Efeitos do fim do estado de emergência sanitária no Brasil

O Ministro da Saúde decretou a extinção do estado de emergência sanitária e do estado de emergência de saúde pública (Espin) o que, certamente, trará efeitos nas medidas de controle e enfrentamento da Covid-19.

Fonte: Gisele Leite

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O decreto que extingue a emergência sanitária[1] em face de Covid-19 poderá impactar seriamente as políticas públicas, principalmente, as leis relacionadas à pandemia pelo Congresso Nacional desde 2020. Apesar da extinção, permanecer o sistema de vacinação contra o coronavírus. Também não foi afetada a autorização para o uso emergencial de vacinas que ainda contam com um registro, como é o caso da coronavac.

Desde do início da pandemia, contabiliza-se mais de seiscentos e sessenta atos normativos relacionados à Covid-19, entre leis, decretos, portarias e resoluções. E, nesse rol, noventa e quatro são leis, e muitas destas, com vigência vinculada à emergência sanitária.

O Ministério da Saúde já informou ter requerido à Anvisa que prorrogue o prazo para uso emergencial de medicamentos e imunizantes relacionados à covid-19, em um ano após o término da crise sanitária. E, a referida Agência informou que o processo de revisão das resoluções já foi iniciado.

A emergência em saúde pública de relevância nacional em decorrência da infecção humana pelo coronavírus que fora declarada pelo governo em fevereiro de 2020.

Logo depois, a Câmara e o Senado aprovaram projeto para regulamentar as medidas que deveriam ser adotadas pelas autoridades sanitárias em caso de emergência de saúde pública provocada pelo coronavírus (PL 23/2020). O projeto foi transformado na Lei 13.979, de 2020.

É nessa lei que estão as primeiras medidas vinculadas à emergência tais como a possibilidade de isolamento e quarentena, fechamento temporário de portos, rodovias e aeroportos e tratamentos médicos específicos, que poderiam perder a vigência com o fim da Espin[2]. Segundo alguns, na prática, é improvável que isso aconteça. Isso ocorre porque a lei, na verdade, era vinculada ao Decreto Legislativo 6/2020, que perdeu a validade em dezembro de 2020.

Algumas regras dessa lei continuam em vigor por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que estendeu a vigência dos dispositivos com medidas sanitárias de combate à pandemia da Covid-19. A decisão não vinculou a duração das medidas à emergência de saúde pública, o que torna improvável que as medidas sejam afetadas pelo fim da Espin.

Outras leis que citam o estado de emergência e que podem sofrer impactos com o fim da Espin (estado de emergência de saúde pública) são a que proíbe a exportação de produtos médicos, hospitalares e de higiene essenciais ao combate à epidemia de coronavírus no Brasil (Lei 13.993, de 2020) e a que facilita a compra de vacinas contra a Covid-19 (Lei 14.124, de 2021).

Para Palhano, na prática, algumas leis podem não sofrer grandes impactos porque tratam de situações que já não são presentes no momento atual, como a escassez de vacinas com registro.

É o caso da lei que permite à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizar a importação e a distribuição de medicamentos e equipamentos contra a Covid-19 já liberados para uso no exterior (Lei 14.006, de 2020). Também há casos de leis referentes a práticas que já se consolidaram, como o uso da telemedicina, autorizado pela Lei 13.989, de 2020.

É mais um caso no qual é improvável que haja impacto com fim da emergência porque já foi estabelecido esse sistema de atendimento por telemedicina.

Afeta a Lei 14.125, de 2021, que autoriza estados, Distrito Federal e municípios a assumirem a responsabilidade civil em relação a efeitos adversos pós-vacinação. Essa autorização era uma exigência de fabricantes como a Pfizer e a Janssen. 

Segundo o consultor, o efeito prático do fim da Espin sobre essa lei é que pode passar a haver questionamentos na justiça para o fabricante, em vez do governo.

Importante ressaltar que o fim do estado de emergência sanitária não significa a mesma coisa que o fim da pandemia e, o Observatório Covid-19 da FioCruz, explicou que a OMS decretou a pandemia em 11 de março de 2020 com base em critérios epidemiológicos. Enquanto que o estado de emergência sanitária é situação prevista na Política Nacional de Vigilância Sanitária, o que requer medidas urgentes de prevenção, controle e contenção de riscos epidemiológicos.

Na última semana, OMS manteve a emergência de saúde internacional relacionada com o coronavírus, declarada desde janeiro de 2020 e, segundo a organização os países ainda apresentam cobertura vacinal muito heterogênea e o comportamento imprevisível do vírus contribui com a continuidade do contexto de pandemia global.

Essa decisão deve alterar, ao menos, parcialmente a maioria das medidas implementas para o controle da pandemia de Covid-19, bem como o uso de máscaras faciais, a compra de medicamentes e ainda a vacinação. Neste último domingo, o país registrou 2.243 casos confirmados e ainda 28 mortes. E, a média móvel de óbitos pela doença chegou a 100 (que é a menor desde 5 de janeiro do corrente ano).

Com o fim da emergência em saúde pública, o Ministério da Saúde acaba a possibilidade de compra de medicamentos e insumos médicos sem licitação.

Com essa nova portaria, o governo brasileiro poderá estabelecer prazo de 30 a 90 dias para que os demais órgãos públicos se adaptem. Portanto, as normas em vigor não perdem validade e eficácia de imediato e, poderiam ser prorrogadas.

As medidas sanitárias foram criadas para mitigar a burocracia para contratações temporárias de profissionais de saúde, a aquisição de bens e contratação de serviços. E, a dispensa de licitação e autorizou a importação de produtos sem registro na Anvisa.

Entre as normas que serão afetadas com o fim do estado de emergência sanitária nacional, estão as que regulam o teletrabalho e da regulamentação da telemedicina.

Segundo o atual Ministro da Saúde o que motivou o fim da Espin foi a alta taxa de vacinação no país com cerca de setenta e três por cento da população, além da melhora no cenário epidemiológico.

Especialistas e estudiosos na área epidemiológica avaliam que, apesar da redução das infecções, este ainda não é o melhor momento para revogar a portaria de emergência da saúde pública no Brasil. Margareth Dalcolmo afirmou à TV que se trata de medida retórica. A maior preocupação dos estudiosos é que com o fim da emergência também se acabe com a exigência do passaporte vacinal para entrar em certos lugares.

Gonzalo Vecina, ex-presidente da Anvisa e médico sanitarista aconselha aos brasileiros que mantenham as medidas de cuidado e prevenção, bem como a higienização de mãos e o uso de máscaras faciais em lugares com aglomeração.

Relevante destacar a diferença entre pandemia e endemia. A endemia é status de doenças recorrentes e típicas que se manifestam com certa frequência em certa região, mas para qual a população e os serviços de saúde já se encontram preparados para enfrentamento e combate.

Ainda em janeiro deste ano, o chefe da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesis emitiu alerta aos líderes mundiais de que a pandemia de Covid-19, não está nem perto do fim. Mas, como estamos sob a égide de um governo negacionista, essa decretação burocrática do fim do estado de emergência soa natural e esperada.

Referências

Agência Senado. Fim da emergência de saúde da Covid pode impactar legislação e políticas públicas.  Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/04/20/fim-da-emergencia-de-saude-da-covid-pode-impactar-legislacao-e-politicas-publicas Acesso em 22.04.2022.

G1. Entenda o que pode mudar com o fim da emergência relacionada à Covid-19 no Brasil Disponível em: https://g1.globo.com/saude/coronavirus/noticia/2022/04/17/entenda-o-que-pode-mudar-com-o-fim-de-emergencia-relacionada-a-covid-19-no-brasil.ghtml Acesso em 22.04.2022.

Notas:


[1] A instauração do estado de emergência sanitária foi anunciada em 3 de fevereiro de 2020, pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta quando o primeiro caso de infecção do novo coronavírus foi confirmado em território nacional. Apenas alguns dias depois da OMS declarar o estado de emergência internacional.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Estado de Emergência Pandemia Covid-19 Protocolos Sanitários Medidas Sanitárias Vacinação

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