Homicídio qualificado pelo emprego de meio cruel. Concurso de pessoas. Pronúncia. Apelação criminal. Ausência de má-fé.

APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL.

Fonte: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN.

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Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN.

Recurso em Sentido Estrito nº 2007.006286-7 - 3ª Vara Criminal da Comarca de Natal/RN

Recorrente: Josias Braz da Silva

Advogado: Lúcio de Oliveira Silva

Recorrida: A Justiça

Relatora: Desembargador Clotilde Madruga Alves Pinheiro

EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO EMPREGO DE MEIO CRUEL. CONCURSO DE PESSOAS. PRONÚNCIA. APELAÇÃO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. RECEBIMENTO COMO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CABIMENTO. ALEGADA AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO QUANTO À QUALIFICADORA E O CONCURSO DE PESSOAS. ARGUMENTO QUE NÃO DEVE PREVALECER. DECISÃO DE ENVIO COMEDIDA, PORÉM DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO À DEFESA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas, ACORDAM os Desembargadores que integram a Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos e em consonância com o parecer da Douta 1ª Procuradoria de Justiça, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora.

RELATÓRIO

LUCIANO XAVIER DO NASCIMENTO, JOSÉ ROBERTO BELCHIOR DOS REIS, ERCÍLIO BARBOSA DE OLIVEIRA e JOSIAS BRAZ DA SILVA, todos policiais militares, foram denunciados como incursos nas penas do artigo 121 (homicídio), parágrafo segundo (qualificado), inciso III (meio cruel), c/c os artigos 29 (concurso de pessoas) e 61, inciso II, alínea f, primeira figura, todos do Código Penal.

Isso porque, de acordo com a peça inaugural, em 24.11.1997, por volta das 23:00h, no local denominado Cruzeiro, no bairro de Bom Pastor, os indiciados abordaram a vítima, exigindo-lhe documentos que a identificasse, no que foram atendidos.

Entretanto, momentos após, abordaram-na novamente e, diante da recusa do ofendido em se identificar novamente, Ercílio Barbosa de Oliveira, na qualidade de motorista da viatura, disse que já o havia revistado e o faria quantas vezes quisesse, oportunidade em que passou a espancar a vítima com socos, pontapés e coronhadas de revólveres, no que foi auxiliado pelos demais.

Após as lesões sofridas, Emerson José Ferreira Barreto, embora tenha sido internado no hospital Walfredo Gurgel, onde foi submetido a uma intervenção cirúrgica, não resistiu - fls. 04/06.

Encerrada a instrução processual, todos os supostamente envolvidos foram pronunciados como incursos nas penas do artigo 121, parágrafo segundo, inciso III, c/c o artigo 29, todos do Código Penal em vigor - fls. 287/290.

Embora intimados tanto os acusados (Ercílio Barbosa de Oliveira (fl. 292v), José Roberto Belchior dos Reis - (fl. 293v) e Luciano Xavier do Nascimento (fl. 313), quanto seus defensores (fl. 302), nenhum deles recorreu da decisão de envio, à exceção de Josias Braz da Silva, que devidamente intimado à fl. 301, apresentou o recurso de apelação acostado à fl. 304.

Em despacho de fl. 312, o Juiz singular recebeu o apelo como sendo recurso em sentido estrito, cujas razões sustentaram que a defesa sofreu enorme prejuízo haja vista que, em momento algum, a decisão vergastada trouxe qualquer motivação quando do reconhecimento do concurso de pessoas, bem como da qualificadora prevista no artigo 121, parágrafo segundo, inciso III, do Código Penal, que trata sobre a utilização de meio cruel para a prática criminosa.

Com base nessa premissa, pugnou pelo conhecimento e provimento do recurso - fls. 318/325.

Em sede de contra-razões - fls. 326328, o Ministério Público, através da 39ª Promotoria de Justiça, refutou os argumentos do recorrente e, ao final, pugnou pela manutenção da pronúncia.

Em juízo de retratação, a decisão foi mantida em todos os seus termos, após o que, os autos foram encaminhados a esta Corte - fls. 329/330.

Instada à emissão de parecer, a Douta 1ª Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e improvimento do apelo.

VOTO

Antes de passar a análise de mérito do recurso, ressalvo que Josias Braz da Silva devolveu a matéria a esta Corte através de apelação criminal, que por sua vez foi recebida pelo juiz singular como recurso em sentido estrito - fl. 312, conforme disposição contida no artigo 581, inciso IV, do Código de Processo Penal.

Assim, presentes todos os requisitos de admissibilidade e reconhecendo o acerto no despacho de fl. 312 proferido pelo Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal, conheço do presente inconformismo como recurso em sentido estrito, o que faço com arrimo no princípio da fungibilidade recursal, ante a inobservância de má-fé da defesa, previsto no artigo 579 do Código de Processo Penal.

A propósito, colaciono recente decisão proferida por esta Corte:

"EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECEBIMENTO DE APELAÇÃO COMO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. PRONÚNCIA. ATO PROCESSUAL PROFERIDO NOS TERMOS DA LEI. AUSÊNCIA DE EIVA. TENTATIVA DE HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. ALEGAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA. SITUAÇÃO NÃO CONFIGURADA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. MANUTENÇÃO DA PRONÚNCIA QUE SE IMPÕE.

- Não estando demonstrada má-fé do recorrente na interposição do recurso deve ser aplicado o princípio da fungibilidade e recebida a Apelação Criminal como Recurso em Sentido Estrito.

(...)

- Conhecimento e improvimento do recurso."

(TJ/RN, Recurso em sentido estrito nº 2005.002396-2, Relatora: Desembargadora Judite Nunes, j. 21.09.2007, DJ 03.10.2007)

Passando a análise de mérito, registro que o inconformismo da defesa se resume ao fato de que o reconhecimento da qualificadora encartada no artigo 121, parágrafo segundo, inciso III, do Código Penal, assim como do concurso de pessoas, previsto no artigo 29 da mesma legislação, não veio acompanhado de qualquer motivação, o que, sustenta, trouxe enorme prejuízo à defesa.

Ocorre, porém, que diferentemente do que sustenta o recorrente, a pronúncia, como decisão comedida que deve ser, reconheceu a existência de indícios da qualificadora do meio cruel, quando mencionou:

"(...) consoante ponderado pelo MP, há sinais de que os acusados praticaram a agressão sofrida pela vítima, através de socos, pontapés e coronhadas de revólveres, denotando-se que o meio empregado para a prática do delito foi cruel."

Aqui, destaco a decisão já proferida nos seguintes termos:

TJ/SC. "Homicídio qualificado. Emprego de meio cruel. Vítima que faleceu em conseqüência de agressão, pontapés e pisoteamento dos acusados." (RT 532/340) (1)

Portanto, diante da existência de indícios de sua ocorrência, a prática do crime através de meio cruel é qualificadora que deve ser submetida ao crivo do Conselho de Sentença.

Tanto assim, que esta Corte já se pronunciou nessa vertente quando do julgamento do recurso em sentido estrito nº 2005.005731-0, de relatoria do Eminente Desembargador Caio Alencar, que, em sua ementa, destacou: "(...) somente é possível a exclusão de qualificadora admitida na pronúncia quando a prova dos autos demonstra cabalmente a sua não incidência"(2).

Já no que pertine ao concurso de pessoas, constato que o Magistrado, em que pese não tenha especificado qual a provável participação do recorrente no crime, falou dos indícios trazidos pelos testemunhos colhidos, através dos quais ele foi identificado como um dos autores da abordagem feita à vítima, bem como das agressões empreendidas contra Emerson José Ferreira Barreto.

É importante destacar que "para a pronúncia basta a existência de indícios da participação na ação que resultou na morte da vítima. Convencendo-se o Juiz, pelos indícios, dessa participação, deve remeter o acusado a julgamento pelo Tribunal do Júri eis que, em tema de provisional, a solução é pro societate" (TJ/SC, Recurso Criminal nº 2002.001710-8, Relator: Desembargador João Eduardo Souza Varella, j. 30.04.2004).

Nesses termos, vários julgados já foram proferidos. Senão vejamos:

"Co-autoria - Pronúncia - Pretendida distinção, pelo Ministério Público, quanto à dimensão da participação de co-autores do delito - Aspecto que será analisado ao ensejo do julgamento dos réus pelo Tribunal do Júri." (RT 600/381)

"DENÚNCIA - INÉPCIA - CONCURSO DE AGENTES - INDIVIDUALIZAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DE CADA UM DOS ACUSADOS NA EMPREITADA CRIMINOSA - DESNECESSIDADE - DESCRIÇÃO DA CONDUTA GLOBAL - VALIDADE.

Não é inepta a denúncia que, tratando de concurso de agentes, mesmo sem individualizar a participação de cada um dos acusados na empreitada criminosa, descreve suas condutas de forma global, tornando perfeitamente possível o exercício da defesa.

PRONÚNCIA - AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO - EXPOSIÇÃO, AINDA QUE SUCINTA, DOS MOTIVOS QUE LEVARAM AO ACOLHIMENTO DE QUALIFICADORA ARTICULADA PELA ACUSAÇÃO - NULIDADE INOCORRENTE.

É válida a decisão que, ainda que sucintamente, apresenta os motivos que levaram ao acolhimento de qualificadora articulada na inicial, pois apenas a absoluta ausência de fundamentação anula a provisional.

PRONÚNCIA - INTERPRETAÇÃO DO ELENCO PROBATÓRIO PARA DESPRONUNCIAR OS RÉUS OU DESCLASSIFICAR O FATO DELITUOSO - IMPOSSIBILIDADE - PROVA DA MATERIALIDADE DO CRIME E INDÍCIOS DE SUA AUTORIA - ARTIGO 408, CAPUT, DO CPP - MANUTENÇÃO.

Havendo inversão do clássico princípio in dubio pro reo para in dubio pro societate, basta, como base da pronúncia, a existência de prova da materialidade do crime e indícios de sua autoria, não sendo dado, nessa fase processual, incursionar profundamente na prova, máxime no que pertine ao elemento subjetivo dos agentes, competindo ao Tribunal do Júri decidir sobre todas as circunstâncias relativas ao fato tido como delituoso.

QUALIFICADORA - EXCLUSÃO - IMPOSSIBILIDADE.

Encontrando a circunstância qualificadora articulada na denúncia razoável apoio na prova dos autos, deve ser admitida e mantida na provisional."

(TJ/SC, Recurso Criminal nº 97.009295-4, Relator: Desembargador Paulo Gallotti, j. .26.02.1998)

"Sendo a pronúncia uma decisão meramente interlocutória, sua finalidade é, tão-somente, capitular o crime na sua forma simples ou qualificada, não podendo, jamais, incluir no seu todo fatos ligados à individualização da pena." (RT 516/358)

Ante o exposto, em consonância com o parecer ministerial, nego provimento ao recurso, mantendo, incólume, a decisão de envio.

É como voto.

Natal, 11 de dezembro de 2007.

Desembargador Caio Alencar
Presidente

Desembargadora Clotilde Madruga
Relatora

Doutor Anísio Marinho Neto
1º Procurador de Justiça


 

Palavras-chave: meio cruel

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