Montesquieu e Kant
Sobre o direito para Montesquieu que demonstrou que o direito é algo tipicamente racional. Sendo assim o ser humano não o cria, mas o descobre. O direto é o justo. Para Montesquieu, um governo legítimo e bem estruturado deveria ter um corpo de leis, e o poder estatal deveria ser separado em três esferas. A defesa da separação dos poderes estava assentada na necessidade de um poder vigiar o outro (verifica se a Constituição é cumprida) e garantir que não haja abusos de poder. Na concepção de Kant, o Direito baseia-se em dois princípios, como o princípio de avaliação (principium diiudicationis) e o princípio de execução (principium executionis) das ações conformes ao direito (recht). Quando as leis da liberdade diferente das leis da natureza são chamadas morais – “suportam apenas ações exteriores e sua legalidade, elas são ditas jurídicas”. Quando, ao contrário, enquanto leis, exigem “os princípios de determinação das ações, elas são então éticas”
O texto se propõe realizar a
difícil tarefa de rastrear e analisar as relações existentes entre o direito, a
política e a ética, particularmente nas filosofias de Montesquieu e Immanuel
Kant. Há algumas diferenças quanto ao conceito de liberdade.
Realmente, as problemáticas
legais, políticas e éticas de grande importância da Filosofia e sobre o
pensamento humano se orienta no sentido de aperfeiçoamento da vida, o
surgimento da consciência social e a finalidade de uma vida boa e feliz seja
alcançada em sua máxima universalidade.
Deve-se alertar que não se
confundem os campos do direito, política e ética apesar de intensamente
entrelaçados, pois cada um ao seu modo e por meios distintos, versa sobre
justiça, liberdade, convivência e felicidade, relacionando as dimensões públicas
e privadas do ser humano. De fato, tais valores ganharam distintas orientações
ao longo da história da filosofia[1].
Aliás, na Antiguidade
Clássica, o público e privado possuíram ligação mais densa, devendo ser
regulados por uma racionalidade de fundo marcadamente naturalista, em que o
legal seguir certa ordem natural, embora a consciência de que o natural tendia
para a harmonia social o legal era
bastante forte. e, a razão era o centro irradiador de conduta, exercendo um
papel controlador em face das tendências de nossas paixões sensoriais.
No medievo, por sua vez, certa desconfiança da
capacidade racional humana se instala, posto que reiteradas vezes o
racionalismo naturalista ainda parecia ter se revelado insuficiente para a
instauração da paz e da harmonia no convívio entre os homens.
Era preciso, deste modo, um
trabalho de reeducação da essência do ser humano, pois, uma vez manchada pelo
pecado original, desprendia esforços vãos na luta pela concórdia.
A fé passou a ser, então, o
centro irradiador de conduta, à qual, na condição de serva, estava submetida a
capacidade racional do ser humano. A esfera laica só estaria a salvo da
barbaridade na medida em que a cidade dos homens se assemelhasse cada vez mais
à cidade celeste.
No Renascimento, entretanto,
um forte movimento em prol da separação entre religião e Estado ganhou corpo,
especialmente, com a revolução política maquiaveliana, implicando, inclusive,
numa separação também entre ética, moral e política e, posteriormente, entre
ciência e filosofia.
Houve, neste cenário, uma
laicização das coisas públicas, bem como a retomada, com a modernidade, do
racionalismo, agora em sua caracterização científica e de preocupação
epistemológica.
O centro irradiador de
relações foca na objetividade histórica do Estado, pautada por acordos efetivos
e razoáveis entre os homens, instaurando-se a necessidade de conferir maior
força ao Direito, uma vez que a
humanidade viu a reduzir em muito o conteúdo místico, metafísico e religioso
como sendo referência legal, divorciando-se também o direito civil e político
do direito divino.
Enfim, o direito positivo
ganhou maior força e o direito natural se desvinculou fortemente de uma
releitura metafísica e sobrenatural. Já
o jusnaturalismo adota a chamada tese da conexão ou vinculação entre direito e
moral. Aqui o direito e a moral estão ligados não apenas de forma
contingencial, mas conceitual.
Diz-se que o jusnaturalismo
postula a conexão conceitual entre as duas esferas, enquanto o positivismo,
como já dito, adota apenas a conexão histórica ou contingencial.
Isso quer dizer que, para o
jusnaturalismo, não basta que a norma jurídica seja emanada do órgão
competente: é preciso que ela seja justa, que esteja de acordo com o direito
natural, que estaria acima do direito positivo, tendo como fundamento a
divindade, a natureza, a razão, segundo os diversos ramos dessa corrente.
O direito natural não existe
no mundo dos fatos. Isso Platão já sabia. Porém, o antiplatonismo do século XIX
chegou ao ponto de afirmar explicitamente que a metafísica não existe, exceto
como uma elaboração cultural humana. E, como o direito natural é a metafísica
jurídica, o seu devido lugar é ao lado dos deuses e de todo o aparato mítico
com que tradicionalmente damos algum sentido transcendente ao nossos mundo.
O direito natural é uma
invenção de pessoas que têm uma mentalidade religiosa e que somente sabiam
fundamentar a validade das normas em algum ponto sagrado. Porém, a modernidade
é laica, e essa perspectiva demandou a elaboração de uma teoria laica do
direito, que buscou suas raízes no discurso científico.[2]
Mas o jusnaturalismo não
pretende realizar esse teste da justiça do direito positivo a cada momento:
aceita-se a existência do direito positivo e até alguma injustiça que ele possa
conter, pois ele é socialmente necessário. Em geral, o teste é levado a efeito
somente no caso de uma grande injustiça, para o fim de repelir o direito
positivo.
É a chamada fórmula de
Radbruch, segundo a qual “a lei extremamente injusta não é lei”, adotada por
filósofos do direito modernos como Robert Alexy, e que se constitui num
abrandamento da máxima de Santo Tomás de Aquino, para quem a “lex iniusta
non est lex.”
O jusnaturalismo
"contemporâneo” — aludindo-se com o termo ao que vem com Kant ou com Hegel
- traz consigo, assim, o legado das discussões anteriores, e a partir do século
XIX este legado se desdobra em referências que crescem e se diversificam com a
ajuda da historiografia acadêmica.
O jusnaturalismo viu-se
revigorado a partir da segunda metade do século XX – após a II Guerra Mundial,
frente a necessidade de reincorporar valores antes esquecidos, mas que se
mostraram imprescindíveis para a proteção do ser humano em face das
arbitrariedades perpetradas por regimes totalitários.
À racionalidade em que se
radicava o direito natural, desde o final da Idade Média, atrelou-se a
necessidade de evocar a justiça, em suas variadas dimensões, como fundamento
mesmo dos sistemas jurídicos que nasciam no pós-guerra.
Mesmo a Declaração Universal
dos Direitos do Homem (1948) embute aspectos metafísicos a partir da aceitação
de elementos decorrentes da razão e que apelam ao senso comum de justiça do
gênero humano, componentes que se espraiam nas sucessivas declarações de
direitos produzidas pelos organismos transnacionais, destacando-se os pactos pelos
direitos políticos, civis e aqueles ligados ao desenvolvimento econômico e
social.
Em verdade, a concepção
transindividual de homem portador de direitos universais serviu de elemento
retórico poderoso à penetração dos catálogos de direitos fundamentais nas mais variadas
cartas constitucionais dos países centrais e, especialmente, periféricos.
Passou-se a entender que as
leis internas das coisas são passíveis de compreensão racional e não é
relevante saber se há manifestações espirituais nelas. Espaço singular para as
filosofias contratualistas e, mais à frente, uma forte regulamentação do
próprio poder do Estado laico que, no alvorecer da contemporaneidade, não devia
mais ser o foco de onde irradiavam-se as regulações da conduta humana.
O constitucionalismo moderno
só vem tornar as coisas mais instigantes. Com efeito, os chamados princípios
constitucionais e os direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, a
intimidade, a igualdade, têm caráter marcadamente axiológico ou moral e
consistem segundo Alexy em disposições “extremamente abstratas, abertas e
ideologizadas”[v], dando margem a uma interpretação propriamente moral.
Da mesma forma, um autor como
Ronald Dworkin defende uma concepção do direito como integridade (law as
integrity), em que o direito não seria apenas a lei e os precedentes
judiciais, mas também os princípios de moralidade política, numa espécie de
tese moderna da conexão.
Charles-Louis de Secondat,
barão de Montesquieu, foi um filósofo francês nascido em 1689 e profundamente
marcado pelos intentos iluministas, que buscava, dentre outras coisas, uma
sociedade livre de vínculos transcendentes, de imposições – fossem elas
religiosas ou estatais – e de concepções confessionais.
Filosoficamente, o iluminismo,
buscando ater-se aos fatos em sua compreensão da realidade, compreendia os
eventos históricos a partir do critério de uma racionalidade forte, imanente e
natural, de tal forma que Montesquieu foi marcadamente influenciado por essa
compreensão racionalista da história, dessa história que se torna,
inevitavelmente, a regra do homem. O distinto barão faleceu no ano de 1755.
O barão era apaixonado
estudioso das constituições históricas de grandes impérios e governos, e
procurou entender a decadência e refletindo sobre seus aspectos naturais
concretos, contrários às interpretações providencialistas religiosas /ou
sobrenaturais da realidade.
O intento crucial de sua filosofia era o de
buscar aplicar um método experimental ao estudo da sociedade, no sentido de
verificar as causas e as condições históricas, físicas, políticas, morais,
culturais, geográficas e religiosas de uma determinada sociedade e/ou tipo de governo.
Para Montesquieu, as
religiões, os valores morais e os costumes devem ser analisados não em si
mesmos, mas na sua relação com os diversos modos de organização das sociedades.
É preciso também verificar as relações que tais sociedades mantêm com os dados
naturais, como o clima e o solo.
De l’esprit de lois, de
1748, na qual Montesquieu procura analisar a formação e o valor das leis nos
mais variados tipos de Estados. Para tanto, o filósofo francês parte do
princípio de que toda lei é algo que deriva da natureza das coisas, ou seja,
são expressões históricas dos tipos de relações humanas com os próprios
humanos, situados em um determinado contexto geográfico, com clima e história
concretos.
Isso significa que o estudo
antropológico-social, ou seja, o estudo do homem em uma determinada sociedade
é, antes de tudo, uma análise do seu espírito geral, dos aspectos que
contribuíram diretamente para a constituição de sua maneira de ser, de se
organizar e de se relacionar.
As necessidades humanas sejam
universais, elas se expressam de modo diferente em cada contexto e cenário.
Assim, a forma que determinado governo e suas leis assume depende do espírito
geral de cada nação, espírito esse também determinado por certo número de
variáveis. O que Montesquieu aparentemente deseja fazer não é necessariamente
um julgamento dos tipos de governo que existem, mas “compreender a natureza e o
princípio de cada espécie de governo.
É importante destacar que
Montesquieu também foi autor de outras obras importantes: as Lettres persanes,
de 1721, uma carta satírica em que dois viajantes persas versam sobre os
costumes e as instituições políticas da França; e as Considérations sur lês
causes de la grandeur et de la décadence des romains, de 1734, na
qual dá ênfase em como a história romana fora produto de circunstâncias
externas que moldaram a vida e as ações de seus membros. Estas obras, inseridas
no conjunto dos escritos do barão francês, são importantes para compreendermos
o aspecto contextual de sua escrita.
Tanto o direito como a moral
estabelecem regras de conduta e ambos estão sujeitos a variações no tempo e no
espaço. A principal diferença entre o direito e a moral, e os juristas se
esforçam para estabelecê-las, estaria a meu ver na forma de compulsoriedade. O
direito é chancelado pelo poder político, pelo Estado, e por isso é imposto de
forma coativa a todos; o descumprimento da norma jurídica pode conduzir ao uso
legítimo da força física pelo Estado.
Já o descumprimento de uma
norma que seja exclusivamente moral, por exemplo, o dever de ser grato, não
acarreta uma sanção do mesmo tipo, mas a reprovação do meio social e muitas
vezes a autocrítica do próprio indivíduo, uma vez que a moral social é
internalizada.
Para o positivismo jurídico,
direito e moral são coisas distintas e assim devem permanecer. É a chamada tese
da separação entre o direito e a moral. A norma jurídica, para ser válida, não
depende do seu conteúdo e notadamente do fato de ser ou não justa.
Nas palavras de John Austin,
um dos precursores do positivismo jurídico, “a existência do direito é uma
coisa, seu mérito ou demérito, outra”, no que foi seguido por Hart, ao
distinguir “o que o direito é do que ele deveria ser.”.
O critério de validade da
norma jurídica, para o positivismo, é um critério formal: é válida a norma
jurídica emanada do órgão estatal competente, segundo os procedimentos próprios
e compatível, quanto ao seu conteúdo, com as normas jurídicas que lhe sejam
superiores.
A república era o modelo mais
admirado por Montesquieu juntamente com o modelo monárquico inglês, e o que
importa era seu funcionamento político, as duas dimensões fundamentais para
melhor compreensão do modelo, destrinchando a natureza e o princípio do
governo.
Uma vez que o que importa na
investigação filosófica de Montesquieu não são as existências das instituições,
mas sim o seu funcionamento político, duas dimensões são fundamentais para a
compreensão do mesmo: a natureza e o princípio do governo.
Ora, a natureza se refere à
essência ou forma do Estado (monarquia, despotismo, etc.), dizendo respeito
mesmo a quem detém o poder, ao passo que o princípio se refere à disposição que
faz com que o determinado tipo de natureza se constitua (virtude, honra, medo,
etc.), dizendo respeito mesmo ao “espírito” que move o Estado em questão
Em se tratando de república,
sua natureza consiste no fato de que o poder soberano pertence ao povo como um
todo (democracia) ou a uma parcela deste (aristocracia). Cumpre observar que a
constituição política, e na república não é diferente. Para o barão, a origem do governo não é a
mesma coisa que o exercício do poder
no governo, isto é, a origem
do governo é o povo, mas quem governa são apenas alguns dentro o povo; isso
porque o povo sabe até escolher adequadamente, porém, não está apto a governar,
devido ao fato de ser movido pela paixão.
Seja como for, a natureza
desse tipo de governo consiste no fato de que quem governa, por representação,
é o povo. Por outro lado, o princípio do governo republicano, ou seja, a paixão
que o move, é a virtude, que é uma paixão propriamente política.
Sendo a República um tipo de
governo extremamente dependente dos homens que a constituem, ou seja, dos
republicanos, a virtude é ( ou pelo menos deve ser) a supremacia do público sobre o privado.
O regime republicano, visto
frequentemente como frágil, baseia-se na virtude dos homens, sendo a
prevalência do público uma tentativa de impedimento de anarquias.
O “Espírito das Leis” de um
governo republicano baseia-se numa noção patriotista. Isto é, pelo amor pela
pátria, pelo bem coletivo, sendo subsídio da República, espécie de proteção
contra sua degeneração, de tal modo que o papel da educação, nesse regime, consiste
em formar no cidadão republicano um crescente espírito cívico, dando-lhe
capacidade de controle adequado de suas paixões, a fim de que a virtude seja
sobreposta à honra e ao medo.
Enfim, educar para a virtude
que devota amor à pátria, e o bem-comum acima de bens privados e particulares.
Paira uma constante ameaça
sobre a república, podendo levá-la até a corrupção e ao fracasso, em face de pouca
coerção moral, há uma tendência de confiar na virtude dos homens, e em outros
tipos de governos como a monarquia e o despotismo, não tendo o povo nem tanta
liberdade assim.
O princípio de moderação das
Repúblicas é quase inexistente, a ponto de depender de que os homens mais
virtuosos saibam conter suas paixões, seus apetites pessoais e também contenham
os demais. Em relação às outras formas de poderes citadas – e aproveitando o
ensejo para apresentar uma síntese geral do governo republicano , Rovighi
(2006) reafirma a divisão tripartite das mesmas:
A republicana, em que o poder soberano
está nas mãos do povo, baseada na virtude, entendida como capacidade dos
cidadãos de submeter-se às leis emanadas deles próprios e também como
responsabilidade pelas próprias ações; a monárquica, em que apenas um homem
governa, segundo leis fixadas e estabelecidas, baseada na honra, entendida como
“consciência que cada um tem da própria pessoa e da própria condição”; a
despótica, em que um só homem dispõe de todas as coisas a seu bel-prazer,
baseada no medo.
Contudo, de acordo com
Montesquieu, esta última forma é “corrupta por natureza” e, se a república e a
monarquia podem degenerar por falta das virtudes que as sustêm ou por
acontecimentos acidentais, o despotismo “perece por vício interno, quando algo
acidental não impede seu princípio de corromper-se” (ROVIGHI, 2006).
Compreensão jusfilosófica e
política de Montesquieu muito se relaciona com a sua compreensão ético-moral do
homem, visto como um ser físico, histórico e em constante desenvolvimento e,
deste modo, necessitado de melhoramento, freios e correções.
A objetividade das leis são
auxílios importantes para a naturalidade das mesmas, pois, ainda que no estado
natural, marcado por certa sensação de igualdade na fraqueza, o homem tende a
voltar-se para as suas necessidades mais arquetípicas, como a preservação e
reprodução, como a paz, a alimentação, a união sexual e a sociabilidade,
Montesquieu percebe uma tendência egoísta no ser humano que o leva a querer
tirar vantagens particulares onde tiver oportunidade.
Acerca da divisão tripartite
dos poderes (executivo, legislativo, judiciário) se insere em uma certa
admiração do filósofo pelo republicanismo e, especialmente, pelo regime
monárquico inglês.
Estas admirações, por outro
lado, parecem ter inspirado sua intensa crítica ao absolutismo francês,
entendendo que as autoridades deviam ter suas ações vigiadas e sob controle, a
fim de que não abusassem do poder em detrimento do bem comum. A independência
dos poderes evitaria, especialmente, o despotismo.
Os representantes políticos
não estão isentos da tendência egoísta do ser humano, como demonstram
frequentemente suas práticas, precisando a sociedade de uma lei forte e sólida
sob a qual tutelar as ações dos homens, inclusive a dos governantes, a fim de
garantir o mínimo de paz, segurança e liberdade aos indivíduos.
Deste modo, ficam delineadas
as características gerais do pensamento montesquieano acerca dos tipos de
governo, bem como do espírito de suas leis, permitindo-nos compreender razoável
generalidade de sua filosofia.
Sua visão acerca da liberdade
humana está estreitamente ligada à sua visão da organização da política dos
governos, o que significa, portanto, que a liberdade consiste no direito de
poder fazer tudo o que as leis de determinado regime político permitem, ou
seja, que ela só pode ser bem entendida, dentro das categorias filosóficas de
Montesquieu, como liberdade moral e política legalmente garantida.
Immanuel Kant nasceu em
Königsberg, Prússia Oriental, no ano de 1724, filho de artesãos. Recebeu uma
intensa formação moral no Collegium Fridericianum, onde também teve
aulas de latim e grego. Este colégio era de inspiração pietista, movimento
religioso que combatia o dogmatismo luterano, defendendo uma renovação da
piedade subjetivista e individual, com hipervalorização do estudo intimista da
Sagrada Escritura.
De certo modo, este movimento
parece ter influenciado muito fortemente o pensamento kantiano, por expressar
de modo singular um pouco do espírito moderno, cuja independência intelectual e
espiritual e rompimento com as tradições eram priorizados.
Por estar inserido num
contexto profundamente marcado por contestações e reavaliações de valores, na
qual a crítica possuía um papel de suma importância, Kant se destaca, pois
coloca a própria razão sob julgamento.
Ou seja, Kant se preocupa não
tanto com a capacidade das ciências conhecerem, mas com a capacidade do ser
humano conhecer. A razão encontra-se em julgamento no “tribunal da crítica –
crise”, muito embora também seja ela mesma o juiz deste tribunal, por parecer
possuir mais competência para o autojulgamento do que as outras características
humanas.
Crítica da Razão Pura”, na
qual a discussão dos juízos (analítico, sintético e sintético a priori)
tem grande repercussão. Tal repercussão reside, sobretudo, no fato de que, até
Kant, os epistemólogos diziam que o conhecimento do sujeito seria regulado pelo
objeto, mas o filósofo prussiano inverte a ordem das coisas, dizendo que é o
objeto que se adapta aos moldes de conhecimento do sujeito.
Ou seja, as leis e as regras
universais são colocadas no objeto a partir da estrutura cognitiva do sujeito. Mas
o que nos interessa neste artigo é compreendermos como Kant vê o papel do
Estado e do Direito na vida humana, ou seja, a questão política e jusfilosófica
kantiana, levando em consideração a profunda ligação desta com sua filosofia
moral.
Sua primeira grande obra
acerca deste tema, segundo Rovighi (2006), é a Investigação acerca da evidência
dos princípios da teologia natural e da moral, e revela muito de sua
insatisfação acerca da falta de evidência e clareza das formulações da ética e
da metafísica que estudou.
Um primeiro conceito
fundamental a que Kant se propõe a definir é o de dever, que, por sua vez, pode
possuir duas significações: “meio para atingir um determinado objetivo” e
necessidade de execução de algo por si mesmo, como fim em si mesmo (idem).
Outra obra kantiana, a “Fundamentação
da metafísica dos costumes” (2005), onde o filósofo prussiano esboça os
fundamentos de sua doutrina moral e jusfilosófica, as bases de uma teoria da
individualidade responsável e versa sobre a competência individual do homem
fazer juízos morais e de deliberar de modo racional e universalista, explica
Rovighi (2006) que “a convicção comum da qual Kant parte é esta: não há nada de
incondicionalmente bom fora da boa vontade.
Outros bens, como a força e o
talento, mesmo sendo bens, podem algumas vezes dar lugar ao mal. [...] É boa a
vontade que segue o dever pelo dever” (ROVIGHI, 2006).
O grande princípio regulador
da vontade humana é o respeito pela lei, especialmente a lei interior – passo
fundamental para entendermos o imperativo categórico de Kant. O princípio
inspirador que guia à vontade deve ser, portanto, apenas o respeito pela lei.
E aqui já está presente o
formalismo da ética kantiana, que ficará mais acentuado na “Crítica da razão
prática”, e que significa: o que torna a lei obrigatória não é aquilo a que a
lei nos leva (o objetivo, a “matéria”),
mas seu caráter de lei: você deve porque deve. E o caráter da lei, sua forma de
lei, é a universalidade.
Por isso “sempre devo
comportar-me de modo que eu possa querer também que a minha máxima se torne uma
lei universal”. Esta frase anuncia a primeira fórmula do imperativo categórico.
A maior parte da segunda seção da obra [Fundamentação da metafísica dos
costumes] é dedicada à doutrina dos imperativos. (ROVIGHI, 2006).
O ser humano é apresentado em
Kant como ser social, racional e empírico, fazendo dele, por conseguinte,
também um ser crítico, cuja racionalidade o impele a regular suas ações e seu
convívio com os outros de modo universalista, baseado nos princípios da
liberdade e da autonomia.
Isso pressupõe que, agindo
todos os homens de modo racional, provavelmente chegarão a conclusões morais
bastante parecidas – ainda que esse posicionamento seja alvo de intensas
críticas posteriormente, como no caso de Hegel[3].
Kant considera a humanidade
como fim e não como meio (segunda fórmula do imperativo categórico: aja de modo
a tratar a humanidade, tanto em sua pessoa como na dos outros, sempre como fim
e nunca apenas como meio(ROVIGHI, 2006).
Devemos agir a fim de atingir
a própria perfeição da ação, perfeição essa voltada à felicidade dos outros, e
felicidade essa voltada à universalidade (primeira fórmula do imperativo
categórico: aja segundo aquela máxima de acordo com a qual você possa querer
que ela se torne uma lei universal.
Isso configura a possibilidade
de que nem sempre o direito é algo a que realmente nos tendemos naturalmente,
pois pode ser que esteja disforme à lei moral dentro de nós.
Ou seja, enquanto a legalidade
é a conformidade ao dever, a moralidade é a conformidade ao dever pelo dever.
Logo, moral e direito são coisas distintas, sendo o segundo de natureza
inferior ao primeiro.
Rovighi (2006) diz que “uma
primeira característica do direito é, portanto, a de prescindir da intenção do
sujeito operante – que, ao contrário, é essencial à moralidade de uma ação.
[...] Seu conteúdo nem sempre pode ser justificado pela razão” (2006).
Quando uma lei jurídica (que é
externa ao sujeito) pode ser justificada pela razão, reconhecida como dever
pela razão, ela então é denominada lei natural, a lei positiva oriunda do
horror gerado no interior do homem pelas experiências de guerras, crimes e
tiranias vivenciadas pela humanidade, tendo em vista a paz e a materialização
cada vez mais amadurecida da razão universal. Se a lei não for um reflexo da
razão universal, é justo e ético desobedecê-la, mesmo que isso seja considerado
ilegal e imoral.
O passo que a que não possui
legitimação interna da razão é chamada lei positiva na e a sua filosofia moral
e jusfilosófica, pois se o direito diz respeito às ações externas, essas ações
externas dizem respeito às relações de uma pessoa com a outra, ou melhor, do
arbítrio de uma pessoa com o de outra.
“O direito é, portanto, o
conjunto das ações por meio das quais o arbítrio de um pode adequar-se ao
arbítrio de outro de acordo com uma lei universal de liberdade” (KANT apud
ROVIGHI, 2006).
Essa é a máxima jurídica
kantiana, que é a soma entre o imperativo categórico e a sua noção de direito
justo. A moral, então, abrange o direito, cujo fundamento é a autonomia da
vontade.
Immanuel Kant é o filósofo do
imperativo categórico, que explicita a necessidade de que nossas ações tenham
valoração universal: “agir de modo ‘que a vontade possa, por causa de sua
máxima, considerar a si mesma como instituidora de uma legislação universal’”
(ROVIGHI, 2006).
Existe, deste modo, uma visão
de sociedade em Kant que não pode ser desassociada de sua visão ética e legal,
pois o indivíduo ético só é ético porque sua ação sempre implica numa
influência sobre a vida de outrem.
Segundo o Rovighi (2006),
“máxima é o princípio subjetivo da ação, ou seja, é o critério inspirador que
guia determinada conduta”.
A digressão de imaginar a
profunda comoção kantiana ao perceber certa ligação entre os seres humanos,
tanto no que tange à sua natureza física e cosmológica quanto aos aspectos
morais que nos entrelaçam em um compromisso de elevação de nosso ser e de
reciprocidade ética; de algum modo, conhecer honestamente nosso interior e o
mundo exterior é também conhecer o outro que, nessa busca por conhecimento, se
faz nosso irmão.
Exprime o filósofo prussiano:
“Duas coisas enchem-me o espírito de admiração e reverência sempre nova e
crescente quanto mais frequente e longamente o pensamento nelas se detém: o céu
estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim” (KANT, 1959).
Outro conceito fundamental
decorrente daí, o conceito de liberdade, condição para que haja a autonomia do
sujeito e, consequentemente, lei moral. O sujeito autônomo e livre, é aquele
que obedece à lei moral que se impõe racionalmente, havendo uma relação de mão
dupla entre a liberdade e a moralidade.
Ou seja, Kant entende “que a
liberdade é condição para que haja a lei moral, mas a lei moral é a condição
para que a liberdade seja conhecida [...]: a lei moral é a ratio cognoscendi
[razão do conhecimento] da liberdade, mas a liberdade é a ratio essendi
[razão da essência] da lei moral” (ROVIGHI, 2006)). Liberdade é agir conforme o
imperativo categórico, conforme a razão universal.
Ou seja, Kant entende “que a
liberdade é condição para que haja a lei moral, mas a lei moral é a condição
para que a liberdade seja conhecida [...]: a lei moral é a ratio cognoscendi
[razão do conhecimento] da liberdade, mas a liberdade é a ratio essendi
[razão da essência] da lei moral” (ROVIGHI, 2006). Liberdade é agir conforme o
imperativo categórico, conforme a razão universal.
Lembremos que o Estado não
existe necessariamente para garantir a felicidade dos homens, aliás, a
sociedade política exist para que os homens aprendam viver com certa liberdade
social, a partir do pacto originário ou contrato natural de elaboração de leis
que derivem de um princípio de universalidade.
Porém é preciso que o homem
desenvolva sua capacidade crítica ética,
a fim de transpor os limites da anomia
da heteronomia, conquistando a autêntica autonomia.
Estado Ideal kantiano há
profundas marcas de princípios iluministas. Se para Kant (2005) o iluminismo “é
saída do homem do seu estado de menoridade”, então podemos entender porque agir
autonomamente é tão importante para o sujeito kantiano, pois o menor é aquele
que age conforme o pensamento dos outros, ao passo que aquele que atingiu a
maioridade é capaz de agir conforme seu próprio juízo racional, instaurando-se,
assim, na sociedade relações de sujeitos capazes e responsáveis.
Tem ousadia de fazer uso de teu próprio
entendimento – tal é o lema do Esclarecimento [Aufklärung]. A preguiça e
a covardia são as causas pelas quais uma grande parte dos homens, depois que a
natureza há muito os libertou de uma direção estranha, continuem, não obstante,
de bom grado menores durante toda a vida.
São também as causas que
explicam porque é tão fácil que os outros se constituam seus tutores. É tão
cômodo ser menor! Se tenho um livro que faz as vezes de meu entendimento, um
diretor espiritual que por mim tem consciência, um médico que decide por mim a
respeito de minha dieta, etc., então não preciso esforçar-me eu mesmo. Não
tenho necessidade de pensar, quando posso simplesmente pagar; outros hão de se
encarregar em meu lugar dos negócios desagradáveis.
A imensa maioria da humanidade
(incluindo todo o belo sexo) considera difícil e também perigosa a passagem à
maioridade, pois aqueles tutores de bom grado se encarregaram de
supervisioná-la (KANT, 2005).
Portanto, isto se constitui em
uma questão profundamente moral, pois coloca o sujeito em posse de sua própria
vida e, consequentemente, responsável pelas suas próprias ações. Em uma
palavra, moralmente livre, além da liberdade política e legal.
Filosofia não apenas cogita
sobre o desenrolar histórico, pois possui ela mesma uma história. Há, de um
lado, a filosofia da história e, de outro, a história da filosofia. “A
filosofia é coisa humana. Como escaparia à historicidade? Ela é do mundo.
Como escaparia ao devir?”
(COMTE-SPONVILLE, 2005). Mas, acrescenta o mesmo filósofo citado, “a história
da filosofia não é um longo rio tranquilo” .O embate está na genética da
filosofia, na medida em que o desenrolar da história.
Ainda hoje a teoria tripartite
dos poderes de Montesquieu é discutida e aplicada, assim como os pressupostos
universalistas da ética kantiana, dentre inúmeros outros aspectos de suas
ideias.
A atualidade perene de seus
pensamentos nasce do comprometimento profundo que tiveram com uma reflexão
voltada à arkhé dos seus objetos e de certa consciência de que o acesso a ela é
gradativo e processual, a tal ponto de que, cada vez mais, a provisoriedade de
nossos saberes se evidencia.
A noção de liberdade é situada
nas filosofias de Montesquieu e de Kant, sendo, na do primeiro, inserida numa
compreensão estatal e legal que restringem a autonomia da vontade individual
àquilo que a lei permite, enquanto, na do segundo, a liberdade é compreendida
além dos ditames do direito positivo e da heteronomia, em uma perspectiva de
ampla valorização da autonomia do sujeito, desde que não contradiga aos ditames
da universalidade da conduta e tome a humanidade como escopo da ação.
No início do século XIX, o
silenciamento do naturalismo correspondeu, no direito, a uma espécie de
silenciamento da filosofia em geral, motivada pela hegemonia do projeto liberal
do iluminismo. O liberalismo, o capitalismo e o positivismo são expressões da
mesma forma de organização política e ideológica.
Todos eles tiveram um
crescimento gradual e constante durante a primeira metade do século XIX e se
consolidaram como perspectivas hegemônicas. As décadas de 50 e 60 foram o seu período
áureo, época que marca o triunfo do capitalismo liberal no ocidente, descrito
por Hobsbawm de modo lapidar na introdução de A era do capital.
Porém, o início do século XX
já não era mais a época do liberalismo triunfante, pois já era muito evidente que
os novos Estados de Direito continham uma série de problemas que não se
deixavam resolver pelas estratégias jurídicas liberais. A sociedade europeia
mudou radicalmente no século XIX, especialmente devido aos processos de
industrialização e de urbanização, que modificaram profundamente as relações
sociais.
A sociedade transformava-se
rapidamente e exigia alterações no direito, mas os códigos eram (e ainda são)
as normas de mais difícil e lenta modificação. E menos mutável ainda era o
sistema conceitual da pandectística, pois nenhuma autoridade legislativa pode
alterar diretamente os conceitos desenvolvidos pela teoria.
A sistematização feita pela Jurisprudência dos Conceitos[4] foi a mais sofisticada tentativa de garantir a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões judiciais, e, como toda perspectiva que valoriza sobremaneira a estabilidade, tinha como calcanhar de Aquiles a sua inflexibilidade.
Referências
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Secondat. O espírito das leis. 2ª ed. Tradução: Cristina Murachco. São
Paulo: Martins Fontes, 1996.
ROVIGHI, Sofia Vanni. História
da Filosofia Moderna: da revolução científica a Hegel. 4ª ed. Tradução:
Marcos Bagno. Silvana Cobucci Leite. São Paulo: Edições Loyola, 2006.
Notas:
[1]
A moral e a ética são virtudes que os gregos sempre reverenciaram. A moral é o
respeito aos valores humanos ao que é reto e virtuoso. A moral pública é a
virtude política preconizada por Montesquieu, determinante do comportamento de
uma coletividade, segundo as regras e princípios da consciência ética
dominante. Já a ética kantiana é a ética do dever, autocoerção da razão, que
concilia dever e liberdade. O pensamento do dever derruba a arrogância e o
amor-próprio, e é tido como princípio supremo de toda a moralidade. Antes de
realizar qualquer ato, devemos nos perguntar “isso fará o bem do coletivo?”. Se
sim, é uma atitude ética, se não, é antiético.
[2]
Química jurídica, Francesco Ferrara afirmou que "do mesmo modo que o
químico analisa os corpos singulares, reduzindo-os aos seus elementos
fundamentais, e busca os princípios segundo os quais se produzem as combinações
químicas, assim o jurista deve analisar os corpos jurídicos, reduzindo-os aos
seus elementos puros, estudar as causas e as formas de combinação, descobrir as
relações e reações entre os vários elementos, para poder, por sua vez,
recompô-los e reconstruí-los sobre outra base e forma."
Esse tipo de análise, que
ficou conhecida como Jurisprudência dos Conceitos, está na base de uma
depuração conceitual que sistematizou o conhecimento jurídico, oferecendo
conceitos mais rigorosos e, inclusive, inovadores. Essa perspectiva limitava-se
tipicamente ao direito civil, tendo como expoentes o jovem Jhering (que
trabalhou, por exemplo, na fixação dos conceitos de posse e propriedade) e,
principalmente, Windscheid, a quem devemos os modernos conceitos de pretensão e
de ação.
[3]
Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu em 27 de agosto de 1770, em Stuttgart, na
Alemanha. Ainda na juventude se interessa por grego, latim, geometria e
matemática, e faz leituras de Leibniz e Lessing. A crítica ao despotismo e ao
absolutismo que emanava dos textos de Rousseau, Herder, Goethe e Schiller dá o
tom de seus primeiros passos na filosofia. Em 1789, quando eclode a Revolução
Francesa, Hegel tem dezoito anos e é aluno interno do instituto de teologia
Tübinger Stift, onde faz amizade com Hölderlin e Schelling; ali estuda Platão,
Aristóteles, o ceticismo grego e a filosofia crítica de Kant. Recém-formado,
trabalha como tutor privado em Berna (1793-1796) e em Frankfurt (1797-1800).
Decide então tentar a vida como professor de filosofia em Jena, onde publica
seus primeiros escritos filosóficos. Em 1806 conclui a sua primeira grande
obra, a Fenomenologia do espírito. Com o exército de Napoleão avançando sobre a
cidade, é obrigado a recomeçar a vida, e consegue o cargo de redator-chefe do
Bamberger Zeitung, importante veículo progressista da época. Entre 1808 e 1816
é professor de filosofia e reitor do Aegydianum, em Nüremberg, o primeiro
ginásio público humanista da Alemanha. Trabalha nos primeiros esboços da
Enciclopédia e da Filosofia do direito, e publica em 1812, 1813 e 1816 os três
tomos da Ciência da lógica. Em 1816 instala-se com a família em Heidelberg e
publica a Enciclopédia das ciências filosóficas (1817), em que articula seu
sistema filosófico. Em 1818 assume a cátedra de filosofia da Universidade de
Berlim, e em 1820 vem à luz as Linhas fundamentais da filosofia do direito,
talvez sua obra mais influente. Após redigir edições ampliadas da Enciclopédia
e da Ciência da lógica, vem a falecer em Berlim em 1831.
[4]
A Jurisprudência dos Conceitos se desenvolve em um momento histórico de
discussão do Direito enquanto ciência, em que se busca uma formatação lógica e
sistemática para referido campo do conhecimento. Se a pretensão do Direito
nesse momento era adquirir um caráter científico, e se este estava ligado ao
seu maior ou menor grau de sistematicidade, a Jurisprudência dos Conceitos pode
ser compreendida como um conjunto de teorias que se organizam em torno do mesmo
objeto: a construção de um caminho pelo qual o Direito poderia obter a forma de
um sistema. (...) Não por outro motivo é que a primeira referência de unidade
da Jurisprudência dos Conceitos foram as Pandectas de Justiniano (do grego, Pandectae
– o que abarca tudo), talvez o trabalho de sistematização dogmático jurídico
mais bem acabado até o Code. Foi dali que a Pandectística – o segundo nome da
corrente de pensamento ora em análise – retirou o elemento que primeiramente
funcionou como base de sustentação de uma estrutura sistemática para o
Direito.”