Domada Megera, mas nem tanto
Na comédia, onde um pai tenta casar, primeiramente, a filha de temperamento difícil, o que nos faz avaliar ao longo do tempo a trajetória da emancipação da mulher na formação social da família. E, também, aponta que ainda precisamos superar muitos preconceitos para galgar a concreta isonomia de tratamento entre os gêneros na família e na sociedade.
A domada megera de William Shakespeare no faz melhor compreender o vasto rol de mulheres voluntariosas e temperamentais. A Megera Domada recebeu muitas versões e releituras. Uma dessas releituras foi produzida pela novela "O Cravo e a Rosa"[1] escrita por Walcyr Carrasco e, a trama foi mesmo baseada na peça teatral de William Shakespeare, mostrando uma Katherina feminista e atuante pela igualdade entre os sexos, ela acaba por se render ao amor.
A
novela, por ora reprisada a tarde, passa nos anos de 1920, quando a mulher
começava a trabalhar fora de casa. E, a nova mulher passa usar também nova
indumentária, as saias sobem, as cintas descem, livram-se dos espartilhos e
corta o cabelo à la garçonne e, ainda, usa brilhantina.
Essa
mulher exagera na maquiagem e nos acessórios, passa a conduzir o automóvel,
fumar e frequentar piscinas mistas. É verdade que a Primeira Guerra Mundial[2] propiciou para que novas
oportunidades de emprego surgissem e, novas liberdades foram possíveis para as
mulheres, bem como o acesso às profissões e ao salário.
O nome
original da peça é “The Taming of the Shrew”, onde Baptista era um rico
comerciante de Pádua e tem duas belas filhas, uma que se chamava Catarina[3], a filha mais velha e, de
difícil temperamento e Bianca, que era o justo oposto, sendo dócil e cordata.
Realmente, existem muitos pretendentes desejando desposar Bianca, e, todos
temem e fogem de Catarina.
O
Baptista, como pai, quer apenas dar a filha mais nova em casamento, depois de
casar sua primogênita. Tanto que oferece um valioso dote pelo casamento de
Catarina. De sorte que os pretendentes de Bianca procuram encontrar um noivo
para Catarina. Quando surgiu um brutamontes, chamado Petruchio, que se
candidata a casar com a megera.
Aliás,
verificando que Catarina, apesar de seu difícil temperamento tinha qualidades,
pois era honesta, ele procura seu pai, Baptista, pedindo a mão de sua filha
mais velha em casamento. É evidente que Catarina se esmera em muitas grosserias
para afugentar Petruchio, que nem se abala.
Ele
resiste à toda indolência da noiva e, em resposta, submete-a a todo tipo de
humilhação, inclusive como de parecer bêbado e maltrapilho no dia do casamento.
Enfim,
as rudezas contumazes de Petruchio tornam desprezíveis e ineficazes os maus
modos de Catarina. Na casa dos recém-casados, Catarina e Petruchio tudo é muito
difícil para a mulher. Petruchio jamais está satisfeito e, tolhe cada vez mais
Catarina.
Petruchio
sugere, então, uma visita do casal à casa do sogro desde que esta concorde com
tudo o que ele disser, mesmo quando fosse um completo absurdo.
Catarina
demonstrando submissão, assente. A caminho da casa do sogro, ela é obrigada a
reconhecer, apenas para demonstrar obediência ao marido, chegando a afirmar que
o sol é a lua. Catarina e Petruchio vão à casa de Baptista para as bodas de
Bianca.
Na
ocasião, Petruchio e outros maridos decidem apostar qual das mulheres presente
na festa é a mais obediente e cordata. Todos mandam chamar suas respectivas
esposas.
Teria
Petruchio definitivamente “domado a megera”, ou apenas Catarina como é
inteligente e habilidosa teria domado seu marido, com palavras de submissão[4] eivadas de ironia e sarcasmo?
Enfim, a família está inserida numa ordem social. E, dentro da família
igualmente vige uma ordem.
Na
casa de Baptista, a ordem havia sido perdida, pois a comerciante explicitamente
privilegiava a filha mais nova, Bianca, em detrimento da Catarina.
Tal
explícita predileção, tirava Catarina do sério, levando-a a ter comportamento
antissocial e agressivo. Eis, que se instaura o desequilíbrio na ordem
familiar. Na época do bardo, o homem era chefe do núcleo familiar. Afinal, o
poder se estabelece pela tradição, força ou pela inteligência?
O
marido era considerado o chefe, administrador e o representante da sociedade
conjugal. Tanto que o Código Civil brasileiro de 1916[5] refletia tal
posicionamento. E, em seu artigo 233 apontava que o homem era o chefe da
sociedade conjugal e, a ele cabia todas as decisões da família[6].
A
mulher casada, no passado, segundo ainda o artigo 6º, inciso II do CC/1916, era
considerada relativamente incapaz. Diferentemente, do artigo 4º do vigente
Código Civil brasileiro de 2002[7], in litteris:
“São incapazes, relativamente a certos
atos ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de
dezoito anos; II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III - aqueles
que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV
- os pródigos”.
Naquela
época, a família se identificava pelo nome do varão, sendo que a mulher era
obrigada a adotar os apelidos do marido. E, o casamento era indissolúvel. Só
havia o desquite[8],
significando que “não estavam quites”, em débito para com a sociedade, pois
deu-se o rompimento da sociedade conjugal.
O principal marco para superar a hegemonia masculina foi dado em 1962, quando da edição da Lei 6.121, denominado Estatuto da Mulher Casada[9] que devolveu a plena capacidade civil à mulher que passou à condição de colaboradora na administração da sociedade conjugal. Mesmo tendo sido deixado para a mulher, a guarda[10] dos filhos menores, sua posição ainda era subalterna.
Sendo
dispensada a necessidade de autorização marital para trabalhar e instituindo o
que se denominou de bens reservados, que era o patrimônio adquirido pela esposa
como resultante do seu trabalho. Tais bens não respondiam por dívidas do
marido, ainda que presumivelmente contraídas em prol da família.
No
atual texto constitucional brasileiro vigente, deu-se a maior reforma no
Direito de Família. Destaca com maestria a doutrinadora Maria Berenice Dias, in
litteris: “Três eixos nortearam uma grande reviravolta nos aspectos
jurídicos da família. Ainda que o princípio da igualdade já viesse consagrado
desde a Constituição Federal de 1937, além da igualdade de todos perante a lei
(art. 5ª), pela primeira vez foi enfatizada a igualdade entre homens e
mulheres, em direitos e obrigações (inc. I do art. 5º). De forma até repetitiva
é afirmado que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos
igualmente pelo homem e pela mulher (§ 5º do art. 226). Mas a Constituição foi além. Já no preâmbulo
assegura o direito à igualdade e estabelece como objetivo fundamental do Estado
promover o bem de todos, sem preconceito de sexo (inc. IV do art. 2º). A
isonomia também foi imposta entre os filhos, eis proibida quaisquer designações
discriminatórias[11]
relativas à filiação. Havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, todos
têm os mesmos direitos e qualificações (§ 6º do art. 227)”. (In: DIAS,
Maria Berenice. A mulher no Código Civil. Disponível em: http://berenicedias.com.br/uploads/18__a_mulher_no_c%F3digo_civil.pdf Acesso em 17.12.2021).
A
primeira forma de legislação Brasileira foram as Ordenações Filipinas, que
vigoraram no Brasil até o ano de 1916. Nestas, o marido tinha o direito de
aplicar castigos físicos[12] a sua companheira,
chegando ao ponto de tirar-lhe a vida se sobre esta pairasse o simples boato de
mulher adúltera. Salienta-se que para que o marido matasse sua esposa não se
fazia mister a prova do adultério, mas apenas a fama.
No ano
de 1916, passou a viger o Código Civil Brasileiro. Neste, a mulher continuava
em situação de extrema desigualdade em relação ao marido. Era considerada
relativamente incapaz ao lado dos filhos menores de idade, dos pródigos e dos
silvícolas. Sujeitava-se ao domínio do pai e, após, ao domínio do marido.
Não
podia, sem a autorização do marido, ser tutora, curadora, litigar em juízo
cível ou comercial, salvo em alguns casos previstos em lei. Também não lhe era
permitido exercer profissão, contrair obrigações ou aceitar mandato. Ao homem
era dado o pátrio poder[13] e, consequentemente o
direito de administração legal dos bens dos filhos sendo inerente ao pátrio
poder o direito de uso fruto destes bens. A mulher era mera coadjuvante do
marido.
Voltemos,
à trama da peça teatral. Catarina e Petruchio entenderam a lição. Apesar de
tantas grosserias de Cataria, Petruchio não a agride, o que seria tolerável
naquele tempo. Prefere, submetê-la a uma sequência de humilhações, a fim de que
entenda quem está no controle e no comando da família.
Enfim, Catarina acalma seu temperamento e, finalmente, entende como funciona a ordem familiar[14]. E, ainda aprende manejar as regras sociais e jurídicas dentro do jogo social. Cataria, com a obediência formal, está pronta para se impor. Então, a ordem foi finalmente estabelecida.
A
ironia de Catarina é reforçada pelo fato de haver uma peça teatral dentro de
outra peça. E, a rigor, tudo começa com o funileiro Cristóvão Sly, que se
embriaga violentamente. Um fidalgo vendo a situação, resolve fazer uma
brincadeira com o funileiro para seu castelo e quando ele acorda contam-lhe que
ele era um nobre, que perdera a memória por quinze anos e, para entretê-lo
encenam a peça “Megera Domada”.
Assim,
brinca-se com a realidade e iniciamos um aprendizado lúdico e proveitoso. Temos
uma peça dentro de outra peça.
A
linguagem humana é mesmo uma fera que somente poucos conseguem dominar. Esta se
esforça continuamente, para sair da gaiola, e, se não for domada, restará
selvagem e lhe trará arrependimento. Se alguém te criticar ou apontar algum
defeito sem intenção de lhe ajudar, apenas não diga nada.
Petruchio
como todo homem, deseja ter a ilusão que manda e controla sua mulher, os filhos
e empregados. Nos filhos também pode mandar, até certa idade, porque um dia
atingem a maturidade e começam a se independer[15]. Só que os filhos que se
rebelam explicitamente podem acabar até deserdados, enquanto outros tentam
dialogar e até fingem concordar[16].
O mesmo se dá com a esposa, deve-se tentar sempre construir o diálogo pautado no respeito humano e, uma personagem Ludovica nos ensina na peça que podem ser resolvidas as divergências por meio da diplomacia[17], ela consegue finalmente convencer Catarina a ser uma pessoa melhor, coisa que ninguém tinha conseguido fazer até aquele momento, isto é, as palavras possuem maior valor e influência do que os atos.
Referências
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Revista dos Tribunais, 2008.
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Europeia do Livro, 1967.
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em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46470/a-evolucao-do-patrio-poder-poder-familiar
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DIAS,
Maria Berenice. A mulher no Código Civil. Disponível em: http://berenicedias.com.br/uploads/18__a_mulher_no_c%F3digo_civil.pdf Acesso em 17.12.2021).
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(2010) A Mulher no Código Civil. Disponível em: http://www.mariaberenice.com.br/pt/a-mulher-nocodigocivil.cont .
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SHAKESPEARE,
W. A megera domada. Tradução de Millôr Fernandes. ebook Kindle.
São Paulo: L&PM Pocket, 1998.
Notas:
[1]
No Brasil, três telenovelas foram baseadas nessa peça: A Indomável da TV
Excelsior (1965), O Machão (1974 - 1975) da TV Tupi e O Cravo e a Rosa (2000 -
2001) da TV Globo e Topíssima (2019), atualmente exibida pela RecordTV. Além
destas, a 18ª temporada de Malhação também teve uma de suas tramas inspiradas
em “A Megera Domada”, com os personagens Pedro e Karina, e a irmã dela, Bianca.
O texto também foi adaptado para os palcos da Broadway, no musical Kiss Me,
Kate. No cinema, foi adaptada por Sam Taylor em 1929, com Mary Pickford e
Douglas Fairbanks como casal principal, além da versão de Franco Zefirelli de
1967, com Elizabeth Taylor e Richard Burton nos papéis principais, além do
filme 10 Coisas que eu Odeio em Você de 1999, que deu origem a uma série de TV,
baseada na peça.
[2]
As mulheres estiveram no centro do esforço de guerra durante o primeiro
conflito mundial em todas as nações beligerantes, um envolvimento que ajudou em
sua emancipação, em diferentes ritmos de acordo com o país. Desde 7 de agosto
de 1914, o presidente do conselho francês René Viviani, que esperava uma guerra
curta, convocou as camponesas para substituírem “no campo de trabalho os que
estão no campo de batalha”. Era a época
da colheita e era vital que não fosse perdida. Em toda a Europa, as mulheres
também substituíram à frente dos trabalhos os homens que haviam partido, até
então exclusivamente para rapazes, convertendo-se em condutoras de bondes,
garçonetes em cafés, funcionárias dos correios, distribuidoras de carvão,
empregadas de banco, ou professoras nas escolas masculinas. Segundo o
historiador Benjamin Ziemann, em 1916, 44% das granjas bávaras eram comandadas
por mulheres.
[3] No contexto renascentista, a Megera (Catarina) era a mulher de gênio forte e língua afiada, alguém à frente do seu tempo por questionar as atitudes dos homens e se colocar claramente contra certas imposições sociais. (...) A figura da mulher como Megera era um símbolo comum na sociedade em que Shakespeare viveu (...) – aí apareceram as bruxas, as condenações à fogueira e cada vez mais a mulher era posta como uma persona de pouca ou menor importância. In: https://istoe.com.br/a-primeira-guerra-mundial-trouxe-uma-grande-mudanca-para-as-mulheres/ Acesso em 17.12.2021.
[4] Simone de Beauvoir (1967, p. 363) questiona que é preciso destacar que as mulheres nunca formaram uma sociedade autônoma e fechada, elas estão incorporadas na coletividade lideradas ou governadas pelos homens, e na qual ocupam um lugar de subordinação. Podemos compreender que o casamento sempre foi mostrado com diferenças radicais para ambos os sexos. Entende-se que um é necessário ao outro, apesar dessa necessidade nunca gerar uma camada social igualitária, pois o homem é considerado socialmente um sujeito com capacidade de determinar sua própria norma de conduta por ser visto como produtor do trabalho coletivo. (BEAUVOIR, 1967, p. 166).
[5] Convém recordar que o Código Civil brasileiro vigorou de 1917 até 01 de janeiro de 2003. Foi instituído pela Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916, também conhecido como Código Beviláqua em homenagem seu principal autor. Foi composto por 1.807 artigos divididos em dois blocos principais, a parte geral e a parte especial. Até a sua entrada em vigor em 1917, reinava grande confusão no âmbito do direito privado pátrio, pois era um emaranhado caótico onde vigiam institutos do direito romano e canônico, as Ordenações Filipinas, compilação feita em 1603, durante a União Ibérica e, também inúmeras leis extravagantes, muitas das quais eram contraditórias. O comando para a elaboração de um Código Civil apareceu no art. 179, XVIII, da Constituição de 1824, que dispunha: “organizar-se-á quanto antes um Código Civil, e Criminal, fundado nas sólidas bases da Justiça, e Equidade”. Não obstante denotar-se urgência na disposição, somente após 30 anos de jurada a Carta Imperial por dom Pedro I, foi ela efetivamente atendida: em 1855, o jurisconsulto Augusto Teixeira de Freitas, por contrato celebrado com o Império, recebeu o encargo de elaborar o projeto de um Código Civil.
[6]
A sacralização da família e a preservação do casamento. Apesar de que é até
possível casar por procuração, artigo 1.542 CC, mas, nem na ação de separação,
e nem na de divórcio é possível dos cônjuges por mandatário. Um dos principais
méritos do Código Civil de 2002 foi afastar toda terminologia discriminatória,
não apenas com relação à mulher, mas, igualmente com referência à filiação e à
família.
[7]
O atual Código Civil está em vigor desde 11 de janeiro de 2003. É formado por
2.046 artigos. Está dividido em Parte Geral e Parte Especial. Cada parte é dividida em Livros, conforme
esquematizado na tabela abaixo. Há, ainda, um Livro Complementar — Das
disposições finais e transitórias – No final do código. Em resumo, o Código
Civil é um importante instrumento de pesquisa e utilização pela sociedade nas
suas relações jurídicas, que refletem a própria atuação da pessoa humana em
todas suas nuances. Nesse particular, deve-se prestigiar a sua compreensão e
aplicação no cotidiano, objetivando a obtenção de maior justiça e equidade na
convivência social. No mais, cada item inserido no Código Civil, pela sua
extensão e importância, deve ser objeto de análise especifica, necessária a
compreensão, mesmo que parcial e preliminar, da complexidade que possuem. Por
exemplo, a questão das Sucessões, dos Títulos de Crédito, da seara da Família,
são temas tão vastos na sua amplitude que devem, sem sombra de dúvida, serem
estudados e interpretados para a correta e justa aplicabilidade.
[8]
O desquite foi instituído no ano de 1942, a partir do artigo 315, da Lei nº
3.071, de 1º de janeiro de 1916 (Código Civil de 1916). Este era uma modalidade de separação do casal
e de seus bens materiais, sem romper o vínculo conjugal, o que impedia novos
casamentos. Assim, o desquite rompia a
sociedade conjugal, pondo fim aos deveres de coabitação e de fidelidade
recíproca e ao regime de bens, mas mantinha incólume o vínculo matrimonial.
Nesse contexto, o termo desquite - significando não quites, em débito para com
a sociedade - remete ao rompimento conjugal em uma época em que o casamento era
perpétuo e indissolúvel. A lei previa duas categorias de desquite: o desquite
por mútuo consentimento, também chamado de amigável, em que, em geral, não eram
reveladas as causas da separação, e o desquite litigioso, o qual se
fundamentava em motivações explicitadas e "provadas", no decorrer do
processo judicial. No que concerne ao desquite litigioso, o Código Civil
vigente no período determinava, no artigo 317, os motivos possíveis para se
fundamentar uma ação de desquite: adultério; tentativa de morte; sevícia ou
injúria grave; e abandono voluntário do lar conjugal, durante dois anos
contínuos. Apenas no ano de 1977, a Lei do Divórcio (Lei n° 6.515/1977)
possibilitou a revogação do princípio da indissolubilidade do vínculo
matrimonial, bem como estabeleceu os parâmetros da dissolução do casamento.
Vale informar que o termo “Desquite” foi substituído por “Separação Judicial”
pela Lei do Divórcio.
[9] Em 1962, com o Estatuto da Mulher Casada,
surgiu o primeiro marco histórico da liberação da mulher no Brasil. Quer nos
parecer que o maior mérito do Estatuto foi abolir a incapacidade feminina,
revogando diversas normas discriminadoras. Consagrou o princípio do livre
exercício de profissão da mulher casada permitindo que esta ingressasse
livremente no mercado de trabalho tornando-a economicamente produtiva, aumentando
a importância da mulher nas relações de poder no interior da família. Este
aumento do poder econômico feminino trouxe decisivas modificações no
relacionamento pessoal entre os cônjuges. Teve o mérito de ser o início das
conquistas da mulher, mas como esta foi uma mudança árdua e demorada, é claro
que restaram muitas desigualdades como a permanência do homem como chefe da
família; o pátrio poder que o homem continuou a exercer "com a colaboração
da mulher"; o direito do marido de fixar o domicílio familiar, mas aqui o
arbítrio masculino foi bastante reduzido pois à mulher era facultado o direito
de socorrer-se do judiciário em caso de deliberação que a prejudicasse, manteve
a obrigatoriedade do uso do patronímico do marido, e, por fim, a existência de
direitos diferenciados em desfavor da mulher.
[10]
Atualmente, no direito brasileiro com o advento da Lei 13.958/2014, a guarda
compartilhada tornou-se a regra. Diversamente do que dispunha o Código Civil de
2002 que previa apenas a guarda compartilhada sempre que possível, mas, a
guarda compartilhada doravante será aplicada quando os pais não estão de acordo
sobre a guarda do filho e possuem condições de exercer os direitos e deveres
maternos e paternos. Tal modelo de guarda requer efetiva cooperação de ambos os
pais, que devem deixar de lado suas desavenças pessoais e enfatizar o melhor
interesse dos filhos. Há duas exceções legais à guarda compartilhada, quando um
dos pais declara que não deseja a guarda ou que não está apto para exercê-la.
[11]
No Código Civil de 1916 os filhos eram classificados em legítimos e ilegítimos.
“Legítimo era o filho biológico, nascido de pais unidos pelo matrimônio; os
demais seriam ilegítimos.” (LOBO, 2004, p.48). Os filhos legítimos eram
protegidos pela presunção pater is est quem nuptiae demonstrant (é o pai
aquele que o matrimônio como tal indica). Tal presunção diz que os filhos
nascidos na constância do casamento têm por pai o marido de sua mãe. In: LÔBO,
Paulo Luiz Netto. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma
distinção necessária. in Conselho da Justiça Federal. Brasília. out/dez. 2004
Disponível em: http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/633/813
. Acesso em: 17.12.2021.
[12]
Talvez seja nas Ordenações Filipinas a origem da violência doméstica que
envolve abuso por parte de uma pessoa contra outra num contexto doméstico, seja
no contexto do casamento ou de união de fato, seja contra crianças,
adolescentes ou idosos. Quando a violência é perpetrada por um cônjuge em
relação ao outro, denomina-se de violência conjugal. A Conferência das Nações
Unidas sobre Direitos Humanos (Viena, 1993) reconheceu formalmente a violência
contra as mulheres como uma das formas de violação dos direitos humanos. Desde
então, os governos dos países-membros da ONU e as organizações da sociedade
civil trabalham para a eliminação desse tipo de violência, que já é reconhecido
também como um grave problema de saúde pública.
O Brasil é signatário de todos os tratados internacionais que objetivam
reduzir e combater a violência de gênero.
Ciente desse problema, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem
contribuído para o aprimoramento do combate à violência contra a mulher no
âmbito do Poder Judiciário. Em 2007, por meio das Jornadas Maria da Penha, o
CNJ criou um espaço de promoção de debates, troca de experiências, cursos,
orientações e diretrizes, voltados à aplicação da Lei Maria da Penha (Lei
11.340/2006) no âmbito do Sistema de Justiça.
[13] A Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, fazia uso do termo "pátrio poder", o qual só foi totalmente substituído pela expressão "poder familiar" com o artigo 3º da lei 12.010, de 3 de agosto de 2009. A família libera-se do patriarcalismo e da hegemonia do matrimônio como único meio legítimo de formação da família a partir do momento que a CF, em seu art. 226, cita como entidade familiar também aquela formada pela união estável e a família monoparental. Discute-se se seriam tais modelos exemplificativos ou enumerativos. A maioria da doutrina acredita ser este dispositivo constitucional cláusula geral de inclusão, de forma que os modelos não são numerus clausus. Supera-se, assim, o modelo autoritário de família apregoado por muito tempo pelo Código Civil de 1916 para a abertura do modelo prescrita pela Constituição de 1988.
[14] É notável a diferença entre o papel exercido pela mulher e pelo homem na sociedade antiga da renascença. A mulher sempre exercendo o papel de submissa, cumprindo assim posição inferior ao homem, enquanto o homem é aquele visto como o sujeito da subordinação da mulher, aquele que detém a autoridade maior. Caso a mulher rejeitasse essa submissão ou contrariasse os costumes da sociedade daquela época, era vista com mau julgamento pela família patriarcal, principalmente, no período elizabetano.
[15]
Lei 13.010/2014 impôs limitações aos poderes que os pais tinham sobre os
filhos. Portanto, o poder familiar não poderá ser mais utilizado de castigos
físicos, sendo vedado qualquer tipo de punição corporal ou cruel degradante. Em
discordância com a Lei encontra-se a maior parte da população em geral. Os
opositores à aprovação do projeto afirmam que a nova Lei prejudicará a
autoridade dos pais com os filhos. Um dos principais opositores é o Senador
Magno Malta criticou o texto por julgar que ele deixa os pais vulneráveis a
denúncias caluniosas ou acusações falsas quando há brigas em família. A Suécia
foi à primeira nação do mundo em 1979 a incorporar no Código Penal a proibição
das palmadas na educação das crianças e criaram uma geração de crianças extremamente
mal-educadas. A questão é que os pais são contra o espancamento, as torturas, a
tratamentos cruéis, mas uma palmada quando necessário deveria ser concedida sem
que isso machuque ao menor, desde que seja de forma moderada.
[16] No banquete final, celebrando os três
casamentos – os de Catarina e Petruchio, Bianca e Lucêncio e a viúva e
Hortênsio – os homens decidem fazer uma aposta. Eles pretendem descobrir qual
das três mulheres é a maior megera. Eles pedem a Biondello que vá buscar as
três por ordem dos seus respectivos maridos. Tanto a viúva quanto Bianca
rejeitam o chamado dos seus maridos, mas Catarina aparece diante deles,
obediente e humilde. Ela proclama sua lealdade absoluta a Petruchio e diz que
pretende viver com ele para sempre. Enquanto os três casais saem, Hortênsio e
Lucêncio olham admirados para Petruchio. Ele verdadeiramente tinha conseguido
domar sua megera.
[17]
Ao fim da peça teatral, há o longo sermão de Catarina que expressa toda a
gratidão que a esposa tem que ter pelo esposo por ele submeter sua vida ao
árduo trabalho para sustentá-la, declarando que o homem é seu chefe. Ou pelo
menos, ele acredita que é. Após duro duelo de forças, e as privações que acabam
por fazer da megera uma mulher dócil e amável.