Discussão sobre a pessoa jurídica e sua responsabilidade penal

Débora Fantini Rodrigues Oliveira, estudante do 5º ano da Faculdade de Direito Mackenzie.

Fonte: Débora Fantini Rodrigues Oliveira

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Débora Fantini Rodrigues Oliveira ( * )

O início da responsabilização da pessoa jurídica se deu com o estabelecimento do artigo 225, §3º, que instituiu punição no cometimento de crimes ambientais, tanto para pessoa física quanto para jurídica. Logo após, o artigo 173, §5º, reforçou a idéia de responsabilização da pessoa jurídica ao dispor claramente que esta deveria ser responsabilizada por crimes contra a atividade econômica.

Diversos outros países tais como a Inglaterra e a França entendem pela total responsabilização penal da pessoa jurídica com o fundamento de proteger a vítima e a sociedade de infratores que pretendem cometer crimes e se valer da impunidade através da pessoa jurídica.

Todavia, o que deve ser levado em consideração é que nesses países, toda a estrutura de leis e princípios estão alinhados para a mentalidade dessa penalização da pessoa jurídica, o que não ocorre no Brasil, visto que aqui vigora o princípio "societas delinquere non potest", ou seja, a pessoa jurídica não é capaz de delinqüir.

Os doutrinadores contra tal penalização, dentre eles, César Roberto Bitencourt, René Ariel Dotti, , Tupinambá Pinto de Azevedo, Luiz Vicente Cernicchiaro, Miguel Reale Júnior, Ivan Lira de Carvalho e Luiz Régis Prado, defendem ser impossível a penalização penal, visto a que PJ não tem manifestação de vontade, e portanto não preenche o requisito para ser imputável.

Na defesa contra tal penalização, esses doutrinadores garantem que a Constituição Federal ao dispor sobre responsabilização da pessoa jurídica, fez menção a penalidades civis e administrativas apenas, mesmo porque, a PJ não tem consciência jurídica da ilicitude, nem mesmo tal pena valeria para amedrontar no momento do cometimento de novos crimes.

No Direito Penal há também o princípio "nullum crimen sine culpa", ou seja, não há crime sem culpa no Brasil, desta forma o princípio da isonomia seria atacado, visto que a Pessoa Física pode se valer do arrependimento para amenizar a pena, enquanto a pessoa jurídica não teria tal privilégio, além da pena atingir todas as pessoas da PJ.

Ademais, os pensadores contrários a essa penalização encontram respaldo no argumento de que seria um problema identificar o local e tempo do crime, além da impossibilidade de prisão da pessoa jurídica, o que só reforça a idéia de que não há necessidade de responsabilização penal, e sim apenas sanção administrativa e civil.

Por fim, há também o impacto quanto as questões processuais, ou seja, como ficaria a citação da PJ, o interrogatório, a possibilidade de silêncio, de confissão, ou mesmo de prisão cautelar ? Todas essas possibilidades são inviáveis, além de que a Constituição Federal jamais explicitou a idéia de responsabilidade penal.

Já os doutrinadores de posição intermediária, defendem que o correto seria apenas a penalização com sanções administrativas e civis.

Os pensadores a favor da penalização defendem a tese de que a punição deve sempre ocorrer para PJ, assim como é feito em outros países tais como a Inglaterra, em que até para homicídio ou estupro há incriminação. Essa defesa é baseada na idéia de que diversos crimes seriam cometidos pela pessoa física, e ficariam impunes por se valer da imputabilidade da pessoa jurídica.

Os autores favoráveis a tal penalização são: Walter Claudius Rothenburg Luíz Paulo Sivinskas, , Celso Ribeiro Bastos, Toshio Mukai, Gilberto e Vladimir Passos de Freitas, Sérgio Salomão Shecaira e Ives Gandra Martins, e eles defendem que a PJ tem vontade própria, logo, de acordo com a teoria da realidade, a Pessoa Jurídica tem personalidade jurídica, e é portanto, capaz de cometer crimes, e ser punida por eles.

Nessa linha de pensamento, a pessoa física na coletividade completa a pessoa jurídica, com vontades e ideais próprios. Dessa forma, não há que se falar na violação da personalização da pena, visto que, até mesmo quanto a pessoa física, essa personalização nunca é absoluta, pois acaba atingindo as pessoas que estão ao seu redor, no caso, familiares e amigos.

Como há a possibilidade de crimes plurissubjetivos, poderá haver a prisão de várias pessoas no cometimento de um único crime, sejam elas, pessoas jurídicas ou físicas.

Para tais doutrinadores, há necessidade de responsabilização penal, pois a sanção administrativa é um instituto desacreditado, sem valor coercitivo, sendo a melhor solução a pena restritiva de direitos e a pena pecuniária.

Entretanto, apenas a Pessoa Jurídica de direito privado deve ser submetida a tal penalização, pois as de direito público além de ter soberania, se forem penalizadas, atingirão a sociedade, e desta forma, estaria sendo violado o princípio inicial de proteção social.

A pessoa jurídica deve ser punida apenas se o representante legal da empresa efetuar conduta delituosa em face de interessas da própria empresa, caso contrário não haverá responsabilização da pessoa jurídica, mas sim da própria pessoa física.

A Lei 9605/98 regulou a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica, contudo, em momento algum tratou de alterar todo o ordenamento jurídico penal, afim de receber tal alteração, o que de pronto já inviabiliza tal aplicação.

De acordo com tal lei, as penas possíveis são: advertência, multa, restritiva de direito e prestação de serviços à comunidade, ou seja, nenhuma das penas têm caráter real e exclusivamente penal, o que se constata é que as penas são na realidade de cunho civil e administrativo, o que mais uma vez, coloca a Lei em comento em contradição.

O que se constata é que o legislador teve boa intenção quando disciplinou tal penalização, visto que objetiva por fim a qualquer tipo de criminalidade, ocorre que sua aplicação prática é inviável, dessa forma, percebe-se que os pensadores a favor da responsabilidade penal da pessoa jurídica não tem argumentos fortes, portanto, apesar de serem reacionários e modernos, perdem a razão no momento da disputa de opiniões.

Infelizmente o que se conclui é que mais uma vez foi editada uma lei sem se pensar em sua aplicação efetivamente prática, de tal forma que tal lei, acaba por ser ineficaz.

Segue algumas jurisprudências para melhor visualização de tudo o discutido até aqui:

EMENTA: HABEAS CORPUS. INÉPCIA DA INICIAL. INOCORRÊNCIA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JÚRIDICA. POSSIBILIDADE. DEMAIS QUESTÕES ATINENTES AO MÉRITO. INVIALBILIDADE DE ANÁLISE EM HC. ORDEM DENEGADA. (Habeas Corpus Nº 70020955597, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Eugênio Tedesco, Julgado em 06/09/2007)

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. EFEITO MANDAMENTAL. IPERGS. PENSÃO INTEGRAL. INADIMPLEMENTO. PARCELAS VENCIDAS DEPOIS DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. BLOQUEIO DE VALORES. Se a pessoa jurídica de direito público intimada não cumpre, voluntariamente, a decisão judicial de natureza mandamental transitada em julgado, é cabível o bloqueio das rendas públicas no montante do débito como meio coercitivo para assegurar a autoridade da coisa julgada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade civil, administrativa e penal dos agentes públicos. É que não cabendo ao Administrador Público decidir quando dará ensejo ao seu cumprimento, urge coibir sua conduta arbitrária e contrária ao direito de negar cumprimento à decisão judicial transitada em julgado. Recurso desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70015532948, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 27/07/2006)

EMENTA: APELAÇÃO. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA DETERMINADA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, EM SEU ART. 225, § 3º. Preliminar de ilegitimidade passiva afastada. LIXO HOSPITALAR. Armazenamento de substâncias tóxicas, perigosas e nocivas à saúde humana e ao meio ambiente, em desacordo com as exigências legais. Delito previsto no art. 56, caput, da Lei nº 9.605/98 configurado. Resíduos de serviços de saúde deixados em contato com o solo, queimando em local freqüentado por pessoas e animais, em desacordo com a legislação, gerando gases poluentes. Incidência do art. 54, § 2º, inciso V do mesmo diploma legal. Condenação mantida. Apelo improvido. Unânime. (Apelação Crime Nº 70015164676, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Julgado em 08/06/2006)

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. RESPONSABILIDADE PENAL. A PESSOA JURÍDICA ESTÁ SUJEITA ÀS SANÇÕES PENAIS QUANDO PRATICAR CONDUTAS E ATIVIDADES LESIVAS AO MEIO AMBIENTE. RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA, POR MAIORIA. (Habeas Corpus Nº 70012403929, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, Julgado em 15/09/2005)

EMENTA: RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PEDIDO PREJUDICADO, por maioria. (Mandado de Segurança Nº 70012210928, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gaspar Marques Batista, Julgado em 08/09/2005)

EMENTA: APELAÇÃO-CRIME. DENÚNCIA. REJEIÇÃO. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, § 3º, determina expressamente que a pessoa jurídica está sujeita às sanções penais quando praticar condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Da mesma forma, preceitua o art. 3º da Lei nº 9605/98. Assim, não aceitar a responsabilização penal da pessoa jurídica é negar cumprimento à Carta Magna e à lei. Recurso de apelação julgado procedente. (Apelação Crime Nº 70009597717, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Eugênio Tedesco, Julgado em 14/10/2004)


Notas:

* Débora Fantini Rodrigues Oliveira, estudante do 5º ano da Faculdade de Direito Mackenzie. [ Voltar ]

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