Astreintes: multas diárias forçam partes a respeitar decisões judiciais

As astreintes são multas diárias aplicadas à parte que deixa de atender decisão judicial

Fonte: STJ

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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem reforçando o papel das astreintes no sistema jurídico brasileiro. A jurisprudência mais recente do Tribunal tem dado relevo ao instituto, que serve para coibir o adiamento indefinido do cumprimento de obrigação imposta pelo Poder Judiciário. As astreintes são multas diárias aplicadas à parte que deixa de atender decisão judicial.


Duas decisões recentes relatadas pela ministra Nancy Andrighi são exemplos importantes do novo enfoque dado às astreintes. Em uma delas, a Bunge Fertilizantes S/A foi condenada em mais de R$ 10 milhões por não cumprir decisão envolvendo contrato estimado em R$ 11,5 milhões. Em outra, o Unibanco terá de pagar cerca de R$ 150 mil por descumprimento de decisão – a condenação por danos morais no mesmo caso foi de R$ 7 mil.


Nesse último caso, a relatora afirmou: “Este recurso especial é rico em argumentos para demonstrar o exagero da multa, mas é pobre em justificativas quanto aos motivos da resistência do banco em cumprir a ordem judicial”. Em situações como essa, reduzir a astreinte sinalizaria às partes que as multas fixadas não são sérias, mas apenas fuguras que não necessariamente se tornariam realidade. A procrastinação sempre poderia acontecer, afirma a ministra, “sob a crença de que, caso o valor da multa se torne elevado, o inadimplente a poderá reduzir, no futuro, contando com a complacência do Poder Judiciário.”


Em outro precedente, também da ministra Nancy Andrighi, foi mantida condenação em que o Banco Meridional do Brasil S/A afirmava alcançar à época do julgamento R$ 3,9 milhões, com base em multa diária fixada em R$ 10 mil. Nessa decisão, de 2008, a ministra já sinalizava seu entendimento: a astreinte tem caráter pedagógico, e, na hipótese, só alcançou tal valor por descaso do banco.

 

Segundo a relatora, não há base legal para o julgador reduzir ou cancelar retroativamente a astreinte. Apenas em caso de defeito na sua fixação inicial seria possível a revisão do valor. “A eventual revisão deve ser pensada de acordo com as condições enfrentadas no momento em que a multa incidia e com o grau de resistência do devedor”, anotou em seu voto definitivo no Resp 1.026.191.

 

Descaso e diligência


Ainda conforme os precedentes da ministra Nancy Andrighi, se o único obstáculo ao cumprimento da decisão judicial é a resistência ou descaso da parte condenada, o valor acumulado da multa não deve ser reduzido. Por esse entendimento, a análise sobre o excesso ou adequação da multa não deve ser feita na perspectiva de quem olha para os fatos já consolidados no tempo, depois de finalmente cumprida a obrigação. Não se pode buscar razoabilidade quando a origem do problema está no comportamento desarrazoado de uma das partes, afirmam os votos orientadores.


A ministra também afirmou, no julgamento do caso da Bunge – que pode ser o maior valor já fixado em astreintes no Brasil –, que a condenação deve ser apta a influir concretamente no comportamento do devedor, diante de sua condição econômica, capacidade de resistência, vantagens obtidas com o atraso e demais circunstâncias.


Em outro precedente, ainda relatado pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito, foi mantida multa de R$ 500 diários, acumulados por mais de sete meses até o valor de R$ 120 mil, em ação com valor de R$ 10 mil. A empresa condenada construiu uma divisória e uma escada e atrasou o cumprimento da demolição determinada em juízo (Resp 681.294).


Por outro lado, o julgador também pode aplicar a redução da multa caso o devedor tenha sido diligente na busca de solução do problema e cumprimento de sua obrigação. É o que ocorreu em mais um caso relatado pela ministra Nancy Andrighi, envolvendo atendimento médico a menor ferido em assalto.


A transportadora de valores Brink’s havia sido condenada em R$ 10 mil por dia de atraso no oferecimento do atendimento. Porém, a empresa comprovou que o problema ocorreu por falha da operadora do plano de saúde, que não reconheceu pagamentos efetivamente realizados pela Brink’s e recusou atendimento ao menor por dois meses. Nesse caso, a ministra entendeu que, apesar de a transportadora ter atuado para corrigir a falha, um acompanhamento mais intenso e cuidadoso poderia ter evitado a interrupção. Por isso, a multa total foi reduzida de R$ 670 mil para R$ 33,5 mil.


Enriquecimento ilícito


Mas o STJ ainda exerce controle de valores excessivos das multas. É o que ocorreu em recurso da General Motors do Brasil Ltda. contra multa que somava mais de R$1,1 mi. A montadora tinha sido obrigada a entregar veículo que deixara de produzir em 1996, em razão de defeito de fabricação. Nesse caso, o ministro Aldir Passarinho Junior reduziu a multa diária de R$ 200 para R$ 100, limitando o total ao valor do automóvel.


No julgamento, o ministro destacou que o comprador já tinha obtido a substituição do veículo por outro similar, além de indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil. No seu entendimento, o valor da astreinte deve ser limitado de forma razoável e proporcional, porque o seu objetivo é o cumprimento da decisão, e não o enriquecimento da parte. “Na realidade, a imposição de multa diária vem sendo comumente aplicada de forma tão onerosa a ponto de, em inúmeros casos, passar a ser mais vantajoso para a parte ver o seu pedido não atendido para fruir de valores crescentes”, declarou.


Liminar

 

O STJ também entende que a astreinte fixada em liminar não depende do julgamento do mérito para ser executada. Assim, o descumprimento de obrigação de fazer imposta por liminar pode levar à cobrança da multa diária nos próprios autos da ação, independentemente do trânsito em julgado da sentença final. É o que decidiu o ministro Luiz Fux, em ação popular que pedia a retirada de placas de obras públicas municipais em Barretos (SP) (Resp 1.098.028).


É que o caráter das astreintes não se confunde com o das multas indenizatórias. Isto é, as astreintes não buscam recompor um mal causado no passado. A explicação é do doutrinador Cândido Rangel Dinamarco, citado em voto do ministro Luis Felipe Salomão (Resp 973.879): “Elas miram o futuro, querendo promover a efetividade dos direitos, e não o passado em que alguém haja cometido alguma infração merecedora de repulsa.”


Concebidas como meio de promover a efetividade dos direitos, elas são impostas para pressionar a cumprir, não para substituir o adimplemento. Consequência óbvia: o pagamento das multas periódicas não extingue a obrigação descumprida e nem dispensa o obrigado de cumpri-la. As multas periódicas são, portanto, cumuláveis com a obrigação principal e também o cumprimento desta não extingue a obrigação pelas multas vencidas”, completa o doutrinador.


Fazenda e agentes públicos


A Fazenda Pública pode ser alvo de astreintes. É o que fixa a vasta jurisprudência do STJ. Desde 2000, o Tribunal decide reiteradamente que a multa coercitiva indireta pode ser imposta ao ente público. Naquela decisão, o estado de São Paulo era cobrado por não cumprir obrigação de fazer imposta há quase cinco anos, tendo sido aplicada multa de ofício pelo descumprimento. O precedente do Resp 196.631 evoluiu e consolidou-se como entendimento pacífico.


Mas, se o ente pode ser condenado a pagar pela inércia, o mesmo não ocorre com o agente público que o representa. Para o ministro Jorge Mussi (Resp 747.371), na falta de previsão legal expressa para alcançar a pessoa física representante da pessoa jurídica de direito público, o Judiciário não pode inovar, sob pena de usurpar função do Legislativo.


Para o relator, caso a multa não se mostre suficiente para forçar o Estado a cumprir a decisão, o ente arcará com as consequências do retardamento. E, quanto ao mau administrador, restariam as vias próprias, inclusive no âmbito penal. Haveria ainda a possibilidade de intervenção federal, para prover a execução de ordem ou decisão judicial.


Com relação ao ente público, o STJ admite até mesmo o bloqueio de verbas públicas, em casos excepcionais, a exemplo do fornecimento de medicamentos. Mesmo que se trate de conversão de obrigação de fazer ou entregar coisa – como ocorre nas astreintes –, o pagamento de qualquer quantia pela Fazenda segue ritos próprios, que impedem o sequestro de dinheiro ou bens públicos.


Porém, conforme assinala o ministro Teori Albino Zavascki (Resp 852.593), em situações de conflito inconciliável entre o direito fundamental à saúde e o regime de impenhorabilidade de bens públicos, deve prevalecer o primeiro.


Para o relator daquele recurso, sendo urgente e inadiável a aquisição do medicamento, sob pena de comprometimento grave da saúde do doente, é legítima a determinação judicial de bloqueio de verbas públicas para efetivação do direito, diante da omissão do agente do Estado.

 

 

Resp 973879
Resp 681294
Resp 1098028
Resp 1185260
Resp 1151505
Resp 1117633
Resp 1026191
Resp 1135824
Resp 947466
Resp 196631
Resp 747371
Resp 852593

Palavras-chave: Astreintes; Descaso; Multas; Fixação; Liminar

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3 Comentários

Mario Pallazini Aposentado14/12/2010 11:17 Responder

Há anos, sobre as \\\"astreintes\\\" escrevi a seguinte matéria que foi publicada em Portais. \\\"Decisão judicial e a execução das ?astreintes? Sem nenhuma pretensão de originalidade ou de grandes conhecimentos sobre o assunto, permito-me, nesta singela matéria, expor o meu modesto entendimento. O tema já foi exaustivamente analisado e discutido por renomados operadores do direito e, quer-me parecer, não haja ainda um entendimento pacificado sobre a matéria, notadamente quanto ao valor a ser fixado nas astreintes e o momento da sua execução por descumprimento da sentença judicial. Preliminarmente, penso que a ordem judicial não guarda relação com o mérito ou valor da causa. São coisas distintas da ordem judicial. Não se pode confundir a situação jurídica de direito material discutida no processo e os deveres das partes como sujeitos do processo. Da decisão judicial cabe recurso, desobediência, não. Ela representa aquilo que o Estado-juiz decidiu e contra a qual restam dois caminhos: Dar cumprimento a ela ou dela recorrer no momento processual oportuno. Desrespeitá-la, jamais. Recalcitrância é sinônimo de desobediência. Assim, nada mais juridicamente correto expropriar o valor fixado em razão do adimplemento daquele que a descumpra. Se a decisão é justa ou injusta há que ser discutida através dos recursos cabíveis. No Estado Democrático de Direito não se pode admitir que o destinatário de uma decisão judicial se ponha a cavalheiro em proceder conforme o seu entendimento em relação a ela. A soberania da sentença judicial depende única e exclusivamente do Estado-juiz, deferindo, sem receio, a execução integral das astreintes, quando ocorre incumprimento injustificado. A sua exigibilidade passa a ser uma questão de honra para a efetividade do processo. Ressalte-se que a jurisprudência admite sanções severas para o contempt of court, ou seja, desrespeito à autoridade do juiz ou tribunal que proferiu a decisão não cumprida pelo devedor relapso. Respeitado entendimentos contrários, vejo nas astreintes um mecanismo altamente positivo no sentido de se moralizar o cumprimento de decisões judiciais, se efetivamente levado a efeito a execução. Em suma: Não executar às astreintes estribado no argumento de ser medida ?coercitiva?, é, no mínimo, dar guarida à desobediência. A efetividade da medida coercitiva se completa com a execução. Não havendo esta o instrumento inibitório torna-se inócuo. MARIO PALLAZINI ? São Paulo ? SP. ? e-mail:mpallazini@hotmail.com

ISMAEL DA SILVEIRA ADVOGADO14/12/2010 12:45 Responder

As \\\"astreintes\\\", deveria ser legal, não deveria haver necessidade do advogado, pedir, ou do Juiz, em alguns casos, arbitrala, se fosse legal e direta, com certeza as empresas cumpririam de imediato a sentença!

Edison Pilar Advogado14/12/2010 16:19 Responder

O judiciário, por não possuir a força para cumprimento das decisões qye profere, deveria se utilizar mais, amiudadamente, dessa medida.

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