Justiça autorizou aborto em 54% das ações em casos de anencefalia

Entre 2001 e 2006, os tribunais de Justiça do País receberam 46 pedidos de interrupção da gravidez de anencéfalos. Em 54% dos casos, a decisão foi favorável à mulher, permitindo o procedimento.

Fonte: Estadão.com.br

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Entre 2001 e 2006, os tribunais de Justiça do País receberam 46 pedidos de interrupção da gravidez de anencéfalos. Em 54% dos casos, a decisão foi favorável à mulher, permitindo o procedimento. Em outros 35% o pedido foi negado. Nas demandas restantes, o tempo para decisão foi tão longo que o feto morreu antes. Os dados são de estudo inédito realizado pelo Programa de Apoio a Projetos em Sexualidade e Saúde Reprodutiva (Prosare), ligado ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

Além de mapear os casos nas segundas instâncias da Justiça, no Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ), o estudo analisou sentenças de desembargadores e ministros. A conclusão foi de que, nos pedidos negados, a decisão foi embasada em argumentos religiosos. Em 2002, por exemplo, num caso julgado no Tribunal de Justiça de São Paulo, o juiz começou a negativa afirmando que "segundo a dogmática cristã, o feto adquire estado de pessoa desde a concepção".

Já os juízes que autorizaram a interrupção usaram explicações médicas, afirmando a possibilidade do diagnóstico seguro e o fato de que o anencéfalo é considerado natimorto pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). São justificativas que mencionam preocupação com a saúde das mulheres. Em decisão do Tribunal de Justiça de Minas o relator escreveu: "A requerente possui direito líquido, certo e até natural ao aborto em decorrência de malformação congênita do feto, evitando-se a amargura e o sofrimento físico e psicológico, considerando que os pais já sabem que o filho não tem chance de vida extra-uterina". "Em geral, observamos a tendência dos tribunais em autorizar os pedidos, mais da metade das ações foram julgadas procedentes", afirma a advogada Tamara Amoroso Gonçalves, uma das autoras da pesquisa.

Desigualdades

A análise das decisões mostra também as diferenças regionais. Sul e Sudeste lideram as autorizações e Norte e Nordeste são os campeões em pedidos negados. No Centro-Oeste, há equivalência nas ações julgadas procedentes e improcedentes. "Sul e Sudeste têm mais autorizações do que todas as outras regiões juntas", diz a advogada. "E no Sul quase não há negativas, o que mostra a tendência progressista do Judiciário de lá".

Mas é no Norte e Nordeste que os pedidos para interrupção em casos de anencefalia são maiores proporcionalmente, chegando a representar 20% de todas as ações referentes a aborto. "Esse estudo mostra que as decisões podem depender das crenças e da religião do juiz e também indica quantos casos nem são julgados porque a tramitação foi lenta demais", diz Margareth Arilha, diretora do Prosare. "O Estado não pode se pautar por uma situação tão irregular, tão aleatória", afirma.

Para a promotora de Justiça do Estado de São Paulo Flávia Piovesan, as divergências mostram como é urgente que o STF se posicione sobre o tema. "O Judiciário está com tendência favorável, pelo que mostra o estudo, mas o STF precisa se posicionar, inclusive para que os juízes não decidam com base em crenças pessoais num Estado que deve ser laico", explica.

As 48 ações encontradas pela pesquisa são apenas uma amostra do total de processos movidos no País nesse período, já que muitas delas são resolvidas em primeira instância. Para se ter uma idéia, nos quatro meses em que o aborto em caso de anencefalia foi permitido - de julho a outubro de 2004, por uma liminar concedida pelo ministro do STF Marco Aurélio de Mello - 58 mulheres interromperam a gravidez, segundo levantamento da ONG Anis.

O diagnóstico preciso para esse tipo de malformação começou a ser possível nos anos 1990, com o surgimento da ultra-sonografia de melhor resolução. Estima-se que pelo menos 15 mil brasileiras fizeram o aborto de anencéfalos com autorização judicial desde então. Não há dados sobre as que fizeram ilegalmente.

Atualmente, nos países da América do Norte, Europa e parte da Ásia é permitido o aborto em todos os casos de malformações incompatíveis com a vida. Desde 2003, a Argentina tem lei semelhante. A proibição permanece em países muçulmanos, em parte da África e da América Latina, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Na semana passada, o STF realizou duas audiências públicas para ouvir representantes da sociedade sobre o tema. Na primeira, grupos religiosos divergiram sobre a proposta: a Igreja Universal se posicionou a favor e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), contra. Em 28 de agosto, CFM e sociedades médicas explicaram a questão e defenderam a antecipação do parto. Na quinta-feira, dia 4, outras instituições debaterão o assunto e, até o fim do ano, a ação movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde (CNTS) deverá ter o mérito julgado.

Palavras-chave: anencefalia

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