ENTREVISTA ESPECIAL: Reincidência criminal como agravante

Entrevistado: Dr Ricardo Freire Vasconcellos - Advogado criminalista da Comissão de Direitos Humanos da OABDF

Fonte: Jornal Jurid

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O tema está sendo discutido no STF no RE 591563, impetrado pelo ministério público gaúcho em desfavor a Davison Rosa da Silva contra acórdão do TJ-RS, que reformou a setença de primeiro grau e questionou a constitucionalidade do artigo 61, inc. I do CP, que considera como agravante a reincidência na aplicação da pena de tentativa de roubo com uso de violência, ameaça e concurso de pessoas (artigo 157, parágrafo 2º, incisos I e II, combinado com o artigo 14 e artigo 180 do Código Penal).

 


A decisão no RE pode declarar a inconstitucionalidade (controle difuso) do artigo 61 do Código Penal, que trata da reincidência como agravante:


Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984); I - a reincidência; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).

 

ENTREVISTA

 

 


1) O que é reincidência criminal e em qual legislação está prevista?


Antes de mais nada, gostaria de agradecer a TV Justiça por dar a oportunidade de analisarmos didaticamente esse ponto polêmico da execução penal que é a reincidência, e friso que o estudo aqui apresentado de nenhuma maneira será abordado em vias de discutir a constitucionalidade ou não da reincidência, até porque a matéria se encontra em sede de Recurso Extraordinário sendo de competência dos eminentes Ministros da Corte Suprema a análise da constitucionalidade por meio difuso - nesta entrevista será abordado a utilização da reincidência e quais seus efeitos práticos na execução da pena e se sua utilização como agravante do delito caracteriza-se como bis in idem.

 
O que seria a reincidência criminal em si? Re (de novo) incidência (incidir) fazer, praticar - insistir - significa voltar a praticar um delito havendo sido anteriormente condenado com trânsito em julgado da sentença penal condenatória em outro delito (sendo o mesmo crime ou não).


Caso a reincidência se concretize pelo mesmo delito ou de delito de mesma natureza - é chamada de reincidência especifica.

 

 


2) A reincidência é circunstância que sempre agrava a pena. Explique.


A reincidência criminal está prevista implicitamente em vários artigos do Código penal, porém está expressa nos Artigos 61 inciso I, 63, e 64, o caso discutido versa sobre a aplicação do artigo 61, inciso I:


Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:


I - a reincidência;


Por esta redação se extrai que a reincidência deveria ser aplicada sempre como uma forma de agravar a pena, mas isso é questionável no ponto de vista de fixação da pena e das fases de cominação da sentença, e esta é a discussão do RE que se encontra em trâmite no STF.


Os outros dispositivos expõem a seguinte redação:


Reincidência


Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.


Limite temporal da reincidência:


Art. 64 - Para efeito de reincidência


I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação.


A corrente garantista do Direito Penal da qual me afilio defende que ao aplicar a pena base o juiz já utiliza a reincidência como uma forma de agravar a pena que será aplicada ao réu, isso porque o juiz para sentenciar analisa o artigo 59 do CP, que assim dispõe:


Artigo 59 O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:


I - as penas aplicáveis dentre as cominadas.
II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos.
III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;
IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.


Neste caso, quando se fala em análise dos antecedentes criminais estamos falando diretamente da reincidência.
 

A sentença possui 3 fases a primeira delas analisa a pena base do delito, para fixá-la o juiz verifica se o crime é uma conduta de grande reprovação social, se a autor possui antecedentes criminais - Pois a reincidência ocorre pela presença de antecedentes criminais se dão por verificação de que o autor já fora condenado com trânsito em julgado de um crime que o autor praticou anteriormente e analisa se o réu e primário, tecnicamente primário ou reincidente.


Pelo entendimento do STF


O primário nunca praticou delito nenhum e não possui condenações transitadas em julgado.


O tecnicamente primário - possui condenação ou processos criminais correndo contra o autor, porém, nenhum desses processos chegou ao transito em julgado, por esta razão não podem ser considerados como crimes consumados, consequentemente,


os réus reincidentes são aqueles que possuem condenação anterior transitada em julgado e voltam a cometer novo crime.


Por isso a utilização da reincidência já se dá logo na primeira fase de análise da pena base a ser aplicada, que servirá para definir o quantum de pena deve ser justa para resposta a sociedade.

 

 

3) Tramita no STF um recurso extraordinário contra decisão que removeu a agravante da reincidência na aplicação da pena pelo crime de tentativa de roubo com uso de violência, uso de arma e concurso de pessoas. Qual a importância do julgamento desse caso para a sociedade? 

 

 
O juiz no RS fixou a pena em 4 anos e 6 meses - de pena base - acresceu estes seis meses pela reincidência como circunstancia agravante e reduziu em 3 meses a pena pela confissão espontânea logo mais somou mais 1/3 pela presença das qualificadoras (uso de arma e concurso de agentes).


Como o crime foi tentado. Pela regra do artigo 14, II que dispõe sobre a tentativa reduzindo a pena de um a dois terços do total se o crime fosse consumado.


O Juiz reduziu o valor total da sentença na metade porque a não consumação do delito se deu por forças alheias a vontade do agente.


Fixando ao final a pena em 2 anos, 10 meses de reclusão. O que ao ver dos desembargadores do TJRS caracterizou-se bis in idem - ou seja, o juiz usou a reincidência quando fixou a pena base e usou novamente a reincidência para aumentar em 1/3, da qual considerou a arma, o concurso de agentes e a condenação anterior.


Com isso a juiz de primeiro grau violou a aplicação justa da pena, o que foi corrigido pelo TJRS em acórdão de Relatoria do eminente desembargador LUIZ GONZAGA DA SILVA MOURA que entendeu que o juiz utilizou-se da reincidência duas vezes a primeira na fixação da pena base e na segunda fase o acréscimo de agravantes.


O tribunal não se ateve apenas a reformar a decisão, mas também questionou em controle difuso a constitucionalidade do artigo 61 que obriga a reincidência ser utilizada como agravante em todos os casos que se faz presente.


Essa decisão desafia o pressuposto de conhecimento do recurso extraordinário repercussão geral, isso se dá por decisão que pode influenciar a aplicação de pena a todos os cidadãos ou uma determinada classe especifica de cidadãos, como os casos em que a reincidência está presente, visto que esta decisão do RE pode alterar o uso da pena no Brasil.

 

 

4) A análise do recurso extraordinário põe em debate a constitucionalidade do artigo 61 do Código Penal. Você concorda?


Sim, concordo visto que é um dos pressupostos de admissibilidade do RE declarar por controle difuso a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, o que está presente no artigo 102, III, alínea "b" da CF.


Portanto, o assunto tem como finalidade analisar a constitucionalidade, ou seja, se o artigo 61, inciso I do código penal foi recepcionado ou não pela Constituição Federal, mas cabe aos eminentes Ministros do STF a tarefa de dizer se o artigo 61 é constitucional ou não e de maneira nenhuma eu daria juízo de valor constitucional ao tema que ainda encontra-se em exame.

 

 

5) Na sua opinião, quais seriam as consequências diretas para o direito penal e para a sociedade?


No caso apresentado, temos a particularidade de entender que a aplicação da agravante de reincidência havia sido analisada já pela pena base, o entendimento da maioria dos criminalistas que adotam a corrente de pensamento garantista é de que a reincidência não pode ser utilizada como agravante pelos seguintes pontos:


a reincidência - já é usada no calculo inicial portanto não pode ser usada novamente para fixar o aumento da pena.


Além de que a utilização da reincidência como base do artigo 59, quando informa que a pena será analisada por reflexão da personalidade do autor do delito, de sua ficha de antecedentes criminais, portanto não poderia novamente incidir como agravante genérica.


A utilização duas vezes da reincidência gera mais uma injustiça que reflete na execução da pena, caso se considere a reincidência como agravante, aumenta-se a pena final, visto que a progressão de regime, o livramento condicional, e benefícios concedidos como indulto natalino, todos estes consideram a reincidência como uma barreira. pois o prazo para concessão destes benefícios aos reincidentes é muito maior do que pára os réus primários e tecnicamente primários.


Este aspecto não ventilado no Recurso extraordinário a ser analisado, é um ponto crucial para se afirmar que a utilização da reincidência como agravante do delito, é medida que de fato gera o bis in idem, e não só na fixação da pena, como no cumprimento, pois o réu reincidente já é punido por ser reincidente na condição de prisioneiro, já que o reincidente tem que cumprir prazo maior de pena privativa de liberdade que de acordo com o artigo 33, parágrafo 2º alíneas a b c (a progressão de regime) é mais difícil para o reincidente progredir e também para a obtenção do livramento condicional.

 

 

Veja a entrevista:

 

 

Palavras-chave: Reincidência; Agravante; Crime; Direito Penal

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