Considerado um terror piscológico, assédio moral gera cada vez mais pedidos de indenização

Inúmeros pedidos de indenização por danos morais chegam todos os dias às Varas do Trabalho da 10ª Região.

Fonte: TRT 10ª Região

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"A vítima escolhida é isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares. Estes, por medo do desemprego e da vergonha de serem também humilhados, associado ao estímulo constante à competitividade, rompem os laços afetivos com a vítima e, freqüentemente, reproduzem e reatualizam ações e atos do agressor no ambiente de trabalho, instaurando o 'pacto da tolerância e do silêncio' no coletivo, enquanto a vítima vai gradativamente se desestabilizando e perdendo sua auto-estima." (www.assediomoral.org)

O texto acima reproduz uma situação cada dia mais comum no âmbito da Justiça do Trabalho: o assédio moral. Os legisladores têm procurado reprimir os maus chefes e ao mesmo tempo dar amparo legal aos trabalhadores para buscarem o ressarcimento dos danos causados por essa prática. Tramitam hoje no País mais de 80 projetos de lei visando regular a situação. Em inúmeros municípios isso já ocorreu. Em São Paulo, a Lei 13.288/2002, destinada aos servidores municipais, conceituou assédio moral como "todo tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a auto-estima e a segurança de um indivíduo, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando dano ao ambiente de trabalho, à evolução da carreira profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício do funcionário".

Inúmeros pedidos de indenização por danos morais chegam todos os dias às Varas do Trabalho da 10ª Região. Muitos, no entanto, não se enquadram no assédio moral. Para esclarecer o tema, entrevistamos a juíza Márcia Mazoni Cúrcio Ribeiro.

TRT10 Jornal - Dr.ª Márcia, quando a senhora considera caracterizado o dano moral? Existe entendimento pacificado sobre o assunto na 10ª Região?

Juíza Márcia - Assédio significa ?submeter sem trégua a pequenos ataques repetidos, portanto, um ato que só adquire significado pela insistência, visando atingir a estima da pessoa. O termo moral, por sua vez, quer dizer o que é ou não aceitável na sociedade, havendo uma valoração de acordo com o contexto social. O assédio moral trata-se de um mal, muitas das vezes, discreto e, até mesmo, silencioso, causador de gravíssimas conseqüências para suas vítimas, não só psicológicas, mas também físicas. Por isso, a enorme necessidade de não o ignorar, e sim enfrentá-lo, objetivando tornar o tipo de conduta que deflagra esse mal socialmente inaceitável.

Trata-se de um terror psicológico, o qual tem o poder de agrupar uma miríade de comportamentos, todos contendo dois elementos em comum: a modalidade, agressiva e vexatória, que, como regra, prolonga-se no tempo, e a finalidade, isto é, a exclusão de um ou mais empregados. Via de regra, o assédio moral que dá azo ao pagamento de indenização é aquele gerado por comunicações não éticas geralmente entre um superior perverso e seu subalterno, caracterizando-se pela repetição de comportamentos hostis, técnicas de desestabilização e maquinações contra um trabalhador que desenvolve, como reação, graves problemas psicológicos duradouros. Dependendo da gravidade, a vítima pode ser levada à incapacidade ou até mesmo à morte - casos extremos, claro.

Há que se ressaltar que o assédio moral pode derivar da hierarquia, ou seja, dos chefes em relação aos empregados, definido como assédio vertical, dos próprios colegas de trabalho (assédio horizontal) e até, surpreendentemente, de empregados que visam humilhar os chefes (assédio ascendente).

No assédio vertical o chefe usa sua posição de supremacia com o objetivo de humilhar a vítima e intimidá-la. Esse é o mais comum. No caso do assédio horizontal, um grupo sentindo-se incomodado pela divergência de pensamento ou distinto nível cultural de um colega, visa ao afastamento deste, por considerá-lo diferente.

No assédio sofrido pelos chefes e empregadores (assédio ascendente), mais raro de ocorrer, alguns empregados podem utilizar-se de informações ou segredos que sabem de seus superiores para chantageá-los, e assim assediá-los moralmente. Isso ocorre quando da chegada de um novo chefe que não conta com a simpatia do grupo.

O assédio moral pode ser caracterizado, portanto, como um conflito que tem por objetivo manipular, desestabilizar o trabalhador por meio de atos vários que visam ferir a sua honra, tais como isolar a vítima do grupo, impedi-la de se expressar, ridicularização, menosprezo, culpabilização, ironias e estigmatização. Muitas vezes tais atos não são praticados de forma aberta, pois este tipo de violência permitiria que a vítima se defendesse. As agressões podem ser sutis, de maneira que o trabalhador não perceba, de pronto, o que está motivando a perseguição. Há uma grande dificuldade em se provar uma agressão que seja discreta.

Quanto às características a serem analisadas e importância do tema, o assunto é pacificado no Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Decisões divergem, porém, pois são analisados em cada processo casos concretos, trazendo alguns deles situações que revelam os comportamentos acima descritos.

TRT10 Jornal - Como podemos distinguir o assédio moral do simples poder diretivo do empregador?

Juíza Márcia - O assédio moral, como já colocado, é um abuso e não pode ser confundido com decisões legítimas, que dizem respeito à organização do trabalho, por exemplo, as transferências e mudanças de função, estipuladas no contrato de trabalho. Muitos desses contratos trazem cláusulas que contêm metas a serem atingidas, mantendo uma pressão constante sobre os empregados, sejam quais forem as conseqüências sobre sua saúde. No momento de abordar o problema das imposições profissionais, é preciso ter consciência de que pessoas pouco motivadas por seu trabalho sentem-se assediadas sempre que alguém as adverte na tentativa de estimulá-las.

Há, ainda, as posições vitimárias e as falsas alegações de assédio moral. Não há como negar que algumas pessoas se acomodam no papel de vítima e não procuram encontrar uma saída para a situação crítica. Permitem eximir-se das responsabilidades nos momentos de dificuldade ou fazem com que os outros tenham compaixão de si quando praticam erros.

Existem, ainda, aqueles denominados paranóicos, os quais encontram o argumento ideal de base para seu sentimento de perseguição.

Muitos atos oriundos das relações trabalhistas deterioradas pela égide do lucro máximo deflagram variadas formas de opressão aos trabalhadores, debilitando-os física e psicologicamente. No entanto, não obstante elementos comuns, que às vezes servem até como ferramenta dentro do processo de assédio, tais atos, quando analisados isoladamente, não podem ser configurados como assédio moral. A sua correta conceituação evita que se deturpe essa expressão e, por conseguinte, a banalização de um mal que ocasiona problemas muito mais graves do que aqueles simplesmente oriundos da competição capitalista.

Há várias questões que, apesar de danosas, não infligem àqueles que sofrem as gravíssimas conseqüências advindas do assédio moral. É certo que muitas dessas situações podem perfeitamente evoluir de tal forma que venha a se configurar como assédio, entretanto, analisadas isoladamente, não se confundem. Entre elas temos o estresse profissional advindo de exigências impostas a um determinado empregado, ou a vários, por um chefe que, por exemplo, embora reconheça que o está submetendo à alta carga de pressão, acha que esta se justificaria pela igual ou maior exigência que lhe cobram seus superiores. Isso não pode ser considerado assédio moral. O estresse pode ser fruto das atuais relações de trabalho, regidas pela competitividade crescente entre as empresas, que acarretam uma gestão voltada para a eficiência de resultados, de melhor desempenho ao menor custo. No entanto, conseqüências danosas à saúde somente decorrem de situações que acabam saindo do controle, de imprevistos em relação ao planejado.

Também as decisões estratégicas da organização que objetivam uma vantagem competitiva perante seus concorrentes não podem ser consideradas assédio moral. Assim, transferências, mudanças de função, criação de novos setores, desde que de acordo com os contratos de trabalho, não implicam assédio.

TRT10 Jornal - A CLT, desde 1943, prevê a resilição contratual por falta grave do empregador, quando este tratar seus subordinados com rigor excessivo (artigo 843). Portanto, o uso distorcido da hierarquia e da autoridade nas relações de trabalho não é novo. A que a senhora atribui esta nova reação dos trabalhadores na luta por sua dignidade, ao buscarem a indenização para a má conduta do empresário?

Juíza Márcia - O assédio moral é um tema que, felizmente, vem se destacando cada vez mais nos dias atuais. Felizmente pois sempre existiu, desde o início das relações trabalhistas, embora só recentemente tenha recebido o reconhecimento merecido. Somente agora está havendo interesse para o estudo de atos perversos praticados nas relações laborais. Há uma conscientização crescente de que não se pode mais tolerar ofensas que maculem a dignidade do trabalhador.

A importância e o lado positivo do debate sobre assédio moral são estes: ter-se encontrado um nome e uma definição que agrupam uma série de fenômenos comportamentais que qualquer pessoa que tenha experimentado a vida numa empresa moderna deve ter notado com certa preocupação. A ausência de conceito sobre o tema impedia a identificação do fenômeno em sua real dimensão.

Há que se ressaltar, ainda, que, com a modernização das atividades econômicas, as relações trabalhistas se estabeleceram cada vez mais. Surgem novos postos de trabalho e se fortalecem as empresas. Dessa forma, o assédio moral se integrou ao mundo, devido à necessidade de aumentar a produtividade, à concorrência e a cortes de despesas.

Não obstante a legislação trabalhista oferecer proteções contra o assédio moral, como se vê do artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho, parece que maior força detém o regramento não positivado do capitalismo atual, marcado pelo desemprego, exclusão social, competição exacerbada, que se resumem em gradativa precarização do trabalho. A rescisão indireta do contrato por parte de quem é vítima de terror psicológico lhe dá direito de postular a extinção do contrato de trabalho, com pagamento de verbas decorrentes da rescisão imotivada. Trata-se, portanto, da percepção de uma indenização irrisória, como a multa correspondente a 40% dos depósitos do FGTS, o que, por óbvio, não é suficiente para se sobrepor às "leis do mercado", tornando-a praticamente inócua para coibir a ocorrência de situações de assédio moral.

Dessa forma, vale salientar que se inicia uma tendência jurisprudencial de reconhecer, além da indenização baseada na legislação trabalhista, a indenização por danos morais prevista na legislação civil.

Palavras-chave: assédio moral

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