Ser ou não Kelsen?

Em tempos de Weimar, as teses de Kelsen eram minoritárias e muito atacadas pelo estatismo, pelo nacionalismo e pelo autoritarismo nostálgico e, se, sob o nazismo era objeto de desprezo geral, tendo sido apelidado de "judeu liberal" perigoso para a grandeza do Estado alemão e para o novo direito de Corte racista, a serviço das doentias obsessões da casta dirigente, repleta de juristas que faziam qualquer coisa para ganhar os favores do Führer, depois da Segunda Guerra e da derrota alemão, presenciou-se à culminação da infâmia, pois impuseram às teses de Kelsen toda a culpa relativa as aberrações cometidas naquele corrupto mundo jurídico alemão.

Fonte: Gisele Leite

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Há muitas controvérsias sobre os mais variados aspectos da teoria kelseniana do direito. E, toda essa teoria exerceu forte influência sobre o sistema jurídico e seus elementos, bem como as teorias de Karl Marx que tanto têm marcado o pensamento a respeito das relações públicas e econômicas nas sociedades capitalistas. E, mesmo os mais aguerridos antimarxista não conseguem expor tais relações sem recorrer à linguagem de Marx e sem se posicionar em face de suas doutrinas.

Provavelmente, a teoria de Kelsen sobre a norma jurídica seja incompleta e nem dê conta de todas suas peculiaridades e do modo de aplicação dos mais numerosos tipos de normas jurídicas, bem como todo o sistema jurídico e da validade do direito, com seu rigoroso formalismo e autênticos enigmas (sem esfinge) e tais como a questão sobre a norma fundamental e ou cláusula tácita alternativa e que devem ser objeto de séria reconsideração crítica.

Igualmente merece ciosa análise os enfoques oscilantes sobre a relação entre validade e eficácia das normas jurídicas e dos sistemas jurídicos, sobre as relações lógicas entre as normas, além dos demais aspectos.  É frequente que a doutrina seja abundante e discuta os postulados de Kelsen em afirmações que jamais sequer apareceram em suas obras, bem ao contrário, as referidas doutrinas fazem da visão kelseniana ser a responsável por consequências que, de forma alguma, seguem-se dela ou mesmo dos propósitos do nobre autor.

Há três puras falsidades sobre Kelsen que surgem constantemente, a saber: 1. que sua teoria da interpretação e aplicação do direito equipara-se com o positivismo do século XIX da Escola da Exegese ou da Jurisprudência dos Conceitos, pois Kelsen via a decisão judicial como mera subsunção de fatos `norma, fabricada com pleno automatismo, e sem ir além da conclusão de silogismos elementares e lógicos; 2. que Kelsen propugnava ou convidava à obediência judicial e cidadão ao direito injusto, confundindo obrigação jurídica e obrigação moral em prol do positivismo ideológico; 3. que a teoria jurídica de Kelsen resta imbuída de autoritarismo estatista, sendo seu predomínio imputável à atitude de obediência absoluta e cega e entusiasta que tantos teóricos do direito prestaram às aberrantes ordens do nazismo.

São muitas as tergiversações convertidas em hábitos tanto em explicações de jusfilósofos, além do fato indubitável da ignorância de algum professor afoito, preconceituoso e pouco afeto a uma leitura atenta. As falsificações do pensamento de Kelsen e de seus efeitos práticos devem-se aos interesses concretos e presentes em determinados momentos históricos precisos, tais como a República de Weimar, época do nazismo e o contexto político e filósofo posterior à Segunda Grande guerra Mundial.

Reconhece-se que foi a doutrina germânica do pós-guerra que responsabilizou a teoria de Kelsen pela submissão dos juristas aos ditamos normativos do nazismo. Em verdade, trata-se de mito fundante da jusfilosofia alemã ocidental que serve para aglutinar uma disciplina e nesta repartir as etiquetas de cientificidade e anticientificidade. E, no caso alemão, o mito foi o necessário alicerce ao renascimento do jusnaturalismo de jaez religioso.  porém, a lenda da responsabilidade do positivismo pode ser considerada bem superada pelo cioso exame histórico, uma vez que estudos como os de Rüthers e Tottleuthner demonstraram não apenas que o nazismo se distanciou do positivismo da maneira mais veemente, negando-lhe toda compatibilidade com o povo ariano, senão que, além disso, as estratégias que sob o nazismo se colocaram em marca para seus crimes são indubitavelmente antipositivistas. (In: WITTRECK, 2008). Outros autores abordam a fábula ou embuste do positivismo.(In: RÜTHERES, 2001).

A suposta tese de Kelsen de que a lei é a lei e como tal deve ser acatada e aplicada pelos operadores do direito, deixando os alemães indefesos diante de aberrações jurídicas do nacional-socialismo. Forma-se uma estratégia defensiva, justificativa e de auto-exulpação.

Afirmou-se também que foi o predomínio do kelsenismo na doutrina jurídica da época de Weimar haveria adubado o terreno para que, nos tempos no nazismo, os juristas não pudessem tomar plena consciência da ilegitimidade e da radical injustiça daquelas normas jurídicos. Porém, com mínimo rigor no exame da situação jurídico-doutrinária presente na República de Weimar e, na época de Hitler demonstra, sem margem de erro, que todos esses pressupostos são precisamente inexatos, isto é, são deliberadas mentiras, escusas insanas de ser que o desejo de livrar de responsabilidade os doutrinadores ou funcionários, que, aliás, nunca foram kelsenianos, bem ao contrário.

Importante é suscitar o histórico da Constituição de Weimar já nascera e vigorou em contexto social, político e econômico extremamente complexo. E, então, os alemães se dotaram de uma Constituição peculiar com a expressão de autêntico Estado de Direito, mas sua doutrina jurídica continuava relacionado ao modelo do direito de Estado.

A grande oposição daquele tempo era o Estado de Direito versus direito de Estado. E, nesse sentido é bom ler Müller. A chamada Escola Alemã do Direito Público de Gerber, Laband e Jellinek fizeram grande esforço para construir teoria do Estado adaptada às mudanças históricas, particularmente, ao declínio do modelo anteriormente vigente nos territórios alemães e, de forte marca senhorial sendo quase feudal.

Enfim, a velha ordem social e política era caracteriza pela firme hierarquia que era baseada na supremacia de grandes famílias dirigentes e de grupos nobiliários, e que tinha que ser substituída por um Estado novo, doravante de base legal, e dotado de capacidade e meios pessoais e jurídicos para governar de modo efetivo tanto os territórios que começavam sua industrialização quanto os que vinham sentido os tardios ecos da Revolução Francesa. Foi nessa transição doutrinária sem prescindir do elemento autoritário, pois o Estado era visto enquanto uma instituição natural, sendo a encarnação da nação e o depositário e fonte de todos os poderes.

Os atributos no passado associados ao imperador e aos senhores de cada território passaram a ser atribuídos ao Estado e, assim, este se legitimou por sua substância, conformando-se à natureza das coisas e à ordem necessária da sociedade por ser resumo e quintessência do sentido de todo um povo.

A referida relação entre o Estado, por um viés, e os interesses e sentimentos populares, por outro viés, não se estabeleceu por meios procedimentais da representação política cidadã, mas sim, na empatia do que na livre contraposição de interesses e programas de governo.

As relações de Direito Público concebem-se como sendo relações entre dois sujeitos diferentes, porém, ambos dotados com entidade própria e personalidade plena, isto é, são seres substanciais e não meramente jurídicos. E, de um lado, há os cidadãos chamados a se relacionar com os poderes públicos a partir de vocação para servir ao bem-comum.

Já, de outro lado, há o Estado visto como ser suprapessoal, emanação e expressão da identidade comunitário. Sendo considerado enquanto síntese do comum e do comunitário numa forma pessoal mais alta e supraindividual, sua preeminência nas relações com seus cidadãos se assenta nele próprio.

Os cidadãos  podem participar na vida e nas decisões do Estado, porém, em derradeira instância não são eles, como indivíduos autointeressados, os que se coordenam e que dão sua voz e seu ser ao Estado por intermédio do qual legislam para si mesmos.

É o Estado que, por soi-même, e com auxílio da participação cidadã é que vela pela ordem devida e, ainda trata de realizar seu próprio interesse que é o da comunidade enquanto um todo. Eis as antípodas da ideologia liberal do contrato social.

Surgiram frequentemente metáforas organicistas que fazem do ente estatal o titula natural do poder e da política e dos cidadãos meras células desse organismo coletivo, ao qual ademais têm de servir conforme as tarefas que o próprio Estado lhes designa. Não há, portanto, pacto social para construir o Estado de base social. Ao revés, a base social não é mais do que uma parte do corpo social do Estado, que tem nos governantes sua cabeça e, no espírito do povo, sua alma.

A expressão "direito de Estado" parece ser contraposta ao que significa "Estado de Direito".

De fato, o Estado antecede ao direito, sendo sua base e seu pressuposto ontológico. E, o direito nasce do Estado porque é direito do Estado, isto é, o conjunto de normas por meio das quais o Estado organiza sua própria vida enquanto "pessoa", quer dizer, a substância supraindividual com traços específicos e definidores a base cultural e nacional, tradição particular e missão ou destino que dão seu caráter último e sua razão de ser, do mesmo modo que o ser humano individual organiza sua vida e seus padrões de comportamento a serviço de certa vocação, de uma afã de perfeição e, inclusive, de desejo de transcendência.

Por essa razão, a normatividade jurídica não deve destoar nem em sua dicção, nem em suas aplicações desse fundamento pessoal transpessoal, se assim se pode dizer. Em face disso, o direito não pode ser senão o direito do Estado, o direito que o Estado outorga a si mesmo como instrumento a serviço de sua missão transcendente.

Já não é o monarca absoluto que assevera "o Estado sou eu"; é o próprio Estado, com vocação absoluta, que é a síntese de sua missão e sua identidade afirma que o Estado é o Estado e que tudo quanto lhe pertence, isto é, território, população e poder, pertence-lhe por razões substanciais, por natureza, inclusive seu sistema jurídico.

Não são as normas jurídicas que constituem os poderes do Estado, é o poder do Estado, como eixo de seu ser, que cria as normas mediante as quais esse ser estatal se autorregula e regula suas relações com os cidadãos.

A teoria do Estado de Kelsen golpeia o núcleo de tal estatismo e, afinal, o estado não é mais do que o reverso de um sistema jurídico, isto é, Estado não é mais que uma complexa rede normativo-institucional constituída pelo próprio direito. Não tem substância própria e pré-jurídica; seu território é marcado pelo espaço geográfico em que vigora seu sistema jurídico, conforme as determinações desse mesmo sistema, sua população é a que, como conjunto de destinatários de suas normas, o sistema estabelece; seu poder não é outra coisa que o conjunto de instituições cujas competências o dito sistema define.

E, fora dessa realidade tangível do Estado não resta mais do que ideologia e metafísica a serviço de uma vontade de dominação que se pretende baseado Estado não resta mais do que ideologia da em evanescentes e fantasmagóricos dados pré-jurídicos. A pura dominação fática de um grupo de indivíduos sobre uma coletividade é poder,  mas não Estado. A dominação conforme certas normas jurídicas é Estado,  mas só porque se institui enquanto sistema jurídico. Nada e nem ninguém  tem o direito de imperar enquanto Estado antes ou à margem das normas  jurídicas: não há Estado sem normas jurídicas que o constituam.

Esse, e não outro, corresponde ao significado da afirmação de Kelsen, segundo a qual todo Estado é Estado de Direito. E, a noção de Estado de Direito não é utilizada por Kelsen em sua acepção político-moral ou no sentido de certo modelo de organização estatal baseado na separação de poderes, na sua submissão à legalidade e no respeito a certos direitos fundamentais das pessoas.

Através com a expressão "Estado de Direito", Kelsen pretendia apenas ressaltar a carência de substância real de todo Estado que se queira à margem e acima do direito, seja for o conteúdo desse direito. Enfim, não se trata de dotar de legitimidade moral qualquer Estado nem, menos  ainda, de fundar certas obrigações políticas dos cidadãos diante de qualquer forma de Estado e perante suas normas.

Kelsen objetiva apenas desmascarar a pura ideologia de dominação dos cidadãos presente em toda  intenção de fazer do Estado uma entidade natural, um bem em si, um ser  de raiz metafísica ou a pura emanação de uma comunidade cultural ou  nacional. Poderá haver Estados sem essa marca metafísica e providencial  que sejam injustos, atrozes ou opressivos, mas só serão Estados sobre a  base de um direito, nunca antes disso.

E, no momento de os cidadãos lutarem contra essa possível injustiça do Estado, terão avançado um grande passo ao vê-lo só como o que é: uma rede institucional de poderes tecida pelo ordenamento jurídico e que mudará se dito ordenamento for modificado, não havendo essências pré-jurídicas que se deve aceitar e às quais é necessário submeter-se com a passiva atitude de quem aceita fenômeno naturais que estão fora de todo controle humano e, em especial, subtraídos à ação política dos cidadãos.

A partir dessas observações é possível melhor compreender a disputa de Kelsen com Jellinek e a Escola Alemã do Direito Público, debate que inicialmente parece apenas ideológicos e políticos. Afinal, para Jellinek, o Estado teria uma dupla face, quer dizer, uma dimensão dual. Por um lado, o Estado apresentaria vertente normativa e institucional; por outro, possuiria também natureza fática. Assim, o Estado seria, além de juridicidade e institucionalidade, um ser em si, uma pessoa, um sujeito com identidade própria que mediante normas se regula, podendo se autolimitar em suas relações com seus cidadãos.

É nesse ponto que Kelsen atava. E, segundo entende, não existe no Estado qualquer facticidade pré-jurídica, por mais que as ações de órgãos e instituições estatais que o direito constitui tenham indubitável dimensão fática. O efeito não pode ser confundido com a causa. As ações do Estado não são ações que, primeiro, o sejam desse sujeito, e além disso, podem ser jurídicas ou antijurídicas.

Só são ações estatais porque podem ser jurídicas ou antijurídicas, já que fora do direito não há Estado, apenas mera dominação fática e ajurídica. Desta forma, o que pode ser o Estado, qual é o modo possível de sua configuração, onde se radicam suas potestades ou quais são os limites possíveis de seu atuar não são elementos determináveis nem pela natureza das coisas, nem por nenhum gênero de força normativa do fático, tratando-se sempre de construtos jurídicos.

Não é que o Estado manifeste vontade própria por meio de seus órgãos, como o Parlamento, mas sim, que certas expressões de vontade são imputadas ao Estado enquanto conteúdos da vontade estatal; e o são porque determinados indivíduos ocupam certos órgãos que são do Estado, já que assim dispõem as normas jurídicas constitutivas daquela imputação.

O Estado, em síntese, tem inescapável condição artificial, é um puro artifício jurídico e, como mera construção, dependerá de conjunturas históricas e circunstâncias aleatórias, de correlações de forças, de lutas ou de ideias, mas nunca poderá pretender-se que por cima desse devir histórico e social, com seu reflexo no sistema jurídico, o Estado esteja atado a uma configuração necessária, natural imodificável e substancial.

Foi o caráter antimetafísico da teoria de Kelsen que a distingue do positivismo do século XIX, quer seja daquele próprio dos jusprivatistas da Escola da Exegese e da Jurisprudência de Conceitos com sua idealização do sistema jurídico como algo perfeitamente racional, como um sistema ideal que, por ser completo, coerente e claro, é a expressão da suprema razão jurídica, quer daquela dos juspublicistas da Escola Alemã do século XIX, que pretendiam validar para o Direito público um esquema similar, o qual teria seu vértice e primeiro postulado na ideia de Estado racional.

Na doutrina deu-se eco no período de Weimar, o antiestatismo de Kelsen, ou seja, sua filosofia política cética e antimetafísica? Kelsen foi muito duramente criticado e pouco autores entre os juspublicistas da era prescindiram do estatismo anterior, fortemente autoritário e se vincularam ao que chamamos de positivismo do Estado de Direito.

A impactante potência teórica de Kelsen e sua obra não encontraram fértil terreno em uma academia marcada pela nostalgia do Estado Guilhermino e que se lamentava pela decadência daquela Alemanha da época e que saiu derrotada na Primeira Guerra Mundial.

Num contexto marcado por nostalgias do império, na sede de autoridade, no temor aos movimentos populares, a desconfiança diante dos frios procedimentos democráticos que Weimar tencionava instaurar, suspeita de direitos fundamentais modelados na Constituição alemã e que eram considerados expressão de uma enésima tentativa de submeter a Alemanha aos imperativos do individualismo liberal, dissolvente e destrutivo das essências nacionais e comunitárias, tanto que é crível que depois de 1933, a doutrina se afirmou impregnada do kelsenismo que havia sido dominante sob a Constituição de Weimar. Não. Absolutamente não.

Trata-se apenas da primeira e radical falsificação de Kelsen, basta olhar que, naquele tempo, escreviam os juspublicistas que logo se converteram em juristas de cabeceira do regime de Hitler para ver que, ainda sob Weimar, sua oposição a Kelsen, era muito tenaz e até raivosa.

Os neohegelianos, jusnaturalistas e decisionistas, em toda sua diversidade encontravam-se unidos na crítica a Kelsen. Sendo lícito afirmar com veemência que nem um só kelseniano dos tempos da República passou para as fileiras de Hitler, mantendo a doutrina originária.

Desse modo, pode-se entender que tantos os professores antikelsenianos argumentasse, depois de 1945 ou de 1949, que sempre estavam eclipsados por Kelsen e, que só agora, naquele momento, tomavam consciência dos excessos a qual tal pensamento os havia guiado?

Não era diferente a situação na magistratura, pois com a entrada em vigor da Constituição de Weimar, ofereceu-se aos julgadores, coletivamente suspeitos de professar a pouca simpática pelo regime constitucional do Estado de Direito, a oportunidade de se aposentarem sem perda econômica. E, muitos poucos, aceitaram a oferta.

Eis também a razão pela qual doutrinadores como Radbruch mostraram-se pouco inclinados em atingir aqueles juízes com o controle de constitucionalidade das leis. Durante a República de Weimar foi comum uma prática judicial que se desligava de qualquer vinculação ao texto da lei e ditava resoluções em supostos princípios que não eram mais do que os característicos de autoritarismo estatal que lhes parecia ser tão atraente.

Deve-se, ainda, acrescentar que a jurisprudência da época, especialmente a penal, deixa transparecer com clareza uma descarada manipulação da lei para perseguir os movimentos sociais esquerdistas e ainda favorecer os grupos nazistas e fascistas e, também os golpistas.

O processo intentado contra Hitler devido à sua tentativa de golpe de Estado em 8 e 9 de novembro de 1923, e sua escandalosa sentença que fora prolatada em 1 de abril de 1924, não são mais do que a legítima expressão dessa frequente atitude.

Registre-se que a atitude geral dos professores juspublicistas que defendiam a democracia e a República de Weimar era de receito ante essa possibilidade de controle judicial de constitucionalidade das leis. Era o caso de Radbruch, Anschütz ou W. Jellinek.

Já a favor do dito controle não por amor ao texto constitucional e ao sistema do Estado de Direito que ela organizava, contava-se com doutrinadores como Kaufmann, Koellreutter, Larenz e Carl Schmitt, além de outros que tinham atitude política não antidemocrática, tais como Nawiasky e Leibholz.

Explicou Ingo Müller: "Os tribunais da República de Weimar raramente qualificaram de modo expresso uma lei como não aplicável ou inconstitucional, mas com muito palavreado e uma interpretação da lei que tinha pouco a ver com seu teor literal, conseguiam perfeitamente o mesmo efeito, colocando a lei fora do jogo!”. O positivismo jurídico não estava entre os juristas alemães representado por ninguém, salvo por pequena minoria republicana. Carl Schmitt haveria assinalado, em 1932, que o tempo do positivismo jurídico chegou a seu fim.

Chama muito a atenção que duas ideias se mantivessem vigentes na magistratura e na doutrina alemã de Weimar do nazismo e das décadas posteriores, a saber: a de que  positivismo era rechaçável por seu legalismo e  a de que frente à lei deveriam imperar certos princípios substanciais que dão sentido ao direito, os quais, em verdade, devem guiar a decisão judicial. Verifica-se que apenas os doutrinadores e os juízes, muitas vezes, os mesmos doutrinadores e os mesmos juízes foram mudando o conteúdo ou a formulação desses princípios à medida que se transformava o regime político em que prosperavam.

Em tempos de Weimar, as teses de Kelsen eram minoritárias e muito atacadas pelo estatismo, pelo nacionalismo e pelo autoritarismo nostálgico e, se, sob o nazismo era objeto de desprezo geral, tendo sido apelidado de "judeu liberal" perigoso para a grandeza do Estado alemão e para o novo direito de Corte racista, a serviço das doentias obsessões da casta dirigente, repleta de juristas que faziam qualquer coisa para ganhar os favores do Führer, depois da Segunda Guerra e da derrota alemão, presenciou-se à culminação da infâmia, pois impuseram às teses de Kelsen toda a culpa relativa as aberrações cometidas naquele corrupto mundo jurídico alemão.

Converter-se-á em banalidade, que é até hoje repetida, sem a menor reflexão, a imputação ao positivismo de Kelsen dos desmandos jurídicos daquela corte que era composta de antikelsenianos. E, dois propósitos que apesar de diversos se confluem para semelhante atribuição de responsabilidade à doutrina de Kelsen.

De um lado, maioria de professores escreveram textos atrozes de exaltação ao Führer, como sendo suprema fonte de direito alemão, o que justificava a morte civil dos judeus e defendiam até seu extermínio, bem como de outras raças consideradas inferiores, tais como, a eslava, ciganos e, outros grupos de degenerados, como os homossexuais, e aqueles tidos em geral como inimigos do povo, e seu suposto lema de que a lei é a lei, Gesetz ist Gesetz, e que a lei, sob tal visão, não podia senão ser acatada, e rigorosamente cumprida.

Porém, por outro lado, havia doutrinador como Radbruch que buscava um modo de justificar a reprovação dedicada àqueles juízes e funcionários do Estado que então se escusavam alegando que não tinham feito mais do que cumprir seus deveres ao aplicar a legislação válida, considerando a convicção de que toda lei é justa e deve ser ortodoxalmente obedecida, acrescentando que tal crença, que os incapacitava moralmente, fora imposta pelo positivismo dominante.

Já outros justificavam culpando novamente Kelsen e outros acusavam-no questionando suas teses sobre a validade das normas jurídicas. E, já nos EUA, Kelsen escrevia contra a continuidade do Estado alemão anterior em prol da tese de que nascido um "novo Estado" sem vínculos jurídicos com os funcionários e o sistema do anterior regime.

Os juristas hitleristas continuaram, quase todos, em suas cátedras universitárias depois de breves suspensões ou de submissão aos caricaturescos processos de desnazificação. E, também, os que foram juízes, fiscais ou agentes do Estado sob o nazismo, incluídos os funcionários da polícia e da Gestapo, acabaram retornando aos seus cargos no Estado instaurado pela Lei Fundamental de Bonn.

Entre os professores à serviço de Hitler, tornou-se habitual a conversão ao jusnaturalismo, transformando-se em defensores de concepção do direito com forte base moral. E, se antes se haviam oposto com todas suas forças ao positivismo jurídico por considerá-lo egoísta, dissolvente, judaico e inimigo da grandeza e da expansão do povo alemão, no pós-guerra continuaram com seu antipositivismo, mas usando outros argumentos.

Na época, o ataque baseava-se na separação positivista existente entre o direito e a moral, frente a qual se afirmava o essencial fundo axiológico do direito, o papel determinante da dignidade humana individual e a indubitável vigência positiva e suprapositiva dos direitos humanos.

Em regra, foi uma conversão massiva e essa interessada versão de positivismo jurídico que fazia crer que Kelsen sempre havia defendido a virtude moral de todo direito formalmente válido e o imperativo moral de obediência a quaisquer leis promulgadas pelo poder, o que constituiu uma doutrina sem fundamento que tem tido eco ao longo do tempo, chegando até aos dias de hoje.

Em 1952, em seu artigo “Das Naturrecht in evangelischer Sicht”, escrevia Weinkauff que a doutrina positivista, “dominante durante os últimos cem anos, afirmava que o direito é válido por expressar a vontade do legislador estatal e que “nós temos vivido e sofrido, e ainda padecemos  hoje, as sangrentas consequências”.

Weinkauff se pergunta o que acontece  quando esse direito positivo que vale só por ser produto da vontade do  poder se enche de injustiça, quando produz campos de concentração,  escravidão, extermínios massivos ou privação arbitrária da propriedade e  acusa o positivismo de fomentar, com sua teoria da validade, a aceitação  acrítica de semelhantes normas espúrias.

Ao contrário, o jusnaturalismo assinalava o direito não pode ser fruto de uma vontade humana puramente autônoma, estabelecendo limites que a lei não pode ultrapassar, limites que todo bom juiz pode descobrir intuitivamente ao se questionar qual é a solução justa para cada caso.

Assim sendo, onde está o fundamento desses imperecíveis conteúdos de justiça que nenhum direito positivo pode deixar de lado sem perder sua validade A resposta de Weinkauff, essas normas valem porque Deus as assentou de maneira vinculante.

Por vulnerar esses supremos princípios do direito natural posto por Deus, não seria válida a legislação nacional-socialista que propiciou a perseguição de grupos humanos, o extermínio, a discriminação e as mais extremas crueldades.

Contudo, é o mesmo direito natural que impõe a um Estado, a impossibilidade de desaparecer graças à simples ocupação militar ou a meros acordos das potências ocupantes e, em consequência, não pode tal Estado fazer tabula rasa dos direitos fundamentais de seus funcionários. “Ajuda-te, que Deus te ajudará”.

As palavras de Weinkauff são estarrecedoras, mas não nos esclarecem por que não se lhe revelaram antes de 1945, essas supremas verdades jurídicas, porque ele não encontrou em sua consciência qualquer impedimento para aplicar, como juiz, tais normas injustas ou por que não abandonou o ofício se tanto lhe repugnavam essas leis. Jogar a culpa sobre o inusitado positivismo e desfigurar a história se transformou em desculpa pueril, mas que produziu excelentes resultados.

Igualmente, Karl Larenz estava sob o influxo positivista quando em 1934, em sua obra Deutche Rechtserneuuerung und Rechtsphilosophie, escrevia que a suprema tarefa da Filosofia e da Jusfilosofia alemãs consistia em se livrar do danoso materialismo , no utilitarismo e no positivismo?

O mesmo Larenz[1] que, contundentemente, afirmava que a renovação do pensamento jurídico alemão não é pensável sem uma radical ruptura com o positivismo e o individualismo e, que o sinal distintivo da nova ciência jurídica alemã está na luta contra o positivismo, em especial, contra a Teoria Pura do Direito.

Vale lembrar a obra de Larenz que nos anos cinquenta foi o porta-voz da Jurisprudência dos Valores[2], da dignidade humana e da justiça enquanto propriedade imanente de todo direito possível. Na crítica ao nazismo, Larenz não foi pensador isolado ou excêntrico, sendo, ao revés, sendo porta-voz da doutrina que, com o nazismo, se fez oficial e praticamente unânime.

Aliás, de acordo com a concepção alemã, o direito não é questão de um querer arbitrário, nem de utilidades e funcionalidades externas, mas de uma ordem vital estreitamente relacionada à vida moral e religiosa da comunidade. O que é incompatível com a opinião do jusnaturalismo que via o direito surgir do interesse dos indivíduos particulares em razão de um ato gratuito, como um contrato.

E, com tal fundamentação na vontade individual, o direito perde sua dignidade originária e sua autoridade, seu conteúdo é posto à mercê de arbitrária criação e, assim, passível de vai-e-vem sucessivo do interesse individual.

A vinculação do direito à comunidade significa, ao fim, que o conteúdo de certo direito positivo deve adequar-se ao correspondente ao espírito do povo, à consciência moral, às normas morais do povo, significando que o legislador não deve criar o direito com seu mero querer, segundo seu arbítrio.

Afinal, o ideal do positivismo é um Estado de plena segurança jurídica, no qual as consequências jurídicas de cada ação possam ser calculadas de antemão, no qual o livre jogo das forças econômicas se desdobre sem interferência sobre os trilhos do direito. Eis, sua interdependência em razão do liberalismo econômico se torna mais evidente.

A Filosofia do Direito alemã não pode pensar o direito sem relacioná-lo ao espírito objetivo de um povo determinado, internamente formado mediante sangue e destino. O particular não é mais do que um membro (Glied) de seu povo e dependente em sua vida dele, é por ele marcado e, por ele determinado. O espírito de seu povo vive nel, lhe é comunicado mediante o sangue e o determina de modo semelhante às necessidades naturais.

O Estado do Führer a questão se decidia de outra forma, pois pertence à ideia de que o Führer que nele se sintetize do modo mais visível a unidade de vontade do povo e a vontade do Estado. Portanto, ninguém[3] além do Führer pode tomar a última palavra ou decisão sobre se determinadas regras valem ou não.

E, não necessita de nenhuma garantia de justiça, pois ele, é o guardião da Constituição, o que equivale dizer da concreta e não escrita ideia de direito do seu povo. Por conseguinte, uma lei que provenha de sua vontade, não deve ser submetida a nenhum tipo de controle judicial.

Assim o juiz deve aplicar o direito a partir da vontade d Führer, mas tem de aplicá-la segundo o espírito do Führer,  de acordo com a atual vontade jurídica, com a concreta ideia jurídica de comunidade.

A concepção alemã de direito coloca a comunidade no lugar de mera coexistência de indivíduos e a responsabilidade de cada um, como membro da comunidade, no lugar da abstrata igualdade.

A filosofia alemã entende a ideia de liberdade, enquanto responsabilidade moral, de acordo com a qual cada um , em sua posição, se sabe corresponsável pela totalidade.

Da força dessas ideias resultam as velhas orientações básicas da concepção jurídica alemão: a prioridade do interesse coletivo sobre o interesse individual, subordinação dos direitos subjetivos às obrigações a eles relacionadas, a atenuação da contraposição entre Direito Público e Direito Privado e a preferência do primeiro.

Segundo Radbruch, a promulgação formalmente válida de uma lei é condição necessária de sua validade, mas não condição suficiente. Também se requer que o conteúdo da norma legal não vulnere certos princípios morais presentes na consciência da humanidade em determinado momento histórico e que, no século XX, sintetizam-se na ideia de direitos humanos.

O mais citado parágrafo de Radbruch sobre a questão é in litteris: “O conflito entre justiça e segurança jurídica poderia ser solucionado dando prioridade ao direito positivo, enquanto assegurado, pela promulgação e o poder, ainda quando seu conteúdo seja injusto e inapropriado”.

Por outro lado, pode-se entender que, quando a contradição da lei positiva com a justiça alcança uma proporção insuportável, tem-se que a lei, enquanto direito injusto, deve ceder diante da justiça[4].

É impossível traçar uma linha precisa entre uma lei que, por sua injustiça, não seja direito, e outra que, apesar de seu conteúdo de injustiça seja, contudo, uma lei válida.

Mas, uma fronteira entre ambas pode ser estabelecida com toda precisão: quando nem sequer se pretende a justiça, quando a igualdade que constitui o núcleo da justiça é conscientemente vulnerada ao se promulgar o direito positivo, a lei não é meramente direito injusto, mas perde completamente sua natureza de direito. Pois o direito, inclusive o direito positivo não pode definir-se senão como uma ordem e uma prescrição que, por seu sentido imanente, está determinado a servir à justiça.

Mensurado com esse padrão, boa parte do direito nacional-socialista não alcançou nunca a dignidade de direito válido. Então passou para a história a fórmula de Radbruch de grande influência em doutrinadores contemporâneos como Robert Alexy[5]. Com o objetivo de questionar a tese positivista da validade jurídica, Radbruch une-se a ideia de que o positivismo, com sua afirmação de que a lei é a lei, teria dominado indiscutivelmente os juristas alemães, deixando indefesa a doutrina jurídica.

Os partidários do positivismo não tinham mais remédio além de reconhecer que até a lei mais iníqua é direito. Trata-se de um dos muitos paradoxos na história do pensamento jurídico, pois Radbruch que havia sido positivista quando quase ninguém o era, ao menos no sentido de positivismo de Kelsen.

Afinal, o doutrinador percebeu que a doutrina nacional-socialista rechaçava tal positivismo do modo mais virulento, e acabou concordando com as teses de culpabilização acrítica do positivismo.

Os juristas do nazismo, tão apegados a Hitler e à exaltação da raça ariana, eram certamente indecentes e, além disso, não eram positivistas como Kelsen. Nenhuma dúvida pode pairar diante tal conclusão. Kelsen fora escolhido como culpado da ascensão de regimes totalitários na Alemanha e na Itália de forma injusta e incoerente.

Referências

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Notas:

[1] Karl Larenz (1903-1993) Foi professor em duas importantes universidades da Alemanha, a saber: de Kel e de Munique, nesta derradeira lecionou de 1960 até o fim de sua carreira acadêmica. E, como jurista destacou-se na área do Direito Civil, tendo produzido diversas obras que fazem autoridade na disciplina. Dentre os doutrinadores que o adotaram, destacou-se o professor Orlando Gomes. Foi um dos pensadores da escola da jurisprudência dos valores. De todo o estudo que Karl Larenz propôs em seu livro se destaca a vertente sobre o Direito e os procedimentos que se leva ao justo.

[2] A jurisprudência dos valores caracteriza uma forma de se entenderem os conceitos de incidência e interpretação da norma jurídica, bem como sua divisão em regras e princípios, além de conceitos como igualdade, liberdade e justiça. Esta corrente é amplamente citada em inúmeras fontes, de diversas origens. Na atualidade, segundo vários autores de reputação mundial, vive-se uma época de grandes mudanças na interpretação do direito, internacionalmente. Estas mudanças caracterizam uma escola de pensamento jurídico chamada jurisprudência dos valores ou jurisprudência dos princípios. Esta escola representa, segundo os mesmos autores, no processo da evolução do direito, um passo na superação das contradições do positivismo jurídico nota e, por tal razão, é considerada por alguns como semelhante à escola do pós-positivismo. A referida escola é encontrada e definida em várias fontes pelo mundo.

[3] O século XX, submerso nas atrocidades das duas Grandes Guerras, procurava respostas acalentadoras ao espetáculo do terror que havia recaído sobre a Europa. A própria literatura jurídica da era nazista deixava transparecer tal aversão ao positivismo, ao afirmar que o "juiz-rei do povo de Adolf Hitler deveria libertar-se da escravidão da literalidade do direito positivo”.

[4] A aceitação de valores absolutos na construção do direito de certa sociedade pressupõe a concepção de verdades que independem da experiência, fundamentando-se em uma realidade a priori. Como o positivismo jurídico se caracterizou pela negação do direito natural e pelo apego ao direito que se dá na experiência, sua inclinação só pode ser oposta, de cunho relativista, coroado pelo mais puro ceticismo. O relativismo filosófico se propõe a separar a realidade e valor, promovendo uma distinção entre proposições realísticas e juízos de valores genuínos que, em última instância, não são baseados em um conhecimento racional da realidade, mas apenas nos fatores emocionais da consciência humana. No campo jurídico, a tese relativista afastou da ciência do direito “quaisquer considerações sobre a legitimidade do direito, restando o papel descritivo, que considera apenas a validade de determinada norma ou de determinado ordenamento.

[5] Robert Alexy (1945) é jurista alemão e um dos mais influentes filósofos contemporâneos do direito. É doutor desde 1976, com a dissertação intitulada Uma Teoria da Argumentação Jurídica e, adquiriu habilitação em 1984. A definição de direito de Alexy abeberou-se do normativismo de Hans Kelsen (o qual foi uma versão influente do positivismo jurídico) e do jusnaturalismo de Gustav Radbruch, mas sua teoria da argumentação o colocou bem próximo do interpretativismo jurídico.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Kelsen Teoria Pura do Direito Positivismo Nacional-socialismo Norma Jurídica

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