Histórico da violência contra a mulher no Brasil
A notável batalha travada pelos movimentos feministas nacionais e internacionais para o reconhecimento da violência contra mulher com a promulgação da Lei Maria da Penha trouxe a aplicação de medidas como de prevenção e de assistência, as medidas protetivas de urgência, com o fito de reduzir esse tipo de crime e significar mais uma conquista na direção da igualdade nas relações de gênero. Infelizmente a referida lei convive com diversos obstáculos, principalmente, em relação a carência de recursos estatais para materializar as políticas públicas para adequado enfrentamento da violência contra a mulher.
"O opressor não
seria tão forte se não tivesse
cúmplices entre os próprios
oprimidos".
Simone de Beauvoir.
Analisar
de forma suscinta a trajetória histórica da violência contra a mulher particularmente
em face do direito positivo brasileiro. Por muitos momentos, a mulher foi alvo
de tratamentos discriminatórios dentro do texto legislativo, e até mesmo a
recente Lei Maria da Penha.
Infelizmente,
a positivação da lei não é suficiente para solucionar o problema, sendo curial
haver consciência e políticas públicas capazes de institucionalizar a igualdade
entre homens e mulheres, principalmente, com ênfase ao princípio da preservação
da dignidade humana.
Somente
a visibilidade da violência[1] contra a mulher é recente,
pois os elementos que compõem a natureza feminina, moldando seu comportamento já
datam do século XIX e, mesmo antes, há diversas áreas do conhecimento humano
que justificavam a superioridade masculina sobre o feminino.
De
fato, a violência contra a mulher é fenômeno global e nem se limita a certa
categoria de vítimas, de sorte que todas as mulheres estão sujeitas a sofrer
violência masculina. Independe também de quaisquer outros fatores como origem,
religião, indumentárias, classe social ideologias ou filosofias.
A violência da mulher conhece sua face mais
aterrorizante que é o feminicídio e, durante a pandemia de Covid-19 que impôs quarentena
e isolamento social, está apresentou firmes índices majorantes.
Mesmo
nas sociedades pré-históricas, a mulher tinha papel relevante, ocupando e
assumindo posições administrativas cruciais do clã. Já na Grécia Antiga, base
da cultura ocidental e que influenciou muito os comportamentos sociais atuais,
o papel da mulher era inferiorizado pela sociedade, sendo legitimado pelos
discursos e, até em obras como de Aristóteles, em sua obra Política que
apontava a condição inferior da mulher visto que esta não manifestaria
plenamente o logos e, necessitava de outras características morais de virtude.
A obra
de Sófocles que incidiu sobre a sociedade ateniense e que se opunha à
participação feminina na política da pólis que discorreu sobre a mulher que não
tinha autoridade plena bem como a criança posto que ainda em formação.
Porém,
a mulher na sociedade grega não se restringiu à completa submissão tanto que em
Esparta, era uma polis que garantiu certa participação política e social de
mulheres tanto na seara privada como pública. Em Esparta era notável o
empoderamento econômico de viúvas que herdavam as propriedades e as transmitia
ao novo casamento. Aliás, a transmissão de herança atendia aos costumes
matriarcais.
Nas
sociedades romanas, o papel da mulher foi se projetando gradualmente, de acordo
com o progresso das leis civis do Império Romano e, a limitação à cidadania feminina
permaneceu até o período do Baixo Império quando as mulheres ganham maior
espaço tanto no âmbito social e jurídico.
Enfim,
as mulheres eram tolhidas da participação de certos benefícios da sociedade,
como o acesso aos cargos públicos e a participação em assembleias. E, não
poderia inclusive ser testemunhas. E, mesmo a séria questão de estupro era
abordada de forma meramente superficial.
De
fato, existe inexplicável escassez de fontes jurídicas a respeito da temática,
muitas só apresentam rápidas referências sobre o ilícito. Destaca-se, ainda,
que o estupro per vim não apresentou autonomia conceitual no direito romano.
Com o
advento da crise de Roma e a superação na Europa para novo modelo
socioeconômico caracterizado como o feudalismo, a situação da mulher que exprime
a sua fragilidade e defesa na sociedade em nada melhorou.
As
invasões bárbaras carrearam novos conceitos jurídicos e sociais para a cultura romana
decadente e, a ascensão da doutrina cristã medieval que enxergava a mulher como
o elemento do pecado original, deixando-a à mercê de formas físicas e
simbólicas de violência.
No
contexto medievo, as mulheres foram infamadas, é o que se pode observar do
texto intitulado "O Romance la Rose" de Guillaume de Lorris e Jean de
Meung que escreveram, in litteris:
"Todas vós sereis, e foram
De fato ou voluntariamente
putas..."
(LORRIS; MEUNG, 1878, p.72).
A
progressiva degradação da imagem social e moral da mulher acarretou os
processos inquisicionais portugueses e espanhóis durante a Idade Média e,
fundamentalmente, na Idade Moderna.
E, as
cruzadas contra o mal espiritual e moral que a mulher representava se fez presente na formação do
direito português, que veio a servir de sustentação à cultura jurídica do
Brasil Colônia.
Aliás,
o primeiro código português conhecido como Ordenações Afonsinas que tinha como
principal característica principal transformar a sociedade feudal ibérica em um
Estado Nacional Português definitivo.
Mas,
não poderia deixar de lado certas tradições, como a atuação da Igreja Católica
e dos valores cristãos medievais em razão da moral social.
Para
ilustre doutrinadora Flávia Lages de Castro (2007), in litteris: "As
Ordenações Afonsinas têm muita influência do direito Canônico, muitas vezes, inclusive, tem-se a utilização da palavra
‘pecado’ como sinônimo da palavra ‘crime’.
Isso
gera, mais que uma simples confusão de termos, uma consequência imediata, não
importa. somente a materialidade do crime, mas, também, a intenção do acusado."
Lembremos
que as Ordenações Afonsinas (1446-1521) puniam crimes morais como o adultério,
a feitiçaria e, etc. Tendo igualmente a discriminação em razão do gênero, pois
a pena imposta por adultério às mulheres
era sobejamente mais pesada que a aplicada ao homem infiel. A violência social
contra a mulher ibérica passava a ser violência legitimada pelas Ordenações.
E, os
códigos seguintes não superaram tal característica que fora incorporada ao
código afonsino. E, as Ordenações Manuelinas (1501-1602), os fidalgos detinham
ainda as vantagens sociais e penais, sendo favorecidos pela lei. E, mesmo alguns delitos
que afetavam a mulher pela violência física e ao assassinato.
Já na
lei manuelina, a mulher adúltera e seu amante poderia ser mortos pelo marido,
com a ajuda de companheiro, se este quisesse, mesmo sendo um duplo homicídio,
mas caracterizaria o ato como não-crime (CASTRO, 2007).
Observa-se
o grau de rejeição ao crime moral do adultério, como pecado, que tornava lícito
frente a este, o homicídio. E, so a égide da conquista espanhola sobre o
território português, se fez nas Ordenações Filipinas que manteve toda a
cultura androcêntrica.
E, o
Livro V das Ordenações tratava das amantes de clérigos, que eram malvistas pela
sociedade em geral e pela moral religiosa.
Quando culpadas por seus crimes, deveriam
pagar dois mil réis e eram degregadas por um ano. E, na reincidência, eram
açoitadas em praça pública e, na terceira incidência era degredadas
perpetuamente para o Brasil.
Porém,
os frades não poderia ser punidos, somente eram entregues à ordem superior.
Adiante, o título XXV, propunha, assim como as
legislações anteriores, o homicídio ao adultério.
Foram
três as ordenações portuguesas na era moderna, a saber: Ordenações Afonsinas,
Manuelinas e Filipinas e que foram legitimadoras da violência contra a mulher,
ora colaborando na conformação social das gerações que estavam sob a regulação
destas ordenações, ora sendo apenas o receptáculo da moral misógina do período
em questão.
A História do Brasil possui como marco fundamental
foi 1500 quando Pedro Álvares Cabral em sua expedição chegou aqui e se deparou os
indígenas que não possuíam estrutura jurídico-social formalizada.
E, o
sistema penal vigente na época era sobejamente consuetudinária, bem como a
prevalência de caráter místico e pelo predomínio da vingança privada, sem
qualquer preocupação com proporcionalidade entre gravidade da conduta praticada
e intensidade da reação imposta ao infrator.
Os
colonizadores portugueses não tiveram imediata preocupação de povoamento e,
somente a partir do século XVII deu-se a necessidade de defender as fronteiras
da terra conquistada e de interromper o indesejável processo de formação de
população mestiça que era considerada perigosa aos interesses da Coroa
Portuguese e fez surgir o interesse de povoar o território brasileiro
Foi
neste contexto, mulheres brancas foram levadas de Portugal para a Colônia para cumprirem honrosa missão de reprodutoras de uma nação
branca e colaborando para ocupação e defesa do território. Ainda assim, temos a
presença das diversas formas de violência masculina em face das mulheres.
Os
conquistadores portugueses subjugaram os nativos e não inseriram qualquer
influência nos costumes locais nem na elaboração de normas penais que passaram
a vigorar na Colônia, o que houve, ao contrário foi a mera transposição do
conjunto legislativo que era vigente em Portugal.
Foi o
amadurecimento histórico que fez surgir a necessidade de instituição
legislativa no início do século XV, o que resultou nas Ordenações do Reino de
Portugal sendo fruto de esforço pioneiro de sistematização das leis daquilo que
se chamou Direito Nacional.
Ainda
no período colonial, nosso país sofreu a invasão dos holandeses no nordeste e
trouxe diferente realidade jurídica. E, os colonizadores holandeses adaptaram a
estrutura jurídico da Holanda.
O
incesto e o adultério eram crimes sexuais, assim como, nas legislações
ibéricas, se confundiam com o pecado e a mulher caso fosse apanhada em
flagrante com outro que não fosse o seu marido, seria chicoteada em público no
pelourinho.
Com a
Independência do Brasil que se deu por fatores associados ao movimento europeu
relacionado com os interesses de Napoleão Bonaparte. Deu-se a vinda da Família
Real entre 1807 e 1808 devido ao bloqueio continental que fizeram que os
colonos e reinóis dividissem o mesmo espaço público e político.
Essa
transferência operou-se também dos instrumentos burocráticos do Estado
Português e facilitou ao processo que mais tarde seria a independência,
aclamada por um Príncipe português.
Depois
da Independência em 1822, veio a Carta Magna de 1824 e, em 1830, Bernardo
Pereira de Vasconcelos elaborou o primeiro Código Criminal brasileiro. E, desde
1827, o Imperador já desejava ter um código civil e criminal devido suas
peculiares necessidades jurídicas bem como atender à determinação presente na
Carta Magna de 1824.
O
Código Criminal de 1830 discutiu em seus 313 artigos diversos temas, entres os
crimes e penas, tanto crimes públicos, particulares e policiais, incluindo-se o
debate sobre a pena de morte.
Quanto
à questão da mulher, o referido Código apartavam as mulheres ditas de família e
as prostitutas. Aliás, o artigo 222, in litteris positivava:
Art.
222 - Ter cópula por meio de ter copula carnal por meio de violencia, ou
ameaças, com qualquer mulher honesta. Penas – de prisão por tres a doze annos,
e de dotar a offendida. Se a violentada fôr prostituta. Penas - de prisão por
um mez a dous anos (BRASIL, 1831, não paginado
Também
se entendia a violência simbólica, com consequências psicológicas, conforme
art. 223.
Art.
223. Quando houver simples offensa pessoal para fim libidinoso,causando dôr, ou
algum mal corporeo a alguma mulher, sem que se verifique a copula carnal. Penas
- de prisão por um a seis mezes,
E de
multa correspondente à metade do tempo, além das em que incorrer o réo pela
ofensa (BRASIL, 1831, não paginado).
Nos
casos de adultério:
Art. 250. A mulher casada, que commetter
adulterio, será punida coma pena de prisão com trabalho por um a tres annos.A
mesma pena se imporá neste caso ao adultero.
Art.
251. O homem casado, que tiver concubina, teúda, e manteúda,será punido com as
penas do artigo antecedente.
Art.
252. A accusação deste crime não será permitida a pessoa, que não seja marido,
ou mulher; e estes mesmos não terão direito de accusar, se em algum tempo
tiverem consentido no adulterio.
Art.
253. A accusação por adulterio deverá ser intentada conjunctamente contra a
mulher, e o homem, com quem ella tiver commettido o crime, se fôr vivo; e um
não poderá ser condenado sem o outro (BRASIL, 1831, não paginado)
Os
artigos do adultério são capazes de demonstrar sutilmente uma hierarquia sexual
e sociocomportamental da época e suas implicações
na sociedade androgênica. Para a mulher adultera não há especificações de
situações, ou seja, em qualquer caso haverá
adultério, mesmo que esse adultério seja momentâneo e imediato.
No
caso do homem, este será adultero se mantiver uma outra mulher nas suas relações, o que se
caracteriza no termo teúda e manteúda, que no português arcaico significa “uma mulher mantida por alguém.
Quando
o Império enfraqueceu pelos idos da segunda metade do século XIX, a exemplo da
Revolução Industrial no Reino unido e da Lei Áurea, que trouxeram
significativas mudanças econômicas e sociais pelo país.
O que
teve grande repercussão penal, trazendo a criação de leis penais mais adequadas
aqueles novos tempos. Então o Código Penal Brasileiro entrou em vigência em
11.10.1890 e era dividido em quatro livros, totalizando 412 artigos.
E,
manteve e atualizou novas formas de categorizar as mulheres, com expressões
como mulher honesta[2],
teúda e manteúda, mulher pública e prostituta.
Denotando
diferenciação de tratamento legal destinado às mulheres, sendo objeto de maior
ou menor proteção legal. E, a maioria dos crimes como a violência carnal eram
descrito tendo como vítima apenas as mulheres.
O
referido Código fora criticado severamente por ter ignorado muitos progressos
doutrinários presentes dos códigos da época. Teria sido apenas mera atualização
da legislação penal do Império, sendo mero prolongamento da estrutura prisional
já existente.
Em
1891, a Câmara dos Deputados formou e nomeou comissão para revisão do Código
Penal de 1890 e, resultou no trabalho do desembargador Vicente Piragipe que
criou uma consolidação de leis vigentes
e tornou-se lei pelo Decreto 22.213/32 e a Consolidação das Leis Penais
se tornou então o novo estatuto penal brasileiro, prevendo algumas poucas
inovações, como o livramento condicional.
Foi em
07 de dezembro de 1940 que houve então a promulgação do Código Penal brasileiro
que ainda se encontra em vigor até os presentes dias. E, igualmente parte dos
crimes sexuais que eram chamados de crimes contra os costumes eram descritos
tendo como vítima apenas as mulheres, como o estupro e da posse sexual mediante
fraude.[3]
A
especificação da mulher virgem como a vítima de certos crimes manteve-se nesse
Código, assim como a figura da mulher honesta, havendo a diferenciação legal na
proteção das mulheres.
Foi
depois dos anos oitenta que o Direito Penal teve a missão de atender a
repressão política e, as prisões eram lugares de suplícios, torturas e mortes
de presos políticos e daqueles a quem a Lei de Segurança Nacional considerava
como subversivos.
E, já
se vivenciava o problema da superlotação carcerária o que propiciou a Reforma
da Parte Geral do Código Penal que foi realizada em 1984, num clima de grande
discussão teórica. E, entrou em vigor a Lei 7.210, a Lei de Execuções Penais, com
dispositivos consonantes com a renovada Parte Geral do Código Penal.
De
fato, tentou-se anteprojeto de Parte Especial junto com tais mudanças, mas o
mesmo não chegou a ser objeto de discussão no Congresso Nacional. Surgiram
alguns pontuais modificações decorrentes de leis especiais.
Foi em
1988, a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil trouxe
novos parâmetros de funcionamento para a disciplina do Direito Penal. E,
consistem em princípios fundamentais de garantia do cidadão perante o poder
punitivo e, estão todos amparados constitucionalmente. Entre os princípios constitucionais implícitos, tem-se a proporcionalidade como relevante
limitador para o arbítrio do sistema penal brasileiro.
A
fórmula de talião já previa proporção entre delito e pena, uma característica
de um Direito primitivo, segundo o qual o infrator responderia pelo mal causado
sofrendo-o na exata medida.
A
multiplicidade de delitos veio também trazer novas formas de sancionar e, todas essas
devendo observar uma razoável proporção entre a gravidade do feito e da
resposta, respeitando-se um dos principais fundamentos da atual República
Federativa do Brasil: a dignidade da pessoa humana.
Na
Parte Geral do Código Penal brasileiro, a violência contra a mulher surge, como
agravante genérica, fazendo-se referência ao conceito de violência constante na
Lei 11.340/2006. Além da agravante o
fato de o crime ter sido praticado contra mulher grávida, fazendo recorte importante
e específico da vítima.
Entende-se
que circunstância do crime tudo aquilo que está em torno do fato criminoso, ou seja, tudo
aquilo que o circunda. Será
circunstância, portanto, toda informação concernente ao delito praticado e às pessoas nele envolvidas,
desde que não se trate de elemento
essencial a este crime[4].
Os
elementos sem os quais o crime inexiste não são suas circunstâncias, e sim suas
elementares, conforme explicam Souza e
Japiassú (2018):
Para
distinguir uma elementar de uma simples circunstância do crime, basta que seja feita uma eliminação
hipotética. Se o crime desaparecer ou
der causa a outro tipo penal, significa que se trata de uma elementar,
Todavia,
se não houver alteração da caracterização do crime, estar-se-á diante de uma
circunstância.
As
agravantes são circunstâncias que o juiz leva em consideração, para no momento
de sentenciar, aumentar a pena na segunda fase de sua aplicação.
Em
breve explicação, uma vez que o juiz considere o réu culpado de certo crime,
fixa sua pena-base, e, caso haja uma circunstância agravante que prepondere entre as demais, esta incidirá
sobre a pena-base majorando-a do que a resulta a pena provisória.
A
violência contra a mulher também em sua Parte Especial composta pelos artigos
121 e seguintes que tratam dos crimes em espécie. O artigo 121 foi alterado
pela Lei 13.104/2015 para incluir o homicídio que é o feminicídio[5].
Feminicídio
é nova categoria de crime de ódio e que faz com que o agente responda por
homicídio qualificado, com penas maiores que as previstas no caput do artigo
121 do CP.
O
artigo 129, de lesão corporal também sofreu alteração pela Lei 11.340/2006,
conhecida como a Lei Maria da Penha, sendo responsável por incluir uma
qualificadora na lesão corporal quando praticada no contexto de violência
doméstica.
Apesar
que o mencionado parágrafo (artigo 129, §9º CP) não faça expressa menção à
violência contra a mulher, mas representa um progresso na proteção desta, pode
haver violência doméstica que não seja dirigida à uma mulher.
Porém,
infelizmente, não é raro que o ambiente familiar e o alr venha a ser o triste
cenário de crimes de violência contra as mulheres.
A
concretização da igualdade constitucional vigente requer a realização de
políticas públicas que promovam a real ressignificação do papel da mulher na sociedade
brasileira, para que seja tratada, como sujeito de direitos na exata medida que o homem.
E, por
isso foi criada ações para a redução[6] de potencial grau de
vitimização pela violência. E, tais ações tiveram naturezas distintas, sendo no
campo da mobilização social e na seara
legislativa.[7]
A Lei
11.340/2006 é relevante marco nacional contra a violência doméstica e familiar
contra a mulher sendo batizada de Lei Maria da Penha em homenagem a Maria da
Penha Maia Fernandes que fora vítima de duas tentativas de assassinato
praticadas pelo seu então marido, sendo uma delas um tiro nas costas enquanto
dormia, levando-a à paraplegia.
O
feminicídio passou a ser uma das qualificadoras do homicídio sendo também
incluso entre os crimes hediondos, Lei 8.072¹1990.
Na Lei
dos crimes hediondos, estão previstos: Homicídio quando praticada em grupos de
extermínio e homicídio qualificado; Lesão Corporal de natureza gravíssima e
lesão corporal seguida de morte; Roubo.; Extorsão qualificada pela restrição da
liberdade da vítima com ocorrência de lesão corporal ou morte; Estupro.
Na Lei
dos crimes hediondos, estão previstos: Homicídio quando praticada em grupos de
extermínio e homicídio qualificado; Lesão Corporal de natureza gravíssima e
lesão corporal seguida de morte; Roubo; Quando há restrição de liberdade da
vítima; Quando há o emprego de arma de fogo ou de uso proibido/restrito; Quando
resulta em lesão corporal grave ou morte; Extorsão qualificada pela restrição
da liberdade da vítima com ocorrência de lesão corporal ou morte; Extorsão
mediante sequestro na forma qualificada; Estupro; Estupro de vulnerável; Epidemia
com resultado de morte; Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de
produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais; Favorecimento da prostituição
ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de
vulnerável; Genocídio; Crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso
proibido; Crime de comércio ilegal de armas de fogo; Crime de tráfico
internacional de arma de fogo, acessório ou munição; Crime de organização
criminosa, quando direcionado à prática de crime hediondo ou equiparado.;
O
infanticídio, apesar de ser um assunto que sempre causa grande comoção popular,
não é classificado como um crime hediondo, já que não se encontra previsto na
lei, nem mesmo após as atualizações da legislação.
Feminicídio
pode ser enquadrado como homicídio qualificado e, portanto, a depender do caso,
pode ser classificado como crime hediondo.
Uma
pessoa que transmite de maneira intencional algum tipo de vírus infeccioso não
cometeu o crime hediondo, apesar de se enquadrar na definição de epidemia.
Apesar disso, a conduta ainda é visto como criminosa e pode ser punida.
O
furto com explosivo é classificado como crime hediondo, mas não o roubo com uso
de explosivos. O latrocínio não foi retirado do dispositivo legal, apenas foi
categorizado como um tipo de roubo.
Crimes
equiparados aos hediondos (Três “T”: Tráfico de drogas, Terrorismo e Tortura”
não pertencem ao rol taxativo dos crimes hediondos, estando previstos no artigo
5° da Constituição Federal.
Ainda
assim, recebem o mesmo tratamento jurídico, mas ao contrário dos crimes
hediondos listados na Lei 8.072/90, não podem sofrer modificações que os
retirem do dispositivo legal. Afinal, integram uma cláusula pétrea
constitucional.
O
combate à cultura da intolerância requer o fortalecimento da cultura do
respeito às diversidades e, para tanto não basta colocar em vigor no texto legislativos.
As
mudanças culturais demandam tempo, requer iniciativas em matéria de educação,
demandam, fundamentalmente, uma mudança no consciente coletivo da população.
O
Direito vigente precisa fazer sua missão em assegurar as mulheres a sua
proteção legal e real, para o adequado enfrentamento desta questão passa
necessariamente pela consciência de que somos todos igualmente dignos de
direitos e garantias em sociedade.
A Lei
11.340/2006. Com esse diploma legal, a violência doméstica e familiar contra a
mulher passa a ser crime, deixando de ser tratada como de menor potencial
ofensivo.
A lei
também estabelece a definição do que é a violência doméstica e familiar, bem
como caracteriza as suas formas: física, psicológica, sexual, patrimonial e
moral.
Lei nº
13.894/2019: Referida lei trouxe três alterações importantes, inseriu um novo
inciso ao art. 9º §2º, trazendo ao juiz, nas situações que envolvem violência
doméstica e familiar contra mulher, quando for o caso, a incumbência de
encaminhar à assistência judiciária, inclusive para eventual ajuizamento da
ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de
dissolução de união estável perante o juízo competente.
A
segunda mudança, acrescentou uma nova redação ao art. 11, inciso V, e insere o
art. 14-A e seus parágrafos e traz a atribuição de o Delegado de Polícia
informar à ofendida os direitos a ela conferidos e os serviços a ela
disponíveis, inclusive os de assistência judiciária para o eventual ajuizamento
perante o juízo competente da ação de separação judicial, de divórcio, de
anulação de casamento ou de dissolução de união estável.
Lei nº
13.871, de 2019: Criou a obrigação de ressarcimento ao Estado pelos gastos
relativos ao atendimento da vítima através do Sistema Único de Saúde (SUS),
para aquele que por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual ou
psicológica e dano moral ou patrimonial a mulher.
Criou
ainda outra sanção ao agressor, qual seja, de ressarcir os gastos estatais a
utilização dos dispositivos de segurança destinados ao uso em caso de perigo
iminente e disponibilizados para o monitoramento das vítimas de violência
doméstica ou familiar amparadas por medidas protetivas.
Lei nº
13.882, de 2019: Essa alteração legislativa trouxe para as mulheres vítimas de
violência doméstica e familiar a prioridade para matricular seus dependentes em
instituição de educação básica mais próxima de seu domicílio, ou transferi-los
para instituições mais próximas.
Outra
modificação ocorreu no artigo 23, que se trata das medidas protetivas de
urgência à ofendida, determinado que o poderá o juiz, quando necessário, sem
prejuízo de outras medidas.
Lei nº
13.880, de 2019: Instituiu a apreensão
de arma de fogo sob posse de agressor em casos de violência doméstica, evitando
que o agressor a utilize para qualquer finalidade e que a arma possa ser periciada
e utilizada como prova no processo.
E,
ainda, suspende a posse proibindo, temporariamente, que o agressor tenha a arma
no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de
trabalho, deste que este seja responsável legal da empresa.
Lei nº
13.836, de 2019: Torna obrigatória a inclusão de informação, nos boletins de
ocorrência, quando a mulher vítima de agressão ou violência doméstica for
pessoa com deficiência.
O objetivo da criação da Lei Maria da Penha tem como objetivo: Criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher; Dispor sobre a criação de Juizados contra a violência doméstica e familiar da mulher; Estabelecer medidas de assistência e proteção à mulher que se encontre em situação de violência doméstica e familiar[8].
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Notas:
[1] Os sete tipos de violência, a saber: Violência física. A violência física é a utilização da força física sobre alguém. ... Violência psicológica e moral. Já a violência psicológica e a moral utilizam-se de palavras ou atos ofensivos como forma de agressão. ... Violência sexual. ... Violência econômica. ... Violência social. ... Violência doméstica.
[2]Mulher honesta. A expressão, embora retirada do Código Penal
em 2009, ainda é utilizada por alguns operadores do direito como forma de
desqualificar mulheres vítimas de violência. A novel legislação, nesse ponto,
avançou mais: suprimiu a expressão mulher honesta da antiga redação e a
substituiu pelo termo alguém; assim, a um só tempo, afastou a adjetivação
discriminatória que exigia o componente honestidade da mulher, elemento
normativo, de resto, de muito difícil precisão, e tornou extensiva a proteção
aos homens, de modo que, doravante, podem figurar como vítimas desse crime
tanto a mulher — independente de indagação sobre seu comportamento sexual — quanto
o homem: alguém é levado, por fraude, a praticar um ato libidinoso, que pode
ser praticado sobre a vítima, pelo agente ou por terceiro; ou pela vítima, com
terceiro ou sobre seu próprio corpo..
[3]
A violência de gênero é concreto exemplo de violação da dignidade da pessoa
humana e dos direitos fundamentais. E, sua existência não é recente, mas apenas
a partir da constitucionalização dos direitos humanos.
[4]
Da mesma forma, para o STJ, nos termos do artigo 5º, inciso III, da Lei
11.340/2006, é possível a caracterização de violência doméstica e familiar nas
relações entre filhas e mãe, desde que os fatos tenham sido praticados em razão
da relação de intimidade e afeto. O entendimento foi firmado pela Quinta Turma
em 2014, ao negar habeas corpus (HC 277.561) para duas mulheres acusadas de
constrangerem e ameaçarem a própria mãe. Elas pediam a anulação do processo
instaurado no Juizado de Violência Doméstica e a desconstituição das medidas
protetivas deferidas com base nos artigos 22 e 23 da Lei 11.340/2006.
[5]
A Lei nº 11.106/05 trouxe regras de direito material, ora revogando infrações
penais, ora revogando dispositivos que consistiam em causas extintivas da punibilidade, ora incluindo novos sujeitos
passivos, ampliando, portanto, a abrangência de tipos penais que já existiam e
foram mantidos, recebendo uma reengenharia, ora criando novas figuras típicas.
Daí porque há, simultaneamente, regras mais favoráveis e regras mais gravosas
na mesma Lei, que devem ser examinadas pontualmente. Há momentos em que a Lei se
constituem novatio legis in mellius, com as suas consequências
conhecidas no que concerne à retroatividade; há momentos, outrossim, em que se
constitui em novatio legis inpejus, havendo de se assegurar sua
irretroatividade, em respeito, antes de tudo,ao disposto no art. 5°, XL, da
Constituição Federal Inicia-se pelo art. 148 do Código Penal, alvo da primeira
alteração. No§ 1º,que estabelece formas qualificadas do sequestro e cárcere
privado, foi acrescentada a elementar "companheiro", adunada às
outras pré-existentes. Esta nova situação - sujeito ativo companheiro da vítima
- só pode qualificar a pena nos sequestros e cárceres privados ocorridos após a
entrada em vigor da Lei, ou mesmo que estavam em andamento quando de tal data,
já que se trata de crime permanente, cujo momento consumativo se protrai no
tempo. O Direito Penal ,enfim, reconheceu a dignidade que merece a família
oriunda de união estável, nos moldes preceituados pela Constituição Federal.
Aliás, pensa-se que a palavra “companheiro" se constitui em norma penal em
branco, remetendo o intérprete conceituação que lhe dá o Direito de Família. Em
outras palavras, companheiro, para fins penais, é aquele que vive em união
estável; atendidos os requisitos estabelecidos para o reconhecimento de tal situação
no Direito de Família. Evidente que quem começou a namorar ontem e cometeu o
crime hoje não é companheiro para fins penais. Se o Direito Penal, agora, em
determinados delitos iguala a situação do companheiro à do cônjuge, para
agravar-lhe a sanção, não há mais por que se resistir à analogia in banam
partem que se tentava fazer para igualar tais situações em casos que iriam
favorecer o réu.
[6]
A alternativa para redução dos altos índices de violência contra a mulher, seja
mesmo a conscientização da relevância da denúncia a essas mulheres e da
continuidade dela até o fim do processo. E, também poderão ser aplicadas
medidas que vissem à submissão do agressor aos programas terapêuticos e
psicológicos, buscando demonstrar que a mulher não é objeto de sua propriedade,
do qual dispõe de modo que lhe aprouver, pois somente assim, poderá reduzir o
número de mulheres violentadas.
[7]
A importante nessa evolução jurisprudencial, o STJ editou, em 2015, a Súmulaa
536, na qual estabeleceu que a suspensão condicional do processo e a transação
penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Maria da Penha,
sendo proibida a concessão de benefícios da Lei 9.099/1995 – Lei dos Juizados
Especiais. No HC 196.253, a defesa de um homem condenado por agredir sua
companheira solicitou a suspensão do processo por considerar que o artigo 41 da
Lei Maria da Penha não vedaria a concessão do benefício quando se tratasse de
contravenção penal.
[8]
A Lei 11.340/2006 buscou proteger não só a vítima que coabita com o agressor,
mas também aquela que, no passado, já tenha convivido no mesmo domicílio,
contanto que haja nexo entre a agressão e a relação íntima de afeto que já
existiu entre os dois", anotou o ministro Napoleão Nunes Maia Filho no
julgamento do CC 102.832, em 2009. Ao analisar o HC 542.828, o ministro
Reynaldo Soares da Fonseca refutou a tese defensiva de que a ausência de
contemporaneidade entre o delito de injúria e o casamento do ofensor com a
vítima – rompido 20 (vinte) anos antes – impediria a incidência da Maria da
Penha. Para a lei – acrescentou –, é irrelevante o tempo de dissolução do
vínculo conjugal, se a conduta tida como criminosa está vinculada à relação de
afeto que houve entre as partes. Em outro processo (HC 477.723), a defesa
afirmou que a Maria da Penha não poderia ser aplicada, pois o acusado e a
vítima estavam separados de fato havia 13 anos. No entanto, segundo a ministra
Laurita Vaz, sendo o agressor e a vítima ex-cônjuges, "pode-se concluir,
em tese, que há entre eles relação íntima de afeto para fins de aplicação das
normas contidas na Lei Maria da Penha.