Perplexidades do Estado Democrático de Direito
Há três dilemas vivenciados no Estado Democrático de Direito, a eleição entre o modelo procedimentalista ou substancialista, identificação de fontes da legitimidade da jurisdição constitucional e, por derradeiro, a defesa ou repúdio do ativismo judicial, principalmente, atinente aos direitos fundamentais.
Existem
três dilemas do Estado Democrático de Direito segundo o constitucionalismo
contemporâneo, a saber: a opção entre os modelos procedimentalista e
substancialista de Constituição Federal e de jurisdição constitucional, a
questão da legitimidade democrática da jurisdição[1] e a escolha entre a
postura ativista ou contida do Poder Judiciário na apreciação das questões
submetidas ao seu julgamento, tendo por base para respostas o texto
constitucional vigente. A utilização de métodos dedutivo e dialético para
analisar os marcos teóricos principais e de inspiração constitucional.
O
segundo dilema começa pelas fontes das quais a jurisdição constitucional extrai
sua legitimidade democrática. E, o terceiro dilema é a defesa de ativismo
judicial criteriosamente guiado e tendo como parâmetro a Constituição Federal
brasileira de 1988.
A
ótica do constitucionalismo contemporâneo se depara com a emblemática opção
entre os paradigmas procedimentalista ou substancialista de Constituição
Federal e jurisdição constitucional, a legitimidade democrática da jurisdição
constitucional e a postura ativista ou restrita do Judiciário diante de
questões políticas submetidas à sua apreciação. Tem-se a preocupação constante
com a efetividade de direitos fundamentais sociais[2], o que têm requerido a
atenção da doutrina nacional e internacional, sob diversas óticas teóricas e
fomentando ardentes debates.
As
finalidades do presente artigo é trazer à baila os mais destacados argumentos
acerca dos dilemas em apreço, firmando as posições, e procurando respostas no
texto constitucional vigente e, como parâmetro a realidade sociopolítica
brasileira.
Com a
evolução dos estudos acera das relações existentes entre o Direito e a Política
e a democracia sob mais diversos enfoques teoréticos, o que culminou nas
posições ou teses que podem ser agrupadas em dois básicos eixos: o
procedimentalismo e o substancialismo. E, a questão mais controvertida se
sintetiza no debate sobre os papéis da Constituição Federal bem como da
jurisdição constitucional do Estado Democrático de Direito.
Pela
corrente procedimentalista se atribui à Constituição Federal a tarefa de
garantir o adequado funcionamento do sistema de participação democrática
ficando a cargo da maioria, em cada momento histórico a definição de valores e
de opções políticas da sociedade.
Enfim,
a corrente procedimentalista atribui à Constituição Federal a missão de
garantia o adequado funcionamento da participação democrático, a cargo da
maioria, em cada momentum histórico, cunhando a definição de valores[3] e opções políticas da
sociedade.
Já a
corrente substancialista sustenta competi ao texto constitucional vigente impor
ao contexto político um conjunto de decisões valorativas que se consideram
essenciais e consensuais e, ipso facto da adoção de uma ou outra corrente
ocorre a variação da extensão da admissibilidade de censura judicial das leis e
dos atos normativos e governamentais.
Assim,
os procedimentalistas reconhecem à jurisdição constitucional a legitimidade
para exercer tal controle diante da correta verificação e observância dos
procedimentos públicos de deliberação e a formação de vontade coletiva. Mas, os
substancialista vão adiante, autorizando-se a averiguação conteudística de atos
dos Poderes Legislativo e Executivo, tendo como bases as escolhas ético-políticas
fundamentais e cristalizadas na Lei Magna.
Portanto,
a versão substancialista tende a justificar maior controle de constitucionalidade
de viés rigoroso feito dos atos e normas produzidos no âmbito do Estado, enquanto
a percepção procedimentalista conduz à atitude mais diferenciada sobre o núcleo
de decisões dos Poderes Públicos.
No
Brasil, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira é reconhecido como célebre defensor
do procedimentalismo e, afirma que, por um lado, não é mais possível
compreender o Estado como a corporificação e a única instância de estabilização
de uma ética identidade, de certa forma de vida e de determinados padrões de
vida boa e digna.
Não
existem mais, portanto, como limitar a esfera pública ao ente estatal, conforme
atestam os conhecidos direitos fundamentais de terceira geração.
E, o
público deverá ser visto como dimensão mais complexa do mero locus estatal,
isto é, como mera dimensão discursiva de mobilização e a expressão de diversos
fluxos comunicativos.
Sob
outro viés, se até num passado recente a homogeneidade artificialmente levada a
efeito pelo processo formativo do chamado Estado-Nação que propiciou a construção
de uma identidade política encarada como indispensável para a garantia e
manutenção de uma república composta de cidadãos livres e iguais perante o
direito, mas que requer, de plano, o reconhecimento do pluralismo social e
cultural.
Segundo
Dierle Nunes, no paradigma procedimental de Estado Democrático de Direito se
impõe simultaneamente prevalência da soberania do povo e dos direitos
fundamentais em todos os campos, especialmente, na esfera estatal, em que
existe a constante emissão de provimentos que geram efeitos para pluralidade de
cidadãos.
Exara,
ainda, André Cordeiro Leal que para se tornar possível a legitimidade do
ordenamento jurídico se dará mediante a institucionalização de condições para a
ação comunicativa ou condições do discurso, isto é, pela garantia de constante
participação dos destinatários das normas em sua produção afastando a
contingência de decisões arbitrárias ou que determinem o retorno continuado à
autopoiese.
O
verbete apresenta conceito que enfoca, de um lado, sua aplicação na sociedade
mundial e, de outro lado, suas deficiências em lidar com os problemas desta
mesma sociedade. Tal conceito part da teoria dos sistemas desenvolvida pelo
sociólogo Niklas Luhmann e, segue dialogando com as variáveis do pensamento
sistêmico como, por exemplo, a desenvolvida por Gunther Teubner. Autopoiese
deriva do grego (autopoiesis).
A
origem etimológica do vocábulo é autós (por si próprio) e poiesis (criação,
produção). Seu significado literal é autoprodução. Os subsistemas produzem, e
reproduzem, a sua própria organização circular por meio de seus próprios
componentes.
O
modelo de direito autopoiético ainda deixa sem resposta os maiores problemas da
sociologia jurídica, em especial os relativos à gênese, à eficácia e à mudança
do direito. Tais problemas, na verdade, são conexos a outros tantos conceitos
de direito (respectivamente direito como norma, como fato e como valor).
O
problema da eficácia do direito teve no passado uma resposta articulada
proveniente da teoria geral do direito, de inspiração normativista,
distinguindo um dúplice nível normativo. A norma de previsão de comportamento
de seus destinatários era fundamentada em uma norma posterior, dirigida aos
operadores que tendiam a intervir em caso de violação de norma de comportamento.
Nessa
perspectiva, o desvio dos comportamentos quanto ao efetivo respeito à norma era
reconduzido a uma patologia social geralmente controlada pelo mesmo direito
que, mediante a efetiva aplicação de uma sanção, possibilitava a revitalização
da norma violada.
Lembremos
que Habermas foi um dos maiores expoentes da corrente procedimentalista e, no
contexto do Estado Democrático de Direito e da noção de auto-organização da
comunidade jurídica, a Constituição Federal não tem que ser compreendida como
ordem que regula primariamente a relação existente entre o Estado e os cidadãos
deixando de fora os poderes social, econômico e administrativo, nem como ordem
jurídica global e concreta, destinada a impor a priori certa forma de
vida sobre a sociedade humana.
Ao
revés, esta determina procedimentos políticos mediante os quais os cidadãos,
assumindo seu direito de autodeterminação, podem perseguir cooperativamente o
projeto de produzir condições justas de vida.
Apenas
e somente as condições processuais de origem democrática das leis serão capazes
de assegurar a legitimidade do direito. Nesse enfoque, caberá à jurisdição
constitucional proteger o sistema de direitos que possibilita a autonomia
privada e pública dos cidadãos, examinando as leis e os atos normativos controvertidos,
especialmente, sob a ótica dos pressupostos comunicativos e das condições
procedimentais do process[4]o democrático de
legislação.
Resumindo-se,
compete-lhe tutelar a integridade dos ritos políticos-constitucionalmente
exigidos para a adequada formação da vontade da maioria.
Lenio
Streck que é adepto das teses substancialistas, que em oposição enfatizam
justamente a regra contramajoritária, que representa os freios às vontades de
maiorias eventuais, o que para estas, reforça a relação existente entre a
Constituição e democracia.
De
fato, a regra contramajoritária traduz a materialidade do núcleo
político-essencial da Constituição Federal, significando o compromisso do
resgate de promessas da modernidade e que
simultaneamente
aponta para as vinculações concretas dos direitos prestacionais e as promessas
negativas (proibição de retrocesso social), até porque cada norma
constitucional possui diversos âmbitos eficaciais. As posturas substanciais,
por isso, intensificam a força normativa da Constituição, ao evidenciarem o seu
conteúdo compromissório a partir da concepção dos direitos fundamentais sociais
a serem concretizados.
Ademais,
é de difícil compreensão e defesa as teses processuais-procedimentais em países
como o nosso, onde há grande déficit de cumprimento de direitos fundamentais
sociais, parecendo ser irrisório ainda se considerada a pretensão de se
construir as bases essenciais de Estado Social, destinar o Judiciário o encargo
de zelar apenas pelo respeito às normas procedimentais da política
deliberativa.
De
acordo com o Ministro Luís Roberto Barroso que também pode ser relacionado ao
substancialismo, a Constituição federal de um Estado Democrático de Direito
reúne duas funções principais. Em primeiro lugar, incumbe-lhe veicular consensos
mínimos, basilares para a dignidade das pessoas e para o funcionamento do regime
democrático, e que não devem estar sujeitos à disposição de maiorias políticas
ocasionais.
Tais
consensos, conquanto variem em razão das circunstâncias políticas, sociais e históricas
de cada país, envolvem a garantia de direitos fundamentais, a separação e a
organização dos Poderes constituídos e a fixação de determinados fins de
natureza política ou valorativa.
Em
segundo lugar, compete à Constituição Federal garantir o espaço próprio do
pluralismo político, assegurando o funcionamento adequado dos mecanismos
democráticos, posto que há um conjunto de decisões que não podem ser subtraídas
dos órgãos eleitos pelo povo em cada momento histórico.
Destarte,
inexiste antagonismo entre o constitucionalismo, que significa em essência
limitação do poder e supremacia da lei, e a democracia, que se traduz como
soberania popular e governo da maioria, sendo antes fenômenos que se
complementam e se apoiam mutuamente no Estado contemporâneo[5].
Ambos
se destinam, em derradeira análise, a prover justiça, segurança jurídica e
bem-estar social. Por meio do equilíbrio
entre os preceitos materiais contemplados na Constituição e a deliberação majoritária,
as sociedades podem obter, ao mesmo tempo, estabilidade quanto às garantias e valores
essenciais, que ficam preservados no texto constitucional, e agilidade para a
solução das necessidades cotidianas, a cargo das autoridades políticas eleitas
pelo povo.
Outro
substancialista de escol é Robert Alexy que crê num modelo puramente
procedimental de Constituição que seja incompatível com a vinculação jurídica
do legislador aos direitos fundamentais, pois é definido pela negação de toda e
qualquer obrigação legiferante seja positiva ou negativa em caráter material.
Oportuna
é a advertência de Arthur Kaufmann[6], para quem os conteúdos do
Direito e da Justiça são demasiado importantes para serem deixados unicamente
aos sempre parciais políticos. Ana Paula de Barcellos, a seu turno, não enxerga
como incontornável a contradição entre o procedimentalismo e o substancialismo,
argumentando que mesmo o primeiro, em suas diferentes linhagens, admite o
funcionamento de sistema de deliberação democrática e demanda a satisfação de
certas exigências, que podem ser descritas como opções materiais e se
reconduzem às escolhas valorativas ou políticas.
Não é
viável, nem possível haver deliberação majoritária minimamente consciente e
consistente sem o devido respeito aos direitos fundamentais dos participantes do
processo deliberativo, o que inclui a garantia de liberdades individuais e de
um mínimo de condições materiais indispensáveis ao exercício da cidadania.
O
embate entre procedimentalismo e substancialismo não será útil tendo em vista a
realidade brasileira, considerando nossa vigente Constituição da República
brasileira e o contexto histórico-geográfico e socioeconômico em que esta está
inserida.
E,
José Joaquim Gomes Canotilho lecciona que a compreensão de uma lei
constitucional só galga sentido útil, teorético e prático, quando referida a
uma situação constitucional concreta, historicamente existente em um
determinado país. Há de ser construída com base em específico diploma
constitucional e, não derivada ou desenvolvida a partir da teoria da
Constituição.
Eis o
motivo pelo qual o conceito de Constituição deve ser constitucionalmente
adequado.
É
forçoso concordar com Daniel Sarmento que sustenta ser nossa atual Lei Magna
nitidamente substancial, porque: “(…) pródiga na consagração de valores
substantivos. Ela não se contenta em traçar as regras do jogo democrático, nem
se limita a estabelecer as condições materiais necessárias para tornar a democracia
possível – embora também o faça. Ela não é, definitivamente, uma Constituição
do tipo procedimental, já que acolhe valores materiais como dignidade da pessoa
humana e solidariedade social, tornando-os de observância compulsória no âmbito
do Estado e da sociedade. Ao dar forma jurídica a estes valores, convertendo-os
em princípios expressos em linguagem vaga e abstrata, não obstante dotados de
plena normatividade, a Constituição Federal prepara o terreno para a filtragem constitucional
de todo o ordenamento jurídico.”
Novamente,
Lenio Streck destaca que a Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 aponta as linhas de atuação para a política, estabelecendo as condições
para a mudança da sociedade pelo direito. É, em síntese, uma pauta para a alteração
de estruturas sociais, uma vez que reconhece as desigualdades e coloca à
disposição os instrumentos para alcançar aquele desiderato. Trata-se de
cláusula transformadora permanente, quer-se afirmar, a Lei Magna veio a
albergar os conflitos que antes eram ignorados pelos juristas.
A
Constituição, assim, não trata apenas dos meios, cuidando também dos fins,
elencados no seu art. 3.º, que exatamente caracterizam o seu aspecto compromissório
e dirigente, voltado à construção de um Estado Social.
A sua efetividade,
por conseguinte, é agenda obrigatória de todos que se preocupam com a
transformação de uma sociedade que, em cinco séculos de existência, produziu
pouca democracia e muita miséria, fatores geradores de violências
institucionais e sociais.
Ainda
reconhecendo o caráter notadamente substancialista da Constituição brasileira
e, tal qual já alertava Gustavo Zagrebelsky, esta não deve ser concebida como
sistema fechado de princípios, mas como um contexto aberto de elementos, cuja
determinação histórica-concreta dentro dos limites de elasticidade que tal
contexto permite, é deixada ao legislador, porquanto somente assim se torna
possível a coexistência de uma lei constitucional que contenha princípios
substantivos com o pluralismo, a liberdade da dinâmica política e a competição
entre as propostas alternativas.
Segundo
constitucionalista italiano, pensar o contrário não só representa uma
manifestação de soberba dos juristas, como também um risco “holístico” de
asfixia política por saturação jurídica, situando a Constituição contra a
democracia.
Em
linha similar, o Ministro Luís Roberto Barroso leciona que a importância da
Constituição, e do Judiciário como seu intérprete maior, não pode suprimir a
política, o governo da maioria e o papel do Legislativo.
A
Constituição Federal não pode ser ubíqua[7]. Respeitados os valores e
fins constitucionais, cumpre à lei fazer as escolhas entre as diferentes visões
alternativas que caracterizam as sociedades pluralistas.
A
aludida filiação de nossa Lei Magna ao paradigma substancial, conclui-se que
incumbe à jurisdição constitucional brasileira não somente o zelo pelas
estruturas procedimentais democráticas político-deliberativas nela
sedimentadas, como também a tutela das imposições constitucionais sejam positivas
ou negativas de cunho material, especialmente, as referentes aos direitos
fundamentais.
O
controle da compatibilidade vertical dos atos dos Poderes Legislativo e
Executivo, a cargo do Poder Judiciário, assume dessa maneira feição bastante
ampla, o que desperta inevitavelmente a atenção para as questões de sua
legitimidade democrática, da virtual tensão entre os âmbitos das funções estatais
e dos riscos do chamado ativismo judicial[8].
Quanto
ao segundo dilema se refere a legitimidade ou ilegitimidade democrática da
jurisdição constitucional. da compatibilidade vertical dos atos dos Poderes
Legislativo e Executivo, a cargo do Poder Judiciário, assume dessa forma a
feição bastante ampla, o que desperta inevitavelmente a atenção para as
questões de sua legitimidade democrática, da virtual tensão entre os âmbitos
das funções estatais e dos riscos do chamado ativismo judicial.
O
modelo albergado pela Constituição da República do Brasil, frise-se, de teor
nitidamente substancialista, é possível identificar e sistematizar as três
fontes primordiais que conferem à jurisdição constitucional sua legitimidade
democrática.
A
primeira delas diz respeito ao núcleo essencial da atividade típica que se
reconhece à função jurisdicional no Estado Democrático de Direito, razão por
que parece conveniente denominá-la funcional-material.
De
acordo com Luigi Ferrajoli[9], as concepções da validade
das normas no Estado constitucional[10] e da relação entre a
democracia política (ou formal) e a democracia substancial se refletem em um reforço
do papel da jurisdição e em uma nova e mais robusta legitimação democrática do
Poder Judiciário e de sua independência. Isto é, os desníveis entre normas, que
estão na base da existência de normas inválidas, e, por outro lado, a
incorporação dos direitos fundamentais no estrato constitucional, transformaram
a relação entre o juiz e a lei e vieram a assinalar à jurisdição uma função de
garantia do cidadão frente às violações de suas prerrogativas essenciais por
parte dos Poderes Públicos.
Nesta
sujeição do juiz à Constituição e, em consequência, em seu papel de garante dos
direitos constitucionalmente estabelecidos estão o principal fundamento atual
da legitimação da jurisdição e da independência do Judiciário em face do Legislativo
e do Executivo, ainda que sejam, ou precisamente porque são, Poderes de
maiorias.
Os direitos
fundamentais, sobre os quais se assenta a democracia substancial, exatamente
porque estão assegurados a todos e inclusive contra as maiorias eventuais,
servem para embasar, melhor que o velho dogma positivista da sujeição à lei, a
independência do Poder Judiciário, que está especificamente concebido para a
garantia dos mesmos.
Por
conseguinte, o fundamento da legitimação da jurisdição constitucional não é
outro senão o valor da igualdade como igualdade em direitos: a garantia dos
direitos fundamentais exige um juiz imparcial
e independente, subtraído de qualquer vínculo com os Poderes de maiorias e em
condições de censurar, como inválidos ou ilícitos, os atos mediante os quais aqueles
se exercem.
Esta
legitimação não tem nada a ver com a da democracia política, ligada à
representação, e nem deriva da vontade da maioria, mas unicamente da
intangibilidade dos direitos fundamentais, sendo, portanto, uma legitimação de
natureza substancial.
Incumbe
ao juiz constitucional fiscalizar tanto o legislador ordinário quanto o administrador
público, quando violem a Constituição, independentemente do mérito dos atos legislativos,
executivos ou administrativos.
Essa fonte funcional-material de legitimidade democrática,
além de significar corolário lógico da estrutura escalonada do ordenamento
jurídico e da posição de superioridade e prevalência da Lei Maior e dos
direitos fundamentais nela insculpidos relativamente aos atos produzidos pelos
Poderes Legislativo e Executivo, exsurge de forma positiva dos seguintes
dispositivos da Constituição Federal brasileira de 1988: art. 5.º, caput (isonomia e
inviolabilidade dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade) e inc. XXXV (inafastabilidade do controle jurisdicional); art. 36,
III, combinado com o art. 34, VII (representação interventiva do Procurador-Geral
da República perante o STF para assegurar a observância, pelos Estados, dos princípios
constitucionais sensíveis); art. 97 (previsão da declaração da
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público pelos tribunais,
exigindo para tanto o quórum de maioria absoluta dos seus membros ou dos
membros dos respectivos órgãos especiais); art. 102, caput e seus incs.
I e III e § 1.º (missão do STF de guardião da Constituição e competências
originárias e recursal relacionadas com o controle de constitucionalidade);
art. 103 (mecanismos processuais para o controle concentrado de
constitucionalidade); e art. 125, § 2.º (previsão do controle de constitucionalidade
de leis e atos normativos estaduais e municipais em contraste com as Constituições
Estaduais).
Ainda
em prol de legitimidade democrática da jurisdição constitucional pode ser
chamada de processual, visto que concerne ao modo pelo qual aquela se
desenvolve, isto é, o processo. E, tal pensamento encontra em Elio Fazzalari[11] seu precursor, tem
refutado ao processo a natureza de relação jurídica e reabilitado no seu conceito
a noção de procedimento, compreendido como sucessão de atos normativamente
disciplinados, vinculados reciprocamente e ordenados à preparação de um
provimento imperativo, somado ao contraditório, percebido como garantia de
participação nessa preparação, em situação de simétrica paridade, dos
interessados, isto, daqueles que serão atingidos em suas esferas jurídicas pelo
aludido provimento.
Processo[12], portanto, é uma espécie
de procedimento, justamente aquela realizada em contraditório.[13]
Por
sua vez, para Flaviane de Magalhães Barros, pode-se pretender a apropriação da
teoria do processo como procedimento em contraditório como adequada ao
paradigma do Estado Democrático de Direito.
Cabe
frisar que o contraditório, nessa tendência doutrinária, além de passar a
integrar a própria concepção de processo, deixou de ser visto nas limitadas
expressões de ciência bilateral dos termos e atos do processo e possibilidade
de contrariá-los, como deixou legado Joaquim Canuto Mendes de Almeida, ou de
informação necessária e reação possível, na síntese de Sergio La China, para
ser contemplado como garantia de participação em simétrica paridade no
procedimento.
O
contraditório ganha um significado, sobretudo político, pois confere ao
processo judicial uma face democrática, legitimando-o como instrumento para o
exercício do poder estatal sub specie jurisdictionis.
E, o
processo jurisdicional é assumido, a partir dessa ótica, como um microcosmo da democracia
participativa.
Trata-se
da construção participada da decisão, reflexo da chamada visão cooperativa do
processo. Outrossim, a decisão judicial necessita ser a mais correta, a mais
justa, à luz dos elementos do caso concreto, pois o julgador, mesmo nas
hipóteses que comportem mais de uma solução plausível, não ostenta poder de
livre escolha ou discricionariedade.
O
dever de motivação, mediante o emprego de argumentação racional e persuasiva, é
um traço distintivo relevante da função jurisdicional e dá a ela uma específica
legitimação, decorrente de sua efetiva correspondência à ordem jurídica.
A
jurisdição constitucional, seja por via de ação (controle concentrado de
constitucionalidade), seja por via de exceção (controle difuso de
constitucionalidade), sempre se exerce por meio do processo e culmina com um
pronunciamento judicial.
E,
nessa seara, quanto maior o espectro de abrangência dos efeitos do provimento,
maior o número de entes legitimados a integrar o contraditório, isto é, a participar
democraticamente do procedimento que precede sua formação e com ele se conclui.
Observe-se,
por exemplo, que no âmbito do controle difuso de constitucionalidade[14], em que a questão constitucional
é apreciada incidenter tantum, como verdadeira prejudicial, e o
provimento jurisdicional emitido em princípio deverá operar efeitos apenas interpartes,
a imprescindível participação será destas, com a eventual possibilidade de
assistência ou intervenção de terceiros, nas formas dos arts. 50 e seguintes do
Código de Processo Civil).
Ainda
em prol de legitimidade democrática da jurisdição constitucional pode ser
chamada de processual, visto que concerne ao modo pelo qual aquela se
desenvolve, isto é, o processo. E, tal pensamento encontra em Elio Fazzalari
seu precursor, tem refutado ao processo a natureza de relação jurídica e
reabilitado no seu conceito a noção de procedimento, compreendido como sucessão
de atos normativamente disciplinados, vinculados reciprocamente e ordenados à
preparação de um provimento imperativo, somado ao contraditório, percebido como garantia de
participação nessa preparação, em
situação de simétrica paridade, dos interessados, isto é, daqueles que serão
atingidos em suas esferas jurídicas pelo aludido provimento.
Processo,
portanto, é uma espécie de procedimento, justamente aquela realizada em
contraditório.19 Por sua vez, para Flaviane de Magalhães Barros, pode-se
pretender a apropriação da teoria do processo como procedimento em
contraditório como adequada ao paradigma do Estado Democrático de Direito.
De
fato, o contraditório galgou um significado, essencialmente político, pois
confere ao processo judicial uma face democrática, legitimando-o como
instrumento para o exercício do poder estatal sub specie jurisdictionis.
Assim, o processo jurisdicional é assumido, a partir dessa ótica, é encarado como
um microcosmo da democracia participativa.
Trata-se
da construção participada da decisão,24 reflexo da chamada visão cooperativa do
processo.
Outrossim,
a decisão judicial necessita ser a mais correta, a mais justa, à luz dos
elementos do caso concreto, pois o julgador, mesmo nas hipóteses que comportem
mais de uma solução plausível, não ostenta poder de livre escolha ou
discricionariedade.
O
dever de motivação, mediante o emprego de argumentação racional e persuasiva, é
um traço distintivo relevante da função jurisdicional e dá a ela uma específica
legitimação, decorrente de sua efetiva correspondência à ordem jurídica.
Finalmente,
merece registro uma terceira fonte, que se pode denominar técnico-profissional
e que fornece à jurisdição constitucional uma legitimação por expressa
delegação constitucional.
Conforme
leciona Rodolfo de Camargo Mancuso, incumbe precipuamente ao Poder Judiciário a
aplicação da norma de regência aos casos concretos que lhe são apresentados,
tratando-se sempre de atuação a posteriori, dependente de provocação e
balizada por esta, o que se explica pelo fato de que a legitimidade dos
julgadores não apresenta origem popular, e sim de base técnica.
Ademais, como bem registra Luís Roberto
Barroso, a maioria dos Estados democráticos reserva uma parcela de poder
político para ser exercitada por agentes públicos que não são recrutados pela
via eleitoral, e cuja atividade é de natureza predominantemente técnica e
imparcial.
Com
efeito, o juiz, nos sistemas de tradição romano-germânica (Civil Law),
não detém grande margem de liberdade criativa na aplicação do direito, estando
jungido ao critério de legalidade, em sentido lato, isto é, deve se ater aos
dados objetivos extraídos da Constituição e dos atos normativos em geral (leis
complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos,
portarias etc.), exigindo-se dele, por conseguinte, adequado preparo
intelectual e técnico-científico e invulgares conhecimento e compreensão do
ordenamento jurídico, além de idoneidade moral.
Eis porque
a Lei Maior mesma, atenta às peculiaridades do labor judicante e à necessidade
de se escolherem aqueles que em tese se mostrem mais aptos a exercê-lo,
instituiu dois modos essenciais para a seleção e investidura originária de
magistrados, quais sejam, no que concerne aos juízes de carreira, o concurso
público de provas e títulos, realizado pelo respectivo tribunal (da União, dos Estados
ou do Distrito Federal) e com a participação da OAB em todas as suas fases
(art. 93, I, combinado com o art. 96, I, c, da CF/1988 , e, no que se refere a
membros dos tribunais, a nomeação pelos chefes dos Poderes Executivos da União,
dos Estados e do Distrito Federal (arts. 84, XIV e XVI, 101, 104, 107, 111,
119, II, 120, III, 123 e 125, da CF/1988
Em
ambas, outrossim, a Carta Magna promoveu expressa delegação para essas
escolhas: aos tribunais, na primeira, e aos chefes dos Poderes Executivos da
União, dos Estados e do Distrito Federal, na segunda.
Superada
a averiguação da legitimidade democrática da jurisdição constitucional
brasileira, cabe indagar quais os seus limites, ou seja, quais as fronteiras
que, se transpostas, ensejarão clara invasão e usurpação das esferas de
competências reservadas ao Legislativo e ao Executivo, bem como quais as
cautelas necessárias para minimizar os riscos de um exagerado protagonismo do Poder
Judiciário no trato de temas em princípio mais afeitos à esfera política.
Neste
ponto, imperioso abordar os contemporâneos fenômenos da judicialização da
política e do ativismo judicial.
A judicialização
da política que paira entre os ativismos e passivismos. Novamente, o Ministro
Barroso explana que a judicialização[15] significa que algumas
questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por
órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais, isto
é, o Congresso Nacional e o Poder Executivo, o que, como intuitivo, envolve uma
transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações marcantes na
linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade.
Para
Rodolfo de Camargo Mancuso, a fim de que a expressão judicialização da política
preserve a devida clareza e a densidade conceitual e não se disperse em
indesejável vacuidade ou latitude excessiva, ela há que ter por significado o
acesso à Justiça de controvérsias relativas às diversas políticas públicas programadas
ou implantadas pelo Estado.
Se de
um lado, judicialização e ativismo judicial são conceitos separados, que podem
ser mensurados por diversos parâmetros, sendo possível cogitar, em tese, a
judicialização sem ativismo (bastando que os juízes atenham-se aos limites
propostos) e o ativismo sem judicialização (tomando-se, por exemplo, a ideia de
judicialização como tendência, e a decisão ativista como um impulso isolado),
de outro, é inegável que a judicialização facilita, ou, ainda, “abre as
portas”, para o ativismo.
Eduardo
Cambi, a seu turno, afirma que o direito constitucional judicializou a
política, posto que esta, representada pelos conflitos sociais e pelos direitos
fundamentais, historicamente sonegados, passou a ser um de seus temas, abrindo
margem a uma relação de complementaridade entre ambos.
Três
fatores podem ser arrolados como determinantes da judicialização da política no
Brasil: (a) a redemocratização do país, cujo ponto culminante foi a promulgação
da Constituição de 1988, que fortaleceu e expandiu o Poder Judiciário e
aumentou a demanda por justiça na sociedade brasileira; (b) a
constitucionalização abrangente, que incorporou na Lei Maior inúmeras matérias
antes deixadas para o processo político majoritário e para a legislação
ordinária; e (c) o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, um
dos mais amplos do mundo, combinando aspectos dos sistemas americano (controle
incidental e difuso, por qualquer juiz ou tribunal) e europeu (controle concentrado
por meio de ação direta) e concedendo a diversos órgãos e entes a legitimação
para a iniciativa dos processos objetivos
Em
acréscimo, o fenômeno não é gerado espontaneamente, nem é autopoiético, mas radica,
remotamente, na recusa, na leniência ou na oferta insatisfatória de prestações
primárias que deveriam ser disponibilizadas pelo Poder Público à população.
Essa postura
ineficiente abre um vácuo que passa a atrair as demandas reprimidas e as
insatisfações gerais, as quais, restando sem atendimento e sem canal de expressão
adequado, acabam se voltando para a instância que se apresenta quando as demais
falham: o Judiciário.
Luís
Roberto Barroso também esclarece habilmente o que se deve entender por ativismo
judicial e quais as suas causas, características e relações com a
judicialização[16]:
“A judicialização e o ativismo judicial[17] são primos. Vêm,
portanto, da mesma família, frequentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas
origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A
judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que
decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado
de vontade política”.
Em
todos os casos referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia
fazer, sem alternativa. Se uma norma constitucional permite que dela se deduza
uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a
matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico
e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance.
Normalmente,
este se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento
entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais
sejam atendidas de maneira efetiva.”
A
postura ativista, por conseguinte, está associada a uma atuação mais incisiva
do Poder Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com
maior interferência nos âmbitos de atribuições do Legislativo e do Executivo,
manifestando-se por meio de diferentes condutas, tais a aplicação direta da Lei
Maior a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente
de manifestação do legislador ordinário, a declaração de inconstitucionalidade de
atos normativos com base em critérios menos rígidos que os de patente e
ostensiva violação da Constituição, bem assim a imposição de ações ou
abstenções aos Poderes Públicos, notadamente no que tange a políticas públicas.
Pode-se
observar que a judicialização da política é atualmente inevitável em nosso
país, dados o caráter analítico da Carta Magna de 1988 e o amplo acesso ao
Poder Judiciário que ela garantiu. Ao introjetar a disciplina de determinadas
matérias (ainda que prima facie de índole política) e lhes conferir assim
feição normativa da mais alta estatura, a Constituição institui critérios jurídicos
para a avaliação de condutas a elas relacionadas, cria situações subjetivas
ativas e passivas e fomenta pretensões suscetíveis de serem deduzidas em juízo.
Ademais,
devido à expansão do controle jurisdicional e do universo dos legitimados a
invocá-lo, que não mais engloba apenas os titulares dos interesses substanciais
contrariados ou insatisfeitos, tendo sido acrescido de outros órgãos e
entidades aos quais se abrem as vias das ações coletivas e dos instrumentos de controle
concentrado de constitucionalidade, é certo que qualquer ato comissivo ou
omissivo dos Poderes Legislativo e Executivo pode ser questionado e submetido à
apreciação do Judiciário, que verificará sua conformidade com a ordem jurídica
como um todo, em especial com o estrato constitucional, e concluíra, em caso
positivo, por sua validade ou licitude, ou, em caso negativo, por sua
invalidade ou ilicitude, julgando a causa de acordo com tal conclusão.
Trata-se
de regular exercício da atividade típica do Poder Judiciário, que a este não é
possível declinar quando presentes os pressupostos de constituição e
desenvolvimento válido do processo e as condições da ação. Não há aí nenhuma
invasão ou usurpação de competências alheias.
Destarte,
o cerne da controvérsia não se situa na judicialização dos megaconflitos em si
mesma, já que é uma virtualidade em um sistema que resguarda a universalidade
da jurisdição, porém se desloca para outro foco, o dos excessos que, a partir
daquela judicialização, podem vir a ser cometidos, mormente quando a conduta
judicial revelar incapacidade de recepcionar e mensurar os elementos no entorno
da questão central, que com ela compõem um só contexto, ou quando faltar ao
magistrado percepção mais acurada e sensível no tocante ao balanço entre custo
e benefício ou em face dos contingenciamentos financeiro--orçamentários a que
estão sujeitos os órgãos e entes demandados.
Por isso, avulta a importância de serem
tomados em conta pelo Judiciário, sempre que instado a se pronunciar sobre
questão de natureza política, os critérios de sua capacidade institucional para
melhor resolvê-la, em detrimento do locus deliberativo primariamente
encarregado, e dos efeitos sistêmicos de sua decisão, isto é, dos perigos de
repercussões externas imprevisíveis e indesejadas.
Tais
cautelas, entretanto, não devem servir para intimidá-lo ou constrangê-lo no desempenho
de seu nobre mister de guardião máximo da ordem constitucional.
Têm
razão Ronald Dworkin e Eduardo Cambi, ao asseverarem que a transferência de
poder político ao Judiciário certamente fará com que a maioria dos cidadãos,
notadamente aquela imensa parcela destituída de privilégios, ganhe mais do que
perca.
De
fato, conquanto o aparato judicial se mostre imperfeito, em muitos casos será o
último refúgio para a exigência de satisfação dos direitos fundamentais dos
excluídos, não raras vezes completamente ignorada pelo Legislativo e pelo Executivo.
Essa pretensão, deduzida perante os órgãos jurisdicionais, ao menos será
analisada e receberá decisão fundamentada, ainda que contrária à sua tutela.
Portanto,
a singela possibilidade da minoria de acessar o Poder Judiciário em busca de
proteção aos seus interesses jurídicos já consubstancia um eficaz instrumento
para impedir a ditadura da maioria. A jurisdição constitucional, assim, é capaz
de estabelecer um compromisso constante entre a maioria e a minoria, em favor
da paz social.
Outrossim,
a sua intervenção não é irrestrita, dependendo, além da provocação dos legitimados,
da constatação da infringência de preceitos da Lei Maior, mormente daqueles que
consagram direitos fundamentais, hipótese em que não poderá se eximir de
tutelá-los.
Em
suma, trata-se da defesa de um ativismo judicial responsável, comprometido com
a implementação das disposições constitucionais e com a efetivação dos direitos
fundamentais de todos, todavia, ciente das limitações institucionais e técnicas
inerentes ao Poder Judiciário e da necessidade de respeitar o jogo democrático
e de motivar consistentemente as decisões que impliquem censura aos atos
comissivos ou omissivos dos outros Poderes Públicos.
Dentro
desse modelo ideal que se preconiza, algumas diretrizes merecem nortear o
comportamento do juiz constitucional: (a) ele só deve agir em nome da
Constituição e das leis, e não por vontade política própria; (b) deve guardar
deferência relativamente às decisões razoáveis tomadas pelo legislador, respeitando
a presunção de validade das leis; (c) não deve perder de vista que, embora não
eleito, o poder que exerce é representativo (emana do povo e em seu nome deve
ser exercido), razão pela qual sua atuação haverá, na medida do possível, que
estar em sintonia com o sentimento social, porém sem resvalar para o populismo,
posto que a conservação e a promoção dos direitos fundamentais, mesmo contra a
vontade das maiorias políticas, são condição para o funcionamento do
constitucionalismo democrático.
Parece
restar claro que os três dilemas do Estado Democrático de direito no
constitucionalismo contemporâneo trazidos no presente texto somente têm
soluções satisfatórias perante a realidade sociopolítica brasileira se não
perdida de vista a Constituição da República de 1988, porquanto é apenas ela
que pode fornecer o conceito de Constituição constitucionalmente adequado, de
que dependem inexoravelmente as respostas aos questionamentos.
Do
contrário, continuar-se-á no terreno das abstrações e elucubrações, sem muitos
resultados úteis sob as perspectivas teórica e prática.
Fixada
tal premissa, e realizada a leitura da Lei Maior guiada por aquelas indagações,
não é difícil perceber que ela se filia ao paradigma substancialista,
contemplando numerosos preceitos de conteúdo material e atribuindo à jurisdição
constitucional, por conseguinte, a tarefa de torná-los efetivos, a par da
também relevantíssima incumbência de resguardar a integridade das estruturas político-deliberativas
da formação da vontade coletiva.
Noutro
ângulo, a Carta Magna legitima democraticamente a jurisdição constitucional por
meio de três fontes primordiais, que denominamos de funcional-material
(legitimação de natureza substancial), processual (legitimação de natureza
participativa) e técnico-profissional (legitimação por expressa delegação constitucional).
Por
derradeiro, a concretização das disposições constitucionais demanda certo grau
de ativismo judicial[18], o qual não deve ser
leviano, tendo antes que respeitar critérios norteadores capazes de compatibilizá-lo
com as exigências democráticas.
Conclui-se que a preocupação e o compromisso fundamentais dos cientistas e aplicadores do direito, mais do que com opiniões herméticas e formulações sistemáticas, hão que ser com o resgate das incumpridas promessas emancipatórias trazidas no art. 3.º da CF/1988, de construir uma sociedade livre, justa e solidária (inc. I); garantir o desenvolvimento nacional (inc. II); erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (inc. III); e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (inc. IV).
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Notas:
[1]
Há muito, a ideia de jurisdição não pode mais ser compreendida como a atividade
exclusivamente estatal, seja em razão do caráter jurisdicional da arbitragem
(arts. 3º, § 1º, e 42 do CPC/15), seja pela notória evolução dos métodos
adequados de resolução de conflitos, especialmente a mediação e a conciliação,
considerados verdadeiros equivalentes jurisdicionais. “O convívio harmônico dos
juízos arbitrais com os órgãos do Judiciário constitui ponto fundamental ao
prestígio da arbitragem. Na escala de apoio do Judiciário à arbitragem, ressai
como aspecto essencial o da execução específica da cláusula compromissória, sem
a qual a convenção de arbitragem quedaria inócua.” STJ, REsp 1.331.100-BA, Rel.
Min. Maria Isabel Gallotti, Rel. para acórdão Min. Raul Araújo, DJe 22/2/2016
(Informativo n. 577).
[2]
São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia,
o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição. O efetivo reconhecimento constitucional dos direitos sociais, por
si só, determina, em qualquer circunstância, e mesmo em tempos de crise
econômica, um núcleo “duro”, indisponível para os diversos agentes e poderes
públicos e/ou políticos (inclusive os órgãos jurisdicionais) em matéria de
atendimento às demandas sociais, de forma que esse mínimo constituirá, na ação
desses diversos agentes e poderes, inclusive no âmbito da ação da Administração
Pública uma barreira intransponível que obriga a uma permanente delimitação e
demanda certa integração entre justiça e política, entre magistrados,
legisladores e administradores.
[3]
O Estado Democrático de Direito funda-se nos valores eleitos como mais
relevantes pelo corpo social e estes mesmos axiomas alimentam o sistema
jurídico, consolidando princípios que se tornam a base do Direito vigente.
Nesse prisma, verificaremos a seguir quais são os valores informadores do texto
constitucional brasileiro e os princípios que nele foram consolidados, a fim de
identificar os parâmetros que devem ser observados em nosso Estado Democrático,
fundado na dignidade humana.
[4] Observam-se quatro tipos de “processos” (as
aspas são devidas, pois se verificará que não se trata especificamente de
processos, conquanto de procedimentos de modo geral): 1) os processos em que se
tem a atuação do Estado por meio da Jurisdição—seriam os arquétipos
processuais; 2) os “processos” nos quais se identifica convergência de
interesses entre o Estado e o provocador, cabendo àquele a guarda e tutela dos
interesses que lhe são confiados — não se verifica aqui a busca de um
provimento no qual se exige um contraditório, de modo que se tem, em regra,
mero procedimento; 3) os “processos” nos quais se enfatiza a atividade estatal,
podendo ou não desenvolver-se na busca de um provimento final, situação na qual
se faz imperioso o contraditório no procedimento; e, 4) o “processo” por meio
do qual o Estado determina as regras;
trata-se da atuação do Poder Legislativo por meio de sua função típica, não
objetivando provimento imediato, conquanto direção do Estado nas mais diversas
formas. (FAZZALARI, 2006, p. 36).
[5]As
formas de Estado são diferentes formas históricas de globalização estão
associadas a formas bastante diferentes de Estados. Em comparação com aquele do
início do século XX o governo contemporâneo é “grande”, na medida em que os
Estados administram uma proporção significativa da renda nacional, empregam um
número significativo de pessoas, e tem amplas responsabilidades não apenas pela
administração da economia mas também pela segurança e o bem estar de seus
cidadãos. Como uma consequência, a globalização tem tido provavelmente impactos
políticos mais visíveis sobre os Estados desenvolvidos hoje do que em comparação com os Estados menos
intervencionistas e menos orientados pelo bem estar da era pré-1914.
[6]
Arthur Kaufmann (1872 — 1938) foi um advogado, filósofo e mestre de xadrez
austríaco. Arthur Kaufmann deixa claro que as normas jurídicas completas ou
autônomas não podem ser compreendidas como uma proposição declarativa, pois o
seu conteúdo objetiva um alcance de maior proporção. Em verdade, tais normas
jurídicas precisam ser entendidas como uma “ordem de vigência” ou “norma de
valoração”, nas quais se encontram contidos os preceitos do que “deve ou não
deve ser”. Em contrapartida, deve-se considerar também a existência de normas
jurídicas “incompletas” ou “dependentes”, que, por resultado da compreensão da
sua proposição antinômica, seriam aquelas nas quais faltariam alguns dos elementos
necessários de autonomia ou completude, isto é, previsão factual, conexão ou
consequência jurídica.
[7]
Por essa razão, o STF deve ser deferente para com as deliberações do Congresso.
Com exceção do que seja essencial para preservar a democracia e os direitos
fundamentais, em relação a tudo mais os protagonistas da vida política devem
ser os que têm votos. Juízes e tribunais não podem presumir demais de si
próprios — como ninguém deve, aliás, nessa vida — impondo suas escolhas, suas
preferências, sua vontade. Só atuam, legitimamente, quando sejam capazes de
fundamentar racionalmente suas decisões, com base na Constituição.
[8]
A primeira utilização da expressão “ativismo judicial” é creditada ao
historiador Arthur Schlesinger, em artigo publicado na revista Fortune no ano
de 1947. Em seu trabalho intitulado “The Supreme Court: 1947”, Schlesinger
traça o perfil dos nove ministros da Suprema Corte dos Estados Unidos e faz uma
divisão entre os ativistas (“Judicial Activists”) e os autocontidos (“Chanpions
of Self Restraint”).
Ao abordar o tema, Kmiec
cita interessante trecho da obra de Schlesinger, no qual o historiador
apresenta um hipotético diálogo entre os ativistas e os auto-contidos:
Self-denial has thus
said: the legislature gave the law; let the legislature take it away. The
answer of judicial activism is: in actual practice the legislature will not
take it away-at least until harm, possibly irreparable, is done to defenseless
persons; therefore the Court itself must act. Self-denial replies: you are
doing what we all used to condemn the old Court for doing; you are practicing
judicial usurpation. Activism responds: we cannot rely on an increasingly
conservative electorate to protect the underdog or to safeguard basic human
rights; we betray the very spirit and purpose of the Constitution if we
ourselves do not intervene.
[9]
Luigi Ferrajoli (Florença, 6 de agosto de 1940) é um jurista italiano e um dos
principais teóricos do Garantismo, definindo-se a si próprio como um
juspositivista crítico. De acordo com Ferrajoli, garantias penais e processuais
não são apenas garantias contra a arbitrariedade. "São a principal fonte de
legitimação da jurisdição." Para o
professor, não é adequado comparar a operação "lava jato" com a e "mãos
limpas" [mani pulite] italiana:
"nada nos permite apresentar hipótese de qualquer falta de
imparcialidade dos juízes italianos e dos próprios promotores ou, pior, sua
busca pelo consentimento popular ou da imprensa". Juiz por nove anos,
Ferrajoli deixou a magistratura em 1975 para se dedicar exclusivamente à
carreira acadêmica. Professor de Filosofia do Direito e de Teoria Geral do
Direito, publicou "Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal", obra
que o fez reconhecido internacionalmente e que sustenta seu pensamento de que
sem garantias penais não há Justiça possível. Aos 80 anos, é um dos mais
requisitados pensadores do Direito da atualidade.
[10]Para
compreender o Estado Constitucional de Direito faz-se necessário relembrar que
com a Revolução Francesa, inaugurou-se nova era, o chamado período legislativo
ou primeiro positivismo. Esta última expressão remonta-se à Escola Exegética,
que teve seu apogeu no século XIX. Pode-se considerá-la como vertente do método
gramatical de interpretação, na qual predomina o subjetivismo histórico do
legislador. Uma de suas características conforme alude Norberto Bobbio, é a
influência do princípio da onipotência do legislador.
[11] Considerando que a teoria processualista de Élio Fazzalari é deveras importante para a compreensão da qualificação o acesso à justiça por meio do processo objetivo de constitucionalidade, bem como, que as concepções do objeto de estudo da teoria de base se devem às experiências do investigador, imprescindível, pois, emprestar-lhe especial atenção, uma vez que o resultado final suporta influência da trajetória percorrida no estudo. Importa destacar que o presente trabalho dedica-se ao aprofundamento na filosofia fazzalariana.
[12]
O processo, como espécie do gênero procedimento, se denomina ou identifica em
virtude do ato final que lhe põe fim, entrementes, esse ato deve representar o
epílogo de um processo regular, que tenha garantido a paridade simétrica entre
autor e contraditor. De modo que, se um ato da sequência processual é
irregular, maculando a exigência do contraditório, todos os demais o serão,
alcançando, por fim, o provimento final, de modo a repercutir na validade de
todo o processo. Observa-se que a teoria fazzalariana identifica o processo não
mais como relação jurídica angularizada, conquanto como procedimento em que as
partes interessadas gozam de paridade de poderes, ou seja, do contraditório,
possibilitando a visualização mais clara do processo de qualificação do acesso
à justiça por intermédio da objetivação do controle difuso de
constitucionalidade.
[13]A
mudança no funcionamento do direito processual brasileiro e seus evidentes
reflexos para os juízes e a sociedade, dando destaque ao artigo 10 do CPC
vigente, que traz o contraditório inclusive nas matérias em que o juiz deva
decidir de ofício, trazendo diferentes posicionamentos na doutrina e na
jurisprudência. Registre-se ainda que cabe aos litigantes mesmo em processo
judicial ou administrativo e, ainda, aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a esta inerentes. E,
portanto, o artigo 10 do CPC traz um novo contraditório.
[14]
Entendimento tradicional: no controle difuso, os efeitos serão INTER PARTES e
EX TUNC (retroativos). Contudo, o STF já entendeu que, mesmo no controle
difuso, é possível dar efeito ex nunc ou prospectivo (RE 197.917) – modulação
dos efeitos.
Vide INFO 886: o STF entendeu pelo efeito vinculante
de declaração incidental de inconstitucionalidade em sede de processo objetivo.
Essa decisão, assim como acontece no controle abstrato, também produz eficácia
erga omnes e efeitos vinculantes (ADI 3406/RJ e ADI 3470/RJ, j. 29/11/2017).
Controle Difuso Incidental: todas as normas podem ser
questionadas (normas estaduais, distritais, municipais, secundárias, etc.)
[15]
A expressão “judicialização das relações sociais” refere-se ao fenômeno da
expansão do poder judicial no âmbito das relações socioeconômicas,
caracterizado pelo aumento geral de regulação e pela incorporação dos métodos e
estruturas tipicamente associadas ao Poder Judiciário no seio da vida privada e
das organizações particulares, bem como pelo incremento da interferência ou da
efetiva transferência, para o Poder Judiciário, de deliberações de questões
particulares, como o aumento da demanda por serviços judiciários.
[16]
O fenômeno se estabelece, é possível destacar três processos: a
“juridificação”, isto é, de expansão do
direito e da jurisdição no
Estado e na sociedade; a “judicialização por transferência”, estabelecendo
maior interferência do Poder Judiciário nas questões políticas e relações
sociais, e, ainda, a “judicialização por incorporação”, com a internalização de
argumentos e critérios jurídicos, métodos e procedimentos judiciais,
organização e estruturas judiciárias, em outras esferas de atuação fora da
própria esfera judicial.
[17]
É evidente que não podemos cogitar de ativismo judicial sem falarmos da
judicialização, pois são temas que se entrelaçam e algumas vezes se confundem.
O ativismo judicial é uma atitude, ou melhor, uma escolha de um modo específico
e proativo que o Poder Judiciário possui de interpretar a Constituição, muitas
vezes, expandindo seu sentido e seu alcance. Assim, podemos observar o ativismo
judicial, por exemplo, nas situações que envolvem o Poder Legislativo (classe
política) e a sociedade civil, principalmente quando nessa relação as demandas
sociais não venham ser atendidas efetivamente. Fica claro que o ativismo
judicial é uma tentativa do Poder Judiciário de ter uma participação mais ampla
e intensa na concretização de fins constitucionais, com maior interferência no
espaço de atuação dos outros poderes. Sob uma ótica mais garantista, podemos
dizer que o ativismo judicial é um importante elemento no desenvolvimento dos
direitos fundamentais no Brasil. Contudo, tal atividade deve estar balizada em
critérios compatíveis com o princípio da divisão dos poderes, com as normas
constitucionais e com o princípio democrático.
A judicialização, portanto, significa que algumas
questões de grande repercussão política ou social estão sendo resolvidas pelo
Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais, como Congresso
Nacional e Poder Executivo. Assim, a judicialização, no contexto brasileiro, é
um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou,
e não um exercício deliberado de vontade política.
Importante destacar que na judicialização, o Poder
Judiciário é devidamente provocado a se manifestar e o faz nos limites dos
pedidos formulados. O tribunal não tem a alternativa de conhecer ou não das
ações, de se pronunciar ou não sobre o seu mérito, uma vez preenchidos os
requisitos de cabimento.
A judicialização não decorreu de uma opção ideológica
ou filosófica do Judiciário, pois esse decide em cumprimento, de modo estrito,
ao ordenamento jurídico vigente.