Biocombustíveis: proposta para a paz mundial

Fonte: Antonio Carlos Mendes Thame

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Antonio Carlos Mendes Thame ( * )

Para os habitantes de paises emergentes, a questão central que move a vida política é saber como seus governantes irão garantir estabilidade política e econômica interna, promovendo crescimento econômico suficiente para propiciar emprego a milhões de desempregados e subempregados. Este fato não constitui um problema para o futuro, mas um desafio que já faz parte do cotidiano da vida em nosso planeta, porque 180 milhões de pessoas estão desempregadas e 550 milhões vivem hoje com menos de US$1 por dia. Metade da população mundial tem menos de 24 anos de idade. Um bilhão desses jovens precisarão de emprego na próxima década e têm diante de si uma estrada bifurcada: trabalho e dignidade ou inanição e desesperança .

Diminuir distâncias

Na melhor tradição de Montesquieu, "o comércio é o caminho para a paz entre os povos" e o caminho mais rápido para diminuir as distâncias entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Para conseguir resultados duradouros, no entanto, é preciso substituir o árido jogo das concessões recíprocas milimetricamente disputadas, por uma abertura solidária das fronteiras dos países ricos, para receber, principalmente, produtos agrícolas e agroindustriais dos países em desenvolvimento.

Jeffrey Sachs ressalta que "não basta a ajuda alimentar de emergência às comunidades empobrecidas da África, Oriente Médio e Ásia". É preciso adotar soluções que mudem a dura realidade de hoje: "enquanto países ricos pagam para seus produtores rurais não produzirem, os países em desenvolvimento, ao contrário, precisam produzir para poder pagar suas dívidas, suas importações" (Roberto Rodrigues, 2006). E não conseguem, tamanhas são as barreiras alfandegárias, tributárias, fitossanitárias e outras que restringem ou impedem suas exportações para países desenvolvidos.

É a abertura das fronteiras que vai permitir a substituição de esmolas esporádicas por um crescimento agrícola sustentado, com aumento da produção e da produtividade agrícola, arrancando comunidades inteiras da armadilha da fome.

No entanto, isso não tem efetivamente ocorrido, porque governantes dos países desenvolvidos têm tido enorme dificuldade para fazer concessões que contrariem os "lobbies" internos dos seus produtores.

É difícil, por isso, acreditar que países da União Européia e os EE.UU. venham a abrir mão de parte de suas exigências de reciprocidade, desatendendo interesses dos setores econômicos domésticos, para adotar medidas que possam beneficiar países em desenvolvimento.

Mesmo assim, não se pode deixar de cobrar dos ricos a "responsabilidade moral" de abolir barreiras e pôr fim a subsídios agrícolas, para aliviar a miséria nos países mais pobres.

Uma excepcional oportunidade

Previsões cada vez mais consensuais mostram que o petróleo está com os dias contados. Até recentemente, acreditava-se serem inesgotáveis as reservas de petróleo e gás natural. As empresas do setor e governos, por interesses financeiros e políticos, mantinham cerrada campanha publicitária de desinformação, apesar dos alertas de economistas e especialistas independentes. Hoje, no entanto, as informações coincidem, mostrando que as reservas estão entre 1,05 e 1,25 trilhão de barris. Como o consumo mundial é de 30 bilhões de barris por ano, só há petróleo para menos de 40 anos.

As projeções mostram uma demanda crescente, impulsionada, principalmente, pelo aumento da frota de automóveis nos países em desenvolvimento, como China e Índia.

Por outro lado, a taxa de descoberta de novas reservas de petróleo tem sido quatro vezes menor que a taxa de aumento de consumo.

Por isso, o mundo terá de conviver, nas próximas duas décadas, com um "choque de petróleo permanente" que obrigará os países a ajustes de preços, como alerta o Fundo Monetário Internacional (FMI). Aliás, o FMI tem uma regra prática, publicada em 2000: uma alta de US$10 no preço do barril de petróleo reduz o crescimento mundial em 0,5%, durante quatro anos.

O fato incontestável é que, na medida em que o petróleo se torna cada vez mais escasso, seu preço vai subindo a ponto de viabilizar energias alternativas, hoje antieconômicas. Além disso, estima-se que o petróleo deva ir sendo destinado a outros fins, como é o caso da petroquímica, deixando que uma parte da energia que move veículos seja produzida a partir da biomassa.

Além disso, cresce a consciência da iminência em se restringir as emissões de CO2, através da substituição de "energias sujas" por limpas, renováveis, para enfrentar os graves problemas advindos do aquecimento global.

Começa a se consolidar uma grande oportunidade, para países em desenvolvimento: exportar os produtos de que os desenvolvidos prioritariamente necessitem e que não estejam conseguindo produzir na quantidade demandada, como é o caso dos biocombustíveis.

Hoje, o comércio internacional de biocombustiveis é muito pequeno, cerca de apenas 2% do mercado global. No entanto, para possibilitar uma mistura de 10% à gasolina, que permita substituir o aditivo éter-metil-tércio-butílico (MTBE) ou o aditivo chumbo - tetraetila, a produção mundial necessária de etanol é de 2 bilhões de barris ou 320 bilhões de litros por ano (20 vezes a produção brasileira), o que implica a necessidade de incorporar grandes extensões de áreas agricultáveis.

Bens ambientais

Para contribuir com o desenvolvimento sustentado, bens e serviços ambientais devem ser liberalizados. É exatamente o que prevêem os parágrafos 6 e 31 (iii) do texto em discussão da Rodada de Doha (2001), quando trata da redução ou eliminação de barreiras tarifárias e não tarifárias.

Prevê-se que os bens ambientais deverão ter suas barreiras comerciais eliminadas até 2010.

Para tanto, é necessário definir "bens e serviços ambientais", definição que não existe em foros internacionais ou no sistema harmonizado de classificação de mercadorias. Nessa direção, em julho de 2003, foi proposta a elaboração de uma lista principal e de uma lista complementar. A lista principal deve conter os produtos considerados por todos os países como "bens ambientais". A lista complementar será formada por produtos em relação aos quais haja relativo ou parcial consenso.

Para que a produção e comercialização de biocombustíveis possam ocorrer em larga escala, cabe um especial esforço para incluí-los entre os bens ambientais previstos no texto em discussão da Rodada de Doha.

Vantagens dos biocombustíveis

Os biocombustíveis apresentam diversas vantagens,sendo a primeira de natureza macroeconômica: cada barril de biodiesel ou de etanol produzido corresponde a um barril de combustível fóssil que deixa de ser importado, melhorando o resultado da balança comercial.

A segunda vantagem é de natureza ambiental, pois os biocombustíveis ajudam a reduzir as emissões de CO2, contribuindo para diminuir o efeito estufa.

O terceiro beneficio é a contribuição relacionada à saúde pública: o etanol, como aditivo à gasolina, dispensa a adição do chumbo-tetraetila, substância altamente cancerígena.

Quarto, permite gerar energia elétrica com a queima dos resíduos da produção do biodiesel ou do etanol, como já ocorre com o bagaço da cana.

O quinto benefício é estratégico, geopolítico: permite diminuir a dependência em relação ao petróleo, produzido em regiões convulsionadas por constantes tensões políticas.

O sexto benefício, sem dúvida o mais relevante, é o social: criar empregos.

Mais empregos nos países pobres

Os países em desenvolvimento, situados em regiões tropicais ou subtropicais, têm alto índice de fotoperiodismo (chegando a 16 horas de sol/dia), água suficiente e abundante mão de obra. Dispõem de mais de 200 milhões de hectares de terras agricultáveis não exploradas ou subexploradas, áreas que podem permitir a produção de matéria-prima para biocombustíveis.

Isso, no entanto, não ocorrerá por geração espontânea. Exige planejamento governamental, para transformar estes países em plataformas mundiais de exportação de biocombustíveis. Exige pesquisas para fazer álcool a partir da lignocelulose do bagaço de cana ou de resíduos de madeira. Exige investimentos em gasodutos, em estoques reguladores. Exige intenso esforço diplomático, para abrir mercados externos e para incluir os biocombustíveis no rol dos "bens ambientais" previsto no texto em discussão da Rodada de Doha.

Trata-se de uma excepcional oportunidade, que pode transformar países pobres em vigorosos exportadores de biocombustíveis, gerando não somente emprego e renda, mas também contribuindo para a construção de uma nova civilização, lastreada em energia limpa e renovável.

Além do mais, a criação de empregos no mundo emergente está correlacionada com a segurança no mundo desenvolvido. Basta observar o terrorismo que domina o noticiário: terroristas, em boa parte, são recrutados em locais onde uma crescente população jovem vê a esperança mais como sarcasmo do que como esperança propriamente dita. E a maioria deles, independentemente de seus objetivos políticos ou militares, atacam os "ricos", aqueles que lhes negam oportunidades.

Por tudo isso, não podemos perder esta excepcional oportunidade da produção e exportação de biocombustível, pois ela significa poder criar perspectivas de futuro para milhões de pessoas no mundo subdesenvolvido. Mais do que isso, significa uma concreta contribuição para a paz mundial.


Notas:

* Antonio Carlos Mendes Thame, Deputado Federal PSDB-SP. [ Voltar ]

Palavras-chave: Biocombustíveis

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