Controvérsias sobre a cessão de direitos trabalhistas

As firmes controvérsias sobre a cessão de crédito trabalhista não foram superadas nem com advento do Código Civil de 2002 e do Código de Processo Civil Brasileiro de 2015 e, sua aplicação no direito processual do trabalho o que visa oferecer substancial fluidez na fase de execução de créditos trabalhistas ainda atormentam os jurisdicionados e os valores da Justiça brasileira.

Fonte: Gisele Leite

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A cessão de crédito trabalhista é tema controverso. Cabe realizar um alerta que o tempo de espera pela finalização pode se extenso e, pode levar até anos. A cessão de crédito consiste numa operação que envolve o cedente que é o vendedor e o cessionário, o comprador.

Em seguida, o comprador que é terceiro em relação à demanda trabalhista assume o direito de embolsar a indenização assim que a parte derrotada no processo trabalhista.  A cessão de crédito é regulamentada pelo Código Civil brasileiro em seus artigos 2986 ao 298 e, se refere ao negócio jurídico em que o credor transfere a um terceiro seus direitos em uma relação obrigacional.

Não há necessidade de consentimento do devedor. Porém, ele deverá ser notificado sobre a realização da cessão do crédito.

Em geral, qualquer obrigação poderá ser objeto de cessão de crédito. Mas, há no artigo 286 do CC três exceções, a saber: 1. negócio for proibido por lei; 2. cessão foi proibida por contrato entabulado entre as partes; 3. a natureza da obrigação for incompatível com a cessão.

Não obstante a negociação de créditos judiciais seja uma alternativa prevista no ordenamento jurídico brasileiro, o tema é controvertido pois rende debates acalorados. E, tem a ver com a natureza das verbas em disputa na Justiça.

Em sendo um processo trabalhista, o autor da ação poderá reivindicar salários atrasados e verbas rescisórias. Trata-se de uma quantia do tipo alimentar, isto é, que existe para a subsistência da pessoa. E, pagamentos de natureza alimentar não poderiam ser repassados a terceiros.

Uma parte da doutrina defende que restringir essa possibilidade violaria a liberdade e a autonomia do empregado. E, fora isso, a venda do crédito poderá suprir necessidades básicas do cedente, que teve de acionar o Judiciário para receber a quantia que seria seu por direito.

A Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, em sua Consolidação de Provimentos, apresentava o artigo 100, que proibia a cessão de crédito trabalhista. Contudo, esse artigo não foi reproduzido nas consolidações atuais.

Já outra parte da doutrina defende que, após a cessão, o crédito salarial perde a natureza trabalhista. Nesse sentido, a relação entre o comprador do processo e o devedor original não seria mais uma relação de emprego. Portanto, não competiria à Justiça do Trabalho julgar a causa.

Só que o artigo 43 do Código de Processo Civil determina que a competência é estabelecida no momento da distribuição do processo. Logo, não há alteração pela simples troca do polo ativo da demanda.

Enfim, apesar das críticas, a cessão de créditos trabalhistas a terceiros é uma operação legal. Você pode aderir sem receio à prática.

O procedimento da Justiça do Trabalho é regido pelo princípio da celeridade, mas a realidade nos aponta resultados bem diferentes. E o mais recente relatório “Justiça em Números” publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), uma ação envolvendo causa trabalhista dura em média três anos e quatro meses.

Ademais existe longa distância a fase de conhecimento e a fase de execução. Por exemplo, demora apenas oito meses até que o juiz ouça os depoimentos, analise as provas e determinar a sentença.

Após isso, é preciso esperar mais dois anos e um mês para o efetivo pagamento de fato. Lembremos que nos processos em primeiro grau, quando não existe recurso às instâncias superiores.

Em geral, a venda do crédito judicial pode ajudar ao empregado ou ex-empregado que estiver passando por dificuldades financeiras. É relevante garantir a liberdade e a livre escolha do trabalhador. Em paralelo, também é necessário ter conhecimento sobre os riscos que se enfrenta ao vender o crédito trabalhista.

Outro ponto controverso paira sobre o deságio[1]. Isso porque, na cessão de crédito, o vendedor costuma oferecer um desconto para tornar a operação mais atrativa aos investidores.

Dependendo da pressa ou da necessidade em obter essa soma, pode ser vantajoso.  Alguns advogados reiteram que o trabalhador é hipossuficiente. Por ser a parte mais vulnerável do processo, ele não deveria renunciar aos créditos. In casu, cabe negociar bum deságio adequado para ambos, vendedor e comprador. Essa razoabilidade garante a homologação do juiz.

A homologação de cessão de crédito trabalhista é uma fase de validação legal e traduz maior segurança ao negócio jurídico pactuado. Depois que o cedente e cessionário chegam a um acordo, eles assinam o contrato de cessão de crédito trabalhista. O documento descreve todos os detalhamentos da operação, e o percentual cedido, forma de pagamento e prazos etc.

Uma vez assinado o termo, existe ainda a opção de apresentá-lo ao juiz responsável pela execução do processo. O magistrado, por sua vez, homologa a transferência de titularidade. Cumpre destacar que a negociação pode er feita sem prévio conhecimento do devedor. Ou seja, a parte vencida na demanda judicial não participa do procedimento de compra e venda de crédito.

Há julgados em que a venda de créditos trabalhista pode acontecer desde que não prejudique o autor da ação, conforme a decisão in litteris:

“Verifica-se que o autor firmou o contrato eletronicamente e foi assistido pelo seu advogado, efetuando a cessão de crédito futuro que importa em aproximadamente 9% do valor líquido do crédito estimado pelo autor na execução provisória e conta com um deságio de aproximadamente 30%, com um prazo de pagamento do valor fixo até 01/02/2022, numa relação de custo-financeiro que se aproxima à dos empréstimos consignados praticados pelas instituições bancárias”.

Constata-se que o deságio negociado no exemplo acima foi de 30%. Trata-se de uma taxa muitas vezes inferior à cobrada por bancos e financeiras.

Se o trabalhador assumisse um empréstimo para adiantar o valor da sentença, no fim das contas ele desembolsaria muito mais. Desse modo, entre pagar uma quantia com juros ou receber uma soma com deságio, os dois cenários seriam equivalentes.

A cessão de crédito está prevista no artigo 286 e seguintes do Código Civil e consiste na transferência a terceiro do direito em uma relação jurídica obrigacional. Em que pese não constar da CLT a possibilidade de cessão explicitamente, por força do §1º do artigo 8º da CLT, o Código Civil se aplica se aplica ao Direito do Trabalho. No entanto, o Judiciário Trabalhista ainda tem certa resistência na aceitação do negócio jurídico, razão pela qual é necessário, muitas vezes, recorrer à instâncias superiores para que a cessão seja efetivamente concretizada.

O direito trabalhista é irrenunciável, em razão disso, quando do recebimento da cessão de crédito, há uma confusão do juízo trabalhista quanto à validade do negócio jurídico, que por sua natureza não é de competência da Justiça do Trabalho.

Em que pese ser comum a resistência do juízo de primeiro grau trabalhista aceitar a cessão do crédito, em recente alteração legislativa, foi editada a Lei nº 14.193/2021, que institui a sociedade anônima do futebol, trouxe no seu bojo dispositivo que viabiliza amplamente a cessão de crédito trabalhista.

O artigo 22 da referida lei prevê expressamente que o credor da dívida trabalhista, como titular do crédito, a seu exclusivo critério, é autorizada a cessão  de seu crédito a terceiro, prevendo, inclusive, que ficará sub-rogado em todos os direitos e em todas as obrigações do credor, passando o cessionário a ocupar  a mesma posição do titular do crédito original na fila de credores, devendo o juízo centralizados da dívida promover a anotação da substituição na relação jurídica.

Inequivocamente, a cessão de crédito é aplicável ao Direito do Trabalho, inclusive, é nesse sentido o entendimento Tribunal Superior do Trabalho. Nos autos da Embargos de Declaração 8202320155060221, o ministro relator Douglas Alencar Rodrigues, da 5ª Turma, ao proferir o voto, consignou que a licitude do negócio jurídico não compete à Justiça do Trabalho.

Nesse mesmo sentido, o ministro consignou que a cessão de crédito é espécie de transmissão de obrigação regulada pela legislação civil e que pode ser aplicada a toda a espécie de vínculos jurídicos obrigacionais e que a proteção jurídica conferida aos créditos trabalhistas, de caráter essencialmente alimentar, não se revela incompatível com a possibilidade de cessão, desde que observados os requisitos gerais de validade do negócio jurídico (artigo 104 do CC).

Tanto a legislação atual quanto a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, autorizam a cessão de crédito trabalhista, o que torna o negócio jurídico atrativo, considerando que o reclamante tem a oportunidade de receber determinado valor antecipadamente, sem correr o risco da execução frustrada, passando seu crédito à terceiro,  que por sua vez assume o risco do processo e receberá o crédito trabalhista atualizado ao final do processo, tornando o negócio jurídico satisfatório tanto para o cedente quanto para o cessionário.

O Ministro Agra Belmonte, do Tribunal Superior do Trabalho, deferiu pedido de sucessão processual da Explorer II Fundo de Investimento em Direitos Creditórios não Padronizados como credora dos valores devidos a um vigilante de São Paulo (SP). Os créditos haviam sido cedidos pelo profissional à Pro Solutti  Consultoria e Investimentos em Ativos Judiciais, que, por sua vez, os cedeu à Explorer. Com isso, o vigilante foi excluído da ação.

A reclamação trabalhista foi ajuizada em 2018 contra a Pentágono Serviços de Segurança Ltda., que prestava serviços para o Hospital Cruz Azul São Paulo. As duas empresas foram condenadas ao pagamento de diversas parcelas, como 13º salário proporcional, aviso-prévio e multa sobre o saldo do FGTS.

O caso chegou ao TST por meio de agravo de instrumento interposto pela Cruz Azul. Em janeiro de 2022, a Explorer apresentou petição informando e comprovando ser cessionária de instrumento particular de cessão e transferência de direitos creditórios trabalhistas pactuado com a Pro Solutti, que, por sua vez, era a detentora do crédito decorrente da reclamação trabalhista, em razão da cessão anteriormente pactuada com o vigilante. Requereu, assim, que passasse a constar como parte da ação.

Sem vedação expressa em lei, o relator considera que a cessão de crédito devidamente constituído em juízo não configura renúncia de direitos trabalhistas.

“Desde que observados os requisitos de validade do negócio jurídico, é uma ferramenta a ser utilizada por aquele trabalhador que, diante da demora na resolução  da ação, necessita satisfazer com maior urgência as suas necessidades”, afirmou.

Ao receber a petição, o ministro deferiu prazo para que a Cruz Azul, autora do agravo de instrumento, se manifestasse, mas não houve resposta. Em relação a esse ponto, o ministro lembrou que o artigo 109, parágrafo 1º do Código de Processo Civil (CPC) não exige o consentimento expresso da parte contrária, e, assim, a sucessão processual pode ser admitida na forma tácita.

A razão para a admissão tácita, segundo o relator, é que a possibilidade de cessão do crédito não está condicionada ao consentimento do devedor, que não pode impedi-la.  “A sua eficácia está condicionada à notificação ou à ciência do devedor apenas para ciência de que agora deve pagar ao cessionário, e não mais ao cedente”, concluiu. (Vide: Processo: AIRR-1000508-86.2018.5.02.0075).

Há jurisprudência que entende não se operar cessão de crédito trabalhista. Ex positivis:

CESSÃO DE CRÉDITOS TRABALHISTAS NA FASE DE CONHECIMENTO PARA TERCEIROS ESTRANHOS A RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL - VALORES INDEFINIDOS - INADEQUAÇÃO LEGAL E ANTIJURIDICIDADE - POSSIBILIDADE LEGAL DESTA AQUISIÇÃO DE DIREITOS POR TERCEIROS ESTRANHOS A RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL NA FASE DE EXECUÇÃO COM VALORES DEFINIDOS - PERDA DE BENEFÍCIOS CONCEDIDOS AOS EMPREGADOS NA ESFERA FISCAL, TRIBUTARIA E LEGAL - EXCEÇÃO AOS CRÉDITOS DE HERDEIROS POR FALECIMENTO DO EMPREGADO - AQUISIÇÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS POR ADVOGADOS DA CAUSA, EMBORA LEGAL, É MANIFESTAMENTE ANTIÉTICA E ADENTRA NO VASTO CAMPO DA IMORALIDADE. PRECEDENTE: E-3.397/2006

a) Não se opera a cessão de créditos trabalhistas na fase cognitiva por afrontar a legalidade e a juridicidade do processo.

b) A cessão de crédito é um negócio bilateral e comutativo onde o cedente transfere os direitos que tem sobre um crédito ao cessionário, que o adquire, independentemente do consenso do devedor cedido, sem que se opere a extinção do vínculo obrigacional ocorrido anteriormente;

c) A parte reclamante pode ceder seus créditos a terceiros estranhos a relação jurídica processual e, assim como os salários são impenhoráveis, mas não inalienáveis, podem também ceder os créditos de natureza trabalhista com valores já liquidados, sem que os direitos atribuídos ao empregado na esfera fiscal, legal e tributária sejam transmitidos ao cessionário;

d) Quando se tratar de direitos do "de cujus" todos eles serão cedidos aos herdeiros, sem prejuízo dos benefícios legais que são concedidos aos empregados na relação contratual trabalhista;

e) Advogado de uma causa que "compra" direitos trabalhistas do reclamante em valores já liquidados por sentença não adentra no campo da ilegalidade, mas adentra no da imoralidade e no vasto campo da atitude antiética. Proc. E-4.498/2015 - v.u., em 18/06/2015, do parecer e ementa do Rel. Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF - Rev. Dr. FÁBIO GUIMARÃES CORRÊA MEYER - Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA.

Precedente - E- 3.397/2006 – do parecer e ementa do Rel. Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA – Rev. Dr. LUIZ ANTÔNIO GAMBELLI – Presidente Dr. JOÃO TEIXEIRA GRANDE

Outra jurisprudência afirma: TRT 4. Agravo de Petição. Agravo de Petição da Executada. Cessão de Créditos trabalhistas. Invalidade. Prosseguimento da Execução. A cessão de créditos trabalhistas é inválida. Trata-se de crédito de natureza alimentar, não cabendo cessão a terceiros estranhos à relação trabalhista pactuada entre as partes. O juízo trabalhista é competente para determinar a invalidade da cessão de créditos trabalhistas.

Em decisão recente do TST, o Ministro Douglas Alencar Rodrigues, deixou expressamente consignado ser possível a cessão de créditos trabalhistas, não obstante ter negado o pedido da ação por ausência de pressuposto processual.

A cessão de créditos trabalhistas sempre foi objeto de muita celeuma. O posicionamento contrário à cessão parte da premissa de que direitos trabalhistas correspondem quase sempre a créditos alimentares, e portanto são indisponíveis e irrenunciáveis, daí porque não poderiam ser cedidos a terceiros. De fato, a vedação está prevista em Provimentos da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho (CGJT).

Por outro lado, aqueles que são favoráveis à cessão, assim como esposado pelo Ministro Douglas Alencar Rodrigues, sustentam que Provimentos da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho (CGJT) não devem se sobrepor ao Código Civil, notadamente ao que dispõe o artigo 286, desde que observados os requisitos gerais de validade do negócio jurídico à luz do artigo 104 também do Código Civil, quais sejam (i) agente capaz, (ii) objeto lícito e (iii) forma prescrita ou não defesa em lei.

A autorização para a cessão já era permitida desde a vigência da Lei 11.101/2005, a Lei de Falências e Recuperações Judiciais[2], mas ganhou maior força com o advento da Lei 14.112/2020, que a reformou, por meio da qual o legislador acrescentou um § 5º ao artigo 83 daquele diploma, determinando:

§ 5º Para os fins do disposto nesta Lei, os créditos cedidos a qualquer título manterão sua natureza e classificação.”

As razões que fundamentaram o posicionamento do Ministro Douglas Alencar Rodrigues representam um avanço da jurisprudência, que tende a favorecer um maior número de cessões de créditos trabalhistas.

É possível que esse direcionamento jurisprudencial aqueça o mercado de cessões de créditos trabalhistas. Os FIDC que já enxergavam boas oportunidades de negócios nesse nicho deverão investir mais em tais aquisições.

Não esgotando o tema, mas procurando dirimir algumas questões que certamente surgirão para os FIDC, antecipamo-nos a três delas:

1. Pode haver cessão crédito em toda fase processual?

Seguindo o entendimento jurisprudencial, entende-se que processos ainda não transitados em julgado não comportam esta possibilidade. Isso porque, não há crédito constituído em juízo que já integre o patrimônio jurídico do reclamante, apenas uma expectativa. Cessões, nessa fase processual, podem ser viabilizadas, entretanto, por via oblíqua.

2. Estando o processo em fase de execução, basta o cessionário comunicar a cessão que a execução prosseguirá normalmente?

Desde que não verificado nenhum vício, o entendimento predominante é de que com a cessão ocorre a transferência da titularidade do direito, sendo o cessionário o responsável pela persecução do crédito.

3. Se a executada falir, ou pedir Recuperação Judicial, o cessionário será considerado credor trabalhista?

Atualmente, desde a vigência da Lei n. 14.112/2020, que entrou em vigor em 23/01/2021, sim, limitadamente a 150 salários-mínimos no caso da falência. Para a recuperação judicial não há esta limitação, salvo se constar no plano aprovado. Em suma, o assunto é incipiente e sensível, trazendo oportunidades e riscos.

Em face da ausência de positivação no direito é controvertida a cessão de crédito trabalhista e, no Processo do Trabalho doutrina e jurisprudência divergem quanto as premissas, limites e, até mesmo quanto a licitude desse negócio jurídico.

O artigo 444 da CLT permite que as relações contratuais de trabalho sejam objeto de livre estipulação das partes interessadas, desde que isso não contrarie as disposições de proteção ao trabalho, os contratos coletivos, aplicáveis e as decisões de autoridades competentes, ou seja, afirmam que os direitos trabalhistas possuem alguma flexibilidade, desde que sejam obedecidos ciosamente os critérios estipulados em lei.

Nota-se que a impossibilidade existe em razão da ausência  de individualização da obrigação e não em razão da sua natureza, conforme  julgado do TRT da 2ª Região:

“CRÉDITO TRABALHISTA RECONHECIDO POR SENTENÇA JUDICIAL. CESSÃO A TERCEIROS. POSSIBILIDADE. Os créditos trabalhistas reconhecidos por sentença judicial e já liquidados, por se tratar de créditos vencidos (pretéritos) e integrantes do patrimônio do credor, podem ser livremente negociados (v.g., possibilidade de acordo na fase de execução, com renúncia parcial de parcela do crédito), inclusive cedidos a terceiros. Em razão do princípio da legalidade  (art. 5º, II, da CRFB/1988), ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, sendo que o art. 83, § 4º, da Lei  nº 11.101/05 dispõe expressamente sobre a possibilidade de cessão de  créditos trabalhistas a terceiros.”

São identificáveis, pelo menos, três correntes quanto à possibilidade de aplicação da cessão de créditos no Direito do Trabalho.

A primeira destas defende a admissibilidade da cessão de créditos trabalhistas, desde que atendidos os requisitos impostos pelos arts. 286 e seguintes  do Código Civil (CC) em vigor. Porém, após cedidos, os créditos perdem a natureza alimentar, por analogia ao art. 83, § 4º, da Lei nº 11.101, de 20053

Desse modo, o credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei ou a convenção com o devedor. Além disso, a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação. A transmissão do crédito deverá ser celebrada mediante instrumento público ou particular, revestido das formalidades do § 1º do art. 654 do CC, para que seja eficaz perante terceiros.

A segunda corrente também admite a cessão do crédito trabalhista, mas defende que sua execução não tramite na Justiça do Trabalho.

Quem lidera  esta corrente é o jurista Mauro Schiavi (2016, p. 1.068), baseado no art. 114, I  e IX, da Constituição Federal de 1988:

“(...) Pensamos que o crédito trabalhista pode ser cedido, mas, se  tal ocorrer, ele perderá a natureza trabalhista e se transmudará num crédito  de natureza civil, uma vez que se desvinculará de sua causa originária que  é a prestação de serviços ou relação de emprego.  Dessa forma, pensamos que, uma vez cedido o crédito a terceiro, cessará a competência material da Justiça do Trabalho para executá-lo, pois a controvérsia não será oriunda ou decorrente da relação de trabalho (art. 114 da Constituição Federal, incisos I e IX).”

Fábio Ulhoa Coelho igualmente defendeu esta corrente, ao explicar que o legislador pátrio da Lei de Falências estipulou uma exceção, quando se trata de crédito trabalhista, em relação ao tratamento dado pelo Código Civil brasileiro de que a cessão de um crédito abrange todos os seus acessórios; e a que sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.

“A regra geral do Código Civil é a de que a cessão de créditos importa a transferência ao cessionário de todas as preferências do crédito cedido” (CC, arts. 287 e 349). Quando se trata, porém, de cessão de crédito trabalhista na falência do empregador, a lei abre uma exceção.

Nessa hipótese, o cessionário não conserva a preferência do cedente, mas adquire crédito reclassificado como quirografário.

Ao excepcionar a regra geral da transmissão da preferência, a lei quer, na verdade, proteger o empregado. Ao determinar a reclassificação para baixo do crédito, ela praticamente inviabiliza a formação de mercado de aquisição dos créditos trabalhistas devidos na falência. Se a lei não abrisse a exceção, especuladores teriam interesse em assediar os empregados credores para deles adquirirem, com deságio significativo, o crédito.

Os empregados, normalmente expostos a sérias dificuldades em razão da falência do empregador, seriam presas fáceis nas mãos desses especuladores. Ao determinar a reclassificação para baixo, a lei desestimula tais negociações e protege os titulares de crédito trabalhista.”

Deposam dessa segunda corrente doutrinária é o de que a cessão de crédito é negócio particular, firmado extrajudicialmente, com terceiro estranho ao contrato de trabalho.

E, para tanto, o crédito cedido pelo trabalhador perderia a natureza alimentar, e com ela, a própria natureza de crédito trabalhista em si, afastando a competência da Justiça do Trabalho para dar continuidade à execução, atraindo a competência da Justiça Comum.

A derradeira e terceira corrente defende que a cessão do crédito é inadmissível sobre verbas trabalhistas. É o entendimento do Professor e Ministro do TST Maurício Godinho Delgado (2016) em total discordância com a cessão de créditos trabalhistas: “A cessão de crédito, no tocante aos direitos empregatícios, é  figura inabsorvível pelas regras juslaborais.

Noutras palavras, a ordem  jurídica não tolera mecanismos explícitos ou dissimulados de efetuação  do pagamento salarial ao credor do empregado. É inválida, no Direito do Trabalho, até mesmo a expressa autorização do empregado a seu credor para que este receba o crédito salarial. Isso significa que o único pagamento hábil a desonerar o devedor trabalhista é aquele feito diretamente ao próprio empregado (art. 464 da CLT), já que a ordem jurídica veda a cessão de crédito trabalhista.”

O maravilhoso doutrinador Caio Mário da Silva Pereira (1978) alertava que o Código Civil de 1916 e o de 2002 seguiu idêntica orientação, afastara-se, no que se refere à cessão de crédito, do Código Civil francês ou do italiano de 1865, que a consideravam apenas ex venditionis causa.

Enfim, optou-se em dar normação como instituto autônomo, dada a sua natureza intrínseca de transferência de obrigação, inserido, no final da Parte Geral das Obrigações, antes da disciplina dos contratos, passível, mesmo assim de ser incluído na categoria dos contratos atípicos ou inominados.

Ainda segundo Caio Mário, chama-se "cessão de crédito o negócio jurídico em virtude do qual o credor transfere a outrem a sua qualidade creditória contra o devedor, recebendo o cessionário o direito respectivo, com todos os acessórios e todas as garantias".

A cessão de crédito, por sua vez, é chamada de convencional, por ser decorrente de acordo de vontades entre o cedente e o cessionário, legal em razão de imposição da lei, a exemplo da sub-rogação contemplada no art. 346 do CC , e judicial, quando se apresenta como consequência de uma sentença judicial.

A sentença judicial, da qual decorre, como efeito necessário, a cessão de direitos, segundo lição de Arnoldo Wald (1992), pode ser “homologatória de uma partilha (atribuindo a herdeiro ou legatário determinado crédito do falecido) ou adjudicatória ao autor de um crédito existente em favor do réu”.

A cessão de crédito é pro soluto se o cedente, mesmo garantindo a existência do crédito, não se obriga pela sua boa ou má liquidação, correndo os riscos, eventualmente irrompidos, às custas do cessionário, o qual, em qualquer hipótese, nada mais terá a exigir do cedente.

A cessão consensual, ultimada entre o terceiro e o exequente, dependerá, unicamente, do acordo de vontades de ambos, sem que haja exigência, para sua validade, da adoção de qualquer espécie de solenidade, podendo ser classificada como pro solvendo.

Embora a notificação do devedor não seja indispensável à cessão, adverte Arnoldo Wald (1992) que “após a notificação, se o devedor fizer o pagamento do débito ao cedente, terá pago mal e assim pagará uma segunda vez ao cessionário, por ser evidente a sua má-fé”.

Caso o ajuste e a quitação dos créditos da execução em curso e do contrato de trabalho extinto forem posteriores à notificação do executado, estar-se-á diante da má-fé de que estava imbuído, a partir da qual ressai a certeza de ter pago mal.

Sujeita-se, assim, a novo pagamento, desta feita, ao cessionário, em montante correspondente às verbas trabalhistas que lhe foram transferidas e se encontrem discriminadas no instrumento de cessão de crédito, com juros e correção monetária, na forma da lei.

Constatado que o executado tinha conhecimento da cessão de crédito, quando da notificação que o cessionário eventualmente lhe tivesse enviado, se, ainda assim, efetuar o pagamento ao cedente, terá incorrido na norma do art. 5º do Código de Processo Civil de 2015 (CPC), ao estabelecer que “aquele que  de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a  boa-fé”.

Na lição de Fredie Didier Junior (2017) não se pode confundir um princípio (norma) de boa-fé com  a exigência de boa-fé (elemento subjetivo) para configuração de alguns atos ilícitos processuais

(...) Continua o doutrinador, in litteris: “A boa-fé subjetiva é elemento do suporte fático de alguns fatos jurídicos; é fato, portanto. A boa-fé objetiva é uma norma de conduta:  impõe e proíbe condutas, além de criar situações jurídicas ativas e passivas. Não existe princípio da boa-fé subjetiva. O art. 5º do CPC não  está relacionado à boa-fé subjetiva, à intenção do sujeito processual:  trata-se de norma que impõe condutas em conformidade com a boa-fé objetivamente considerada, independentemente da existência de boas  ou más intenções.”

Arrematou, o doutrinador baiano, assinalando haver também “regras de proteção à boa-fé que concretizam o princípio da boa-fé e compõem a modelagem do devido processo legal brasileiro. As normas sobre litigância de má-fé (arts. 79-81 do CPC) são um exemplo disso”.

Já a hipótese de o exequente-cedente dizer que desconhecia tivesse transferido título executivo referente ao processo, se, efetivamente, tinha conhecimento dessa transferência, essa sua atuação se dá à margem da norma paradigmática do art. 422 do CC, de que “os contraentes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Arnoldo Wald (1992) recorda que o Código Civil brasileiro de 1916 aludia à boa-fé em cerca de trinta artigos e à má-fé em mais de vinte, nada positivando, em específico, quanto aos contratos, omissão que pretendia ver suprimida no Código vindouro, o então Projeto de Lei 634-B/1975, na qual, ao disciplinar "Dos Contratos em Geral" introduzira o artigo 422, em que a numeração e a norma são idênticas às dos artigos do Código Civil de 2002.

Na mesma oportunidade o doutrinador mencionava a dificuldade em conceituar e explicar  a boa-fé, enquanto a probidade era turno que o dicionário explicava como integridade de  caráter e honradez, mediante a remissão ao Novo Dicionário Aurélio.

Lembrava haver dois conceitos de boa-fé, um de natureza psicológico e, outro de conteúdo ético, sendo que o primeiro se contenta com a ignorância sem se ocupar da culpa ou negligência de quem pratica o ato, ao passo que o segundo não se compraz com a ignorância, de tal modo que, agindo com culpa ou falta de cuidado grave, a pessoa age mal, não podendo alegar boa-fé.

Segundo Professor Jacques Ghestin (1980) da Universidade de Paris para quem a boa-fé é uma noção jurídica enquanto princípio geral de direito, que consagra uma exigência geral de lealdade nas relações contratuais, fazendo presumir que o contrato, concluído por pessoas livres e responsáveis, está conforme à justiça.

Para o Didier Jr., a legitimação extraordinária negocial acha-se consagrada  no vigente Código de Processo Civil, por ser o negócio jurídico fonte de norma  jurídica, que igualmente compõe o ordenamento jurídico, culminando com a  assertiva de que “negócio jurídico pode ser fonte normativa da legitimação  extraordinária”.

Segundo Fredie Didier Jr., “Este negócio jurídico é processual, pois atribui a alguém o poder de conduzir validamente um processo”.

De acordo com o processualista, “não há qualquer obstáculo normativo a priori para legitimação extraordinária de origem negocial. E, assim sendo, o direito processual civil brasileiro passa a permitir a legitimação extraordinária atípica, de origem negocial”, a dar o tom da admissibilidade da cessão de crédito  no Processo do Trabalho.

Entretanto, mesmo tendo sido aceita a cessão de crédito no Processo do Trabalho, sobretudo com o advento do Código de Processo Civil de 2015,  adverte o autor com base na aplicação analógica dos arts. 290 e 294 do Código Civil de 2002: “Assim, atribuição negocial de legitimação extraordinária é ineficaz em relação ao futuro réu, se este não for notificado; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita. Aceita-se, ainda, qualquer meio de prova  da notificação.”

Por oportuno, cabe apontar que ao falecer a competência material ao juízo da Vara do Trabalho para declarar, de ofício ou a requerimento do devedor-executado, a invalidade da cessão de crédito decorrente do título executivo judicial transitado em julgado.

Isso por envolver negócio jurídico de natureza eminentemente civil,  mas de repercussão consentida no Processo do Trabalho, principalmente com  a superveniência do Código de Processo Civil de 2015, conforme se dessume, claramente, do art. 286 do Código Civil de 2002, no confronto com o art. 114 e parágrafos da Constituição Federal de 1988.

Tampouco pode inclinar-se pela sua invalidade como questão prejudicial, com vistas à manutenção do acordo celebrado entre a exequente-cedente e o devedor-executado.

Tal se deve à exigência do inciso III do § 1º do art. 503 do CPC de 2015, de que o juiz detenha, para tanto, “competência em razão da matéria ou da pessoa para resolvê-la como questão principal”.

Essa provém tanto do disposto no § 1º inciso III do art. 778 do Código de Processo Civil de 2015 quanto do fato de a cessão não implicar modificação no conteúdo ou natureza da obligatio, remanescendo inalterada a natureza trabalhista dos créditos cedidos, pouco importando a condição do cessionário, por envolver uma substituição subjetiva, sem modificação do conteúdo trabalhista das verbas objeto da condenação e da cessão de crédito.  Verbas, por sinal, licitamente transmissíveis, seja por elas o terem sido na fase da execução ou por não serem personalíssimas.

Defende-se, portanto, se uma violação ao direito personalíssimo der azo à reparação pecuniária, esta poderá ser cedida. E, não obstante existir sólida divergência jurisprudencial e doutrinária sobre o tema, a cessão de crédito, não encontra nenhum óbice para sua aplicação plena no Direito Processual do Trabalho.

Referências:

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 12ª edição. São Paulo: RT, 2017.

DIGCAP. Cessão de Crédito Trabalhista. Disponível em: https://www.digcap.com.br/cessao-de-credito-trabalhista/#:~:text=A%20cess%C3%A3o%20de%20cr%C3%A9dito%20%C3%A9,da%20%E2%80%9Cvenda%E2%80%9D%20do%20processo. Acesso em 12.02.2023.

DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual civil. volume 1. Parte Geral e Processo de Conhecimento. 19ª edição. Salvador: Juspodvm, 2017.

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LEVENHAGEN, Antonio José de Barros; MINICUCCI, Marília Nascimento. A Cessão de Crédito no Processo do Trabalho: Admissibilidade superveniente ao CPC de 2015. Disponível em: 2021_levenhagen_antonio_cessao_credito (tst.jus.br)  Acesso em 12.02.2023.

MESQUITA, Denis Andreeta. Cessão de créditos trabalhistas é admitida pelo TST. Disponível em: https://www.fortes.adv.br/2021/09/06/cessao-de-creditos-trabalhistas-e-admitida-pelo-tst/ Acesso em 12.02.2023.

MORAES, Beatriz. A possibilidade de cessão de crédito trabalhista. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-mai-10/beatriz-moraes-possibilidade-cessao-credito-trabalhista Acesso em 12.02.2023.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: teoria geral de obrigações. 5 ª. ed.  v. II, Rio de Janeiro: Forense, 1978..

SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 10ª edição. São Paulo: LTr, 2016.

WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: obrigações e contratos. 10ª edição. São Paulo: RT, 1992.

Notas:

[1] O deságio é o termo utilizado para se referir ao desconto percentual sobre o valor do crédito trabalhista que será vendido. Exemplificando, se o valor de sua ação é R$ 100.000,00 e há decisão de venda, deve-se haver uma negociação de desconto ao comprador, que por sua vez pagará de 30 a 70% do valor de sua ação.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Cessão de Crédito Créditos Trabalhistas Direito Processual do Trabalho Justiça do Trabalho CC CLT

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