o Procurador-Geral será ouvido depois de quanto tempo? Na falta de um dado mais objetivo e preciso, é possível delimitar-se este prazo como aquele contido no §3º do artigo 20, que estabelece que as informações, perícias e audiências serão realizadas no prazo de trinta dias, contados da solicitação do relator.
A Lei 9.868 não inovou em relação aos legitimados para a propositura da ADIn, mantendo a mesma relação prevista pelo art. 102 da CF/1988. O artigo 13, por seu turno, limita os legitimados à proposição da Ação Declaratória de Constitucionalidade de lei ou ato normativo federal ao Presidente da República, às Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal ao Procurador-Geral da República.
Outra diferença prevista pela lei, entre os dois institutos, é em relação às fontes que deverão ser consultadas pelo Ministro-relator na formação de seu juízo de seu juízo de valor sobre a constitucionalidade do ato ou lei que se pretende ver declarada.
Na ADIn, o relator pede informações a:
a) ao órgão do qual emanou a lei ou ato normativo impugnado;
b) às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado;
c) a outros órgãos ou entidades, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes;
d) ao Advogado-Geral da União;
e) ao Procurador-Geral da República.
Na ADC são consultados, conforme estabelecem os artigos 19 e 20: a) o Procurador-Geral da República; b) o Perito ou comissão de peritos; c) pessoas com experiência e autoridade na matéria; d) Tribunais superiores; e) Tribunais federais; f) Tribunais estaduais.
O Procurador-Geral tem garantido um prazo de quinze dias para oferecer seu parecer. Os demais agentes serão ouvidos, se for o caso, para prestar informações adicionais, a critério do Ministro-relator, em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, conforme frisa o primeiro parágrafo do artigo 20.
No que concerne à medida cautelar[43], o STF está autorizado a concedê-la, observadas as condições impostas pela lei. No caso da ADIn, o artigo 10 determina que a liminar só será concedida após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado[44].
Tais agentes públicos deverão se pronunciar em cinco dias. O Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, por sua vez, serão ouvidos no prazo de três dias.
Somente em caso de excepcional urgência, terceiro parágrafo, o Tribunal Superior poderá deferir a medida cautelar sem audiência destes órgãos ou autoridades. A liminar concedida terá eficácia erga omnes e efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe a eficácia retroativa.
Da mesma forma, a concessão da medida cautelar[45] torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.
Em relação à ação principal, reza o artigo 12 que havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação de informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessiva, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação.
O procedimento para concessão de cautelar, na ADC é mais simples, como prevê no artigo 21. Neste caso, o STF determinará que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo.
O Tribunal deverá proceder ao julgamento da ação no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de perda de sua eficácia. Segundo o artigo 24, proclamada a constitucionalidade, torna-se Improcedente a ADIn e Procedente a ADC.
Quanto à possibilidade de recurso, determina o artigo 26 que a decisão é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos declaratórios, não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória.
No procedimento desta forma, o STF verdadeiramente não vai declarar a lei inconstitucional, invalidando-a. Antes disso, essa permissão mais se assemelha a uma declaração de incompatibilidade, nos moldes da doutrina alemã.
A lei não determina qual será o outro momento que será fixado, mas o certo é que durante este período a lei atacada continuará em plena vigência.
O parágrafo único do artigo 28 determina que as declarações de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a Interpretação conforme a Constituição e a Declaração Parcial de Inconstitucionalidade sem redução de texto, terão eficácia era omnes e efeito vinculante em relação aos órgãos do poder Judiciário e à Administração Pública Federal, estadual e municipal.
Devido a importância que desempenham na questão do controle de constitucionalidade é necessário explicitar cada um desses pontos, como faz Ministro Gilmar Mendes.
A interpretação conforme a Constituição[46]. O Tribunal parte do princípio de que o legislador busca positivar uma norma constitucional conforme é o princípio da constitucionalidade da lei.
Isto significa que a lei positivada não contraria o disposto na Constituição, antes, pelo contrário, está de acordo com seus parâmetros.
Se sua constitucionalidade for questionada, o Tribunal não deve negar sua legitimidade, visto que o legislador interpretou corretamente a Constituição no momento de elaboração. A interpretação resulta, por parte do órgão Judiciário, numa declaração de constitucionalidade da lei.
Este tipo de interpretação só é possível quando o legislador, manifestamente, não comete nenhuma violência contra expressão literal do texto, ou seja, quando não altera o significado do texto constitucional, ou na expressão de Sepúlveda Pertence, não age desconforme a Constituição.
A Declaração parcial de Inconstitucionalidade sem redução do texto é instrumento que o Tribunal dispõe quando pretende realçar que determinada aplicação da norma é contrária à Constituição.
Assim a Lei Number One é inconstitucional se aplicável a uma hipótese X. O Tribunal deixa explícito que aquela hipótese de aplicação é inconstitucional, sendo nula somente esta parte. O restante do texto continua válido.
O efeito vinculante e eficácia erga omnes. Não só em relação aos órgãos do Poder Judiciário como também da Administração Pública federal, estadual, municipal, as decisões do STF terão efeito vinculante, obrigando todos a seguirem a orientação fixada pela Corte Suprema.
Esta eficácia erga omnes obsta, segundo Ministro Gilmar Mendes, que a questão seja novamente submetida à apreciação do STF, sob forma d ADIn. Entretanto, mudando as circunstâncias fáticas, não há como evitar que, sob outro contexto, a matéria seja apreciada.
É o caso da decisão do STF, que concede prazo em dobro para a Defensoria Pública enquanto o órgão não estiver estruturado. Se, num momento seguinte tal Defensoria estiver em pleno funcionamento, poderá o STF mudar sua posição desconsiderando a possibilidade de conceder-lhe o prazo dilatado, Bryde[47] entende que os conhecimentos sobre o processo de mutação constitucional exigem que se admita nova aferição da constitucionalidade da lei no caso de mudança da concepção constitucional.
O Poder Legislativo não é alcançado pelo efeito vinculante, pois, com a declaração de constitucionalidade nada ocorre no mundo jurídico a não ser a certeza do Direito, posto que os pressupostos de admissibilidade são a dúvida, a controvérsia e a incerteza.
Mas a lei vige do mesmo modo pelo qual vigia antes da sentença e o Poder Legislativo não fica impedido de alterar ou revogar a norma, mesmo após declarada sua constitucionalidade pelo STF. Outro entendimento de Clèmerson Cleve, para quem o efeito vinculante deveria, do mesmo modo, atingir também os atos do Poder Legislativo, pois não há razão que justifique a discriminação.
Idêntica é a posição de Cruz Tucci, ao argumentar que se o pedido deduzido na ADC for reputado improcedente, a respectiva decisão, transitada em julgado, gozará igualmente de eficácia erga omnes não mais podendo ser arguida inconstitucionalidade da lei antes de examinada perante qualquer tribunal, inclusive a Excelsa Corte.
No entanto, não é a opinião do Ministro Gilmar Mendes, pois, a expressão demais órgãos do Poder Judiciário indica que STF não é alcançado pelo efeito vinculante. A autovinculação, na sua opinião, é inadmissível, pois se por um lado congela e cristaliza o Direito Constitucional, por outro obriga o tribunal sustentar a tese errada ou mesmo já superada.
Já a não observância do efeito vinculante pelos demais órgãos do Poder Judiciário caracteriza grave violação de dever funcional, típica de dolo ou fraude, previstos no inciso I do artigo 133 CPC.
Apesar de existir a concordância de que o juiz, ao declarar a lei, de alguma forma a está interpretando, há que se reconhecer que o Direito Judiciário assume um papel muito mais relevante do que mera prática hermenêutica.
Os Juízes, no moderno constitucionalismo, assumem cada vez mais as funções de legisladores, mesmo porque necessitam reafirmar seu poder diante do crescimento da presença do Executivo nas ações do Estado.
Durante muito tempo o judiciário se manteve afastado dos debates relevantes para a sociedade e os juízes limitavam-se a declarar a lei, numa posição pretensamente neutra e imparcial.
Contemporaneamente essa postura não mais se justifica, seja pelo agravamento da crise social e política, que exige uma intervenção direta do Judiciário, seja pela necessidade de defesa de princípios democráticos e constitucionais, muitas vezes subjugados diante da pressão de grupos econômicos mais fortes, que possuem mecanismos de interferência nas atividades dos poderes legislativo e executivo.
Portanto, assumindo o papel de juízes legisladores, os magistrados nada mais fazer do que fortalecer a democracia e o equilíbrio entre os poderes.
A fundamentação da separação dos poderes[48] está na base da defesa da própria democracia. Os poderes devem estar de tal modo separados que não seja possível, a um deles, assumir o controle total do Estado, exercendo todas as suas funções, sejam elas executivas, legislativas ou judiciais.
Lembremos que a ditatura do Executivo, seja na forma civil ou militar, ou a ditadura parlamentar, ou ainda, o Governo dos Juízes, são fantasmas que amedrontam os democratas e os defensores das liberdades públicas.
Nesse sentido é a separação de poderes assume real importância, pois se cada um realizar a sua função e, ao mesmo tempo, for controlado, pelos demais, num verdadeiro sistema de controle recíproco, na forma do sistema de checks and balances, haverá com certeza condições objetivas e concretas para a existência de um Estado Democrático de Direito.
Referências:
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DE OLIVO, Luís Carlos Cancellier. Juízes Legisladores: O controle de constitucionalidade das leis como forma de exercício do Direito Judiciário. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15417 Acesso em 14.02.2018.
CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Porto Alegre: Fabris, 1984.
_____________________ Juízes legisladores? Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Fabris, 1993.
CRUZ TUCCI, José Rogério. Aspectos processuais da denominada ação declaratória de constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 1995.
FREEMAN, Samuel. Democracia e controle jurídico de constitucionalidade. Tradução de Álvaro Vita. In: Lua Nova, n.32. São Paulo: CEDEC, 1994.
HELLER, Hermann. Teoria do Estado. São Paulo: Mestre Jou, 1998.
MENDES, Gilmar F. A evolução do direito constitucional brasileiro e o controle da constitucionalidade de lei. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998.
OMMANTI, Fides. Dos Freios e contrapesos entre os poderes do Estado. Revista de Informação Legislativa. Brasília: n.55, julho/setembro de 1997.
SCARTEZZINI, Ana Maria. A Ação de declaração de constitucionalidade da lei e os princípios constitucionais. Ação declaratória de constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 1995.
TOCQUEVILLE, Alexis. A democracia na América. Coleção Os Pensadores. 2ª edição. Tradução de J.G. Albuquerque. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16ª edição. São Paulo: Malheiros, 1999.
Notas
[1] A Ação Direta de Inconstitucionalidade, mais especificamente Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica (ADI ou ADIn) é um instrumento utilizado no chamado controle direto da constitucionalidade das leis e atos normativos, exercido perante o Supremo Tribunal Federal brasileiro. É instrumento do controle concentrado de constitucionalidade das leis. Lembrando que o controle concentrado de constitucionalidade, como seu próprio nome diz, é aquele que se concentra em apenas um órgão. No sistema brasileiro de controle, este órgão é o Supremo Tribunal Federal, titular exclusivo da competência para julgar, em tese, a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo. Esse controle, pelo critério formal de classificação, também é chamado de abstrato ou direto, já que se dá pela via principal, isto é, a análise da constitucionalidade é o objeto principal, autônomo e exclusivo da causa. O STF entende que a constitucionalidade das MPs pode ser questionada tendo como parâmetro os requisitos constitucionais de “relevância e urgência” do art. 62, mas de forma excepcional. Já quanto aos requisitos de “imprevisibilidade e urgência” para MPs que abrem crédito extraordinário (art. 167, § 3º), a Corte admite o controle mais amplo, já que a Constituição deu densidade normativa a esses requisitos ao exemplificar com os casos de guerra, comoção interna e calamidade pública. Essas realidades fáticas não permitem ampla margem de discricionariedade, como no caso da relevância e urgência.
[2] A ação declaratória de constitucionalidade (ADC) é uma ação judicial proposta com o objetivo de tomar certo judicialmente que uma dada norma é compatível com a Constituição É uma das formas de exercício do controle de constitucionalidade concentrado. Foi introduzido pela Emenda Constitucional 3/1993 com a alteração da redação do artigo 102, inciso I, alínea a, e acréscimo do segundo parágrafo ao referido artigo, bem como o § 4º ao artigo 103, todos da Constituição Federal, tendo a sua disciplina processual sido regulamentada pela Lei 9.868/1999.
[3] Os famosos check and balance system é a essência do mecanismo da separação de poderes proposta por Montesquieu no período da Revolução Francesa. Através desse sistema, o Poder do Estado (seja Executivo, Legislativo e Judiciário) está apto a contes os abusos do outro, de forma que se equilibrem harmonicamente. Tal sistema foi consagrado pelo pensador francês, na sua obra intitulada "O Espírito das Leis". Sua expressão em nosso direito constitucional está positivada no artigo 2º da CF/1988 o que impõe não só a dita separação dos Poderes do Estado, como também os torna independentes e harmônicos entre si.
[4] Cyrill John Radcliffe, (1899-1977) foi advogado britânico, como Lorde foi mais conhecido por seu papel na partição da Índia britânica. Onde serviu como primeiro chanceler da Universidade de Warwick desde a sua fundação em 1965 a 1977. Em 1949, Radcliffe foi nomeado Senhor do Apelo em Ordinário, jurado do Conselho Privado. Usualmente, ele não tinha sido juiz. Nas décadas de 1940 e 1950, ele presidiu uma série de consultas públicas, além de seus deveres legais e continuou a realizar inúmeras funções de conselheiro, governança e presidências até sua morte. Ele presidiu o Comitê de Inquérito ao Futuro do British Film Institute (1948), cujas recomendações levaram à modernização do BFI no período pós-guerra. A partir de 1957, foi presidente do Comitê Radcliffe, chamado a investigar o funcionamento do sistema monetário e de crédito. O comitê publicou um relatório conhecido como o relatório Radcliffe, que sugeriu reformas sobre como a política monetária é executada. Ele também era um orador público frequente e escreveu numerosos livros: ele deu a BBC Reith Lecture em 1951 - uma série de sete transmissões intituladas “Power e the State” que examinaram as características da sociedade democrática e consideraram as noções problemáticas de poder e autoridade. Ele também apresentou a Oxford University Romanes Lecture em 1963 em Mountstuart Elphinstone. Em 1962 ele foi feito um par hereditário como o Visconde Radcliffe, de Hampton Lucy no condado de Warwick.
[5] Morton White (1917-2016) era um filósofo e historiador americano. Era proponente de uma doutrina que ele chama de pragmatismo holístico e também notável erudito da história intelectual americana. Foi professor do Departamento de Filosofia de Harvard de 1953 a 1970. Foi professor emérito na Escola de Estudos Avançados de Princeton, NJ, onde foi professor na Escola de Estudos Históricos de 1970 até 1987, quando se aposentou.
[6] A tábua axiológica nos remete diretamente a tábua principiológica de sustentação de direitos e deveres. Axiologia é o estudo de valores, uma teoria do valor geral, compreendido no sentido moral. E, conforme descreveu na Alemanha com Max Scheler ou John Rickert e a França por Ruyer ou R. Polin, a axiologia estabelecer uma hierarquia de valores.
[7] Contrariando o que a maioria pensa, não escolhemos de forma racional. Em nossas escolhas jazem processos emocionais, baseados em nossas crenças e em nossos valores. Primeiramente, as nossas emoções escolhem e depois o nosso intelecto procura uma razão para "encaixar" e assim justificar essa escolha. Em todo o momento precisamos fazer escolhas e toda vez que escolhemos algo automaticamente abrimos mão de alguma coisa. Se estiver sentado você não pode ficar em pé, se estiver nesse momento no escritório não tem como estar à beira-mar tomando sol. Recordando a poesia de Cecília Meireles, Ou Isto ou Aquilo. In litteris:
"Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.".
[8] O que atualmente está em jogo no Brasil é a reconstrução literal e completa do Estado brasileiro e sua verdadeira inserção no século XXI. Ou continuamos com o gigantismo estatal sufocante na economia e com bolivarianismo retrógrado na política, representados por essa visão atrasada de luta de classes, ou partimos para um Estado moderno, leve, fiscalizador, vigoroso e pouco intervencionista, antídoto do populismo, do clientelismo, do paternalismo das bolsas e políticas públicas esmolantes, antônimos de criatividade, do empreendedorismo e da verdadeira independência econômica. (In: A perestroika brasileira. Disponível em:https://oglobo.globo.com/opiniao/a-perestroika-brasileira-17657040 Acesso em 16.02.2018).
[9] William John Kenneth Diplock, Barão Diplock (1907-1985) foi um juiz britânico e Lorde. Foi filho de um advogado irlandês, frequentou a Whitgift School e Universidade College, em Oxford, onde lecionou Química. Foi o juiz mais antigo da Câmara dos Lordes, exerceu o mais alto cargo no tribunal de apelação do Reino Unido. Renunciou a esse cargo em 1984, mas continuou como julgador ordinário Lorde of Appeal. Em 1972, liderou a investigação sobre as formas de aprimorar os procedimentos processuais para lidar com a violência existente na Irlanda do Norte. Suas recomendações levaram à criação do que seriam os tribunais temporários em que um juiz governaria, sem júri, para evitar a intimação relatada pelas testemunhas. O juiz superior Warren E. Burger, líder do lado americano e velho amigo de Diplock disse quando de seu falecimento: "Suas contribuições tanto para o direito comum substantivo quanto para a administração judicial moderna deixam uma marca significativa na administração da justiça. Advogados e juízes de ambos os lados do Atlântico vão sentir falta dele".
[10] Patrick Arthur Devlin, Barão Devlin (1905-1992) foi juiz britânico e que atuou como Lorde da Lei. Em 1959 dirigiu uma Comissão de Inquérito, a Comissão Devlin, que informou sobre o Estado de Emergência declarado pelo governador colonial de Nyasaland. Em 1985, ele se tornou o primeiro juiz britânico a escrever um livro sobre um caso que ele mesmo presidiu, o julgamento em 1957 do suspeito de ser assassino em série, chamado John Bodkin Adams. Devlin. Foi também é conhecido por sua parte no debate sobre a homossexualidade na lei britânica, em resposta ao relatório Wolfenden, onde argumento contrariamente HLA Hart, que uma moral pública comum deveria ser mantida. Argumentou em favor de James Fitzjames Stephen que a moralidade popular deveria ser autorizada a influenciar o processo legislativo e que mesmo os atos privados devem ser sujeitos a sanção legal, se eles fossem considerados moralmente inaceitáveis, pelo homem razoável, para preservar o tecido moral da sociedade. A ideia de homem razoável é derivada de John Stuart Mill de que a lei não tinha negócios que interferissem com atos privados que não prejudicavam ninguém. O argumento de Devlin foi expandido em seu livro intitulado “The Enforcement of Morals”, de 1965, onde ocorreu debate sobre o papel do direito penal na aplicação de normas morais. Aliás, Hart também escreveu a obra intitulada Direito, Liberdade e Moralidade (1963) e A Moralidade da Lei Criminal (1965). Devlin argumentou que a existência de uma sociedade depende da manutenção de valores políticos e morais compartilhados. Assim, a violação da moral compartilhada afrouxa um dos laços que mantêm coesa uma sociedade e, portanto, ameaça com sua desintegração. Desta forma, propôs Devlin uma moral pública, em determinadas situações, anulava questões de julgamento pessoal ou privado.
[11] Martin Shapiro é professor emérito de Direito, da Universidade de Berkeley, Harvard, Stanford, de Irvine e San Diego. É autor da obra intitulada "Direito e da Política no Supremo Tribunal; Liberdade de expressão: o Supremo Tribunal e Revisão Judicial; Supremo Tribunal e Agências Administrativas; Tribunais: uma análise comparativa e política e Quem Guarda os Guardiões: Controle Judicial da Administração.
[12] Assim, a manutenção da separação de poderes no Brasil requer mecanismos recíprocos de controle que sejam efetivos, pois em um país onde o chefe do Poder Executivo detém os recursos financeiros e pode indicar membros de tribunais, obviamente que os tribunais ficarão à mercê do Poder Executivo e acabarão não exercendo o devido controle almejado pela teoria da separação de poderes, tornando inviável e ultrapassada a separação de poderes posta na Constituição Federal brasileira, pois o legislador constituinte originário prestigiou a separação de poderes mas acabou criando amarras para que ela não funcionasse como se esperava, criando um monstro chamado Poder Executivo. (In: CAVAZZANI, Ricardo Duarte. Crise Da Democracia Representativa e os Reflexos sobre a Separação dos Poderes: O Enfraquecimento do Estado. Disponível em: http://www.abdconst.com.br/revista12/criseRicardo.pdf Acesso em 16.02.2018).
[13] Na teoria contemporânea da democracia confluem três grandes tradições do pensamento político: a) a teoria clássica, divulgada como teoria aristotélica, das três formas de Governo, segundo a qual a democracia, como Governo do povo, de todos os cidadãos, ou seja, de todos aqueles que gozam dos direitos de cidadania, distingue-se da monarquia, como Governo de um só, e da aristocracia, como Governo de poucos; b) a teoria medieval, de origem romana, apoiada na soberania popular, na base da qual há a contraposição de uma concepção ascendente a uma concepção descendente de soberania conforme o poder supremo derive do povo e se torne representativo ou derive do príncipe e se transmite por delegação do superior para o inferior; c) a teoria moderna, conhecida como teoria de Maquiavel, nascida com o Estado moderno na forma das grandes monarquias, segundo a qual as formas históricas de Governo são essencialmente duas: a monarquia e a república, e a antiga democracia nada mais é que uma forma de república (a outra é a aristocracia), na qual se origina o intercâmbio característico do período pré-revolucionário entre ideais democráticos e ideais republicanos e o Governo genuinamente popular é chamado, em vez de democracia, de república. O problema da democracia, das suas características, de sua importância ou desimportância é, como se conclui, antigo. Tão antigo quanto a reflexão sobre os conceitos da política, tendo sido reproposto e reformulado em todas as épocas. De toda sorte, isso é verdade que um exame do debate contemporâneo em torno do conceito e do valor da democracia não pode prescindir de uma referência, ainda que rápida, à tradição.
[14] Na evolução histórica, o escravo da lei passou a ser o dono da lei. E, tal passagem pode ser entendida como aquela do positivismo exegético ao que pode ser chamado de positivismo não-exegético discricionarista, como em Kelsen e Hart, entendidos aqui num sentido abrangente como as correntes doutrinárias do juspositivismo que compreendam a insuficiência ôntica da norma ( a zona sombria de Hart e a moldura de Kelsen), mas que apostem na discricionariedade coo sua solução. Como bem ensina a doutrina, não se confundem discricionariedade com arbitrariedade. Ao agir arbitrariamente o agente estará agredindo a ordem jurídica, pois terá se comportado fora do que a lei permite. Seu ato, em consequência é ilícito e por isso mesmo corrigível judicialmente. Ao agir discricionariamente, o agente estará quando a lei lhe outorga tal faculdade (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELO, 2004. P.396).
[15] Após os horrores da guerra civil, da consumação de regicídio e da instauração da ditadura de Cromwell, que Thomas Hobbes, refugiado em França, veio a publicar em 1651, sua obra "O Leviatã", livro que fazia apologia ao Estado Todo-poderoso que, monopolizando a fora concentrada na comunidade, torna-se pleno fiador da vida, da paz e da segurança de todos seus súditos. O protetorado de Cromwell que foi apoiado no exército e na burguesia puritana, transformou o Reino Unido em grande potência naval e comercial. Mas, em 1660 com o óbito do Lorde protetor, novamente o país vivenciou uma crise política cuja solução, para se evitar nova guerra civil, fora a restauração da monarquia e retorno dos Stuart ao trono britânico.
[16] Fides Angélica da Costa Veloso Mendes Ommati é uma jurista de amplos conhecimentos. Foi Procuradora do Estado do Piauí, professora catedrática da Universidade Federal do Piauí, Presidenta e Conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil no Piauí.
[17] Eberhard Isenmann é um historiador alemão. Suas áreas de especialização em ensino e pesquisa incluem história urbana, história econômica, constitucional e legal. Isenmann publicou várias vezes. Seu trabalho escrito de 1988 sobre a história da cidade alemã no final da Idade Média tornou-se o trabalho padrão. Uma versão completamente revisada e significativamente expandida do trabalho foi publicada em 2012. Eberhard Isenmann estudou de 1964 a 1969 na Universidade de Tübingen assuntos de inglês, alemão, história e ciência política, filosofia e educação. Em 1969, ele passou o exame científico para o ensino em escolas de gramática nos assuntos alemão e história.
[18] Alexis-Charles-Henri Clérel, visconde de Tocqueville, conhecido também como Alexis de Tocqueville (1805-1859) foi pensador político, historiador e escritor francês. Tornou-se célebre por suas análises da Revolução Francesa, cuja pertinência fora enfatizada por François Furet, da democracia americana e da evolução das democracias ocidentais em geral. Após estudar Direito em Paris, em 1827 ingressou na magistratura em busca de uma carreira provisória enquanto não se cumpria a exigência de idade mínima de quarenta anos para a candidatura à câmara dos deputados. A Constituição Francesa de 1830 reduziu essa exigência para trinta anos, o que permitiu que Tocqueville lançasse, em 1836, sua primeira candidatura, na qual foi derrotado. Em 1839, conseguiria a primeira de uma série de vitórias que o manteriam na câmara até o golpe de estado de 1851. Entre junho e outubro de 1849, assumiu a pasta dos negócios exteriores do ministério Odilon Barrot sob o governo de Luís Bonaparte na Segunda República. Segundo Tocqueville, nas eras democráticas o vínculo das afeições humanas se estende e se relaxa fazendo com que os cidadãos se fechem em si próprios e deixem de olhar para o mundo que os rodeia, pois rapidamente se esquecem da tradição que o precedeu, apagando-se os vestígios das gerações muito rapidamente. Como cada classe se aproxima das outras e se mistura com elas, seus membros se tornam indiferentes e como que estranhos uns aos outros, pois, na democracia eles “não devem nada a ninguém, não esperam, por assim dizer, nada de ninguém; acostumam-se a se considerar sempre isoladamente, imaginam de bom grado que seu destino inteiro está em suas mãos. Assim, não apenas a democracia faz cada homem esquecer de seus ancestrais, mas lhe oculta seus descendentes e o separa de seus contemporâneos; ela o volta sem cessar para si mesmo e ameaça encerrá-lo, enfim, por inteiro, na solidão de seu próprio coração”.
[19] Hermann Heller foi jurista e teórico político alemão, ativo na ala não-marxista do Partido Socialdemocrata Alemão durante a República de Weimar. Tentou formular as bases teóricas para as relações da socialdemocracia com o Estado e o nacionalismo. Vem de Hermann Heller, a noção de que se prescinde "da normalidade social positivamente valorada, a Constituição, como mera formação normativa de sentido, diz sempre muito pouco". (In: HELLER, Hermann. Teoria do Estado. São Paulo: Mestre Jou, 1968, p.304). Apud BESTER, Gisela Maria. A concepção de constituição de Hermann Heller - Integração Normativa e Sociológica e sua possível contribuição à teoria da interpretação constitucional. Disponível:https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/viewFile/1131/1064Acesso em 14.02.2018).
[20] Louis Althusser (1918-1990) foi filósofo francês nascido na Argélia. Seu nome é devido a uma homenagem ao seu tio paterno que havia morrido na Primeira Grande Guerra Mundial. Segundo o filósofo, sua mãe pretendia casar-se com esse tipo, mas, após a morte deste e apenas em razão disso, casou-se com o pai de Althusser. Marxista, filiou-se ao Partido Comunista Francês em 1948. No mesmo ano, tornou-se professor da ENS. Em 1946 Althusser conheceu Hélène Rytmann, uma revolucionária de origem judaico-lituana, oito anos mais velha. Ela foi sua companheira até 16 de novembro de 1980, quando foi estrangulada pelo próprio Althusser, num surto psicótico. As exatas circunstâncias do ocorrido não são conhecidas - uns afirmam ter se tratado de um acidente; outros dizem que foi um ato deliberado. Althusser afirma não se lembrar claramente do fato, alegando que, enquanto massageava o pescoço da mulher, descobriu que a tinha matado. A justiça considerou-o inimputável no momento dos acontecimentos e, em conformidade com a legislação francesa, foi declarado incapaz e inocentado em 1981. A ideologia, para Althusser, é a relação imaginária, transformada em práticas, reproduzindo as relações de produção vigentes. Na realização ideológica, a interpelação, o reconhecimento, a sujeição e os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE), são quatro categorias básicas. Em seu discurso sobre a Ideologia é patente sua preocupação em encontrar o lugar da submissão espontânea, o seu funcionamento e suas consequências para o movimento social. Para ele, a dominação burguesa só se estabiliza pela autonomia dos aparelhos (de produção e reprodução) isolados. O mito do Estado, como entidade incorporada pelos cidadãos e como instituição acima da sociedade, aparece, também no estruturalismo marxista de Althusser sob a forma de "a instituição além das classes e soberana". Assim os Aparelhos Ideológicos do Estado são a espinha dorsal de sua teoria. A teoria dos Aparelhos Ideológicos de Estado constrói uma visão monolítica e acabada de organização social, onde tudo é rigidamente organizado, planejado e definido pelo Estado, de tal sorte que não sobra mais nada para os cidadãos. Não há mais nenhuma alternativa a não ser a resignação ante o Estado onipresente e absolutamente dominante.
[21] Alain Touraine é um sociólogo francês conhecido por sua obra dedicada à sociologia do trabalho e dos movimentos sociais. Conhecido como o pai da "sociedade pós-industrial". Seu trabalho é baseado na sociologia de ação e seu principal ponto de interesse tem sido o estudo de movimentos sociais. Acredita que a sociedade molda o seu futuro através de mecanismos estruturais e das suas próprias lutas sociais. Com os primórdios do desenvolvimento industrial, a empresa capitalista e o proletariado eram de fato os elementos centrais na transformação social e política. Porém na sociedade pós-industrial, segundo o autor, esta centralidade da indústria - e, portanto, do fator econômico produtivo - se perde. Nesta nova sociedade, o conhecimento e a informação passam a constituir elementos chaves na produção. Os conflitos sociais, da mesma maneira, não se concentram mais no elemento econômico. Apesar dos conflitos de classe não desaparecerem (a indústria não desaparece), a relação trabalhador-patronato não detém mais a proeminência de outrora. Isto, principalmente, pelo fato destes conflitos de classes terem, de uma forma geral, se institucionalizado, abrindo espaço para outras reivindicações sociais, agora não mais econômicas, mas destacadamente culturais: surgem os movimentos feministas, de homossexuais, estudantil, etc.
[22] Paulo Bonavides é destacado jurista brasileiro, professor emérito da Universidade Federal do Ceará. Sobre a obra de Paulo Bonavides, existem várias fontes a serem consultadas, destacando-se a sua biografia, "Paulo Bonavides", escrita por Antonio Carlos Klein (Fortaleza, Edições Demócrito Rocha, 2003); e a tese do professor Dimas Macedo: '"El Pensamiento Político de Paulo Bonavides"' (México: Universidade de Puebla, 2010), publicada no Brasil pela Editora Malheiros, de São Paulo, com o titulo: "Estado de Direito e Constituição - O Pensamento de Paulo Bonavides". Sua influência no pensamento jurídico nacional e internacional o levou a inúmeras condecorações, sendo Doutor honoris causa pela Universidade de Lisboa, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidad Nacional de Córdoba, Universidad Inca Garcilaso de la Vega e Universidade de Fortaleza. Também é comendador das maiores honras jurídicas do cenário nacional, a Medalha Rui Barbosa da Ordem dos Advogados do Brasil e a Medalha Teixeira de Freitas do Instituto dos Advogados Brasileiros, além de várias outras, como o Grande-Colar do Mérito do Tribunal de Contas da União, a Medalha da Abolição do Governo do Estado do Ceará, a Medalha Clóvis Beviláqua do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará.
[23] A configuração do Estado Democrático de Direito idealizado na Constituição brasileiro de 1988 cuja confluência entre os sistemas político e jurídico procurou resguardar uma série de direitos fundamentais, passou a exigir dos poderes instituídos postura diferente da adotada até então. Não se trata de afirmar, que diante desse rol de direitos, que o poder constituinte tenha conferido maior responsabilidade a uma das funções do Estado, como fez o Ministro Gilmar Mendes assegurando que o país tinha formatado uma Constituição, cuja marca é a opção eminente judicialista, justificando, pois, o predomínio do Poder Judiciário, detentor da última, e, porque não afirmar, da melhor palavra.
[24] Samuel Freeman é professor universitário atuante na filosofia social, política, ética e filosofia do direito. Escreveu livros sobre a Justiça e Contrato Social (Oxford, 2006) e sobre a filosofia política de John Rawls. Freeman ensinou na Universidade da Pensilvânia desde 1985, ano em que recebeu seu Ph.D. da Universidade de Harvard. John Rawls era seu supervisor de dissertação. Antes do estudo de pós-graduação, Freeman era advogada por dois anos, trabalhando na Corte de Apelação dos EUA, 4º Circuito e na Suprema Corte de Carolina do Norte. Ele recebeu seu AB e JD da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill. Freeman é casada com a socióloga Annette Lareau. Eles têm uma filha, Rachel, genro, Miguel, três netas, Cristina, Sara e Noelia, e um neto, Sammy, que todos moram em Sevilha, Espanha. Eles também têm um filho, Dillon, que é autista e vive perto deles na Pensilvânia.
[25] É muito pertinente observação do professor lusitano José Joaquim Gomes Canotilho, de que mesmo na modernidade, não se mostra adequado falar de apenas um constitucionalismo, consideradas as experiências inglesa, americana e francesa, pelo que aquele doutrinador prefere a expressão “movimentos constitucionais”, o tema é tratado aqui sob a consideração de que o constitucionalismo moderno é todo aquele ligado ao liberalismo político e econômico, próprios do contexto histórico vivenciado após a Revolução Francesa. E foi sob os renovados ares daquela revolução iluminista burguesa, que soube muito bem fazer-se a forma de pensar mais adequada a todos os povos, através do conhecimento gramático de seus filósofos e historiadores, juristas, etc., todos prontos para relevar “a luz, a verdade e a vida”, que a Constituição francesa de 1793, em seu preâmbulo, reafirmou os princípios gerais ditados na “Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão” de 1789.
[26] Canotilho analisa a importância constitucional da separação de poderes através de três princípios: o jurídico-organizatório (criação de estrutura constitucional com funções, competências e legitimação de órgãos para um comando recíproco do poder – check and balances); o normativo autônomo (possibilidade de “compartimentação” de funções para justificar a justeza de uma decisão), e o princípio fundamentador de incompatibilidades (necessário à chamada “separação pessoal de poderes ou funções” para que se evite o entrelaçamento pessoal de funções executivas e legislativas). (In: CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 7ª edição. Coimbra: Almedina, 2004).
[27] Clèmerson Merlin Clève (1958) é jurista e advogado brasileiro. Professor titular de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná e do Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil). É conhecido por diversas obras jurídicas de direito público, tendo sido finalista do Prêmio Jabuti em 2015. Em 2014, foi indicado pelo ministro da Justiça José Eduardo Cardozo para compor a Comissão de Especialistas que redigiu o Anteprojeto da Nova Lei de Migração, texto que compôs a redação final do PL n. 2.516/2015 que deu origem à Lei n. 13.445/2017, a Lei de Migração. Em 2017, foi indicado para ser membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais (CNECO) do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Participam dessa comissão de juristas eminentes como José Afonso da Silva, Dalmo de Abreu Dallari, Arnoldo Wald, Carlos Mario da Silva Velloso, Paulo Bonavides, José Paulo Sepúlveda Pertence, Juarez Freitas, entre outros. Nos meses de fevereiro, março, abril e junho de 2015, e em janeiro de 2017, seu nome foi cotado pela imprensa para ocupar o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal, nas vagas dos ministros Joaquim Barbosa e Teori Zavascki. Em 2017, foi lembrado por diversos veículos de imprensa como o orientador dos juízes Sérgio Moro e João Pedro Gebran Neto, julgadores dos casos da Operação Lava Jato, no Programa de Mestrado em Direito Constitucional da UFPR.
[28] Professor-titular do Departamento de Direito Processual José Rogério Cruz e Tucci atual diretor da melhor faculdade de Direito do pais, a FDUSP - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. É mestre pela própria Faculdade do Largo São Francisco e doutor pela Università di Roma, turma de 1982.
É membro também da banca Tucci Advogados Associados e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e da International Association of Procedural Law.
[29] José Afonso da Silva (1925) jurista brasileiro, mineiro, especialista em Direito Constitucional. É Procurador do Estado de São Paulo aposentado, além de ter sido livre docente de direito financeiro, de processo civil e de direito constitucional da Faculdade de Direito da UFMG. É membro de diversos institutos, dentre os quais o Instituto dos Advogados do Brasil e a Associação Brasileira de Constitucionalistas Democráticos, da qual foi presidente e fundador. Foi secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo de 1995 a 1999. É pai do atual professor titular de direito constitucional da Faculdade de Direito da USP, Luís Virgílio Afonso da Silva.
[30] Mauro Cappelletti (1927-2004) era jurista italiano e fez seu doutorado em Direito na Universidad de Florença, Itália e, foi Professor de Direito na mesma instituição, bem como na Faculdade de Direito da Universidade de Stanford. Além disso, foi presidente da Faculdade de Direito do Instituto Universitário Europeu de Florença. A sua visão sociológica de procedimentos, herdade de Piero Calamandrei, a experiência compartilhada do direito civil e do direito comum o tornaram um observador privilegiado de grandes conflitos de valores do século XX e, acima de tudo, um importante estudo de direito processual.
[31] O ano é 1797. Os Estados Unidos eram governados pelo Presidente John Adams. Advogado, graduado em Direito na então pouco prestigiada Universidade de Harvard, Adams, que era vice-presidente de George Washington, acabara de tomar posse como Presidente dos Estados Unidos. Durante todo o período em que esteve à frente da Casa Branca, Adams, membro do partido Federalista, sofreu severas críticas dos Republicanos, sobretudo no que diz respeito ao posicionamento americano acerca do conflito existente entre França e Inglaterra. Os Republicanos acreditavam que os EUA possuíam uma dívida história com a França, já que a nação europeia foi de grande valia na guerra de independência americana, por óbvio, contra a mesma Inglaterra. Adams e a maioria esmagadora dos Federalistas discordavam de tal pensamento, o que custou, e muito, para a imagem do então presidente e até mesmo do partido ao qual integrava. Naquele momento, as eleições para parte das cadeiras no Congresso Americano já aconteciam antes dos pleitos presidenciais. Neste diapasão, servia a primeira como verdadeiro termômetro político para a segunda. O fato é que os federalistas sofreram uma grande derrota nas eleições de 1800, tendo perdido preciosos 22 assentos na Câmara dos Representantes para o partido Republicano. Nas eleições presidenciais que ocorreriam no mesmo ano, o resultado não seria diferente: Thomas Jefferson, então vice-presidente dos EUA, membro do partido Republicano, vence John Adams, candidato à reeleição pelo partido Federalista.
Diante de sua derrota, e vislumbrando que o partido Federalista perdera espaço no Legislativo e no Executivo, John Adams decide então manter o controle sobre o único poder que lhe restava, o Judiciário.
Para tanto, Adams decide alterar o Judiciary Act de 1789, dobrando o número de juízes federais, e criando outros cargos na magistratura americana, no que ficou conhecido como “Midnight Judges” (parte dos estudiosos apontam que o nome foi dado pelo fato da nomeação ter se dado “no apagar das luzes” do governo Adams, outros entendem que o fato recebeu este título por ter se dado às escuras, escondido). Por fim, o derrotado presidente americano decide nomear John Marshall, seu secretário de Estado, para o relevante cargo de Chief Justice (em apertada síntese, o equivalente ao presidente do STF no Brasil). Fundamental para que se entenda a história é destacar que, dentre os magistrados nomeados por Adams, está William Marbury, que assumiria o posto de Juiz de Paz no estado da Colúmbia. Em 04/03/1801, Thomas Jefferson assume a presidência dos Estados Unidos. Dentre as suas primeiras medidas no cargo, Jefferson nomeia James Madison, que viria a ser o próximo presidente dos EUA, para o ofício de Secretário de Estado. No exercício do cargo, Madison passa a analisar a situação das nomeações dos novos magistrados. Ao fazê-lo, Madison observa que um número considerável de possíveis magistrados ainda não havia recebido a carta de nomeação, razão pela qual o ato presidencial não estava completo, sendo, portanto, passível de cancelamento.
O Secretário de Estado não hesitou: cancelou todas as nomeações pendentes, dentre elas, a de William Marbury. Indignado com a situação, Marbury ajuíza, com fulcro na seção 13 do Judiciary Act, a chamada “writ of mandamus”, uma espécie de mandado de segurança adotado pelo ordenamento jurídico americano, em face do Secretário Madison, na Suprema Corte Americana, assim, o caso passou a ser conhecido como Marbury vs. Madison. (In: BOAVENTURA, Thiago Henrique. Conheça o Caso Marbury vs. Madison. Disponível em: https://thiagobo.jusbrasil.com.br/artigos/451428453/conheca-o-caso-marbury-vs-madison Acesso em 14.02.2018).
[32] O controle de constitucionalidade é um sistema resultante de uma conjuntura positivista, respaldada pelas ideias do austríaco Hans Kelsen, no século XX e, é ligado principalmente à ideia da supremacia da Constituição sobre as demais normas. Argumenta o jurista que o direito regula sua própria criação, de forma que uma norma jurídica regula o procedimento pelo qual outra norma jurídica é produzida. O controle concentrado de constitucionalidade teve seu surgimento da Áustria, quando sua Constituição de 1920 criou o Tribunal Constitucional, órgão exclusivo de controle de constitucionalidade. Hans Kelsen, idealizador, afirmava que a Constituição, por sua supremacia, não poderia ser interpretada por qualquer pessoa ao ponto de permitir que normas fossem anuladas, sendo estas passíveis de anulação unicamente após o Tribunal Constitucional determinar desta forma, indo na direção oposta à opinião anteriormente proferida pela Suprema Corte americana.
[33] Francisco Antônio Pimenta Bueno (1836-1888) foi engenheiro e militar. Foi considerado o "jurista do Império". Destacou a influência francesa sobre o constitucionalismo brasileiro que incorporou a noção de soberania do Parlamento cuja consequência teria sido atribuir-se ao Legislativo a prerrogativa de fazer e de interpreta as leis conforme bem quisesse, e assim velar a guarda da Constituição. Anotou sobre o papel do Poder Moderador que retirava qualquer chance de desenvolvimento do modelo de controle judicial.
[34] A respeito da grafia correta do nome de Rui Barbosa que deve respeitar o Formulário Ortográfico da língua portuguesa em vigor isto não impede que descendente de uma personalidade usem a grafia antiga, pois essa é uma decisão pessoal. Mas, em respeito às instruções para a Organização do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (12 de agosto de 1943) e a Lei 5.765, de 18.12.1971, que aprova alterações na ortografia da língua portuguesa, a Fundação Casa de Rui Barbosa não apenas a grafia com "i" o nome de seu patrono, como orienta a todos os que consultam a fazer o mesmo.
[35] A Constituição brasileira de 1937 foi também conhecida como Polaca fora outorgada pelo Presidente Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937, nesse mesmo dia implantou a ditadura do Estado Novo. Foi a nossa quarta Constituição e a terceira da república de conteúdo pretensamente democrático. Mas, foi
uma carta política profundamente mantenedora das condições de poder do então presidente Getúlio Vargas. Sua alcunha de polaca foi devida ter sido inspirada no modelo semifascista polonês, sendo extremamente autoritária e concedia ao governo poderes praticamente ilimitadas. Fora redigida pelo prestigiado jurista Francisco Campo, então ministro da Justiça e, obteve a aprovação prévia de Vargas e do ministro da Guerra, o general Eurico Gaspar Dutra. Além da enorme concentração de poderes não mão do chefe do Executivo, o seu conteúdo nitidamente centralizado deixou a cargo do Presidente da República a nomeação de autoridades estaduais, os interventores. E, a esses, por sua vez, cabia nomear as autoridades municipais. A expressão "Estado Novo" foi termo copiado da ditadura de Antônio Salazar em Portugal. E, com essa constituição, Getúlio Vargas instaurou regime autoritário de inspiração fascista até o final da Segunda Guerra Mundial. E, assim, consolidou o seu governo, que começara, apenas, provisoriamente, em 1930. O fim do Estado Novo ocorrido em outubro de 1945, quando se realizou as eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, paralelamente à eleição presidencial. Foi eleita a Constituinte, seus membros se reuniram para elaborar uma nova constituição, que entrou em vigor a partir de setembro de 1946, substituindo então a Carta Magna de 1937 (que deu origem a diversos acontecimentos na História política ao Brasil) que têm consequências até hoje. E, principalmente porque formou o grupo de oposição a Getúlio Vargas e que culminou no golpe militar de 1964. Este, por sua vez, deu origem à Constituição de 1967, a outra constituição republicana autoritária.
[36] A carta autoritária constitucional de 1937 foi elaborada e redigida em sua maior parte por Francisco Campos (que mais tarde elaboraria também atos institucionais da ditadura militar), com a ajuda de líderes integralistas, um ano antes do golpe. Logo após a outorga da Constituição, Campos foi nomeado ministro da Justiça — cargo em que deve ter tido muito pouco trabalho, pois sua própria carta subordinava a justiça aos desmandos do executivo. Sua inspiração veio, em maior parte, da legislação fascista do ditador polonês Józef Pilsudski, e uma parte das leis do regime de Mussolini na Itália. Mas, acima de tudo, era uma Constituição que tinha tudo aquilo que os positivistas de 1889 queriam: uma república com executivo forte, militarista, conservadora e autoritária. Ou seja, finalmente a corrente positivista, autoritária e caudilhista de Júlio de Castilhos e Flores da Cunha (e outros sob a influência do castilhismo e do Colégio Militar de Porto Alegre, onde estudaram todos os presidentes do regime militar pós-64) chegava ao poder. Nesse sentido, o Estado Novo não teve elementos típicos do totalitarismo fascista europeu: nem partido único, nem mobilização das massas e nem projetos expansionistas — o Estado Novo foi mais um regime paternalista autoritário.
[37] Gilmar Ferreira mendes (1955) é jurista, magistrado e professor brasileiro. É ministro do Supremo Tribunal Federal desde de 20 de junho de 2002, tendo presidido a referida corte entre o ano de 2008 até 20101. Foi indicado pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, em cujo governo exercera o cargo de Advogado-Geral da União desde janeiro de 2000. Como Chefe do Poder Judiciário, a Gilmar Mendes coube também assumir, simultaneamente, a Presidência do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, período em que comandou processo de efetiva e irreversível modernização da Justiça brasileira, a começar pela implantação do inédito Planejamento Estratégico Nacional, cujo destaque foi a fixação das metas de nivelamento, a exemplo da conhecida Meta 2, que resultou no julgamento de 2,72 milhões de processos antigos (protocolados antes de janeiro de 2006). A criação do Processo Judicial Eletrônico, do Cadastro Nacional de Condenados por Atos de Improbidade, do Cadastro Nacional de Adoção e do Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei, das Varas Criminais e de Execução Penal Virtuais, está entre as muitas medidas destinadas a dar tornar mais ágil e eficiente a prestação jurisdicional no país. No tocante à promoção dos direitos humanos e da cidadania, são também destaques dessa bem-sucedida gestão: Programa "Mutirões Carcerários" (mais de 114 mil processos examinados, quase 35 mil benefícios concedidos, entre os quais aproximadamente 21 mil alvarás de soltura de presos indevidamente encarcerados), "Começar de Novo" (mais de 1.700 vagas de emprego oferecidas a egressos do sistema penitenciário por entidades públicas e privadas), "Advocacia Voluntária" (assistência jurídica gratuita à população carcerária economicamente necessitada) , "Casas de Justiça e Cidadania" (uso de espaços públicos do Judiciário para ações de cidadania), "Nossas Crianças" (ações voltadas ao efetivo cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente), além da criação do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas.
[38] Avocatória é instrumento jurídico utilizado pela Justiça brasileira no Supremo Tribunal Federal. É também chamado de incidente de inconstitucionalidade pelo qual o STF, avoca para si a responsabilidade de questões que tramitam nas justiças estaduais ou em outras instâncias judiciárias. Após ser devidamente solicitado pelo Tribunal Regional de Justiça, o STF toma a decisão em relação à questão constitucional e, esta decisão deve ser obedecida por todos.
[39] No direito alemão, o Bundesverfassungsgericht tem-se utilizado da competência para expedir providências cautelares (einstweilige Anordnung) (§ 32 da Lei de Organização do Tribunal), suspendendo, provisoriamente, a execução da lei questionada. Sempre afirmou-se, porém, que a decisão proferida na medida cautelar não contemplava as razões eventuais que permitiam ao requerente sustentar a nulidade da lei, até porque, nesse processo, não se poderia proceder a um juízo de validade10. Pareceria correto, portanto, supor que a suspensão liminar se refere aqui, tão somente, à execução ou à aplicação da lei, restando incólume a lei propriamente no plano da validade11. Não havia dúvida, outrossim, de que o efeito vinculante (Bindungswirkung -- § 31, (1), da Lei de Organização do Tribunal) das decisões do Bundesverfassungsgericht era suficiente para assegurar a não aplicação de uma norma pelos órgãos constitucionais, autoridades administrativas e tribunais, suspendendo, assim, a sua vigência fática ou a sua eficácia. (In: MENDES, Gilmar F. Questões Atuais sobre as Medidas Cautelares no Controle Abstrato de Constitucionalidade. Disponível em: www.osconstitucionalistas.com.br/wp-content/uploads/661-2148-1-PB.pdf Acesso em 16.02.2018).
[40] A petição inicial deve conter cópia da lei ou do ato normativo que está sendo questionado. Ela deve ser fundamentada, caso contrário pode ser impugnada de imediato pelo relator. O relator deve pedir informações às autoridades de quem emanou a lei, tais como Presidente da República, Congresso Nacional, para estabelecer o contraditório. Considerando a relevância da matéria e a representatividade dos requerentes, o relator poderá ouvir outros órgãos ou entidades. Caso haja necessidade de esclarecimento da matéria, podem ser designados peritos para emitir pareceres sobre a questão ou chamadas pessoas com experiência e autoridade no assunto para opinar. O Advogado-geral da União e o Procurador-Geral da República devem se manifestar nos autos. Quando houver pedido de medida cautelar, só poderá haver concessão pela maioria absoluta dos ministros que compõem o Tribunal, ou seja, por 6 votos. Somente em casos de excepcional urgência, a cautelar poderá ser deferida sem que sejam ouvidas as autoridades de quem emanou a lei. Uma vez proposta a ação, não se admite desistência.
[41] A teoria da inconstitucionalidade por arrastamento, também conhecida como inconstitucionalidade por atração ou inconstitucionalidade consequente de preceitos não impugnados, deriva de uma construção jurisprudencial do STF. Portanto, não se encontra positivada em qualquer norma constitucional ou legal de nosso sistema jurídico. Por esta teoria, o STF poderá declarar como inconstitucional, em futuro processo, norma dependente de outra já julgada inconstitucional em processo do controle concentrado de constitucionalidade. ADIs, ADCs e ADPFs têm efeitos ex tunc (anula a lei desde a sua criação), erga omnes (vale para todos) e vinculante para todo o Poder Judiciário e para todos os órgãos da Administração Pública, direta e indireta, não abrangendo, apenas, o Poder Legislativo. A dependência ou a interdependência normativa entre os dispositivos de uma lei pode justificar a extensão da declaração de inconstitucionalidade a dispositivos constitucionais mesmo nos casos em que estes não estejam incluídos no pedido inicial da ação. […].
[42] O art. 12, dessa forma, reduz os prazos (10 dias para informações e 5 dias de vista dos autos, sucessivamente, ao AGU e ao PGR) do rito ordinário (art. 6º e 8º, que fixam trinta dias para informações e 15 dias para AGU e PGR) e torna possível que, com celeridade semelhante a um julgamento de medida cautelar, o Tribunal passe logo ao julgamento definitivo do mérito da ação, quando a matéria nela discutida for patentemente relevante e tiver especial significado para a ordem social e a segurança jurídica. (In: MENDES, Gilmar F. Questões Atuais sobre as Medidas Cautelares no Controle Abstrato de Constitucionalidade. Observatório da Jurisdição Constitucional, Ano 5, 2011/2012. Disponível em: http://www.osconstitucionalistas.com.br/wp-content/uploads/661-2148-1-PB.pdf Acesso em 15.02.2018).
[43] A concessão de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade – ADIn está disciplinada nos artigos 10 a 12 da Lei nº 9.868/99. A respeito da eficácia da medida concedida, destacamos: (1) a medida cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa (Lei nº 9.868/99, art. 11, § 1º). Nesse processo, a medida cautelar assegura, em caráter temporário, até o julgamento final da ação, a suspensão dos efeitos da norma impugnada. A medida reveste-se, ordinariamente, de eficácia ex nunc, operando, portanto, somente a partir do momento em que o Supremo Tribunal a defere. Excepcionalmente, no entanto, a medida cautelar poderá projetar-se com eficácia ex tunc, repercutindo sobre situações pretéritas, desde que o Supremo Tribunal Federal expressamente lhe outorgue esse alcance. Em suma: a excepcionalidade da eficácia ex tunc impõe que o Supremo Tribunal expressamente a determine no acórdão concessivo da medida cautelar; a ausência de determinação expressa importa em outorga de eficácia ex nunc à suspensão cautelar de aplicabilidade da norma impugnada; 2) a concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário (Lei 9.868/99, art. 11, § 2º). A cautelar implica, assim, a restauração provisória da vigência de eventual norma revogada pela lei impugnada. Esse um ponto que merece acurada análise: a concessão de medida cautelar, suspendendo a eficácia da norma impugnada, torna aplicável (provisoriamente) a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação do Supremo Tribunal Federal. Significa dizer que:
(A) se a norma impugnada, que teve sua eficácia suspensa pela medida cautelar, havia revogado outra norma, esta volta a viger, a partir da data em que a cautelar for concedida; (B) no final do processo, decidindo-se que a norma impugnada é constitucional, a medida cautelar, antes concedida, é cassada, considerando-se definitivamente revogada a norma que tinha voltado a viger; (C) no final do processo, se julgada inconstitucional a norma impugnada, permanece inalterada a vigência da norma anterior.
[44] É o que bem observa o Ministro Carlos Veloso no seu voto proferido na ADI nº 2.895-2/AL: […] Também o Supremo Tribunal Federal, no controle concentrado, fica condicionado ao “princípio do pedido”. Todavia, quando a declaração de inconstitucionalidade de uma norma afeta um sistema normativo dela dependente, ou, em virtude da declaração de inconstitucionalidade, normas subsequentes são afetadas pela declaração, a declaração de inconstitucionalidade pode ser estendida a estas, porque ocorre o fenômeno da inconstitucionalidade “por arrastamento” ou “por atração”.
[45] Duas considerações em relação à medida cautelar em ADC: (A) a medida cautelar em ADC possui efeito vinculante, uma vez que obriga os demais órgãos do Poder Judiciário (a orientação do STF é tranquila nesse sentido); (B) ao contrário da medida cautelar concedida em ADIn, a cautelar concedida em ADC possui um prazo limite de cento e oitenta dias para a sua eficácia.
[46] A técnica de interpretação conforme a Constituição que somente se aplica em face de normas polissêmicas ou plurissignificativas (normas que ensejam diferentes possibilidades de interpretação), o órgão de controle elimina a inconstitucionalidade excluindo determinadas hipóteses de interpretação (exclui um ou mais sentidos inconstitucionais) da norma, para lhe emprestar aquela interpretação (sentido) que a compatibilize com o texto constitucional. Tal técnica foi usada, por exemplo, no julgamento da ADI 4.277, na qual o STF reconheceu as uniões homoafetivas como entidades familiares, quando atribuiu ao art.1.723 do Código Civil, interpretação conforme a Constituição para deste excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
Já a técnica da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto tem sido usada para afastar determinadas hipóteses de aplicação ou incidência da norma, que aparentemente seriam factíveis, mas que a levaria a uma inconstitucionalidade, porém sem proceder a qualquer alteração do seu texto normativo. Não se está afastando os meros sentidos interpretativos da norma, mas subtraindo da norma determinada situação, à qual ela em tese se aplicaria. Tal técnica foi aplicada no julgamento da ADI 1.946, na qual o STF declarou a inconstitucionalidade parcial sem redução do texto do artigo 14 da EC 20/1998 (que instituiu o teto para os benefícios previdenciários do RGPS), para excluir sua aplicação ao benefício do salário-maternidade (licença gestante), que deve ser pago sem sujeição a teto e sem prejuízo do emprego e do salário, conforme o artigo 7º, XVIII, da CF/1988. (In: DA CUNHA JÚNIOR, Dirley. Distinções entre as Técnicas da Interpretação Conforme a Constituição e da Declaração Parcial de Inconstitucionalidade sem redução de texto. Disponível em: https://dirleydacunhajunior.jusbrasil.com.br/artigos/152105770/distincoes-entre-as-tecnicas-da-interpretacao-conforme-a-constituicao-e-da-declaracao-parcial-de-inconstitucionalidade-sem-reducao-de-texto Acesso em 15.02.2018).
[47] Brun-Otto Bryde (1943) é estudioso e jurista alemão, ex-juiz do Tribunal Federal Constitucional da Alemanha. Ele também foi professor visitante duas vezes na Faculdade de Direito da universidade de Wisconsin em 1989 e 1994. Bryde também foi membro da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. De 2001 a 2011 foi juiz no Tribunal Federal Constitucional da Alemanha (1º Senado). Ele foi o primeiro juiz do Tribunal Constitucional Federal a ser eleito sob proposta do Partido Verde. Foi seguido pela juíza Susanne Baer.