Controvérsias sobre a cessão de direitos trabalhistas
As firmes controvérsias sobre a cessão de crédito trabalhista não foram superadas nem com advento do Código Civil de 2002 e do Código de Processo Civil Brasileiro de 2015 e, sua aplicação no direito processual do trabalho o que visa oferecer substancial fluidez na fase de execução de créditos trabalhistas ainda atormentam os jurisdicionados e os valores da Justiça brasileira.
A
cessão de crédito trabalhista é tema controverso. Cabe realizar um alerta que o
tempo de espera pela finalização pode se extenso e, pode levar até anos. A
cessão de crédito consiste numa operação que envolve o cedente que é o vendedor
e o cessionário, o comprador.
Em
seguida, o comprador que é terceiro em relação à demanda trabalhista assume o
direito de embolsar a indenização assim que a parte derrotada no processo
trabalhista. A cessão de crédito é
regulamentada pelo Código Civil brasileiro em seus artigos 2986 ao 298 e, se
refere ao negócio jurídico em que o credor transfere a um terceiro seus
direitos em uma relação obrigacional.
Não há
necessidade de consentimento do devedor. Porém, ele deverá ser notificado sobre
a realização da cessão do crédito.
Em
geral, qualquer obrigação poderá ser objeto de cessão de crédito. Mas, há no
artigo 286 do CC três exceções, a saber: 1. negócio for proibido por lei; 2.
cessão foi proibida por contrato entabulado entre as partes; 3. a natureza da
obrigação for incompatível com a cessão.
Não
obstante a negociação de créditos judiciais seja uma alternativa prevista no
ordenamento jurídico brasileiro, o tema é controvertido pois rende debates
acalorados. E, tem a ver com a natureza das verbas em disputa na Justiça.
Em
sendo um processo trabalhista, o autor da ação poderá reivindicar salários
atrasados e verbas rescisórias. Trata-se de uma quantia do tipo alimentar, isto
é, que existe para a subsistência da pessoa. E, pagamentos de natureza
alimentar não poderiam ser repassados a terceiros.
Uma
parte da doutrina defende que restringir essa possibilidade violaria a
liberdade e a autonomia do empregado. E, fora isso, a venda do crédito poderá
suprir necessidades básicas do cedente, que teve de acionar o Judiciário para
receber a quantia que seria seu por direito.
A
Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, em sua Consolidação de Provimentos,
apresentava o artigo 100, que proibia a cessão de crédito trabalhista. Contudo,
esse artigo não foi reproduzido nas consolidações atuais.
Já
outra parte da doutrina defende que, após a cessão, o crédito salarial perde a
natureza trabalhista. Nesse sentido, a relação entre o comprador do processo e
o devedor original não seria mais uma relação de emprego. Portanto, não
competiria à Justiça do Trabalho julgar a causa.
Só que
o artigo 43 do Código de Processo Civil determina que a competência é
estabelecida no momento da distribuição do processo. Logo, não há alteração
pela simples troca do polo ativo da demanda.
Enfim,
apesar das críticas, a cessão de créditos trabalhistas a terceiros é uma
operação legal. Você pode aderir sem receio à prática.
O
procedimento da Justiça do Trabalho é regido pelo princípio da celeridade, mas a
realidade nos aponta resultados bem diferentes. E o mais recente relatório “Justiça
em Números” publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), uma ação
envolvendo causa trabalhista dura em média três anos e quatro meses.
Ademais
existe longa distância a fase de conhecimento e a fase de execução. Por
exemplo, demora apenas oito meses até que o juiz ouça os depoimentos, analise
as provas e determinar a sentença.
Após isso,
é preciso esperar mais dois anos e um mês para o efetivo pagamento de fato. Lembremos
que nos processos em primeiro grau, quando não existe recurso às instâncias
superiores.
Em
geral, a venda do crédito judicial pode ajudar ao empregado ou ex-empregado que
estiver passando por dificuldades financeiras. É relevante garantir a liberdade
e a livre escolha do trabalhador. Em paralelo, também é necessário ter
conhecimento sobre os riscos que se enfrenta ao vender o crédito trabalhista.
Outro
ponto controverso paira sobre o deságio[1]. Isso porque, na cessão de
crédito, o vendedor costuma oferecer um desconto para tornar a operação mais
atrativa aos investidores.
Dependendo
da pressa ou da necessidade em obter essa soma, pode ser vantajoso. Alguns advogados reiteram que o trabalhador é
hipossuficiente. Por ser a parte mais vulnerável do processo, ele não deveria
renunciar aos créditos. In casu, cabe negociar bum deságio adequado para
ambos, vendedor e comprador. Essa razoabilidade garante a homologação do juiz.
A
homologação de cessão de crédito trabalhista é uma fase de validação legal e traduz
maior segurança ao negócio jurídico pactuado. Depois que o cedente e
cessionário chegam a um acordo, eles assinam o contrato de cessão de crédito
trabalhista. O documento descreve todos os detalhamentos da operação, e o
percentual cedido, forma de pagamento e prazos etc.
Uma
vez assinado o termo, existe ainda a opção de apresentá-lo ao juiz responsável
pela execução do processo. O magistrado, por sua vez, homologa a transferência
de titularidade. Cumpre destacar que a negociação pode er feita sem prévio
conhecimento do devedor. Ou seja, a parte vencida na demanda judicial não
participa do procedimento de compra e venda de crédito.
Há
julgados em que a venda de créditos trabalhista pode acontecer desde que não
prejudique o autor da ação, conforme a decisão in litteris:
“Verifica-se
que o autor firmou o contrato eletronicamente e foi assistido pelo seu
advogado, efetuando a cessão de crédito futuro que importa em aproximadamente
9% do valor líquido do crédito estimado pelo autor na execução provisória e
conta com um deságio de aproximadamente 30%, com um prazo de pagamento do valor
fixo até 01/02/2022, numa relação de custo-financeiro que se aproxima à dos
empréstimos consignados praticados pelas instituições bancárias”.
Constata-se
que o deságio negociado no exemplo acima foi de 30%. Trata-se de uma taxa
muitas vezes inferior à cobrada por bancos e financeiras.
Se o
trabalhador assumisse um empréstimo para adiantar o valor da sentença, no fim
das contas ele desembolsaria muito mais. Desse modo, entre pagar uma quantia
com juros ou receber uma soma com deságio, os dois cenários seriam
equivalentes.
A
cessão de crédito está prevista no artigo 286 e seguintes do Código Civil e
consiste na transferência a terceiro do direito em uma relação jurídica obrigacional.
Em que pese não constar da CLT a possibilidade de cessão explicitamente, por
força do §1º do artigo 8º da CLT, o Código Civil se aplica se aplica ao Direito
do Trabalho. No entanto, o Judiciário Trabalhista ainda tem certa resistência
na aceitação do negócio jurídico, razão pela qual é necessário, muitas vezes,
recorrer à instâncias superiores para que a cessão seja efetivamente
concretizada.
O
direito trabalhista é irrenunciável, em razão disso, quando do recebimento da
cessão de crédito, há uma confusão do juízo trabalhista quanto à validade do
negócio jurídico, que por sua natureza não é de competência da Justiça do
Trabalho.
Em que
pese ser comum a resistência do juízo de primeiro grau trabalhista aceitar a
cessão do crédito, em recente alteração legislativa, foi editada a Lei nº
14.193/2021, que institui a sociedade anônima do futebol, trouxe no seu bojo
dispositivo que viabiliza amplamente a cessão de crédito trabalhista.
O
artigo 22 da referida lei prevê expressamente que o credor da dívida trabalhista,
como titular do crédito, a seu exclusivo critério, é autorizada a cessão de seu crédito a terceiro, prevendo,
inclusive, que ficará sub-rogado em todos os direitos e em todas as obrigações
do credor, passando o cessionário a ocupar a mesma posição do titular do crédito original
na fila de credores, devendo o juízo centralizados da dívida promover a
anotação da substituição na relação jurídica.
Inequivocamente,
a cessão de crédito é aplicável ao Direito do Trabalho, inclusive, é nesse
sentido o entendimento Tribunal Superior do Trabalho. Nos autos da Embargos de
Declaração 8202320155060221, o ministro relator Douglas Alencar Rodrigues, da
5ª Turma, ao proferir o voto, consignou que a licitude do negócio jurídico não
compete à Justiça do Trabalho.
Nesse
mesmo sentido, o ministro consignou que a cessão de crédito é espécie de
transmissão de obrigação regulada pela legislação civil e que pode ser aplicada
a toda a espécie de vínculos jurídicos obrigacionais e que a proteção jurídica
conferida aos créditos trabalhistas, de caráter essencialmente alimentar, não
se revela incompatível com a possibilidade de cessão, desde que observados os
requisitos gerais de validade do negócio jurídico (artigo 104 do CC).
Tanto
a legislação atual quanto a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho,
autorizam a cessão de crédito trabalhista, o que torna o negócio jurídico
atrativo, considerando que o reclamante tem a oportunidade de receber
determinado valor antecipadamente, sem correr o risco da execução frustrada,
passando seu crédito à terceiro, que por
sua vez assume o risco do processo e receberá o crédito trabalhista atualizado
ao final do processo, tornando o negócio jurídico satisfatório tanto para o
cedente quanto para o cessionário.
O Ministro
Agra Belmonte, do Tribunal Superior do Trabalho, deferiu pedido de sucessão
processual da Explorer II Fundo de Investimento em Direitos Creditórios não
Padronizados como credora dos valores devidos a um vigilante de São Paulo (SP).
Os créditos haviam sido cedidos pelo profissional à Pro Solutti Consultoria e Investimentos em Ativos
Judiciais, que, por sua vez, os cedeu à Explorer. Com isso, o vigilante foi
excluído da ação.
A
reclamação trabalhista foi ajuizada em 2018 contra a Pentágono Serviços de
Segurança Ltda., que prestava serviços para o Hospital Cruz Azul São Paulo. As
duas empresas foram condenadas ao pagamento de diversas parcelas, como 13º
salário proporcional, aviso-prévio e multa sobre o saldo do FGTS.
O caso
chegou ao TST por meio de agravo de instrumento interposto pela Cruz Azul. Em
janeiro de 2022, a Explorer apresentou petição informando e comprovando ser
cessionária de instrumento particular de cessão e transferência de direitos
creditórios trabalhistas pactuado com a Pro Solutti, que, por sua vez, era a
detentora do crédito decorrente da reclamação trabalhista, em razão da cessão
anteriormente pactuada com o vigilante. Requereu, assim, que passasse a constar
como parte da ação.
Sem
vedação expressa em lei, o relator considera que a cessão de crédito
devidamente constituído em juízo não configura renúncia de direitos
trabalhistas.
“Desde
que observados os requisitos de validade do negócio jurídico, é uma ferramenta
a ser utilizada por aquele trabalhador que, diante da demora na resolução da ação, necessita satisfazer com maior
urgência as suas necessidades”, afirmou.
Ao
receber a petição, o ministro deferiu prazo para que a Cruz Azul, autora do
agravo de instrumento, se manifestasse, mas não houve resposta. Em relação a
esse ponto, o ministro lembrou que o artigo 109, parágrafo 1º do Código de
Processo Civil (CPC) não exige o consentimento expresso da parte contrária, e,
assim, a sucessão processual pode ser admitida na forma tácita.
A
razão para a admissão tácita, segundo o relator, é que a possibilidade de
cessão do crédito não está condicionada ao consentimento do devedor, que não
pode impedi-la. “A sua eficácia está
condicionada à notificação ou à ciência do devedor apenas para ciência de que
agora deve pagar ao cessionário, e não mais ao cedente”, concluiu. (Vide: Processo:
AIRR-1000508-86.2018.5.02.0075).
Há
jurisprudência que entende não se operar cessão de crédito trabalhista. Ex
positivis:
CESSÃO
DE CRÉDITOS TRABALHISTAS NA FASE DE CONHECIMENTO PARA TERCEIROS ESTRANHOS A
RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL - VALORES INDEFINIDOS - INADEQUAÇÃO LEGAL E
ANTIJURIDICIDADE - POSSIBILIDADE LEGAL DESTA AQUISIÇÃO DE DIREITOS POR
TERCEIROS ESTRANHOS A RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL NA FASE DE EXECUÇÃO COM
VALORES DEFINIDOS - PERDA DE BENEFÍCIOS CONCEDIDOS AOS EMPREGADOS NA ESFERA
FISCAL, TRIBUTARIA E LEGAL - EXCEÇÃO AOS CRÉDITOS DE HERDEIROS POR FALECIMENTO
DO EMPREGADO - AQUISIÇÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS POR ADVOGADOS DA CAUSA,
EMBORA LEGAL, É MANIFESTAMENTE ANTIÉTICA E ADENTRA NO VASTO CAMPO DA
IMORALIDADE. PRECEDENTE: E-3.397/2006
a) Não
se opera a cessão de créditos trabalhistas na fase cognitiva por afrontar a
legalidade e a juridicidade do processo.
b) A
cessão de crédito é um negócio bilateral e comutativo onde o cedente transfere
os direitos que tem sobre um crédito ao cessionário, que o adquire,
independentemente do consenso do devedor cedido, sem que se opere a extinção do
vínculo obrigacional ocorrido anteriormente;
c) A
parte reclamante pode ceder seus créditos a terceiros estranhos a relação
jurídica processual e, assim como os salários são impenhoráveis, mas não
inalienáveis, podem também ceder os créditos de natureza trabalhista com
valores já liquidados, sem que os direitos atribuídos ao empregado na esfera
fiscal, legal e tributária sejam transmitidos ao cessionário;
d)
Quando se tratar de direitos do "de cujus" todos eles serão cedidos
aos herdeiros, sem prejuízo dos benefícios legais que são concedidos aos
empregados na relação contratual trabalhista;
e)
Advogado de uma causa que "compra" direitos trabalhistas do
reclamante em valores já liquidados por sentença não adentra no campo da
ilegalidade, mas adentra no da imoralidade e no vasto campo da atitude
antiética. Proc. E-4.498/2015 - v.u., em 18/06/2015, do parecer e ementa do
Rel. Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF - Rev. Dr. FÁBIO GUIMARÃES CORRÊA MEYER -
Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA.
Precedente
- E- 3.397/2006 – do parecer e ementa do Rel. Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA –
Rev. Dr. LUIZ ANTÔNIO GAMBELLI – Presidente Dr. JOÃO TEIXEIRA GRANDE
Outra
jurisprudência afirma: TRT 4. Agravo de Petição. Agravo de Petição da
Executada. Cessão de Créditos trabalhistas. Invalidade. Prosseguimento da
Execução. A cessão de créditos trabalhistas é inválida. Trata-se de crédito de
natureza alimentar, não cabendo cessão a terceiros estranhos à relação
trabalhista pactuada entre as partes. O juízo trabalhista é competente para
determinar a invalidade da cessão de créditos trabalhistas.
Em
decisão recente do TST, o Ministro Douglas Alencar Rodrigues, deixou
expressamente consignado ser possível a cessão de créditos trabalhistas, não
obstante ter negado o pedido da ação por ausência de pressuposto processual.
A
cessão de créditos trabalhistas sempre foi objeto de muita celeuma. O
posicionamento contrário à cessão parte da premissa de que direitos
trabalhistas correspondem quase sempre a créditos alimentares, e portanto são
indisponíveis e irrenunciáveis, daí porque não poderiam ser cedidos a
terceiros. De fato, a vedação está prevista em Provimentos da Corregedoria
Geral da Justiça do Trabalho (CGJT).
Por
outro lado, aqueles que são favoráveis à cessão, assim como esposado pelo
Ministro Douglas Alencar Rodrigues, sustentam que Provimentos da Corregedoria
Geral da Justiça do Trabalho (CGJT) não devem se sobrepor ao Código Civil,
notadamente ao que dispõe o artigo 286, desde que observados os requisitos
gerais de validade do negócio jurídico à luz do artigo 104 também do Código
Civil, quais sejam (i) agente capaz, (ii) objeto lícito e (iii) forma prescrita
ou não defesa em lei.
A
autorização para a cessão já era permitida desde a vigência da Lei 11.101/2005,
a Lei de Falências e Recuperações Judiciais[2], mas ganhou maior força
com o advento da Lei 14.112/2020, que a reformou, por meio da qual o legislador
acrescentou um § 5º ao artigo 83 daquele diploma, determinando:
§ 5º
Para os fins do disposto nesta Lei, os créditos cedidos a qualquer título
manterão sua natureza e classificação.”
As
razões que fundamentaram o posicionamento do Ministro Douglas Alencar Rodrigues
representam um avanço da jurisprudência, que tende a favorecer um maior número
de cessões de créditos trabalhistas.
É
possível que esse direcionamento jurisprudencial aqueça o mercado de cessões de
créditos trabalhistas. Os FIDC que já enxergavam boas oportunidades de negócios
nesse nicho deverão investir mais em tais aquisições.
Não
esgotando o tema, mas procurando dirimir algumas questões que certamente
surgirão para os FIDC, antecipamo-nos a três delas:
1.
Pode haver cessão crédito em toda fase processual?
Seguindo
o entendimento jurisprudencial, entende-se que processos ainda não transitados
em julgado não comportam esta possibilidade. Isso porque, não há crédito
constituído em juízo que já integre o patrimônio jurídico do reclamante, apenas
uma expectativa. Cessões, nessa fase processual, podem ser viabilizadas,
entretanto, por via oblíqua.
2.
Estando o processo em fase de execução, basta o cessionário comunicar a cessão
que a execução prosseguirá normalmente?
Desde
que não verificado nenhum vício, o entendimento predominante é de que com a
cessão ocorre a transferência da titularidade do direito, sendo o cessionário o
responsável pela persecução do crédito.
3. Se
a executada falir, ou pedir Recuperação Judicial, o cessionário será
considerado credor trabalhista?
Atualmente,
desde a vigência da Lei n. 14.112/2020, que entrou em vigor em 23/01/2021, sim,
limitadamente a 150 salários-mínimos no caso da falência. Para a recuperação
judicial não há esta limitação, salvo se constar no plano aprovado. Em suma, o
assunto é incipiente e sensível, trazendo oportunidades e riscos.
Em
face da ausência de positivação no direito é controvertida a cessão de crédito
trabalhista e, no Processo do Trabalho doutrina e jurisprudência divergem
quanto as premissas, limites e, até mesmo quanto a licitude desse negócio
jurídico.
O
artigo 444 da CLT permite que as relações contratuais de trabalho sejam objeto
de livre estipulação das partes interessadas, desde que isso não contrarie as
disposições de proteção ao trabalho, os contratos coletivos, aplicáveis e as
decisões de autoridades competentes, ou seja, afirmam que os direitos
trabalhistas possuem alguma flexibilidade, desde que sejam obedecidos
ciosamente os critérios estipulados em lei.
Nota-se
que a impossibilidade existe em razão da ausência de individualização da obrigação e não em
razão da sua natureza, conforme julgado
do TRT da 2ª Região:
“CRÉDITO
TRABALHISTA RECONHECIDO POR SENTENÇA JUDICIAL. CESSÃO A TERCEIROS.
POSSIBILIDADE. Os créditos trabalhistas reconhecidos por sentença judicial e já
liquidados, por se tratar de créditos vencidos (pretéritos) e integrantes do
patrimônio do credor, podem ser livremente negociados (v.g., possibilidade de
acordo na fase de execução, com renúncia parcial de parcela do crédito),
inclusive cedidos a terceiros. Em razão do princípio da legalidade (art. 5º, II, da CRFB/1988), ninguém é
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, sendo
que o art. 83, § 4º, da Lei nº 11.101/05
dispõe expressamente sobre a possibilidade de cessão de créditos trabalhistas a terceiros.”
São
identificáveis, pelo menos, três correntes quanto à possibilidade de aplicação
da cessão de créditos no Direito do Trabalho.
A
primeira destas defende a admissibilidade da cessão de créditos trabalhistas,
desde que atendidos os requisitos impostos pelos arts. 286 e seguintes do Código Civil (CC) em vigor. Porém, após
cedidos, os créditos perdem a natureza alimentar, por analogia ao art. 83, §
4º, da Lei nº 11.101, de 20053
Desse
modo, o credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da
obrigação, a lei ou a convenção com o devedor. Além disso, a cláusula
proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não
constar do instrumento da obrigação. A transmissão do crédito deverá ser
celebrada mediante instrumento público ou particular, revestido das formalidades
do § 1º do art. 654 do CC, para que seja eficaz perante terceiros.
A
segunda corrente também admite a cessão do crédito trabalhista, mas defende que
sua execução não tramite na Justiça do Trabalho.
Quem lidera
esta corrente é o jurista Mauro Schiavi
(2016, p. 1.068), baseado no art. 114, I e IX, da Constituição Federal de 1988:
“(...)
Pensamos que o crédito trabalhista pode ser cedido, mas, se tal ocorrer, ele perderá a natureza
trabalhista e se transmudará num crédito de natureza civil, uma vez que se desvinculará
de sua causa originária que é a
prestação de serviços ou relação de emprego. Dessa forma, pensamos que, uma vez cedido o
crédito a terceiro, cessará a competência material da Justiça do Trabalho para
executá-lo, pois a controvérsia não será oriunda ou decorrente da relação de
trabalho (art. 114 da Constituição Federal, incisos I e IX).”
Fábio
Ulhoa Coelho igualmente defendeu esta corrente, ao explicar que o legislador
pátrio da Lei de Falências estipulou uma exceção, quando se trata de crédito
trabalhista, em relação ao tratamento dado pelo Código Civil brasileiro de que
a cessão de um crédito abrange todos os seus acessórios; e a que sub-rogação
transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do
primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.
“A
regra geral do Código Civil é a de que a cessão de créditos importa a
transferência ao cessionário de todas as preferências do crédito cedido” (CC,
arts. 287 e 349). Quando se trata, porém, de cessão de crédito trabalhista na
falência do empregador, a lei abre uma exceção.
Nessa
hipótese, o cessionário não conserva a preferência do cedente, mas adquire
crédito reclassificado como quirografário.
Ao
excepcionar a regra geral da transmissão da preferência, a lei quer, na
verdade, proteger o empregado. Ao determinar a reclassificação para baixo do
crédito, ela praticamente inviabiliza a formação de mercado de aquisição dos
créditos trabalhistas devidos na falência. Se a lei não abrisse a exceção,
especuladores teriam interesse em assediar os empregados credores para deles
adquirirem, com deságio significativo, o crédito.
Os
empregados, normalmente expostos a sérias dificuldades em razão da falência do
empregador, seriam presas fáceis nas mãos desses especuladores. Ao determinar a
reclassificação para baixo, a lei desestimula tais negociações e protege os
titulares de crédito trabalhista.”
Deposam
dessa segunda corrente doutrinária é o de que a cessão de crédito é negócio
particular, firmado extrajudicialmente, com terceiro estranho ao contrato de
trabalho.
E,
para tanto, o crédito cedido pelo trabalhador perderia a natureza alimentar, e
com ela, a própria natureza de crédito trabalhista em si, afastando a
competência da Justiça do Trabalho para dar continuidade à execução, atraindo a
competência da Justiça Comum.
A
derradeira e terceira corrente defende que a cessão do crédito é inadmissível sobre
verbas trabalhistas. É o entendimento do Professor e Ministro do TST Maurício
Godinho Delgado (2016) em total discordância com a cessão de créditos
trabalhistas: “A cessão de crédito, no tocante aos direitos empregatícios, é figura inabsorvível pelas regras juslaborais.
Noutras
palavras, a ordem jurídica não tolera
mecanismos explícitos ou dissimulados de efetuação do pagamento salarial ao credor do empregado.
É inválida, no Direito do Trabalho, até mesmo a expressa autorização do
empregado a seu credor para que este receba o crédito salarial. Isso significa
que o único pagamento hábil a desonerar o devedor trabalhista é aquele feito
diretamente ao próprio empregado (art. 464 da CLT), já que a ordem jurídica
veda a cessão de crédito trabalhista.”
O
maravilhoso doutrinador Caio Mário da Silva Pereira (1978) alertava que o
Código Civil de 1916 e o de 2002 seguiu idêntica orientação, afastara-se, no
que se refere à cessão de crédito, do Código Civil francês ou do italiano de
1865, que a consideravam apenas ex venditionis causa.
Enfim,
optou-se em dar normação como instituto autônomo, dada a sua natureza
intrínseca de transferência de obrigação, inserido, no final da Parte Geral das
Obrigações, antes da disciplina dos contratos, passível, mesmo assim de ser
incluído na categoria dos contratos atípicos ou inominados.
Ainda
segundo Caio Mário, chama-se "cessão de crédito o negócio jurídico em
virtude do qual o credor transfere a outrem a sua qualidade creditória contra o
devedor, recebendo o cessionário o direito respectivo, com todos os acessórios
e todas as garantias".
A
cessão de crédito, por sua vez, é chamada de convencional, por ser decorrente
de acordo de vontades entre o cedente e o cessionário, legal em razão de
imposição da lei, a exemplo da sub-rogação contemplada no art. 346 do CC , e
judicial, quando se apresenta como consequência de uma sentença judicial.
A sentença
judicial, da qual decorre, como efeito necessário, a cessão de direitos,
segundo lição de Arnoldo Wald (1992), pode ser “homologatória de uma partilha
(atribuindo a herdeiro ou legatário determinado crédito do falecido) ou
adjudicatória ao autor de um crédito existente em favor do réu”.
A
cessão de crédito é pro soluto se o cedente, mesmo garantindo a existência do
crédito, não se obriga pela sua boa ou má liquidação, correndo os riscos,
eventualmente irrompidos, às custas do cessionário, o qual, em qualquer hipótese,
nada mais terá a exigir do cedente.
A
cessão consensual, ultimada entre o terceiro e o exequente, dependerá, unicamente,
do acordo de vontades de ambos, sem que haja exigência, para sua validade, da
adoção de qualquer espécie de solenidade, podendo ser classificada como pro
solvendo.
Embora
a notificação do devedor não seja indispensável à cessão, adverte Arnoldo Wald
(1992) que “após a notificação, se o devedor fizer o pagamento do débito ao
cedente, terá pago mal e assim pagará uma segunda vez ao cessionário, por ser
evidente a sua má-fé”.
Caso o
ajuste e a quitação dos créditos da execução em curso e do contrato de trabalho
extinto forem posteriores à notificação do executado, estar-se-á diante da
má-fé de que estava imbuído, a partir da qual ressai a certeza de ter pago mal.
Sujeita-se,
assim, a novo pagamento, desta feita, ao cessionário, em montante
correspondente às verbas trabalhistas que lhe foram transferidas e se encontrem
discriminadas no instrumento de cessão de crédito, com juros e correção
monetária, na forma da lei.
Constatado
que o executado tinha conhecimento da cessão de crédito, quando da notificação
que o cessionário eventualmente lhe tivesse enviado, se, ainda assim, efetuar o
pagamento ao cedente, terá incorrido na norma do art. 5º do Código de Processo
Civil de 2015 (CPC), ao estabelecer que “aquele que de qualquer forma participa do processo deve
comportar-se de acordo com a boa-fé”.
Na
lição de Fredie Didier Junior (2017) não se pode confundir um princípio (norma)
de boa-fé com a exigência de boa-fé
(elemento subjetivo) para configuração de alguns atos ilícitos processuais
(...)
Continua o doutrinador, in litteris: “A boa-fé subjetiva é elemento do
suporte fático de alguns fatos jurídicos; é fato, portanto. A boa-fé objetiva é
uma norma de conduta: impõe e proíbe
condutas, além de criar situações jurídicas ativas e passivas. Não existe
princípio da boa-fé subjetiva. O art. 5º do CPC não está relacionado à boa-fé subjetiva, à
intenção do sujeito processual: trata-se
de norma que impõe condutas em conformidade com a boa-fé objetivamente
considerada, independentemente da existência de boas ou más intenções.”
Arrematou,
o doutrinador baiano, assinalando haver também “regras de proteção à boa-fé que
concretizam o princípio da boa-fé e compõem a modelagem do devido processo legal
brasileiro. As normas sobre litigância de má-fé (arts. 79-81 do CPC) são um
exemplo disso”.
Já a
hipótese de o exequente-cedente dizer que desconhecia tivesse transferido
título executivo referente ao processo, se, efetivamente, tinha conhecimento
dessa transferência, essa sua atuação se dá à margem da norma paradigmática do
art. 422 do CC, de que “os contraentes são obrigados a guardar, assim na
conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e
boa-fé”.
Arnoldo
Wald (1992) recorda que o Código Civil brasileiro de 1916 aludia à boa-fé em
cerca de trinta artigos e à má-fé em mais de vinte, nada positivando, em
específico, quanto aos contratos, omissão que pretendia ver suprimida no Código
vindouro, o então Projeto de Lei 634-B/1975, na qual, ao disciplinar "Dos
Contratos em Geral" introduzira o artigo 422, em que a numeração e a norma
são idênticas às dos artigos do Código Civil de 2002.
Na
mesma oportunidade o doutrinador mencionava a dificuldade em conceituar e
explicar a boa-fé, enquanto a probidade
era turno que o dicionário explicava como integridade de caráter e honradez, mediante a remissão ao
Novo Dicionário Aurélio.
Lembrava
haver dois conceitos de boa-fé, um de natureza psicológico e, outro de conteúdo
ético, sendo que o primeiro se contenta com a ignorância sem se ocupar da culpa
ou negligência de quem pratica o ato, ao passo que o segundo não se compraz com
a ignorância, de tal modo que, agindo com culpa ou falta de cuidado grave, a
pessoa age mal, não podendo alegar boa-fé.
Segundo
Professor Jacques Ghestin (1980) da Universidade de Paris para quem a boa-fé é
uma noção jurídica enquanto princípio geral de direito, que consagra uma
exigência geral de lealdade nas relações contratuais, fazendo presumir que o
contrato, concluído por pessoas livres e responsáveis, está conforme à justiça.
Para o
Didier Jr., a legitimação extraordinária negocial acha-se consagrada no vigente Código de Processo Civil, por ser o
negócio jurídico fonte de norma jurídica,
que igualmente compõe o ordenamento jurídico, culminando com a assertiva de que “negócio jurídico pode ser
fonte normativa da legitimação extraordinária”.
Segundo
Fredie Didier Jr., “Este negócio jurídico é processual, pois atribui a alguém o
poder de conduzir validamente um processo”.
De
acordo com o processualista, “não há qualquer obstáculo normativo a priori
para legitimação extraordinária de origem negocial. E, assim sendo, o direito
processual civil brasileiro passa a permitir a legitimação extraordinária atípica,
de origem negocial”, a dar o tom da admissibilidade da cessão de crédito no Processo do Trabalho.
Entretanto,
mesmo tendo sido aceita a cessão de crédito no Processo do Trabalho, sobretudo
com o advento do Código de Processo Civil de 2015, adverte o autor com base na aplicação
analógica dos arts. 290 e 294 do Código Civil de 2002: “Assim, atribuição
negocial de legitimação extraordinária é ineficaz em relação ao futuro réu, se
este não for notificado; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito
público ou particular, se declarou ciente da cessão feita. Aceita-se, ainda,
qualquer meio de prova da notificação.”
Por
oportuno, cabe apontar que ao falecer a competência material ao juízo da Vara
do Trabalho para declarar, de ofício ou a requerimento do devedor-executado, a
invalidade da cessão de crédito decorrente do título executivo judicial
transitado em julgado.
Isso
por envolver negócio jurídico de natureza eminentemente civil, mas de repercussão consentida no Processo do
Trabalho, principalmente com a
superveniência do Código de Processo Civil de 2015, conforme se dessume,
claramente, do art. 286 do Código Civil de 2002, no confronto com o art. 114 e
parágrafos da Constituição Federal de 1988.
Tampouco
pode inclinar-se pela sua invalidade como questão prejudicial, com vistas à
manutenção do acordo celebrado entre a exequente-cedente e o devedor-executado.
Tal se
deve à exigência do inciso III do § 1º do art. 503 do CPC de 2015, de que o
juiz detenha, para tanto, “competência em razão da matéria ou da pessoa para
resolvê-la como questão principal”.
Essa
provém tanto do disposto no § 1º inciso III do art. 778 do Código de Processo
Civil de 2015 quanto do fato de a cessão não implicar modificação no conteúdo
ou natureza da obligatio, remanescendo inalterada a natureza trabalhista
dos créditos cedidos, pouco importando a condição do cessionário, por envolver
uma substituição subjetiva, sem modificação do conteúdo trabalhista das verbas
objeto da condenação e da cessão de crédito. Verbas, por sinal, licitamente transmissíveis,
seja por elas o terem sido na fase da execução ou por não serem
personalíssimas.
Defende-se, portanto, se uma violação ao direito personalíssimo der azo à reparação pecuniária, esta poderá ser cedida. E, não obstante existir sólida divergência jurisprudencial e doutrinária sobre o tema, a cessão de crédito, não encontra nenhum óbice para sua aplicação plena no Direito Processual do Trabalho.
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Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: teoria geral de
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LTr, 2016.
WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: obrigações e contratos. 10ª edição. São Paulo: RT, 1992.
[1]
O deságio é o termo utilizado para se referir ao desconto percentual sobre o
valor do crédito trabalhista que será vendido. Exemplificando, se o valor de
sua ação é R$ 100.000,00 e há decisão de venda, deve-se haver uma negociação de
desconto ao comprador, que por sua vez pagará de 30 a 70% do valor de sua ação.