Histórico da violência contra a mulher no Brasil

A notável batalha travada pelos movimentos feministas nacionais e internacionais para o reconhecimento da violência contra mulher com a promulgação da Lei Maria da Penha trouxe a aplicação de medidas como de prevenção e de assistência, as medidas protetivas de urgência, com o fito de reduzir esse tipo de crime e significar mais uma conquista na direção da igualdade nas relações de gênero. Infelizmente a referida lei convive com diversos obstáculos, principalmente, em relação a carência de recursos estatais para materializar as políticas públicas para adequado enfrentamento da violência contra a mulher.

Fonte: Gisele Leite

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                                                            "O opressor não seria tão forte se não tivesse

                                                                       cúmplices entre os próprios oprimidos".

                                                                                                   Simone de Beauvoir.

Analisar de forma suscinta a trajetória histórica da violência contra a mulher particularmente em face do direito positivo brasileiro. Por muitos momentos, a mulher foi alvo de tratamentos discriminatórios dentro do texto legislativo, e até mesmo a recente Lei Maria da Penha.

Infelizmente, a positivação da lei não é suficiente para solucionar o problema, sendo curial haver consciência e políticas públicas capazes de institucionalizar a igualdade entre homens e mulheres, principalmente, com ênfase ao princípio da preservação da dignidade humana.

Somente a visibilidade da violência[1] contra a mulher é recente, pois os elementos que compõem a natureza feminina, moldando seu comportamento já datam do século XIX e, mesmo antes, há diversas áreas do conhecimento humano que justificavam a superioridade masculina sobre o feminino.

De fato, a violência contra a mulher é fenômeno global e nem se limita a certa categoria de vítimas, de sorte que todas as mulheres estão sujeitas a sofrer violência masculina. Independe também de quaisquer outros fatores como origem, religião, indumentárias, classe social ideologias ou filosofias.

 A violência da mulher conhece sua face mais aterrorizante que é o feminicídio e, durante a pandemia de Covid-19 que impôs quarentena e isolamento social, está apresentou firmes índices majorantes.

Mesmo nas sociedades pré-históricas, a mulher tinha papel relevante, ocupando e assumindo posições administrativas cruciais do clã. Já na Grécia Antiga, base da cultura ocidental e que influenciou muito os comportamentos sociais atuais, o papel da mulher era inferiorizado pela sociedade, sendo legitimado pelos discursos e, até em obras como de Aristóteles, em sua obra Política que apontava a condição inferior da mulher visto que esta não manifestaria plenamente o logos e, necessitava de outras características morais de virtude.

A obra de Sófocles que incidiu sobre a sociedade ateniense e que se opunha à participação feminina na política da pólis que discorreu sobre a mulher que não tinha autoridade plena bem como a criança posto que ainda em formação.

Porém, a mulher na sociedade grega não se restringiu à completa submissão tanto que em Esparta, era uma polis que garantiu certa participação política e social de mulheres tanto na seara privada como pública. Em Esparta era notável o empoderamento econômico de viúvas que herdavam as propriedades e as transmitia ao novo casamento. Aliás, a transmissão de herança atendia aos costumes matriarcais.

Nas sociedades romanas, o papel da mulher foi se projetando gradualmente, de acordo com o progresso das leis civis do Império  Romano e, a limitação à cidadania feminina permaneceu até o período do Baixo Império quando as mulheres ganham maior espaço tanto no âmbito social e jurídico.

Enfim, as mulheres eram tolhidas da participação de certos benefícios da sociedade, como o acesso aos cargos públicos e a participação em assembleias. E, não poderia inclusive ser testemunhas. E, mesmo a séria questão de estupro era abordada de forma meramente superficial.

De fato, existe inexplicável escassez de fontes jurídicas a respeito da temática, muitas só apresentam rápidas referências sobre o ilícito. Destaca-se, ainda, que o estupro per vim não apresentou autonomia conceitual no direito romano.

Com o advento da crise de Roma e a superação na Europa para novo modelo socioeconômico caracterizado como o feudalismo, a situação da mulher que exprime a sua fragilidade e defesa na sociedade em nada melhorou.

As invasões bárbaras carrearam novos conceitos jurídicos e sociais para a cultura romana decadente e, a ascensão da doutrina cristã medieval que enxergava a mulher como o elemento do pecado original, deixando-a à mercê de formas físicas e simbólicas de violência.

No contexto medievo, as mulheres foram infamadas, é o que se pode observar do texto intitulado "O Romance la Rose" de Guillaume de Lorris e Jean de Meung que escreveram, in litteris:

     "Todas vós sereis, e foram

       De fato ou voluntariamente putas..."

             (LORRIS; MEUNG, 1878, p.72).

A progressiva degradação da imagem social e moral da mulher acarretou os processos inquisicionais portugueses e espanhóis durante a Idade Média e, fundamentalmente, na Idade Moderna.

E, as cruzadas contra o mal espiritual e moral que a mulher  representava se fez presente na formação do direito português, que veio a servir de sustentação à cultura jurídica do Brasil Colônia.

Aliás, o primeiro código português conhecido como Ordenações Afonsinas que tinha como principal característica principal transformar a sociedade feudal ibérica em um Estado Nacional Português definitivo.

Mas, não poderia deixar de lado certas tradições, como a atuação da Igreja Católica e dos valores cristãos medievais em razão da moral social.

Para ilustre doutrinadora Flávia Lages de Castro (2007), in litteris: "As Ordenações Afonsinas têm muita influência do direito Canônico, muitas vezes,  inclusive, tem-se a utilização da palavra ‘pecado’ como sinônimo da palavra ‘crime’.

Isso gera, mais que uma simples confusão de termos, uma consequência imediata, não importa. somente a materialidade do crime, mas, também, a intenção do acusado."

Lembremos que as Ordenações Afonsinas (1446-1521) puniam crimes morais como o adultério, a feitiçaria e, etc. Tendo igualmente a discriminação em razão do gênero, pois a pena  imposta por adultério às mulheres era sobejamente mais pesada que a aplicada ao homem infiel. A violência social contra a mulher ibérica passava a ser violência legitimada pelas Ordenações.

E, os códigos seguintes não superaram tal característica que fora incorporada ao código afonsino. E, as Ordenações Manuelinas (1501-1602), os fidalgos detinham ainda as vantagens sociais e penais, sendo  favorecidos pela lei. E, mesmo alguns delitos que afetavam a mulher pela violência física e ao assassinato.

Já na lei manuelina, a mulher adúltera e seu amante poderia ser mortos pelo marido, com a ajuda de companheiro, se este quisesse, mesmo sendo um duplo homicídio, mas caracterizaria o ato como não-crime (CASTRO, 2007).

Observa-se o grau de rejeição ao crime moral do adultério, como pecado, que tornava lícito frente a este, o homicídio. E, so a égide da conquista espanhola sobre o território português, se fez nas Ordenações Filipinas que manteve toda a cultura androcêntrica.

E, o Livro V das Ordenações tratava das amantes de clérigos, que eram malvistas pela sociedade em geral e pela moral religiosa.

Quando culpadas por seus crimes, deveriam pagar dois mil réis e eram degregadas por um ano. E, na reincidência, eram açoitadas em praça pública e, na terceira incidência era degredadas perpetuamente para o Brasil.

Porém, os frades não poderia ser punidos, somente eram entregues à ordem superior. Adiante, o título XXV, propunha, assim como as  legislações anteriores, o homicídio ao adultério.

Foram três as ordenações portuguesas na era moderna, a saber: Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas e que foram legitimadoras da violência contra a mulher, ora colaborando na conformação social das gerações que estavam sob a regulação destas ordenações, ora sendo apenas o receptáculo da moral misógina do período em questão.

A  História do Brasil possui como marco fundamental foi 1500 quando Pedro Álvares Cabral em sua expedição chegou aqui e se deparou os indígenas que não possuíam estrutura jurídico-social formalizada.

E, o sistema penal vigente na época era sobejamente consuetudinária, bem como a prevalência de caráter místico e pelo predomínio da vingança privada, sem qualquer preocupação com proporcionalidade entre gravidade da conduta praticada e intensidade da reação imposta ao infrator.

Os colonizadores portugueses não tiveram imediata preocupação de povoamento e, somente a partir do século XVII deu-se a necessidade de defender as fronteiras da terra conquistada e de interromper o indesejável processo de formação de população mestiça que era considerada perigosa aos interesses da Coroa Portuguese e fez surgir o interesse de povoar o território brasileiro

Foi neste contexto, mulheres brancas foram levadas de Portugal para a Colônia para cumprirem  honrosa missão de reprodutoras de uma nação branca e colaborando para ocupação e defesa do território. Ainda assim, temos a presença das diversas formas de violência masculina em face das mulheres.

Os conquistadores portugueses subjugaram os nativos e não inseriram qualquer influência nos costumes locais nem na elaboração de normas penais que passaram a vigorar na Colônia, o que houve, ao contrário foi a mera transposição do conjunto legislativo que era vigente em Portugal.

Foi o amadurecimento histórico que fez surgir a necessidade de instituição legislativa no início do século XV, o que resultou nas Ordenações do Reino de Portugal sendo fruto de esforço pioneiro de sistematização das leis daquilo que se chamou Direito Nacional.

Ainda no período colonial, nosso país sofreu a invasão dos holandeses no nordeste e trouxe diferente realidade jurídica. E, os colonizadores holandeses adaptaram a estrutura jurídico da Holanda.

O incesto e o adultério eram crimes sexuais, assim como, nas legislações ibéricas, se confundiam com o pecado e a mulher caso fosse apanhada em flagrante com outro que não fosse o seu marido, seria chicoteada em público no pelourinho.

Com a Independência do Brasil que se deu por fatores associados ao movimento europeu relacionado com os interesses de Napoleão Bonaparte. Deu-se a vinda da Família Real entre 1807 e 1808 devido ao bloqueio continental que fizeram que os colonos e reinóis dividissem o mesmo espaço público e político.

Essa transferência operou-se também dos instrumentos burocráticos do Estado Português e facilitou ao processo que mais tarde seria a independência, aclamada por um Príncipe português.

Depois da Independência em 1822, veio a Carta Magna de 1824 e, em 1830, Bernardo Pereira de Vasconcelos elaborou o primeiro Código Criminal brasileiro. E, desde 1827, o Imperador já desejava ter um código civil e criminal devido suas peculiares necessidades jurídicas bem como atender à determinação presente na Carta Magna de 1824.

O Código Criminal de 1830 discutiu em seus 313 artigos diversos temas, entres os crimes e penas, tanto crimes públicos, particulares e policiais, incluindo-se o debate sobre a pena de morte.

Quanto à questão da mulher, o referido Código apartavam as mulheres ditas de família e as prostitutas. Aliás, o artigo 222, in litteris positivava:

Art. 222 - Ter cópula por meio de ter copula carnal por meio de violencia, ou ameaças, com qualquer mulher honesta. Penas – de prisão por tres a doze annos, e de dotar a offendida. Se a violentada fôr prostituta. Penas - de prisão por um mez a dous anos (BRASIL, 1831, não paginado

Também se entendia a violência simbólica, com consequências psicológicas, conforme art. 223.

Art. 223. Quando houver simples offensa pessoal para fim libidinoso,causando dôr, ou algum mal corporeo a alguma mulher, sem que se verifique a copula carnal. Penas - de prisão por um a seis mezes,

E de multa correspondente à metade do tempo, além das em que incorrer o réo pela ofensa (BRASIL, 1831, não paginado).

Nos casos de adultério:

 Art. 250. A mulher casada, que commetter adulterio, será punida coma pena de prisão com trabalho por um a tres annos.A mesma pena se imporá neste caso ao adultero.

Art. 251. O homem casado, que tiver concubina, teúda, e manteúda,será punido com as penas do artigo antecedente.

Art. 252. A accusação deste crime não será permitida a pessoa, que não seja marido, ou mulher; e estes mesmos não terão direito de accusar, se em algum tempo tiverem consentido no adulterio.

Art. 253. A accusação por adulterio deverá ser intentada conjunctamente contra a mulher, e o homem, com quem ella tiver commettido o crime, se fôr vivo; e um não poderá ser condenado sem o outro (BRASIL, 1831, não paginado)

Os artigos do adultério são capazes de demonstrar sutilmente uma hierarquia sexual e sociocomportamental da época e suas  implicações na sociedade androgênica. Para a mulher adultera não há especificações de situações, ou seja, em qualquer caso  haverá adultério, mesmo que esse adultério seja momentâneo e imediato.

No caso do homem, este será adultero se mantiver  uma outra mulher nas suas relações, o que se caracteriza no termo teúda e manteúda, que no português arcaico significa  “uma mulher mantida por alguém.

Quando o Império enfraqueceu pelos idos da segunda metade do século XIX, a exemplo da Revolução Industrial no Reino unido e da Lei Áurea, que trouxeram significativas mudanças econômicas e sociais pelo país.

O que teve grande repercussão penal, trazendo a criação de leis penais mais adequadas aqueles novos tempos. Então o Código Penal Brasileiro entrou em vigência em 11.10.1890 e era dividido em quatro livros, totalizando 412 artigos.

E, manteve e atualizou novas formas de categorizar as mulheres, com expressões como mulher honesta[2], teúda e manteúda, mulher pública e prostituta.

Denotando diferenciação de tratamento legal destinado às mulheres, sendo objeto de maior ou menor proteção legal. E, a maioria dos crimes como a violência carnal eram descrito tendo como vítima apenas as mulheres.

O referido Código fora criticado severamente por ter ignorado muitos progressos doutrinários presentes dos códigos da época. Teria sido apenas mera atualização da legislação penal do Império, sendo mero prolongamento da estrutura prisional já existente.

Em 1891, a Câmara dos Deputados formou e nomeou comissão para revisão do Código Penal de 1890 e, resultou no trabalho do desembargador Vicente Piragipe que criou uma consolidação de leis vigentes  e tornou-se lei pelo Decreto 22.213/32 e a Consolidação das Leis Penais se tornou então o novo estatuto penal brasileiro, prevendo algumas poucas inovações, como o livramento condicional.

Foi em 07 de dezembro de 1940 que houve então a promulgação do Código Penal brasileiro que ainda se encontra em vigor até os presentes dias. E, igualmente parte dos crimes sexuais que eram chamados de crimes contra os costumes eram descritos tendo como vítima apenas as mulheres, como o estupro e da posse sexual mediante fraude.[3]

A especificação da mulher virgem como a vítima de certos crimes manteve-se nesse Código, assim como a figura da mulher honesta, havendo a diferenciação legal na proteção das mulheres.

Foi depois dos anos oitenta que o Direito Penal teve a missão de atender a repressão política e, as prisões eram lugares de suplícios, torturas e mortes de presos políticos e daqueles a quem a Lei de Segurança Nacional considerava como subversivos.

E, já se vivenciava o problema da superlotação carcerária o que propiciou a Reforma da Parte Geral do Código Penal que foi realizada em 1984, num clima de grande discussão teórica. E, entrou em vigor a Lei 7.210, a Lei de Execuções Penais, com dispositivos consonantes com a renovada Parte Geral do Código Penal.

De fato, tentou-se anteprojeto de Parte Especial junto com tais mudanças, mas o mesmo não chegou a ser objeto de discussão no Congresso Nacional. Surgiram alguns pontuais modificações decorrentes de leis especiais.

Foi em 1988, a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil trouxe novos parâmetros de funcionamento para a disciplina do Direito Penal. E, consistem em princípios fundamentais de garantia do cidadão perante o poder punitivo e, estão todos amparados constitucionalmente. Entre os princípios constitucionais  implícitos, tem-se a proporcionalidade como relevante limitador para o arbítrio do sistema penal brasileiro.

A fórmula de talião já previa proporção entre delito e pena, uma característica de um Direito primitivo, segundo o qual o infrator responderia pelo mal causado sofrendo-o na exata medida.

A multiplicidade de delitos veio também trazer  novas formas de sancionar e, todas essas devendo observar uma razoável proporção entre a gravidade do feito e da resposta, respeitando-se um dos principais fundamentos da atual República Federativa do Brasil: a dignidade da pessoa humana.

Na Parte Geral do Código Penal brasileiro, a violência contra a mulher surge, como agravante genérica, fazendo-se referência ao conceito de violência constante na Lei  11.340/2006. Além da agravante o fato de o crime ter sido praticado contra mulher grávida, fazendo recorte importante e específico da vítima.

Entende-se que circunstância do crime tudo aquilo que está  em torno do fato criminoso, ou seja, tudo aquilo que o circunda.  Será circunstância, portanto, toda informação concernente ao  delito praticado e às pessoas nele envolvidas, desde que não  se trate de elemento essencial a este crime[4].

Os elementos sem os quais o crime inexiste não são suas circunstâncias, e sim suas  elementares, conforme explicam Souza e Japiassú (2018):

Para distinguir uma elementar de uma simples circunstância do crime,  basta que seja feita uma eliminação hipotética. Se o crime desaparecer  ou der causa a outro tipo penal, significa que se trata de uma elementar,

Todavia, se não houver alteração da caracterização do crime, estar-se-á diante de uma circunstância.

As agravantes são circunstâncias que o juiz leva em consideração, para no momento de sentenciar, aumentar a pena na segunda fase de sua aplicação.

Em breve explicação, uma vez que o juiz considere o réu culpado de certo crime, fixa sua pena-base, e, caso haja uma circunstância agravante que  prepondere entre as demais, esta incidirá sobre a pena-base majorando-a do que a resulta a pena provisória.

A violência contra a mulher também em sua Parte Especial composta pelos artigos 121 e seguintes que tratam dos crimes em espécie. O artigo 121 foi alterado pela Lei 13.104/2015 para incluir o homicídio que é o feminicídio[5].

Feminicídio é nova categoria de crime de ódio e que faz com que o agente responda por homicídio qualificado, com penas maiores que as previstas no caput do artigo 121 do CP.

O artigo 129, de lesão corporal também sofreu alteração pela Lei 11.340/2006, conhecida como a Lei Maria da Penha, sendo responsável por incluir uma qualificadora na lesão corporal quando praticada no contexto de violência doméstica.

Apesar que o mencionado parágrafo (artigo 129, §9º CP) não faça expressa menção à violência contra a mulher, mas representa um progresso na proteção desta, pode haver violência doméstica que não seja dirigida à uma mulher.

Porém, infelizmente, não é raro que o ambiente familiar e o alr venha a ser o triste cenário de crimes de violência contra as mulheres.

A concretização da igualdade constitucional vigente requer a realização de políticas públicas que promovam a real ressignificação do papel da mulher na sociedade brasileira, para que seja tratada, como sujeito de direitos na  exata medida que o homem.

E, por isso foi criada ações para a redução[6] de potencial grau de vitimização pela violência. E, tais ações tiveram naturezas distintas, sendo no campo da mobilização social e  na seara legislativa.[7]

A Lei 11.340/2006 é relevante marco nacional contra a violência doméstica e familiar contra a mulher sendo batizada de Lei Maria da Penha em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes que fora vítima de duas tentativas de assassinato praticadas pelo seu então marido, sendo uma delas um tiro nas costas enquanto dormia, levando-a à paraplegia.

O feminicídio passou a ser uma das qualificadoras do homicídio sendo também incluso entre os crimes hediondos, Lei 8.072¹1990.

Na Lei dos crimes hediondos, estão previstos: Homicídio quando praticada em grupos de extermínio e homicídio qualificado; Lesão Corporal de natureza gravíssima e lesão corporal seguida de morte; Roubo.; Extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima com ocorrência de lesão corporal ou morte; Estupro.

Na Lei dos crimes hediondos, estão previstos: Homicídio quando praticada em grupos de extermínio e homicídio qualificado; Lesão Corporal de natureza gravíssima e lesão corporal seguida de morte; Roubo; Quando há restrição de liberdade da vítima; Quando há o emprego de arma de fogo ou de uso proibido/restrito; Quando resulta em lesão corporal grave ou morte; Extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima com ocorrência de lesão corporal ou morte; Extorsão mediante sequestro na forma qualificada; Estupro; Estupro de vulnerável; Epidemia com resultado de morte; Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais; Favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável; Genocídio; Crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido; Crime de comércio ilegal de armas de fogo; Crime de tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição; Crime de organização criminosa, quando direcionado à prática de crime hediondo ou equiparado.;

O infanticídio, apesar de ser um assunto que sempre causa grande comoção popular, não é classificado como um crime hediondo, já que não se encontra previsto na lei, nem mesmo após as atualizações da legislação.

Feminicídio pode ser enquadrado como homicídio qualificado e, portanto, a depender do caso, pode ser classificado como crime hediondo.

Uma pessoa que transmite de maneira intencional algum tipo de vírus infeccioso não cometeu o crime hediondo, apesar de se enquadrar na definição de epidemia. Apesar disso, a conduta ainda é visto como criminosa e pode ser punida.

O furto com explosivo é classificado como crime hediondo, mas não o roubo com uso de explosivos. O latrocínio não foi retirado do dispositivo legal, apenas foi categorizado como um tipo de roubo.

Crimes equiparados aos hediondos (Três “T”: Tráfico de drogas, Terrorismo e Tortura” não pertencem ao rol taxativo dos crimes hediondos, estando previstos no artigo 5° da Constituição Federal.

Ainda assim, recebem o mesmo tratamento jurídico, mas ao contrário dos crimes hediondos listados na Lei 8.072/90, não podem sofrer modificações que os retirem do dispositivo legal. Afinal, integram uma cláusula pétrea constitucional.

O combate à cultura da intolerância requer o fortalecimento da cultura do respeito às diversidades e, para tanto não basta colocar em vigor no texto legislativos.

As mudanças culturais demandam tempo, requer iniciativas em matéria de educação, demandam, fundamentalmente, uma mudança no consciente coletivo da população.

O Direito vigente precisa fazer sua missão em assegurar as mulheres a sua proteção legal e real, para o adequado enfrentamento desta questão passa necessariamente pela consciência de que somos todos igualmente dignos de direitos e garantias em sociedade.

A Lei 11.340/2006. Com esse diploma legal, a violência doméstica e familiar contra a mulher passa a ser crime, deixando de ser tratada como de menor potencial ofensivo.

A lei também estabelece a definição do que é a violência doméstica e familiar, bem como caracteriza as suas formas: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

Lei nº 13.894/2019: Referida lei trouxe três alterações importantes, inseriu um novo inciso ao art. 9º §2º, trazendo ao juiz, nas situações que envolvem violência doméstica e familiar contra mulher, quando for o caso, a incumbência de encaminhar à assistência judiciária, inclusive para eventual ajuizamento da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável perante o juízo competente.

A segunda mudança, acrescentou uma nova redação ao art. 11, inciso V, e insere o art. 14-A e seus parágrafos e traz a atribuição de o Delegado de Polícia informar à ofendida os direitos a ela conferidos e os serviços a ela disponíveis, inclusive os de assistência judiciária para o eventual ajuizamento perante o juízo competente da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável.

Lei nº 13.871, de 2019: Criou a obrigação de ressarcimento ao Estado pelos gastos relativos ao atendimento da vítima através do Sistema Único de Saúde (SUS), para aquele que por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial a mulher.

Criou ainda outra sanção ao agressor, qual seja, de ressarcir os gastos estatais a utilização dos dispositivos de segurança destinados ao uso em caso de perigo iminente e disponibilizados para o monitoramento das vítimas de violência doméstica ou familiar amparadas por medidas protetivas.

Lei nº 13.882, de 2019: Essa alteração legislativa trouxe para as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar a prioridade para matricular seus dependentes em instituição de educação básica mais próxima de seu domicílio, ou transferi-los para instituições mais próximas.

Outra modificação ocorreu no artigo 23, que se trata das medidas protetivas de urgência à ofendida, determinado que o poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas.

Lei nº 13.880, de 2019:  Instituiu a apreensão de arma de fogo sob posse de agressor em casos de violência doméstica, evitando que o agressor a utilize para qualquer finalidade e que a arma possa ser periciada e utilizada como prova no processo.

E, ainda, suspende a posse proibindo, temporariamente, que o agressor tenha a arma no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, deste que este seja responsável legal da empresa.

Lei nº 13.836, de 2019: Torna obrigatória a inclusão de informação, nos boletins de ocorrência, quando a mulher vítima de agressão ou violência doméstica for pessoa com deficiência.

O objetivo da criação da Lei Maria da Penha tem como objetivo: Criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher; Dispor sobre a criação de Juizados contra a violência doméstica e familiar da mulher; Estabelecer medidas de assistência e proteção à mulher que se encontre em situação de violência doméstica e familiar[8].

Referências

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BITTENCOUR, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

CAMPOS, Carmen Hein de.(Organizadora) Lei Maria da Penha. Comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

CANELA, Cristina Kelly. O stuprum per vim no direito romano. Tese de Doutorado em Direito Privado. 2009. Universidade de São Paulo (USP).

CARNELUTTI, Francesco. O problema da pena. Tradução: Ricardo Pérez Braga. São Paulo: Pillares, 2015.

CASTRO, Flávia Lages. História do Direito, Geral e Brasil. 5ª.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

FILHO, Altamiro de Araújo Lima. Lei Maria da Penha Comentada. São Paulo: Editora Mundo Jurídico, 2007.

GIMENES, Eron Veríssimo. Lei Maria da Penha Explicada. Doutrina e Prática: Legislação Complementar: Atualizada com as alterações promovidas pela Lei 13.931, de 10 de dezembro de 2019. São Paulo: Edipro, 2020.

LORRIS, Guillaume de; MEUNG, Jean de. Le Roman de La Rose. Tome I. Paris: 1978. Disponível em: https:// www.gutenberg.org/files/16818/16818-pdf.pdf. Acesso em 14.10.2022.

NICOLITT, André; ABDALA, Mayara N., DAMASCENDO, Laís. Violência Doméstica: estudos e comentários à Lei Maria da Penha. Belo Horizonte: D'Plácido, 2018.

PAIVA, Eduardo de Azevedo. Capacitação em Gênero, Acesso à Justiça e Violência contra as Mulheres. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/14/capacitacaoemgenero_20.pdf Acesso em 18.10.2022.

RIBEIRO, Dominique de Paula. Violência Contra A Mulher. São Paulo: Gazeta Jurídica, 2013.

SARDENBERG, Cecília M.B.; TAVARES, Márcia S. Violência de gênero contra mulheres; suas diferentes faces e estratégias de enfrentamento e monitoramento. Bahia: EDUFBA, 2016.

SOUZA, Artur de Brito Gueiros; JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. Direito Penal: Volume único. São Paulo: Atlas, 2018.

STRECK, Lenio Luiz. Criminologia e feminismo. In: CAMPOS, Carmen Hein de. Criminologia e feminismo. Porto Alegre: Sulina, 1999.

TELES, Maria Amélia de Almeida. O protagonismo das vítimas de violência doméstica e familiar. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 18, n. 86, p. 381-392, set. Out. 2010.

Universidade de Coimbra. As Ordenações Filipinas. Coimbra. Livro V. Disponível em: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ordenacoes.htm.Acesso em: 10.20.2022.

Notas:

[1] Os sete tipos de violência, a saber: Violência física. A violência física é a utilização da força física sobre alguém. ... Violência psicológica e moral.  Já a violência psicológica e a moral utilizam-se de palavras ou atos ofensivos como forma de agressão. ... Violência sexual. ... Violência econômica. ... Violência social. ... Violência doméstica.

[2]Mulher honesta. A expressão, embora retirada do Código Penal em 2009, ainda é utilizada por alguns operadores do direito como forma de desqualificar mulheres vítimas de violência. A novel legislação, nesse ponto, avançou mais: suprimiu a expressão mulher honesta da antiga redação e a substituiu pelo termo alguém; assim, a um só tempo, afastou a adjetivação discriminatória que exigia o componente honestidade da mulher, elemento normativo, de resto, de muito difícil precisão, e tornou extensiva a proteção aos homens, de modo que, doravante, podem figurar como vítimas desse crime tanto a mulher — independente de indagação sobre seu comportamento sexual — quanto o homem: alguém é levado, por fraude, a praticar um ato libidinoso, que pode ser praticado sobre a vítima, pelo agente ou por terceiro; ou pela vítima, com terceiro ou sobre seu próprio corpo..

[3] A violência de gênero é concreto exemplo de violação da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais. E, sua existência não é recente, mas apenas a partir da constitucionalização dos direitos humanos.

[4] Da mesma forma, para o STJ, nos termos do artigo 5º, inciso III, da Lei 11.340/2006, é possível a caracterização de violência doméstica e familiar nas relações entre filhas e mãe, desde que os fatos tenham sido praticados em razão da relação de intimidade e afeto. O entendimento foi firmado pela Quinta Turma em 2014, ao negar habeas corpus (HC 277.561) para duas mulheres acusadas de constrangerem e ameaçarem a própria mãe. Elas pediam a anulação do processo instaurado no Juizado de Violência Doméstica e a desconstituição das medidas protetivas deferidas com base nos artigos 22 e 23 da Lei 11.340/2006.

[5] A Lei nº 11.106/05 trouxe regras de direito material, ora revogando infrações penais, ora revogando dispositivos que consistiam em causas extintivas  da punibilidade, ora incluindo novos sujeitos passivos, ampliando, portanto, a abrangência de tipos penais que já existiam e foram mantidos, recebendo uma reengenharia, ora criando novas figuras típicas. Daí porque há, simultaneamente, regras mais favoráveis e regras mais gravosas na mesma Lei, que devem ser examinadas pontualmente. Há momentos em que a Lei se constituem novatio legis in mellius, com as suas consequências conhecidas no que concerne à retroatividade; há momentos, outrossim, em que se constitui em novatio legis inpejus, havendo de se assegurar sua irretroatividade, em respeito, antes de tudo,ao disposto no art. 5°, XL, da Constituição Federal Inicia-se pelo art. 148 do Código Penal, alvo da primeira alteração. No§ 1º,que estabelece formas qualificadas do sequestro e cárcere privado, foi acrescentada a elementar "companheiro", adunada às outras pré-existentes. Esta nova situação - sujeito ativo companheiro da vítima - só pode qualificar a pena nos sequestros e cárceres privados ocorridos após a entrada em vigor da Lei, ou mesmo que estavam em andamento quando de tal data, já que se trata de crime permanente, cujo momento consumativo se protrai no tempo. O Direito Penal ,enfim, reconheceu a dignidade que merece a família oriunda de união estável, nos moldes preceituados pela Constituição Federal. Aliás, pensa-se que a palavra “companheiro" se constitui em norma penal em branco, remetendo o intérprete conceituação que lhe dá o Direito de Família. Em outras palavras, companheiro, para fins penais, é aquele que vive em união estável; atendidos os requisitos estabelecidos para o reconhecimento de tal situação no Direito de Família. Evidente que quem começou a namorar ontem e cometeu o crime hoje não é companheiro para fins penais. Se o Direito Penal, agora, em determinados delitos iguala a situação do companheiro à do cônjuge, para agravar-lhe a sanção, não há mais por que se resistir à analogia in banam partem que se tentava fazer para igualar tais situações em casos que iriam favorecer o réu.

[6] A alternativa para redução dos altos índices de violência contra a mulher, seja mesmo a conscientização da relevância da denúncia a essas mulheres e da continuidade dela até o fim do processo. E, também poderão ser aplicadas medidas que vissem à submissão do agressor aos programas terapêuticos e psicológicos, buscando demonstrar que a mulher não é objeto de sua propriedade, do qual dispõe de modo que lhe aprouver, pois somente assim, poderá reduzir o número de mulheres violentadas.

[7] A importante nessa evolução jurisprudencial, o STJ editou, em 2015, a Súmula​a 536, na qual estabeleceu que a suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Maria da Penha, sendo proibida a concessão de benefícios da Lei 9.099/1995 – Lei dos Juizados Especiais. No HC 196.253, a defesa de um homem condenado por agredir sua companheira solicitou a suspensão do processo por considerar que o artigo 41 da Lei Maria da Penha não vedaria a concessão do benefício quando se tratasse de contravenção penal.

[8] A Lei 11.340/2006 buscou proteger não só a vítima que coabita com o agressor, mas também aquela que, no passado, já tenha convivido no mesmo domicílio, contanto que haja nexo entre a agressão e a relação íntima de afeto que já existiu entre os dois", anotou o ministro Napoleão Nunes Maia Filho no julgamento do CC 102.832, em 2009. Ao analisar o HC 542.828, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca refutou a tese defensiva de que a ausência de contemporaneidade entre o delito de injúria e o casamento do ofensor com a vítima – rompido 20 (vinte) anos antes – impediria a incidência da Maria da Penha. Para a lei – acrescentou –, é irrelevante o tempo de dissolução do vínculo conjugal, se a conduta tida como criminosa está vinculada à relação de afeto que houve entre as partes. Em outro processo (HC 477.723), a defesa afirmou que a Maria da Penha não poderia ser aplicada, pois o acusado e a vítima estavam separados de fato havia 13 anos. No entanto, segundo a ministra Laurita Vaz, sendo o agressor e a vítima ex-cônjuges, "pode-se concluir, em tese, que há entre eles relação íntima de afeto para fins de aplicação das normas contidas na Lei Maria da Penha.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: CF/1988 Violência contra a Mulher Violência Doméstica Código Penal Brasileiro Lei Maria da Penha

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