Pente fino no paralelo

A Receita Federal identificou e está se preparando para intimar a primeira leva de 1.500 clientes dos 123 doleiros com volume negociado superior a US$ 5 milhões anuais cada, investigados pela Operação Farol da Colina, da Polícia Federal. Pelos cálculos iniciais, eles deverão sofrer multas num total de R$ 180 milhões por movimentação incompatível com a renda declarada ao Fisco e por remessas ilegais ao exterior.

Fonte: Jornal O Globo

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A Receita Federal identificou e está se preparando para intimar a primeira leva de 1.500 clientes dos 123 doleiros com volume negociado superior a US$ 5 milhões anuais cada, investigados pela Operação Farol da Colina, da Polícia Federal. Pelos cálculos iniciais, eles deverão sofrer multas num total de R$ 180 milhões por movimentação incompatível com a renda declarada ao Fisco e por remessas ilegais ao exterior. O levantamento, feito a partir de uma devassa na contabilidade dos doleiros relativa ao ano de 1999, foi concluído e enviado ã PF na semana passada.

A Farol da Colina foi o tiro de misericórdia num mercado que já vinha se arrastando nos últimos anos. Pelos dados da PF, as transações no paralelo caíram drasticamente após a operação. Com medo das investigações, os clientes estariam evitando os doleiros. Por sua vez, os doleiros que ainda estão operando no black também estão mais cautelosos. Só fazem operações de pequeno porte e, ainda assim, pessoalmente.

? Acabou aquele negócio em que o cliente ligava, o doleiro fazia o depósito numa determinada conta no exterior e, depois, recebia o dinheiro investido. Ninguém confia mais nesse sistema ? afirmou o delegado Paulo Falcão, coordenador nacional da Farol da Colina. ? Fizemos alguns monitoramentos e constatamos que este mercado deu uma retraída forte ? acrescentou.

Mudança de perfil nas operações

Segundo ele, a credibilidade do sistema era sustentada também pelo anonimato dos autores das transações, o que não existe mais. Pelos dados da Receita e da PF, o esquema movimentou US$ 20 bilhões entre 1997 e 2002. Segundo relatório reservado da PF sobre o assunto, a operação funcionava como um verdadeiro sistema bancário paralelo. Os doleiros tinham entre si até câmara de compensação. O mecanismo permitia o socorro de um doleiro por outro em momentos de apuros.

Um doleiro que atua no mercado há dez anos avalia que, dos dez a 15 grandes doleiros que existiam há cinco anos, sobraram apenas dois ou três após a operação:

? O mercado está morrendo aos poucos e os que ficaram estão mais seletivos. Escolhemos clientes e não fechamos mais operações muito grandes, que possam trazer problemas no futuro ? admitiu.

Para driblar o cerco, um outro doleiro carioca, situado na Zona Sul, contou que algumas casas de câmbio montaram estruturas grandes em países vizinhos, como o Uruguai, e têm apenas um representante no Brasil, com escritórios no Centro e em shoppings cariocas. O cliente telefona e um portador do doleiro fecha o negócio no lugar combinado.

? Na maioria das operações, ganha-se, em média, 1% do volume negociado. É muito pouco comparado com o que se ganhava no passado ? comparou esse doleiro.

Exatamente no dia da realização da Farol da Colina (17 de agosto), a Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro (Andima) suspendeu a divulgação da cotação do dólar paralelo, que era feita com a coleta de preços em cinco casas de câmbio do Rio e em cinco de São Paulo. A entidade garante que isso não passou de uma coincidência e que a interrupção ocorreu porque este mercado tornou-se inexpressivo.

? Esta decisão estava sendo amadurecida há algum tempo ? assegurou um técnico da Andima.

Um gerente de uma casa de câmbio instalada na Rio Branco, no Centro do Rio, admitiu que o giro financeiro diário, que estava em baixa desde o início de agosto, caiu ainda mais após a realização da operação Farol da Colina. A queda, da ordem de 30%, fez a movimentação financeira baixar para US$ 3 mil. As agências de câmbio, porém, preferem atribuir a retração à queda da cotação da moeda.

? Há um encolhimento normal, porque o dólar está em queda. As pessoas que têm a moeda preferem não vender e as que querem comprar aguardam um pouco mais ? diz o gerente da casa de câmbio Zenetti, Celso Suzano.

Foram pequenos golpes ao longo da última década e meia. A livre flutuação do câmbio e a legalização das remessas de dólares para o exterior por meio das contas CC-5, criadas no início da década de 90, minguaram o volume de recursos girado no paralelo. Até então, era ilegal enviar moeda para o exterior.

? Foi um mercado importante. Para viajar, os turistas só podiam levar mil dólares na bolsa. Quem quisesse comprar mais caía no paralelo. Não eram só operações caixa dois. Tinha exportador, importador, turistas, de tudo ? lembrou a economista Clarice Messer.

Carlos Cintra, gerente de Renda Fixa do Banco Prosper recordou de um tempo em que os doleiros tinham força no mercado:

? Eles tinham acesso a quem comprava e vendia, pessoas que queriam manter-se no anonimato. Era um dado poderoso e algumas vezes, manipulavam essas informações. Há cinco, dez anos, todo mundo acompanhava o mercado paralelo. Hoje, é um mercado que morreu para o mundo das finanças.

Paulo Veiga, sócio da Mercatto Gestão de Recursos, crê, no entanto, que esse mercado sempre existirá.

? Não tem acabar: o caixa dois existe em todo o mundo. Mas, no Brasil, o paralelo como conhecemos vai ter apenas uma sobrevida. Para a maioria, esse é um mercado que já morreu e só foi enterrado com a Operação Farol da Colina.

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