Direito ao esquecimento é debatido por juristas e especialistas

Para desembargador, princípio não deve se confundir com censura

Fonte: Agência Brasil

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O direito ao esquecimento é uma forma de assegurar o direito à privacidade e não se confunde com censura. A opinião é do desembargador federal Rogério de Meneses Fialho Moreira, do TRF-5 (Tribunal Regional Federal da 5ª Região), em Recife (PE), para quem é necessário aperfeiçoar os instrumentos legais para garantir a privacidade dos cidadãos que quiserem que certos aspectos de suas vidas pessoais sejam preservados.


Fialho Moreira foi coordenador científico da 6ª Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, evento realizado em março de 2013 e no qual especialistas aprovaram um enunciado (531) destacando que a dignidade humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. O desembargador reconhece a dificuldade de definir, a priori e sem controvérsia, o que é e a que casos a tese se aplica sem maiores prejuízos. Ainda assim, ele defende a possibilidade de um cidadão não ter fatos de sua vida privada expostos como fundamental para a dignidade humana.


“Principalmente porque vivemos em uma sociedade informacional, com nossa privacidade permanentemente exposta, e porque o potencial de danos dos atuais meios de informação são muito maiores, hoje é muito mais difícil assegurar a alguém o direito ao esquecimento. Décadas atrás, alguém dava uma declaração a um jornal e aquilo era esquecido com maior facilidade”, declarou o desembargador.


“Não se trata de revisar o passado, reescrever a história ou apagar fatos de interesse jornalístico. O direito ao esquecimento visa a assegurar a vida privada e não a vida pública ou fatos criminosos, por exemplo. Enquanto houver um resíduo de informação de interesse ou relevante para o debate público será possível trazer isso à tona”, argumenta Moreira. Questionado sobre como definir quando uma informação deixa de ser relevante, o desembargador antecipou que os pedidos terão que ser analisados caso a caso, com bom senso.


“Para ser aplicado, o direito ao esquecimento precisa ser confrontado com outros direitos constitucionais, como o direito à informação e a proibição à censura. Não há como estabelecer previamente por quanto tempo uma informação tem valor público ou as hipóteses em que o direito ao esquecimento se aplica. Vai ser preciso analisar caso a caso, levando em conta também o nível de exposição a que cada pessoa esteve ou está exposta, mas também que há certos aspectos da vida, mesmo que da maior das celebridades, que são estritamente íntimos”, concluiu o magistrado.


Já o historiador e jornalista Paulo Cesar de Araújo, autor de uma biografia censurada sobre Roberto Carlos, teme que a tese do direito ao esquecimento abra novas brechas legais que dificultem ou impeçam que a história seja recontada. “É razoável e compreensível que alguém não queira ver fatos desagradáveis sendo revisitados, mas essa é uma ideia que me parece estar na contramão do que buscamos como uma sociedade moderna”, afirmou Araújo. O historiador questiona a necessidade de novas leis ou instrumentos jurídicos.


“Temos que nos preocupar com a calúnia, a injúria e a difamação. Com a informação usada de maneira irresponsável. Mas contra isso já há proteções legais. Meu receio é o risco de teses como essa se tornarem um pretexto para censura, permitindo o surgimento de um novo balcão de negócios, a exemplo do que já acontece com o direito de imagem. É preciso bom senso”, acrescentou Araújo, lembrando que, muitas vezes, os historiadores recorrem a aspectos da vida privada de pessoas comuns para ilustrar fatos ou circunstâncias que interessam a sociedade conhecer.


Antecedentes


Em vigor desde 2002, o Código Civil brasileiro não faz menção direta ao direito ao esquecimento, mas assegura que a vida privada é inviolável e, “salvo quando autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, publicação, exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento”.


Com base nesses pressupostos, em novembro de 2009, a 2ª Turma Recursal de Belo Horizonte (MG) condenou a revista Consultor Jurídico a retirar de seu site uma notícia sobre a condenação por negligência de um cirurgião plástico. Na ação, o médico não questionava a veracidade da notícia, mas sim o fato dela, a seu ver, não permitir que o leitor entendesse todo o caso e as razões de sua condenação. O médico também sustentava que a notícia já tinha cumprido sua função informativa, não havendo razões para a “exposição eterna da intimidade e imagem de um indivíduo”.


Poucos meses após a aprovação do Enunciado 531, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou a tese do direito ao esquecimento pela primeira vez em sua história. Ao julgar dois recursos especiais ajuizados contra reportagens de uma emissora de televisão, o tribunal assegurou que as pessoas têm o direito de serem esquecidas pela opinião pública e pela imprensa se assim desejarem.


Um dos recursos foi ajuizado por um dos absolvidos da acusação de participar na Chacina da Candelária, em 1993, no Rio de Janeiro. Para os magistrados, a menção ao nome do reclamante em reportagem sobre o caso lhe causou danos à honra, mesmo após esclarecida sua absolvição. O outro recurso foi apresentado pelos irmãos de uma mulher, estuprada e morta em 1958. Eles alegavam que uma reportagem exibida pela mesma emissora tinha reavivado antigos sentimentos de angústia, dor e revolta na família da vítima.


Relator do recurso especial ajuizado pela família da Aída, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Luis Felipe Salomão, apontou que os condenados que já cumpriram suas penas, os absolvidos por uma suspeita, as vítimas de um crime e também seus parentes têm direito ao esquecimento, se assim desejarem. Mas ponderou que o tema transcendia a responsabilidade do STJ por envolver uma controvérsia constitucional, opondo direitos como o da liberdade de expressão e de informação ao de privacidade.


“O conflito entre liberdade de informação e direitos da personalidade ganha a tônica da modernidade [...] desafiando o julgador a solucioná-lo a partir da nova realidade social […] A ideia de um direito ao esquecimento ganha mais visibilidade, mas também se torna mais complexa quando aplicada à internet, ambiente que, por excelência, não esquece o que nele é divulgado e pereniza tanto informações honoráveis quanto aviltantes à pessoa do noticiado”, assinala o desembargador, apontando que os veículos de informação modernos, principalmente a internet, tendem a manter um “resíduo informacional” muitas vezes desconfortável.


Alegando que a atividade jornalística se tornaria impraticável se, ao apurar um caso de assassinato, o profissional fosse impedido de mencionar o nome da vítima e as circunstâncias do crime, o ministro negou o pedido de indenização por danos morais feito pelos irmãos da vítima. “O esquecimento não é o caminho salvador para tudo. Muitas vezes é necessário reviver o passado para que as novas gerações fiquem alertas e repensem alguns procedimentos de conduta do presente”. Salomão, contudo, foi voto vencido e a 4ª Turma do STJ definiu que a emissora deveria indenizar a família da mulher estuprada por ter veiculado sua imagem.

Palavras-chave: direito digital direito ao esquecimento censura

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