Ecad: música, dinheiro e polêmicas na Justiça

A instituição sofre acusações de cartelização e até investigação por CPI do Senado

Fonte: STJ

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Criado pela Lei 5.988/73, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) é uma instituição privada com missão tão importante quanto complexa: recolher direitos autorais de execuções musicais e distribuí-los aos seus titulares. A instituição tem passado por diversas polêmicas, como acusações de cartelização e até investigação por Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado Federal. No Superior Tribunal de Justiça (STJ) há quase 3 mil processos envolvendo o escritório, sendo ele próprio o autor de cerca de dois terços dessas ações. Muitas das questões jurídicas sobre direitos autorais causaram polêmica.


O julgamento do Recurso Especial (REsp) 1.117.391 gerou divergência na Segunda Seção ao determinar que hotéis que tenham aparelhos de TV ou rádio em seus quartos devem recolher direitos autorais. O Ecad alegou que oferecer a comodidade de TV ou rádio nos quartos ajudaria os hotéis a captar clientes e geraria lucro indireto.


Além disso, os quartos de hotel são locais de frequência coletiva e já seria estabelecido na jurisprudência do STJ que a captação de programação nesses locais deve recolher direitos. O ministro relator da matéria, Sidnei Beneti, considerou que, com a Lei 9.610/98, firmou-se o entendimento de que a cobrança do Ecad sobre o uso dos aparelhos em quartos de hotel seria legal. Seu voto foi acompanhado pela maioria da Seção.


Outra jurisprudência já firmada no STJ refere-se à cobrança de direitos na execução de obras musicais em eventos públicos e gratuitos. Um exemplo desse entendimento é o REsp 996.852, que tratou de um rodeio público no estado de São Paulo. O ministro Luis Felipe Salomão, responsável pelo caso, observou que, antes da Lei 9.610, a existência de lucro era imprescindível à possibilidade de cobrança dos direitos de autor. Depois dela, bastaria o proveito obtido com a música para incidirem os direitos autorais.


Decisão semelhante foi dada no REsp 908.476 pelo ministro aposentado Aldir Passarinho Junior. No caso, o Serviço Social do Comércio (Sesc) promoveu um show com o cantor Zé Renato, sem fins lucrativos e sem cobrança de ingressos. Entretanto, o ministro Passarinho entendeu que, independentemente da cobrança ou não de ingressos, o trabalho artístico deve ser remunerado por quem dele se aproveita.


Liberdade de culto


Essa regra, no entanto, tem exceções, como entendeu o ministro Paulo de Tarso Sanseverino no REsp 964.404. Eventos religiosos e sem fins lucrativos, como o daquele processo, se enquadrariam numa das hipóteses em que se admite a reprodução não autorizada de obras de terceiros.


O ministro Sanseverino apontou que o Acordo OMC/Trips, que regula direitos autorais internacionalmente e do qual o Brasil é signatário, admite a restrição de direitos autorais, desde que não interfira na exploração normal da obra ou prejudique injustificadamente o titular. O ministro asseverou que, naquele caso, deveria prevalecer o direito fundamental à liberdade de culto, frente ao direito do autor.


O advogado Tarley Max da Silva, conselheiro da seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF) e especialista nas áreas de propriedade industrial e intelectual, opina que o STJ atua “primorosamente” na pacificação das divergências referentes ao Ecad. Entretanto, Tarley Max crê que a nova legislação que permitiu a cobrança mesmo em eventos sem fins lucrativos não é compatível com os objetivos da entidade. Como exemplo, ele cita os shows beneficentes com a renda voltada para causas sociais.


Transmissões de televisão a cabo também têm gerado discussões no STJ. Um exemplo foi a decisão sobre transmissão de emissoras de TV a cabo em ambientes de frequência coletiva, dada pela Quarta Turma do Tribunal no REsp 742.426. Ficou determinado que essas transmissões devem pagar direitos, mas foi afastada a multa em favor do Ecad, de 20 vezes o valor originalmente devido. A Turma entendeu que, para a aplicação da multa, seria necessário comprovar má-fé e intenção ilícita, o que não foi feito pelo Ecad.


Já o REsp 681.847 envolveu a Music Television (MTV) Brasil e o Ecad, que pretendia cobrar de forma genérica os direitos das obras exibidas pela emissora. Entretanto, o ministro João Otávio de Noronha entendeu que a MTV poderia contratar diretamente com os artistas ou com os seus representantes. Também seria possível que os artistas abrissem mão de seus direitos. O Ecad foi apontado como parte legítima para promover a cobrança de direito dos artistas, mas deve demonstrar a correção e adequação dos valores em cada caso, não bastando apresentar a conta.


Legislação defasada


A própria maneira de o Ecad cobrar direitos artísticos e aplicar multas por eventuais irregularidades tem sido contestada. O escritório tem seu próprio Regulamento de Arrecadação, mas este não pode ser imposto a quem não tenha contratado com ele, como demonstrou a decisão dada pelo ministro Massami Uyeda no REsp 1.094.279. No caso, o Ecad queria que o uso não autorizado de músicas por empresa de condicionamento físico fosse punido com multas segundo os valores estabelecidos no regulamento. Mas o ministro Uyeda entendeu que o uso não autorizado de obras passa ao largo das relações contratuais e, como o clube não tinha nenhum pacto com a entidade, deveria ser aplicada a legislação civil.


O advogado Tarley Max aponta que muitos desses processos surgem de uma legislação sobre direitos autorais que não reflete mais a complexidade da realidade atual. Ele cita como exemplo a aquisição de músicas e livros pela internet, sem o uso de um meio físico. Ainda não se desenvolveram mecanismos adequados para essa cobrança. O senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP), presidente da CPI do Ecad, entretanto, vê problemas mais profundos, chegando a classificar a entidade – em entrevista recente – como “uma caixa preta”.


O senador aponta diversas irregularidades no escritório de arrecadação, como cobranças excessivas, falta de critério nos cálculos e pagamento para pessoas que não teriam direito sobre as músicas. Tarley Max aponta que há várias ações judiciais, em diversas instâncias, sustentando a inadequação da distribuição de direitos, o que acaba por desvirtuar os objetivos do Ecad.


Em nota oficial, o Ecad rebateu as acusações e afirmou que o pagamento dos direitos artísticos ou “distribuição dos lucros” é uma prática comum e legal no país e em todo o mundo. Afirmou que artistas e entidades não são obrigados a se filiar, mas que a maioria dos grandes artistas do Brasil optou pelo sistema do escritório. Também informou que em 2010 foram distribuídos mais de R$ 346 milhões de reais para um universo de 87.500 artistas e outros associados. Concluiu acusando grandes grupos de mídia brasileiros de sonegar o pagamento de legítimos direitos dos artistas.

 

REsp 1117391

REsp 964404

REsp 996852

REsp 908476

REsp 742426

REsp 681847

Palavras-chave: Ecad; Justiça; Polêmica; CPI; Senado; Show

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2 Comentários

lgv musico24/08/2011 22:59 Responder

O ECAD é uma máquina de arrecadar, não de distribuir...

Resposta Ecad AssCom Ecad30/08/2011 13:41 Responder

Sobre a matéria ?Ecad: Música, dinheiro e polêmicas na Justiça?, a entidade presta o seguinte esclarecimento: Em referência à menção sobre formação de cartel, o Escritório esclarece que o seu sistema de gestão não pode ser classificado como cartel na medida em que não existe cartel criado por lei e o Ecad foi criado pela Lei no. 5.988/73, tendo sido mantido pela lei 9.610/98. além disso, parece importante assinalar que as atividades de arrecadar e distribuir direitos autorais têm natureza econômica, já que a música não pode ser caracterizada como um bem de consumo a ser regulado pelas normas do direito da concorrência. É importante ressaltar que por duas vezes, no passado, a própria Secretaria de Direito Econômico já se manifestou sobre os preços praticados pelo Ecad e pelas associações para cobrança de direitos autorais de execução pública musical, afirmando que não se trata de infração à ordem econômica, e sim do exercício legítimo do direito constitucional dos autores em poder estabelecer o valor a ser atribuído às suas criações musicais. O CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica, também no passado, já analisou e julgou que o Ecad não exerce atividade econômica, uma vez que sequer possui finalidade lucrativa, atuando apenas como mandatário dos autores de músicas. A decisão da Secretaria de Direito Econômico (SDE) surpreendeu o Ecad, tendo em vista os posicionamentos anteriores da própria Secretaria. Todavia, o Ecad levará ao CADE seus argumentos. Sobre as CPIs às quais o Ecad está submetido ? Senado Federal e Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro -, o Escritório informa que todos os esclarecimentos já foram prestados em Comissões Parlamentares de Inquérito anteriores, e assim faremos em qualquer outra que venha a ser instalada. Também enfatizamos que em CPIs passadas nada se comprovou contra a instituição, confirmando a lisura de nossa atuação. O Ecad acrescenta ainda que tanto o Senado Federal quanto a Alerj muito podem contribuir para o debate. Mas para isso precisam, democraticamente, dar voz a todos os interessados no assunto. Arregimentar pessoas apenas para ouvir um lado da história, na defesa de seus interesses pessoais, acabará por transformar uma discussão que poderia ser construtiva em algo de cunho sensacionalista e com desfecho pré-definido, ferindo os direitos constitucionais mais básicos. Ainda assim, estamos disponíveis e aproveitando a oportunidade para demonstrar a seriedade e idoneidade dessa entidade que administra os interesses de mais de 340 mil associados e que é reconhecida internacionalmente pela qualidade de sua atuação. O que o Ecad espera é que todo o trabalho das CPIs seja conduzido sem a contaminação de interesses paralelos, sejam eles de grandes grupos de comunicação ou de pequenas emissoras. Sobre a quantidade de ações judiciais envolvendo o Ecad, a instituição informa que realiza um trabalho prévio de conscientização e esclarecimento sobre a importância do pagamento do direito autoral. Quando isso não ocorre, como última alternativa, recorremos ao Judiciário. Todavia, o número de ações ajuizadas é muito pouco significativo considerando todo o universo de usuários cadastrados. Quem são esses usuários? Emissoras de rádio, televisão e estabelecimentos comerciais. São mais de 400 mil usuários cadastrados e apenas 1% é acionado pelo Ecad. Quanto aos valores aplicados de multa aos usuários de música, o Ecad esclarece que é o Judiciário quem define se o usuário deve ou não pagar esta multa, já que conforme a Lei Autoral 9.610/98, em seu artigo 109, está determinado que ?a execução pública em desacordo com os arts. 68, 97, 98 e 99 desta Lei sujeitará os responsáveis a multa de vinte vezes o valor que deveria ser originariamente pago.? É a Lei que determina que o usuário deve ser penalizado no caso de não solicitar a autorização prévia e expressa do autor para uso das obras musicais em locais públicos. Atenciosamente, Gloria Braga Superintendente Executiva do Ecad

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