O Estado enquanto conceito
Sem dúvida, o Estado é um conceito zetético e, nesse sentido, devemos questionar e dissolver todas as opiniões sobre ele, exercendo uma especulação explícita e infinita. Investigar o conceito de Estado abrange as Ciências Jurídicas, a Sociologia, a Filosofia e até a Psicologia. A teoria zetética do Direito surgiu em oposição à Teoria Dogmática do Direito, onde determinados conceitos e fatos são simplesmente aceitos como dogmas. O questionamento é de fundamental relevância e deve remodelar e atualizar o conceito para que reflita a realidade e a funcionalidade do instituto analisado. Para garantir maior segurança científica, se faz necessário recorrer a zetética. E, para bem analisar a prática jurisdicional e se esta atende ao fim de interesse social, deve-se conceber o fato de que ninguém ficará fora do alcance da lei.
Na
construção do conceito de Estado cumpre observar os paradigmas do processo
histórico, promovendo-se à luz dos direitos fundamentais[1], uma reflexão sobre a
gênese do Estado Moderno[2], as suas transformações,
seus elementos constitutivos e a diluição de seus conceitos clássicos.
O
Estado, como organização jurídico-política por excelência das sociedades
civilizadas, deve ser considerado categoria essencialmente histórica, que sucede
outas formas de organização política. Sendo um ordenamento democrático,
funda-se no reconhecimento da dignidade humana, na vulnerabilidade dos
direitos, e no livre desenvolvimento da personalidade.
O
Estado é organização destinada a manter, pela aplicação do Direito, provendo as
condições essenciais para a ordem social. Lembrando-se que o Direito é o
conjunto de normas, princípios e regras que velam e protegem as condições
existenciais da sociedade, que o Estado cumpre assegurar.
O
primeiro problema que se deve analisar as relações existentes entre o Estado e
o Direito. Há três grupos destinatários, a saber: a teoria monista, dualística
e a teoria do paralelismo.
A
teoria monística também é chamada de estatismo jurídico, segundo a qual o
Estado e o Direito confundem-se em uma realidade. Segundo Kelsen, os dois fenômenos
sunt unum et idem. Os dois fenômenos sunt unum et idem, na
expressão usada por Kelsen. Para os monistas só existe o direito estatal, pois
não admitem eles a ideia de qualquer regra jurídica fora do Estado. Logo, como
só existe o Direito emanado do Estado, ambos se confundem em uma só realidade.
Enfim,
para os monistas só existe o direito estatal, pois não admitem a ideia de
qualquer regra jurídica fora do Estado, através da força coativa de que este,
apena este, dispõe.
A
Ciência Jurídica deve preocupar-se com as normas que possuem caráter de normas
jurídicas e, que sejam capazes, portanto, de conferir a determinados fatos o
quilate de atos jurídicos. Assim, o que interessa ao jurista é o ato, ou a
conduta prescrita pela norma jurídica, não sendo objeto do seu estudo o ato em
si, ou, igualmente, a conduta humana em si. Estes, segundo Kelsen, pertencem ao
objeto de estudo das ciências da natureza.
Segundo Bobbio afirma que "para definir a norma jurídica bastará dizer que a norma jurídica é aquela que pertence a um ordenamento jurídico", com o que transfere o estudo da juridicidade, ou não, das normas ao estudo do conjunto de normas, ao qual denomina ordenamento.
Sendo
este jurídico, serão jurídicas as normas que o integrarem. As normas que,
segundo, Norberto Bobbio, integram ordenamentos não jurídicos, não são normas
jurídicas (por exemplo, as leis da física, ou da química) e, portanto, não
interessam ao estudo do jurista.
O
sentido da norma, contém, pois, um significado de como algo deve ser ou como
deve acontecer. É, pois, uma prescrição de como se quer ou pretende que algo
seja. Afirmou Kelsen que o dever-ser - a norma - é o sentido de um querer, de
um ato de vontade e se uma norma constitui uma prescrição, um mandamento é o
sentido de um ato dirigido à conduta de outem de um ato cujo sentido é que um
outro (ou outros) deve (ou devem) conduzir-se de determinado modo.
Em
outros termos é, de acordo com Kelsen, um dever-ser o ato humano ao qual ela
atribui significado é um ser, sendo que esse ato será conforme o Direito se
coincidir, em seu conteúdo, com o conteúdo da norma. O conteúdo da norma pode
ser um comandar, um permitir e um conferir competência, e eventual divergência
entre o ato e o conteúdo da norma, implica na incidência de uma sanção.
O
Estado é a fonte única do Direito, porque dá vida ao Direito, através da força
coativa. Logo, como só existe Direito emanado do Estado, ambos se confundem em
uma só realidade. Hobbes, Hegel e Jean Bodin foram precursores do monismo
jurídico e, fora desenvolvido por Rudolf Ihering e John Austin[3].
O
monismo galgou maior expressão técnica-jurídica liderada por Jellinek e a
escola vienense liderada por Kelsen. A teoria dualística também chamada de pluralística
sustenta o Estado e o Direito duas realidades independentes e inconfundíveis.
Para
os dualistas, o Estado não é a fonte única do Direito nem com este se confunde.
O que provém do Estado é apenas uma categoria especial do Direito: o direito
positivo.
Porém,
existem também os princípios de direito natural, as normas de direito
costumeiro e as regras que se firmaram na consciência coletiva, que tendem a
adquirir positividade e que, nos casos omissos, o Estado deve acolher para lhes
conferir jurisdicidade.
Além
do Direito não escrito, há o direito canônico[4], o direito das associações
que o Estado reconhece e também tutela.
Os
dualistas afirmam que o Direito é criação social e não estatal. E, o Direito
traduz no seu desenvolvimento, as mutações que se operam na vida de cada povo,
sob a influência de causas morais, éticas, psíquicas, biológicas, científicas e
econômicas e, etc.
O
Direito é fato social em contínua transformação. Sendo do Estado, a função de
positivar o Direito, traduzindo-o em normas escritas e princípios que se firmam
e se impõem à consciência social.
Segundo
o Dicionário Básico de Filosofia de autoria de Hilton Japiassú e Danilo
Marcondes, no verbete Estado é conjunto organizado de instituições políticas,
jurídicas, policiais, administrativas, econômicas etc., sob um governo autônomo
e ocupando um território próprio e independente. É diferente de governar
(conjunto de pessoas às quais a sociedade civil delega direta ou indiretamente,
o poder de dirigir o Estado); diferente de sociedade civil (conjunto de homens
ou cidadãos vivendo numa certa sociedade e sob leis comuns); diferente também
de nação (conjunto dos homens que possuem um passado e um futuro comuns, entre
outras nações).
Para
Hobbes e Locke, o Estado é o resultado de um pacto entre os cidadãos, para
evitar a autodestruição através da guerra de todos contra todos. Já na
concepção marxista, o Estado nada mais é do que a forma de organização que a
burguesia se dá no sentido de garantir seus interesses e de manter seu poder
ideológico sobre os homens.
A
leitura de Marx do Estado é que esse é essencialmente classista, ou seja,
representante de uma classe e não da sociedade em sua totalidade como afirmavam
os Contratualistas. Para Marx, “[…] o poder político do Estado representativo
moderno nada mais é do que um comitê para administrar os negócios comuns de
toda a classe burguesa”.
O
Estado seria originário da necessidade de um grupo, ou classe social, manter
seu domínio econômico a partir de um domínio político sobre outros grupos ou
classes.
Segundo
Marx (1993), “toda classe que aspira à dominação […], deve conquistar primeiro
o poder político, para apresentar seu interesse como interesse geral, ao que
está obrigada no primeiro momento”. É por isso que as ideias dominantes de uma
época, segundo Marx, são as ideias dos grupos dominantes.
É
nesse contexto teórico que Marx desenvolverá a ideia de ideologia[5], a qual, seria uma “peça
chave” para transmitir as “ideias invertidas de ponta-cabeça” que lhes possibilitam
a manutenção do status quo.
Diferentemente
do que defendiam os contratualistas, não era o Estado quem determinava a
organização da sociedade, mas a composição da sociedade, em suas relações de
classe, que determina a estrutura do Estado. Se de um lado o Estado com sua
atuação jurídica seria responsável por determinar a estrutura da sociedade, por
outro, Marx destacaria que a estrutura de classe da sociedade determinaria e
estrutura do Estado.
Partindo
de Gierke e Gurvitch o dualismo ganhou terreno a doutrina de Léon Duguit que
condenou formalmente a concepção monista e admitiu a pluralidade de fontes de
Direito positivo e demonstrou que as normas jurídicas têm sua origem no corpo
social.
O
pluralismo desdobrou-se nas correntes sindicalistas e corporativistas e,
principalmente no institucionalismo de Hauriou e Rennard, culminando na
vigorosa doutrina de Santi Romano que lhe outorgou maior precisão científica.
A
teoria do paralelismo parte da premissa de que Estado e o Direito são
realidades distintas, porém, interdependentes. Tal teoria visa solucionar a
antítese do monismo-pluralismo e adotou racional graduação da positividade
jurídica, defendida pelo brilhante doutrinador Giorgio Del Vecchio[6].
Reconhece,
outrossim, o direito não-estatal e apontam vários centros de determinação
jurídica e que se desenvolvem fora do Estado obedecendo a graduação da
positividade jurídica.
Afirmou
Del Vecchio que o ordenamento jurídico representa aquele que dentre de todos os
ordenamentos jurídicos possíveis, se afirma como verdadeiramente positivo,
devido à sua conformidade com a vontade social predominante.
Em
verdade, o paralelismo complementa a teoria pluralista e, ambas se contrapõem à
teoria monista. De fato, Estado e Direito são duas realidades distintas que se
complementam na interdependência, conforme lecionou Miguel Reale[7] e que colocou em termos
objetivos as relações entre Estado e Direito e que apresentaram como premissas
para o atual culturalismo.
Segundo
o culturalismo jurídico, o Direito é uma criação do homem inserida na cultura
(o Direito é um objeto cultural), portanto dotado de um significado, de
valores, concebidos conforme cada tempo e lugar.
O
Direito é vivido no cotidiano de uma sociedade, que não é estática, muda ao
longo da história.
Tobias
Barreto como o precursor do culturalismo no Brasil – O conceito de cultura em
Tobias Barreto é decorrente da sua crítica ao naturalismo e a necessidade de
dissociação do conceito de direito ao conceito de direito natural, alocá-lo como
fruto, ou, decorrência da história é inseri-lo como aspecto da capacidade do
homem dominar a natureza e tomá-la para si por meio da razão;
c)
Influências filosóficas em Tobias Barreto – São influenciadores do culturalismo
de Tobias de modo direto 1) Rudolf Von Ihering e; 2) Hermann Post. Do primeiro,
ele retira o conceito de direito como a reunião das lutas que os homens travam
para definir o conteúdo do direito (interesse jurídico), e do segundo a cisão
das categorias subjetivas da compreensão do eu transcendental (neokantismo).
Indiretamente,
não se pode negar a influência de Kant na obra de Tobias Barreto, contudo, a
reconstrução deste link exigiria um outro trabalho à parte, que se torna
por força da pesquisa uma opção para aprofundamento do debate;
As
contribuições de Miguel Reale ao tema – Inovando no tema culturalismo Miguel
Reale elenca dois grandes saltos para compreensão do seu objeto de pesquisa, e,
neste sentido, destacamos: e,
1)
Evolução do conceito de cultura – para uma delimitação do que se pretende por
cultura se faz necessária a construção do fio condutor da tradição cultural por
meio de uma análise histórica desde as concepções positivas (cultura e natureza
como sinônimos), passando pelas concepções negativas (cultura e natureza como
opostos) até a versão moderna de cultura como disciplina autônoma, a pedra de
toque entre as condições objetivas e subjetivas do ato de conhecer; e,
2)
Concepção do a priori cultural – em destaque à contribuição de Kant para
um a priori subjetivo (teoria do conhecimento) e à de Husserl para um a
priori objetivo (fenomenologia) Reale propõe um terceiro a priori que seria
dimensionado pelo advento da teoria da cultura como ciência autônoma; e,
3)
Tempo Histórico e Tempo Cultural – a autonomia da cultura deixa como legado um
novo olhar e um novo enfoque particular para a narrativa histórica, pois a
história como sucessão de fatos não se transmutaria no tempo cultural que envolveria
questões mais afetas à intencionalidade e à circunstância da prolação de
determinados atos; e,
4.)
Teoria do Conhecimento e Teoria da Cultura – a teoria da cultura, ganhando uma
autonomia, coloca-se em posição de complementariedade com a teoria do
conhecimento, daí a proposta para o advento de uma ontognoseologia como disciplina
relacionada a experiência positiva e cultural, em suma, como a própria
experiência humana.
A teoria tridimensional do Estado e do Direito[8] procurou solucionar os conflitos doutrinários radicais, principalmente ao conflito de monistas e dualistas. E, o culturalismo integrou-se ao historicismo contemporâneo[9] e se aplica ao estudo do Estado e do Direito, os princípios fundamentais da axiologia, isto é, da teoria dos valores em razão dos graus da evolução social.
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Notas:
[1]
O termo “direitos fundamentais”, como já anunciado, além de ser menos
difundido, por mais restrito ao meio jurídico, acabou por guardar relação
íntima com o direito constitucional positivo e a gradual incorporação de
catálogos de direitos e garantias ao longo da evolução constitucional desde o
final do Século XVIII, mesmo assim sendo de fato incorporada à gramática
constitucional de modo mais abrangente apenas na sequência da II Grande Guerra.
A utilização de ambas as expressões (direitos fundamentais e direitos humanos),
poderia, é claro, não ser problemática, caso de cuidasse apenas de rótulos
diferentes atribuídos ao mesmo conteúdo, o que tornaria as considerações ora
tecidas completamente inócuas ou no mínimo manifestação de um mero exercício
intelectual sem maior sentido teórico e muito menos prático. Mas o problema,
como se sabe e como veremos, não é este, pois ainda que se desconsiderasse o
aspecto terminológico, as diferenças evidentes entre a noção (conceito) de
direitos humanos e de direitos fundamentais, a despeito de importantes (e mesmo
dominantes, a depender do caso e da perspectiva adotada) não desaparecem
simplesmente pelo fato de se utilizar o mesmo rótulo. Aliás, melhor seria se a
despeito do rótulo ser o mesmo, as diferenças fossem devidamente
consideradas. Com efeito, pese os dois
termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais”) sejam comumente
utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira para a distinção é de que o termo “direitos fundamentais” se
aplica aos direitos do ser humano reconhecidos e positivados
na esfera do direito
constitucional positivo de determinado
Estado, ao passo que a expressão
“direitos humanos” guarda em geral (e de modo apropriado, assim o pensamos)
relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que
se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com
determinada ordem constitucional, e que,
portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de
tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).
[2]
O Estado Moderno surgiu a partir da união dos diversos feudos existentes no
continente europeu. A formação do Estado Moderno é dividida, para fins de
estudos, em quatro fases: o estado moderno, estado liberal, crise no estado
liberal e estado democrático liberal. Nasceu no século XV, com o
desenvolvimento do capitalismo mercantil registrado em Portugal, na França,
Inglaterra e Espanha. Nas quatro nações, o Estado Moderno surge a partir da
segunda metade do século XV e, posteriormente, é observamos seu surgimento
também na Itália. O Estado Moderno surge a partir da crise no Feudalismo. No
modelo feudal, não havia estados nacionais centralizados. Os senhores feudais é
quem exercia os poderes políticos sobre seus domínios, sem ter que responder a
um poder central estabelecido. Cada feudo tinha a própria autonomia política.
Igualmente poderia estar submisso a um reino maior, como era o caso do Sacro
Império Romano Germânico, o soberano inglês e o Papa. O poder dos senhores
feudais era partilhado com o governo das cidades medievais autônomas, que eram
conhecidas por comunas. Estas tinham autonomia para regulamentar o comércio,
estabelecer impostos, garantir a liberdade dos cidadãos e controlar os
processos judiciais. O primeiro reino a utilizar o modelo de Estado Moderno foi
Portugal. Ali, a centralização política ocorreu como consequência de campanhas
militares da Guerra da Reconquista. O conflito, travado contra os muçulmanos,
garantiu ainda a independência de Castela no século XII.A Revolução de Avis
garantiu a consolidação do Estado Moderno em Portugal em 1385. Com apoio da
burguesia, D. João, o Mestre de Avis, venceu Dona Leonor Teles, que tinha o
apoio da nobreza portuguesa e do reino de Castela. D. João foi coroado rei de
Portugal e essa organização está entre os fatores decisivos para a expansão
marítima europeia. Na Espanha, a formação do Estado Moderno ocorreu como
consequência da Guerra da Reconquista e da união dos reinos de Aragão e Castela
em 1469. A consolidação ocorreu em 1492, com a expulsão dos mouros do Reino de
Granada. Já na França, a vitória sobre a Inglaterra na Guerra dos Cem Anos
(1337 - 1453), firmou as bases para a constituição do Estado Moderno. O rei
Luís XIV seria o maior exemplo de monarca centralizador. Quanto à Inglaterra,
passou pelo processo após a Guerra das Duas Rosas (1455 - 1485) que garantiu a
supremacia do soberano sobre os senhores feudais.
[3]
John Austin (1790—1859) foi um jurista inglês. Sua obra inclui “The Province
of Jurisprudence Determined” (1832) e “Lectures on Jurisprudence
or the Philosophy of Positive Law” (1863) – ambos sem tradução para o
português. O autor, que influenciou profundamente os estudos jurídicos na
Inglaterra, é considerado um dos precursores do positivismo jurídico, tendo
lançado as bases para um estudo científico do direito. Austin tinha como
objetivo principal identificar as características distintivas do direito
positivo a fim de libertá-lo da confusão com preceitos morais e religiosos que
havia sido promovido pela teoria do direito natural. Assim, o autor admite que
possam existir leis moralmente injustas. A teoria do autor propõe três
principais elementos distintivos do direito positivo: O direito consiste em
comandos (ordens, expressões de vontade), direcionados aos integrantes de uma
comunidade política independente; os comandos expressam a vontade de um
soberano, o qual não se submete ao direito, e são apoiados em ameaças (sanção);
e O soberano é alguém que é habitualmente obedecido.
[4]
O Direito Canônico surge pela necessidade e com o propósito de organizar e
manter a ordem de acordo com os anseios da vida em comunidade e dos preceitos
divinos estabelecidos e divulgados pela Igreja Católica. Em verdade, muitos dos
institutos existentes no direito ocidental moderno foram inspirados do Direito
Canônico. Direito Canônico, que pode ser definido como “o conjunto de normas
jurídicas, de origem divina ou humana, reconhecidas ou promulgadas pela
autoridade competente da Igreja Católica, que determinam a organização e
atuação da própria Igreja e de seus fiéis, em relação aos fins que lhe são
próprios”. Tem-se que o Direito Canônico possui fins próprios, quais sejam:
cuidar da organização e atuação da Igreja e de seus fiéis. Assim, o Código
Canônico possui “muitos cânones que são verdadeiros mecanismos de uma ‘cidadania
laical’”, mas, “ao contrário do direito estatal, o ordenamento jurídico
eclesiástico possui normas [...] de caráter estritamente divino”. Inegável é a
influência que o direito estatal sofreu do Direito Canônico. Exemplo disto,
temos o fato de que em várias faculdades, mesmo as públicas (a USP no Brasil é
um caso), até meados do século XX lecionava-se ao lado do direito romano, o
Canônico. Ademais, é denso e contínuo o aporte dado ao Direito Canônico pelo
Direito Civil, como o significado que o trabalho dos pandectistas e civilistas
do século XIX teve à ciência canônica.
[5] A ideologia efetivaria a dominação burguesa, naturalizando-a socialmente para que os membros da sociedade tenham o Estado como uma entidade “coletiva”, ou seja, que condensa e ordena todos os direitos sociais e, nesse sentido, encarna-os na sua “identidade universalizadora”. A dominação burguesa não pode aparecer como uma “essência desavergonhada”, ou melhor, “como um produto de antagonismos ou como um feixe de contradições” (IANNI, 1979, p.30). A dominação obscurecida sedimenta na consciência a noção de “liberdade de escolha”, levando os indivíduos a se sentirem necessariamente livres na medida em que são coagidos a venderem sua força de trabalho, o único bem que dispõe. Por isso, “A ideologia é um dos meios usados pelos dominantes para exercer a dominação, fazendo com que esta não seja percebida como tal pelos dominados” (CHAUI, 1997, p.33).
[6]
Giorgio Del Vecchio (1878-1970) foi importante filósofo jurídico italiano do
início do século XX. Entre outros, ele influenciou as teorias de Norberto
Bobbio. É famoso por seu livro intitulado "Justiça". Tem uma
aproximação neokantiana, na sua primeira fase, onde mistura o idealismo de
Fichte com o vitalismo de Bergson. Depois de ter sido encantado por alguns
aspectos neohegelianos da filosofia fascista do direito, acaba por converter-se
ao catolicismo e por assumir um jusnaturalismo de linha neotomista. Participou
como militante fascista na Marcha sobre Roma, sendo reitor da universidade da capital
italiana de 1925 a 1927, onde institui uma escola de ciências políticas. Em
1921 cria a Rivista Internazionali di Filosofia del Diritto que
se publica até 1938. Em 1933 funda o Instituto de Filosofia do Direito da
Universidade de Roma e em 1936 a Sociedade Italiana de Filosofia do Direito.
[7]
Por fim, Miguel Reale incluiu no seu livro “Teoria do Direito e do Estado”,
publicado pela primeira vez em 1940, um “apêndice” sobre a “Posição da Teoria
do Estado nos domínios do saber político”, em 1959, na 2ª edição. O livro,
segundo o doutrinador, não constitui nem um tratado de Teoria Geral do Direito,
nem de Teoria Geral do Estado “mas representa uma introdução a uma e a outra
ordem de indagações, sendo-lhes, ao mesmo tempo, um complemento na parte
dedicada àquelas matérias que não se contem inteiramente no âmbito dessas duas
ciências” (REALE, 2000, p. XXIII). No
apêndice, ele se posiciona a respeito da relação entre Teoria Geral do Estado e
Ciência Política, bem como a respeito do objeto: “Após algumas dezenas de anos
de árduo labor no âmbito da que se convencionou chamar Teoria Geral do Estado,
e que melhor fora denominar-se Ciência Política, não se pode afirmar tenhamos
feito decisivo progresso no que se refere ao problema primordial da
determinação de seu objeto próprio. Uma tendência, todavia, dominante, no
sentido de que se trata de uma ciência de caráter sintético e sistemático, cujo
título de autonomia ou de legitimidade
epistemológica resulta do fato de reconhecer se a existência de problemas,
cujos dados dependem de ciências sociais
particulares, como a Sociologia Política, o Direito, a História
Política, etc., mas que só são problemas
da Teoria Geral do Estado na medida e
enquanto se integram em unidade nova os elementos fornecidos por aquelas pesquisas singulares”.
[8] A teoria tridimensional do direito é um arcabouço teórico esboçado pelo jurista e filósofo brasileiro Miguel Reale no trabalho de tese "Fundamentos do Direito" (1940) e elaborado em caráter definitivo em seu livro homônimo de 1968. Em termos gerais, ela prega a interpretação do direito sob três ópticas simultâneas e complementares - a normativa, a fática e a axiológica -, unificando três correntes filosófico-jurídicas até então independentes (a normativista, a sociologista e a moralista, nessa ordem) e se tornando, se não a principal, uma das mais importantes teorias gerais do direito no Brasil e na América Latina. O trabalho de Reale surgiu, em grande parte, como uma reação às interpretações exclusivistas do direito pelas três principais escolas de pensamento na área, que são: a normativista, com enfoque no caráter normativo do direito; a sociologista, com enfoque nos fatos e contextos; e a moralista, com enfoque nos valores (axiologia) do direito. Embora essas três correntes não fossem totalmente isoladas, tendo até havido esforços de se as interpretar em conjunto antes de Reale (a exemplo do jurista alemão Gustav Radbruch no início do séc. XX), a visão dominante era de que o direito podia ser analisado com somente um desses três elementos, nascendo aí uma "competição" entre escolas para decidir qual interpretação era a mais eficiente. Segundo Reale, todas as interpretações são corretas, sendo o erro de cada escola excluir ou diminuir a importância das demais. Para o brasileiro, o fenômeno jurídico acontece simultaneamente nos âmbitos da norma, do fato e do valor, sendo incorreto interpretá-lo com a exclusão de qualquer outro. Embora essas três correntes não fossem totalmente isoladas, tendo até havido esforços de se as interpretar em conjunto antes de Reale (a exemplo do jurista alemão Gustav Radbruch no início do séc. XX), a visão dominante era de que o direito podia ser analisado com somente um desses três elementos, nascendo aí uma "competição" entre escolas para decidir qual interpretação era a mais eficiente.
[9]
Historicismo é uma concepção da filosofia desenvolvida entre o fim do século
XIX e início do século XX pelo filósofo alemão Wilhelm Dilthey (1833 - 1911). O
ideal historicista aponta as diferenças entre o homem e a natureza e entre as
ciências naturais e ciências humanas. A filosofia de Rorty procura, portanto,
valorizar o momento revolucionário do pensamento historicista sem perder de
vista a necessidade de dar uma tradução dos processos de persuasão
característicos da prática democrática. Contudo, também podemos questionar,
será que o modo de Rorty realizar essa tarefa, no meu entender de primeira
ordem, satisfaz as exigências do que alguns chamam de “especificidade do
pensamento filosófico”? Ou melhor, será que o historicismo rortyano não se
aproxima demais do romantismo e, como isso, condena aspectos cruciais das
práticas comunicativas, como sugere Habermas? A exiguidade do espaço não nos
permite explorar essas questões. Contudo, poderíamos antepor a tal
questionamento a observação de Castoriadis de que se impuséssemos ao pensamento
voltado para a ação a exigência de uma explicação exaustiva terminaríamos por
não agir. (CASTORIADIS, 1982, p. 109).