Filosofia do Direito Contemporâneo
"O filósofo do Direito é um hermafrodita. Incapaz de ser filósofo, premiado com o tranquilo abandono proveniente da ocupação com problemas extra-mundanos, ele se acha demasiadamente envolvido pela esfera terrena e suas solicitações. Não consegue contudo, influir tanto sobre o mundo, como o podem as criaturas naturais, ou seja, o jurista positivo e o político". Carl August Emge. (In: Scriti di Sociologia e Politica in onore di Luigi Sturzo. Apud: CZERNA, Direito e Comunidade. São Paulo: Saraiva, 1965, p.165).
A expressão "filosofia do
direito" surgiu apenas, no princípio do século XIX quando a temática teve
origem na cultura jurídica e política do Ocidente. Data-se habitualmente a
utilização do termo, quando da publicação da obra "Princípios da Filosofia
do Direito" de Hegel em 1821 que já iniciou o texto para servir para o
curso por ele ministrado de filosofia do direito, referindo-se à ciência
filosófica do direito, cujo objeto central era a ideia do direito, que
compreenderia tanto o conceito de direito e sua realização.
Immanuel Kant, a seu turno,
tratou da temática, porém, usou outros termos para a esta se referir, como
doutrina do direito ou metafísica do direito. Apesar de que mesmo antes de
Kant, outros pensadores como Puffendorf, Burlamarqui e Wolf também utilizaram
de outros termos para designá-la tais como teoria do direito natural, princípios
de direito natural, ou ainda, ciência do direito natural por abordarem temas
peculiares da filosofia do direito.
A Filosofia do Direito é ramo
da Filosofia Geral que oferece panorâmica do fenômeno jurídico dentro do
contexto social, analisando seus fins e a complexa ordem jurídica. Busca-se o
autêntico sentido do direito, desvelando qual razão da existência da norma
jurídica. Também se preocupa com a aplicação ética da norma jurídica.
A filosofia do direito é,
portanto, o campo dos juristas com interesses filosóficos, provocando sua
reflexão através dos problemas para os quais não se acham soluções no direito
positivo. Enfim, trata do estudo de questões[1] fundamentais do Direito
como um todo.
O notável doutrinador Eduardo
Bittar conceituou a Filosofia do Direito como um saber crítico a respeito das
construções jurídicas erigidas pela Ciência do Direito e pela própria práxis do
Direito.
É sua tarefa buscar os
fundamentos do Direito, seja para cientificar-se de sua natureza, seja para
criticar o assento sobre o qual se fundam suas estruturas de raciocínio
jurídico, o que acaba, por vezes, provocando fissuras no edifício erguido.
Outro ilustre doutrinador é
Miguel Reale para quem a disciplina é a própria Filosofia enquanto voltada para
uma ordem de realidade, que é a realidade jurídica. Não se trata de disciplina
específica, mas o exercício completo da Filosofia voltado para objeto Direito.
Comprova-se que a atividade filosófica, quando voltado para o Direito, leva
consigo toda a tradição e força que vem da filosofia gral e, concluiu Reale que
nem mesmo se pode afirmar que seja Filosofia especial, porque é a filosofia, em
sua totalidade. Não há como cogitar na independência absoluta da Filosofia do
Direito, e sim, a voltada para o Direito, tendo certa autonomia mas que
resguarda os vínculos com a filosofia em geral.
Os chamados filósofos
pré-socráticos, preocupados com o desenvolvimento de conhecimentos de natureza
cosmológica e investigando a arché (princípio) do universo não elaboraram
fragmentos significativos sobre os problemas normativos das sociedades onde
viviam.
Apenas no período da filosofia
considerado como antropológico – chamado assim por conta de sua preocupação com
questões relativas ao homem em seu mundo – é que as leis e a justiça serão o centro
das investigações dos filósofos de uma maneira geral. Ou seja, a filosofia se
dedica sistematicamente a temas relacionados à normatividade social apenas no
período que se seguiu ao socrático (século IV a. C.).
Um dos grandes temas que
animavam as discussões nesta época era a relação entre a physis ou a natureza
das coisas e suas leis, e o nomos as convenções sociais com suas leis e razões.
É nesta relação entre physis e nomos que se encontra a base da
reflexão sobre as leis dos gregos. Leis humanas feitas pelos homens mortais
espelhadas em leis naturais, estipuladas pelos deuses imortais.
Sendo assim, percebemos que
não se desenvolveu uma reflexão deste matiz entre os pré-socráticos pelo fato
destes se concentrarem apenas na physis e nas leis naturais que são os
princípios do universo (princípios tanto no sentido de início quanto sentido de
base) do cosmos, daí o nome de reflexão cosmológica.
Um dos maiores desafios é
definir filosofia. Então, utilizando a obra de Marilena Chauí, em sua obra
intitulada Convite a filosofia, temos as seguintes definições, in litteris:
1. Visão de mundo: de um povo, de uma civilização ou de uma cultura. É uma definição muito ampla e genérica que não
permite, por exemplo, distinguir a
filosofia da religião;
2. Sabedoria de vida: a
filosofia seria uma contemplação do mundo e dos homens para nos conduzir a uma vida justa,
sábia e feliz. Esta definição nos diz
somente o que se espera da filosofia (a sabedoria interior), mas não o que é e o que faz a
filosofia;
3. Esforço racional para
conceber o universo como uma totalidade ordenada
e dotada de sentido. Esta definição dá a Filosofia a tarefa de explicar e compreender a totalidade das
coisas, o que é impossível;
4. Fundamentação teórica e crítica dos
conhecimentos e das práticas. A filosofia
se interessa por aquele instante em que a realidade natural e histórica se tornam estranhas, espantosas,
incompreensíveis. Quando o senso comum
já não sabe o que pensar e dizer e as ciências ainda não sabem o que pensar e dizer.
A expressão “direito
contemporâneo” sintetiza o estudo e a pesquisa do que há de mais atualizado nas
diversas áreas da ciência jurídica. O conteúdo do direito contemporâneo abrange
a investigação científica dos temas atuais, as questões em debate e o
desenvolvimento teórico em cada uma das frentes do pensamento jurídico do
momento. Esta obra inovadora tem por objeto a explanação das noções
fundamentais do direito contemporâneo[2].
Destaca a abordagem do direito
como ciência, o conceito de direito contemporâneo e sua relação com outras
formas de controle social e com a justiça. Aborda, ainda, as categorias do
direito contemporâneo, as teorias sobre as normas jurídicas, sua interpretação
e aplicação no tempo e no espaço, de acordo com a legislação pátria, com
destaque para a Lei de Introdução às
Normas do Direito brasileiro.
Didaticamente, a Idade
Contemporânea é período compreendido desde a Revolução Francesa de 1789, no fim
do século XVIII até o presente tempo.
A história do direito contemporâneo se estende, portanto, do século XVIII até os dias atuais e a busca de suas linhas gerais não dispensa a boa e profunda reflexão sobre as bases que estabeleceram as características comuns aos diversos sistemas, após identificarmos as grandes linhas que tanto os caracterizam.
São linhas comuns do Direito ocidental da contemporaneidade: o primado da Constituição
no sistema de normas do Direito, e o
monopólio do Direito pelo Estado[3], com a tendência de a lei
ser erigida a principal fonte do
Direito.
As bases do pensamento
jurídico contemporâneo ofereceram suporte teórico para o desenvolvimento das
linhas mestras de nosso sistema jurídico atual. Sendo estas, a saber: Escola da
Exegese e a Escola Histórica.
Em verdade, essas escolas
estão na base das correntes teóricas contemporâneas posto que representem as
linhas de pensamento que lidam ora com a lei, e ora com o costume como
principal fonte de direito. É através das fontes de Direito que tais escolas
galgaram representatividade no pensamento jurídico contemporâneo.
A síntese de René Davi:
“A escola do direito natural [racionalista] obteve dois êxitos espetaculares. Em primeiro lugar, fez reconhecer que o direito devia
estender-se à esfera das relações
entre governante e governados, entre a administração e os particulares. O direito romano formulava a distinção do direito público e do direito privado, para deixar de lado o direito público; os juristas, prudentemente, não se aventuravam nesse domínio reservado e perigoso” .
As relações entre governantes
e governados supõem a separação das funções estatais, por isso Montesquieu, descreve a separação dos poderes,
na obra “O Espírito das Leis”, e
intitula esse capítulo Da Constituição
da Inglaterra.
A palavra “Constituição”, portanto, é associada à forma
de governar e ao regime político do
Estado, tratando, pois, esse diploma
normativo que surge, de regular a parte
mais nobre do Direito Público, isto é as relações que estão na base do exercício do
poder estatal.
A partir da segunda metade do
século XIX, a temática da constituição
ganhou centralidade em todo o Direito
Público , passando a ser ela o norte para
a reforma do Direito. Esses princípios de Direito Público, fixados na constituição,
serviriam como diretriz para a reforma
de todo o sistema jurídico de
determinado Estado, consagrando nele o
ideal, já presente no Direito natural racionalista, de limitação às ações do Estado com base nos Direitos básicos da Pessoa Humana, dentre os quais está o respeito à liberdade individual,
A instituição da lei como
principal fonte do Direito foi a natural
consequência do jusnaturalismo
racionalista da modernidade[4] , pois a lei era defendida como sendo uma obra-prima da razão, que possibilitava a abstração de modelos
de conduta, através de esquemas gerais
que estabelecem no plano da lógica e do
raciocínio dedutivo a ação esperada pelo
Direito e, assim, regulada por ele.
Mas não é só. A identificação
do Direito à lei possibilitava ainda
afastar uma realidade constatada no
passado anterior ao período contemporâneo:
o pluralismo jurídico. Tal pluralismo
jurídico significava a existência de diversas
ordens jurídicas – aí incluído o Direito Canônico – que eram tidas como fontes do
Direito, inclusive algumas que não eram
produzidas pelo Estado, como é o caso do
Direito natural, as quais coexistiam em
um mesmo território.
Desta monopolização do Estado, resultou como consequência o afastamento do Direito Natural
do discurso jurídico e, em substituição
deste último, afirmou-se o Direito
Positivo, por paradoxal que aparente,
pois foi o Direito Natural racionalista que
possibilitou este panorama...
Quando o Direito foi
identificado com a lei, que era produto
de um dos poderes do Estado, criou-se o
panorama para a monopolização do Direito
por parte do Estado, que será uma tendência
afirmada de maneira contundente com a
codificação.
Embora a ideia de codificação
não seja produto da Idade Contemporânea,
a reunião em uma lei de normas que
contemplassem todo um ramo do Direito,
chamada de Código, o é. Após a Revolução
Francesa, foi a Assembleia Nacional Constituinte
que determinou a elaboração de um Código
Civil para a França, que representava uma lei única para todo o território contendo todo
aquele ramo do Direito.
O primado da lei e a
codificação, portanto, se afirmaram a
partir do início da Idade Contemporânea
como instrumentos para unificar o
Direito e centralizá-lo nas mãos do Estado, que passaria a ser o único produtor da norma
jurídica.
Neste panorama, o antigo
arbítrio judicial, que se verificara
desde o Direito romano, não poderia mais
ter lugar – segundo a ideologia da época – pois criação do Direito seria um
processo exclusivo do Estado pelo poder
legislativo. Há, por conseguinte, pela
lei e pela codificação, a monopolização
estatal das fontes do Direito.
As linhas mestras do sistema contemporâneo do Direito se traduzem nas instituições comuns que dão existência aos
mais diversos sistemas estatais que,
para além de se caracterizarem como um
conjunto de teorias racionalmente
compreensíveis, integram a estrutura de
poder da Jurisdição.
São linhas comuns do Direito ocidental da contemporaneidade: o primado da Constituição
no sistema de normas do Direito, e o
monopólio do Direito pelo Estado, com a
tendência de a lei ser erigida a
principal fonte do Direito
A partir da segunda metade do
século XIX, a temática da constituição
ganhou centralidade em todo o Direito
Público , passando a ser ela o norte para
a reforma do Direito.
Esses princípios de Direito Público, fixados na constituição,
serviriam como diretriz para a reforma
de todo o sistema jurídico de
determinado Estado, consagrando nele o
ideal, já presente no Direito natural racionalista, de limitação às ações do Estado com base nos Direitos básicos da Pessoa Humana[5], dentre os quais está o respeito à liberdade individual.
Neste sentido, veja-se o exemplo trazido por
Koselleck, o qual afirma que a concretização
no Direito dos ideais de liberdade
humana e moralidade foram materializadas
na Prússia, a partir do século XIX, através
da Constituição, a qual possibilitou e a reforma do Direito, que apontou para o progresso.
A identificação do Direito à lei possibilitava ainda afastar uma realidade constatada no passado anterior ao período contemporâneo: o pluralismo jurídico[6]. Tal pluralismo jurídico significava a existência
de diversas ordens jurídicas – aí
incluído o Direito Canônico[7] – que eram tidas como
fontes do Direito, inclusive algumas que
não eram produzidas pelo Estado, como é
o caso do Direito natural, as quais coexistiam
em um mesmo território.
Desta monopolização do Estado, resultou como consequência o afastamento do Direito Natural
do discurso jurídico e, em substituição
deste último, afirmou-se o Direito
Positivo, por paradoxal que aparente,
pois foi o Direito Natural racionalista que
possibilitou este panorama.
Quando o Direito foi
identificado com a lei, que era produto
de um dos poderes do Estado, criou-se o
panorama para a monopolização do Direito
por parte do Estado, que será uma tendência
afirmada de maneira contundente com a
codificação. Embora a ideia de codificação não seja produto da Idade Contemporânea, a reunião
em uma lei de normas que contemplassem
todo um ramo do Direito, chamada de
Código, o é.
Após a Revolução Francesa, foi a Assembleia
Nacional Constituinte que determinou a
elaboração de um Código Civil para a
França, que representava uma lei única
para todo o território contendo todo aquele
ramo do Direito.
O primado da lei e a
codificação, portanto, se afirmaram a
partir do início da Idade Contemporânea
como instrumentos para unificar o
Direito e centralizá-lo nas mãos do Estado, que passaria a ser o único produtor da norma
jurídica.
Neste panorama, o antigo
arbítrio judicial, que se verificara
desde o Direito romano, não poderia mais
ter lugar – segundo a ideologia da época – pois criação do Direito seria um
processo exclusivo do Estado pelo poder
legislativo. Há, por conseguinte, pela
lei e pela codificação, a monopolização
estatal das fontes do Direito.
A codificação representaria a própria superação das instituições do antigo regime, que seria substituída por um
ordenamento de leis e que conduziria ao
que foi chamado posteriormente de
Estados de Direito, o qual seria resumido
na submissão da ação estatal à própria lei
criada pelo próprio Estado, por meio do seu poder legislativo.
Tal desiderato era uma meta do
liberalismo burguês o qual está em
conexão com o desenvolvimento normativo
dos Direitos Naturais, que garantido os
Direitos individuais frente à ação do
Estado, realizariam o citado Estado de Direito.
A codificação transcende em
muito ao domínio do Direito, com efeito,
é ela o traço marcante do século XIX,
dominado pela novel classe social
burguesa.
Em verdade, parafraseando Baró Pazos, a codificação do direito é um
processo que conduziu à supressão das
velhas estruturas jurídicas do Estado do
Antigo Regime, com a consequente
substituição do Direito anterior por um
novo ordenamento jurídico, iniciando-se no fim do século XVIII e se desenvolvendo ao
largo de todo o século XIX.
A codificação foi mais do que um fenômeno propriamente jurídico, pois representou um traço definitivo de uma época histórica, na qual surge um novo Estado e uma nova sociedade denominada classe burguesa.
Note-se que esta nova classe
social, a burguesia, ao defender – e
posteriormente implementar – a
vinculação do Direito à lei como expressão
de racionalidade, procurou também desqualificar
a ordem jurídica anterior, imputando-a
como irracional e injusta, conclusão
esta que a investigação histórica desnuda
como uma grande mentira. Hespanha nos alerta
que certas historiografias jurídicas encobrem
deliberadamente que o ordenamento pré-oitocentista
foi essencialmente pluralista.
Graças à ideologia que defende
a lei como expressão da racionalidade, a
imensa maioria dos países ocidentais têm
na lei a principal fonte do Direito,
como é o caso do ordenamento jurídico brasileiro,
e mesmo nos países nos quais a dita lei não
tem o status de fonte principal do Direito, ela não deixa de existir, como se dá nos
ordenamentos jurídicos inglês e norte-americano.
A Escola da Exegese foi um
movimento intelectual surgido na França
que representou, pela identificação da
lei com o Direito, uma ruptura com o
pluralismo jurídico que existia no Direito
Medieval[8] e em boa medida no Direito
Moderno[9]. Como tal, não se pode
desvincular esta Escola do que foi
exposto no item anterior, nomeadamente,
o monopólio da produção do Direito nas
mãos do Estado e o primado da lei como
fonte.
Nesta escola “sob a influência
do racionalismo moderno os defensores do positivismo jurídico [da Escola da Exegese] assemelharam o direito aos sistemas axiomáticos da geometria ou da aritmética, tentando modelar o Direito segundo ciências consideradas objetivas e impessoais, das quais se deve suprimir tudo que for subjetivo e decorrente, por esse motivo, do arbítrio.
O positivismo jurídico [da Escola da Exegese] elimina no q Direito todo recurso aos juízos de valor, à ideia de justiça, ao Direito Natural e a tudo que concerne à moral[10], à política ou à ideologia. A razão jurídica se converte em um cálculo”.
O direito natural racionalista
do século XVII foi um importante fator
para o surgimento na França da Escola da
Exegese. Defendia o direito natural
racionalista que o direito decorre da natureza
sociável do homem, por isso essa corrente
do direito natural é antropocêntrica.
Em que pese ter em comum com as outras correntes do direito natural a concepção da existência
de uma ordem jurídica anterior e
superior à ordem jurídica estatal, há um
ponto que distingue o direito natural
racionalista. Explique-se: a ordem jurídica
anterior e superior à ordem jurídica estatal
tem natureza antropocêntrica, a fonte dela é, em última análise, a razão humana.
Foi o antropocentrismo do direito
natural racionalista que possibilitou o
deslinde da codificação e da Escola da
Exegese[11]. Com efeito, tanto a lei quanto o direito natural
racionalista possuem o mesmo fundamento,
nomeadamente a razão humana, e tal
fundamento possibilitará a defesa no
plano das ideias de dois pilares fundamentais.
A primeira é a possibilidade
de obter um direito em conformidade com
a razão universal, materialmente justo e
abstratamente estabelecido através de
uma fórmula escrita geral.
A segunda ideia decorre da
lógica silogística, que traduz, na
filosofia aristotélica, a forma perfeita de raciocínio: a subsunção do caso, que seria a premissa menor, à fórmula racional escrita, abstrata e geral, que é a premissa maior.
É na adequação do caso à fórmula abstrata que se resolverá, perante o Direito, a situação
conflituosa posta, significando que a
forma perfeita de raciocínio, segundo a
lógica dedutiva, era o mecanismo por
excelência para dar forma ao que dá o
próprio fundamento material do direito: a razão humana.
Para a Escola da Exegese o
juiz era o porta voz da lei. Não caberia ao juiz, ao dar a decisão, pronunciar-se sobre a razoabilidade ou a
justiça da solução legal, pois tal
escola não questiona se solução legal é
aceitável.
Muito ao contrário, a solução legal deveria se impor ainda que
causasse flagrante injustiça e fosse
deveras irrazoável, pois o juiz não é
nada mais do que um servo da lei, não lhe
cabendo criar o Direito, mas sim aplicar a dita lei.
Neste contexto, a Escola da
Exegese defendia que o Direito é um
conhecimento objetivo e impessoal, pois
ele se baseia tão somente em um processo
de dedução legal, já que o Direito positivo
é identificado com a vontade do legislador.
Tal objetivação se deveu à influência
que exerceu no método desta escola os
modelos axiomáticos das ciências da
natureza (verbi gratia, geometria
e da aritmética), os quais modelaram o Direito
segundo aqueles critérios de objetividade e impessoalidade.
Cabe ao juiz, assim, não o
papel da criação do Direito (já que este
está perfeito e acabado na lei do Poder
Legislativo do Estado), mas tão somente
velar para que a solução legal seja implementada
nos casos submetidos a sua jurisdição. É
por isso que o juiz é identificado como
a boca da lei por esta Escola.
Neste panorama, a Escola da
Exegese defendeu que a matéria prima por
excelência do Direito é a lei. Segundo
Levaggi, antes da codificação, o direito
racionalista estava divorciado da lei,
mas após a promulgação dos códigos, Direito e lei foram considerados como sinônimos.
.A lei é apresentada como
única fonte do Direito, que não se
dissocia do Estado, pois é criada por
este último. Quando a Escola da Exegese, que se enfatize, surgiu na França, identificando o
Direito à lei, “cultuava” esta última, o
Código Civil de Napoleão[12] – rectius, a lei civil da
França, que é de 1804 – foi o
instrumento que possibilitou a unificação
do Direito naquele país.
Através da lei, por conseguinte, unificou-se todo Direito em torno da norma legal abstrata do Estado, rompendo-se com o pluralismo jurídico e se realizando o ideal racionalista, que reduzia a
fórmulas gerais e prévias, aplicadas a
partir de um mecanismo da lógica – o
silogismo – o qual representava a forma
perfeita de raciocínio. Pela lei, o
Estado encerrava todo o processo de criação e distribuição do Direito em si, surgindo nesta
época a identificação do Direito com o
Estado.
A Escola da Exegese defendeu o que se chama de Positivismo Legal
ou, ainda, Direito Positivo Legal. Isto
é, o Direito válido e vigente é do
Estado, que o monopoliza, criando-o a
partir da lei.
A Escola Histórica do Direito,
surgida na Alemanha, tem sua criação
conectada com a Escola da Exegese
francesa. Ainda no Século XIX, precisamente
dez anos após o Código Civil de Napoleão,
isto é, em 1814, surgiu um opúsculo intitulado
Sobre a necessidade de um direito civil geral
para a Alemanha (Über die Notwendigkeit eines allgemeinen bürgerlichen
Rechts für Deutschland),
escrita pelo romanista da Universidade de Heidelberg Anton Friedrich Justus Thibaut.
O panorama social e político
que serve como pano de fundo para a obra
de Thibaut foi fundamental para
compreendê-la. Em 1806 o Sacro Império
Romano Germânico foi formalmente
dissolvido, com a renúncia do último Imperador
Francisco II, em face das derrotas sofridas
frente ao Império Napoleônico.
Após a citada renúncia, em 1807, foi celebrada a paz
de Tilsit com a França, depois de nova
derrota do exército da Prússia frente às
forças francesas, que acarretaram a
perda dos territórios a oeste do Elba.
Como nestes territórios era
aplicado o Código Civil de Napoleão,
Thibaut, após o período de dominação
francesa, que durou cerca de seis anos, propôs
que a exemplo dos antigos dominadores, a Alemanha também possuísse um Direito Civil unificado.
À proposta de Thibaut reagiu
Savigny, contrapondo-se a ela. É desta
reação que surgiu a Escola Histórica do
Direito[13]. De pronto, Savigny deixou claro que era favorável a codificação
do Direito, por isso ele concluiu o seu
escrito contra a proposta citada
afirmando que está, no ponto referente
necessidade de um código para a Alemanha,
de acordo com Thibaut.
Contudo, asseverava que dita
codificação somente poderia traduzir o
direito científico se ela fosse feito da
maneira oportuna, pois a pressa na realização
do código não era compatível com a cientificidade
do Direito. Isto porque o código não poderia
representar um ato despótico do legislador,
mas sim deveria representar, através dos
costumes jurídicos e hábitos do povo, o seu próprio espírito.
O Direito científico,
dizia-nos Savigny, não brota de um ato
de arbítrio do legislador, ao contrário,
brota dos hábitos e costumes do povo, devendo
ao Estado, por seu legislador, reconhecer esse Direito aparecido do costume e
transformá-lo em lei.
O Direito positivo, que é o
Direito do Estado, para a Escola
Histórica não era propriamente uma criação estatal, mas era um signo reconhecido pelos legisladores, sendo
sua verdadeira fonte o Espírito do Povo
(Volksgeist).
Deste modo a Escola Histórica,
ao defender que a fonte própria do
Direito é o Espírito do Povo, pregava
que ele era uma obra intuitiva e inconsciente
de um Estado, que se exteriorizava através
do costume jurídico.
Este último era composto pela sucessão reiterada de atos pelo povo aliado à convicção da obrigatoriedade dos
mesmos, sendo um dado histórico
determinado e determinável. Assim,
sintetiza Meder que “o Espírito do Povo
não é outra coisa senão a consciência da
coletividade, que naturalmente refere-se
a um momento determinado, e que liga no
sentido de unidade uma Nação”.
Com efeito, um autor tem
especial importância no século XIX:
Hegel. Essa especial importância está
conectada com a Escola Histórica, porque
é Hegel o principal autor da corrente de pensamento que se chama historicismo
filosófico.
Para Hegel a história da
filosofia não representava apenas o
ponto culminante de toda a filosofia até
então produzida, em um processo no qual
se compreende uma trajetória de conceitos da lógica, da metafísica, da estética, etc.
Para além disso, a história da filosofia representa a
própria essência da filosofia, pois o
autor não dissocia a história da razão.
Por isso se diz que Hegel “foi um pensador
do século XIX sem perder a consciência das
razões do século XVIII”.
Com efeito, Hegel afirmava que
a filosofia de um povo nasce a partir da
busca de sua identidade, verificando-se
quando uma nação identifica os seus valores fundantes. O resultado produzido por essa busca é denominada por
Hegel de Espírito do Povo (Volksgeist).
Na Escola Histórica, o Direito
passou a ser concebido como uma
manifestação dinâmica, produto do
costume historicamente reconhecível, que
traduz o conceito hegeliano de Espírito do Povo. Enquanto manifestação dinâmica o Direito
é um saber historicamente determinável,
variando tanto no espaço, quanto no
tempo, conforme o referido Espírito do
Povo.
Neste panorama, a diferença
entre esta escola e a anterior reside no fato do Direito não poder ser vinculado ao
arbítrio do legislador, mas sim costumes
determinados e determináveis, que são a
manifestação cultural decorrente do
citado Espírito do Povo.
A Escola Histórica, na sua busca pelo direito do Espírito do Povo, não
tinha um respeito absoluto pelas fontes
estatais, isto é, tinham uma postura
oposta aos defensores da Escola da
Exegese, pois caberia ao jurista a construção
das normas.
Por isso Savigny defende o uso
com grande liberdade das fontes romanistas e do próprio direito do estado – rectius, o
direito positivo – pois ambos são vistos
como a matéria prima através da qual a ciência jurídica extrai os princípios-guia que possibilitam a construção
do direito científico, aquele que traduz
o tão mencionado Espírito do Povo.
Registre-se, com relação ao direito romano, que Savigny
reconhece nele um direito construído ao
longo de um grande espaço de tempo, mas
que chegou até seu tempo compilado no
período de sua decadência, que era o
período de Justiniano, por isso esse direito não poderia ser aplicado tal como
foi em sua época histórica.
Como se vê, a Escola Histórica
não desprezou o Direito romano e um
discípulo de Savigny, Georg Putcha,
potencializará a utilização deste
direito romano, criando uma “segunda fase” da Escola Histórica: a Pandectística. Rudolf
von Jhering[14], identificando a
semelhança de orientação entre a Escola
Histórica, de Savigny, e a Pandectística,
de Putcha, denominou-as de Jurisprudência
dos Conceitos (Begriffsjurisprudenz).
como Savigny, Putcha também defendia que
a noção de direito e de povo são conceitos
inter-relacionados, mas foi a partir do direito
romano, que a Pandectística procurou produzir
generalizações para solucionar os casos levados
à decisão dos juízes.
Para tanto, Putcha[15] procurou classificar e sistematizar conceitos
e situá-los em esquemas abstratos, que
seriam aplicados como regras lógicas do
direito.
Posteriormente, Jhering revê
seu posicionamento e se torna, como se
verá adiante, crítico da Jurisprudência dos Conceitos. Um dos principais pontos
que contesta nesta Escola é justamente a
desconsideração da validade das proposições sob o ponto de vista prático, a que conduz o
uso exclusivo da Lógica formal na construção
do sistema jurídico. Entretanto, este é um problema específico de sua teoria.
Em Puchta, a construção dos
conceitos se dá, como acima demonstrado, de forma histórico-formal, e não meramente formal. Nas
teorias formuladas pelos sucessores de Jhering,
que serão abordadas em seguida, novamente o elemento material do Direito será conjugado com a necessidade de
sistematização e de atribuição de um caráter formal a esse sistema, resultando na
combinação destes elementos: forma e conteúdo.
Nesta toada, a Pandectística
construiu esquemas a partir do direito
romano para regular as coisas, as ações
e as pessoas. Sobre o tema, traga-se à colação a síntese elaborada por Mário Losano:
“Para Putcha, objetos de direito podem ser: I) coisas; II) ações; III) pessoas. Esta última categoria era, por sua vez, dividida em três classes: 1) pessoas diversas de nós mesmos; 2) pessoas que existiram fora de nós mas que agora se tornaram parte de nós mesmos; 3) nós mesmos como pessoas. Essa classificação é nova, ainda que discutível, e dá novos impulsos à ciência jurídica[16]”. In: LOSANO, Mário. Sistema e estrutura
no direito. São Paulo:Martins Fontes.
2008.p.344.
As generalizações lógicas dos
princípios jurídicos em fórmulas
conceituais, operada pela Jurisprudência
dos Conceitos, sobretudo a partir da
Pandectística, conduziu a afirmação do formalismo,
que materialmente se identifica com o proposto
pela Escola da Exegese.
Isto porque em ambos os casos o juiz decidiria segundo
esquemas lógico-abstratos prévios ao
caso em exame, o que conduziria ao
distanciamento da valorização da realidade
social, que é dinâmica, em prol de um sistema
de conceitos produzidos pelos juristas, que é um quadro estático.
Esse quadro estático foi
denunciado por Heck, que criou um
movimento de oposição à Jurisprudência
dos Conceitos, denominado de Jurisprudência
dos Interesses (Interessenjurisprudenz).
A noção de interesse, que já tinha sido utilizada por Jhering para
designar o direito subjetivo, foi
retomada para designar a finalidade da
própria dogmática jurídica: era a dogmática
uma técnica destinada a tutelar interesses
socialmente relevantes
Como um saber dirigido a atingir fins, o direito era um
saber prático, que tinha sua
racionalidade vinculada a sua funcionalidade de decidir o caso concreto, através de soluções práticas que resolvessem
as lides submetidas à decisão jurídica.
Esse saber baseado na experiência se afasta da busca de conceitos esquemáticos e abstratos, como era defendido pelos Pandectistas e pela Escola Histórica, em prol de soluções pragmáticas,
que davam ao juiz amplo poder de
decisão.
Utilizavam-se, portanto, de um
método antagônico ao da “Jurisprudência
dos Conceitos”, que defendia um processo
de subsunção lógica.
Contra os formalistas se seguiram, como, por exemplo a Escola do
Direito Livre[17], de Hermann Kantorowicz,
que tinha na proa de seus postulados a
liberdade de decisão do magistrado,
identificando o direito com a vontade do
juiz.
A jurisprudência dos
interesses foi a segunda subcorrente do positivismo jurídico[18], segundo a qual a norma
escrita deve refletir interesses, quando de sua interpretação. Seu principal
representante foi Philipp Heck.
Em dado momento de sua
história, a Ciência do Direito transformou-se em uma “Jurisprudência dos
Interesses”, segundo a pensou e construiu Phillip Heck, um jurista alemão
(1858-1943).
Segundo essa teoria e seu
idealizador, as normas legais não visam apenas a delimitar interesses, mas são,
em elas próprias, produtos de interesses, pois dizia Heck que as leis “são as
resultantes dos interesses de ordem material, nacional, religiosa e ética, que,
em cada comunidade jurídica, se contrapõem uns aos outros e lutam pelo seu
reconhecimento”.
Assim, o legislador torna-se o
representante dos fatores causais (econômicos) que determinam a criação das
leis. Ocorre com o vigente código de processo civil de 2015, que claramente se
denuncia no objetivo de tornar o processo civil um terreno fértil à proteção
dos interesses econômicos que dominam a
nossa sociedade contemporânea, demonstrando que valores como justiça, liberdade
e responsabilidade ético-jurídica são valores tão importantes quanto os valores
econômicos, igualando-os em tudo e para todos os efeitos. A cada passo, ou
seja, a cada norma, o CPC/2015 demonstra nitidamente como acolheu as ideias da
“Jurisprudência dos Interesses” e as fez aplicar.
A Jurisprudência dos
Conceitos, também conhecida como Pandectismo (conforme Wieacker, esta denominação se deveu à
circunstância de todos os manuais dos autores ligados à Escola Histórica se intitularem
pandectas, em referência às Pandectas de Justiniano), foi a inserção do Direito em um
movimento mais amplo de processar e sistematizar
cientificamente todos os conhecimentos e práticas, isto é, nos padrões vistos como bem sucedidos na Física e demais
ciências então constituídas. ‘Sistema’ e ‘conceito’, já atuantes na constituição e
formulação da física newtoniana, foram aprofundados
em sua função explicativa e explicitados no âmbito da constituição e compreensão das práticas sociais e políticas
por Savigny[19]
e principalmente por Hegel.
Em sua concepção sistemática
do Direito Savigny tomou como ponto de partida as relações da vida, tais como casamento e
propriedade, conceituados e conformados como ‘institutos jurídicos’. Quanto a
Hegel é sabido que a novidade e também a dificuldade de sua construção filosófica consistem em
refletir a realidade como verdade e totalidade no próprio movimento do conceito como
universal concreto.
O conceito, enquanto universal concreto, isto é como o “eu agente”,
que é simultaneamente universal-particular-individual, é expressão e
representação mediante as quais os humanos fazem e pensam a realidade em sua unidade e
multiplicidade.
O universal é concreto por ser
constituído em um processo que envolve
outros universais e também o concreto da percepção sensorial. Em tal processo, é que o
conceito pode se revelar unilateral ou inadequado
e poderá, em razão do contexto significativo espaço-temporal em que é constituído e expresso ou usado, ser
modificado ou corrigido.
É, porém, através da negação da realidade captada conceitualmente e
de sua superação em outro conceito mais
abrangente, que, segundo Hegel, a subjetividade ética e a racionalidade
discursiva se explicitam e se efetivam
nas e através das práticas sociais.
Neste entrelaçamento de práticas e de conceitos, a Jurisprudência dos
Conceitos buscou desenvolver, de um lado, o conteúdo de conceitos e expressões jurídicas
recorrendo à história e à gênese teórico-social de sua constituição, bem como,
por outro lado, enfatizou a dimensão sistemática do Direito e a função conformadora exercida
pelo conceito com relação à realidade histórica
e socialmente determinada.
Neste desenvolvimento, em que
a autocompreensão tanto da sociedade quanto do Direito se interpenetram e se
condicionam reciprocamente, se situam,
inicialmente, novos conteúdos conceituais do Direito e se articulam disciplinas inovadoras como História
do Direito (Savigny), Filosofia do Direito
(Hegel), e, a seguir, Sociologia do Direito (Max Weber), bem como Ciência e Teoria do Direito (Stammler), Lógica do
Direito e Metateoria do Direito.
Nos dias atuais essas
orientações antiformalistas também ganham especial destaque, basta trazer à colação as teorias da retórica,
dentre as quais se situam as que tratam
o método do direito como o entimema,
como defende Katarina Sobota.
No entanto, não se pode deixar
de registrar que, alternadas com tais correntes citadas, também ressurgem posições
formalistas, como foi a Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen[20].
No fundo, essas duas posições traduzem,
através de método do direito, duas visões de mundo. A visão formalista é fiel
ao princípio da autoridade, que vê na norma prévia uma manifestação do próprio
poder do Estado e por isso não autoriza a atividade criativa do julgador.
Uma outra visão tópica, pois
parte da necessidade de valorizar as circunstâncias peculiares do caso,
desprezando esquemas de lógica abstrata que constrói normas prévias; nesta se
valoriza a atividade criativa daquele que detém o poder próprio da jurisdição,
o juiz.
Até os dias contemporâneos, o
direito contemporâneo se situa na tensão entre essas duas visões do mundo, o
que faz com que o horizonte da História do Pensamento Jurídico ainda esteja a
se descortinar, sendo de fundamental relevância o papel do investigador para a
crítica e constante reconstrução do método da ciência jurídica.
O reconhecimento da existência
de um caráter material nas normas jurídicas também por Jhering, em sua segunda fase, marca o
início do movimento de superação da Jurisprudência
dos Conceitos e a transição para a Jurisprudência dos Interesses.
Eis que porém, a investigação acerca do conteúdo das
normas toma um direcionamento diverso: será
nos interesses reais – empíricos – que os defensores da Jurisprudência dos Interesses fundamentarão a interpretação
jurídica, e não em uma teleologia objetiva própria do Direito.
A Jurisprudência dos
Conceitos, vista por Wieacker e Larenz como uma tentativa de sistematização do Direito enquanto ciência lógica,
falhou por pretender excluir do Direito
a dimensão de realidade que ele, enquanto ciência social[21] que é, necessariamente possui. A Lógica pode muito bem estar presente
em um sistema jurídico, definindo e explicitando
relações entre normas, mas isso não significa que esse sistema seja constituído somente por ela.
Isso porque, por um lado, o
conteúdo das normas jurídicas é
produzido intersubjetivamente e, por outro, a norma não é o único componente de um sistema jurídico. Integram-no
também os costumes, as práticas sociais
de múltiplos agentes, a atividade teorética que o explicita e transforma, e que
incumbe não apenas aos juristas, mas a
todo indivíduo enquanto Sujeito de Direito.
O Direito, com efeito, não é um sistema fechado e completo,
cujas deficiências e omissões possam ser supridas recorrendo-se apenas à Lógica.
É na prática e através da
depuração crítica das regras
desenvolvidas nas práticas sociais que o Direito e sua peculiar normatividade (intersubjetivamente constituída,
compartilhada e falsificável), enquanto o simultaneamente bom e correto, se constitui e
permanentemente se desenvolve. Então, o direito corresponde ao Valor e Crítica, Autonomia e Inserção, Verdade e
Correção, Bem e Intersubjetividade, Teoria e Prática são indissociáveis e interdependentes,
e não apenas no Direito.
Talvez no Direito contemporâneo[22] seja mais perceptível que normais legais resultam de confronto e avaliação de interesses, de jogos e de práticas sociais de dar e exigir razões, submetidos tanto razões como jogos e práticas a um processo permanente de crítica e correção por parte dos envolvidos.
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Notas:
[1]
É necessário para responder às questões postas no âmbito da dogmática jurídica. A filosofia do direito se pergunta,
por exemplo, «em que tipo de entidades
consiste no direito? O que é que as conecta para fazê-las formar o conjunto denominado direito? Quais são as
propriedades que caracterizam cada uma
dessas entidades e tudo aquilo que denominamos direito?» As respostas a essas perguntas se expressam
mediante juízos de segunda ordem, ou
seja, juízos acerca dos juízos que se expressam na dogmática jurídica. A título de exemplo, pode-se dizer que, para
responder, mediante um juízo de primeira
ordem, à pergunta acerca do que é que o direito ordena para certo caso concreto, é necessário responder,
mediante um juízo de segunda ordem, à
questão sobre se certas entidades que regulam dito caso concreto pertencem ou não ao direito, e, portanto, devem ser
consideradas como aquelas que expressam
o dever jurídico atinente ao caso referido.
[2]
Segundo Lyra Filho (1988) há várias concepções falsas formuladas a respeito do
Direito. Essas concepções tendem a confundirem-no com Lei, entendendo essa
última como diretamente ligada ao Estado e, por isso, atende aos interesses das
classes dominantes, visto que controlam os meios de produção. Assim, Lyra chama
de negação do Direito às distorções realizadas em prol dos interesses de classe
dos espoliadores. O Direito acaba sendo reduzido a um conjunto de normas
impostas pelo Estado. Nosso objetivo aqui é alargar esse foco de análise para o
campo da sociedade civil. A concepção de Direito não pode ser reduzida à mera
legalidade e monopolizado pelo Estado. É justamente por esse percurso
reducionista que o caracterizam como dogmático, impossibilitando-o de tornar-se
ciência, pois não há ciência que se mantenha enquanto tal amarrada por seus
discursos dogmáticos. In: LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. São Paulo:
Brasiliense,1988: 26. (Coleção Primeiros Passos).
[3]
O direito moderno molda-se por sua produção exclusivamente estatal, reduzido
às leis ditadas pelo Estado Liberal. Ao
ser estudado sob a perspectiva da racionalidade das ciências naturais, reduz-se ao seu matiz
dogmático, por força do positivismo jurídico. Nesse contexto, a lei é a camisa de força do
jurista, moldando o seu modo de enxergar a sociedade e garantindo a certeza e a segurança jurídica,
princípio e fim de toda ideia de direito.
[4]
O Estado Moderno é, ao mesmo tempo, um Estado mínimo e um Estado máximo. Estado
mínimo na medida em que sua ação é considerada como potencialmente limitadora
da liberdade individual. De outro lado, é condição essencial para o exercício
dessa liberdade.
[5]
Toda pessoa tem o direito de ser, pensar, crer e manifestar-se ou amar, sem ser
alvo de humilhação ou discriminação. Toda pessoa tem o direito de ter acesso à
escola. Toda pessoa tem o direito de ter acesso à saúde. Toda pessoa tem o
direito de praticar a religião que escolher. Toda pessoa tem o direito de ter
acesso ao trabalho, sem discriminação por doença, deficiência, sexo, cor,
religião. Algumas das características mais importantes dos direitos humanos
são: Os direitos humanos são fundados sobre o respeito pela dignidade e o valor
de cada pessoa; Os direitos humanos são universais, o que quer dizer que são
aplicados de forma igual e sem discriminação a todas as pessoas; Os direitos
humanos são inalienáveis, e ninguém pode ser privado de seus direitos humanos;
eles podem ser limitados em situações específicas. Por exemplo, o direito à
liberdade pode ser restringido se uma pessoa é considerada culpada de um crime
diante de um tribunal e com o devido processo legal; Os direitos humanos são
indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes, já que é insuficiente
respeitar alguns direitos humanos e outros não. Na prática, a violação de um direito vai afetar o
respeito por muitos outros.
Todos os direitos humanos devem, portanto, ser vistos
como de igual importância, sendo igualmente essencial respeitar a dignidade e o
valor de cada pessoa.
[6]
A noção de pluralismo jurídico comunica a ideia de que existem e vigem em
determinado espaço normatividades oriundas de diferentes fontes, para além das
normas editadas pelo Estado que exerce soberania sobre aquele território. Uma
característica distintiva do pluralismo jurídico é que as leis se aplicam a
pessoas diferentes ao mesmo tempo, embora vivamos todos na mesma comunidade. O
direito comum aplicava-se originalmente aos colonizadores, suas famílias, seus
negócios e seus parceiros comerciais.
[7]
Direito Canônico é o conjunto de leis que rege a estrutura institucional da
Igreja Católica Apostólica Romana. Ele regulamenta todos os segmentos da vida
eclesiástica; sua organização, governo, ensino, culto, disciplina e práticas
processuais. As principais
características são: A lei canônica é unitária: A Igreja é uma e, portanto, seu
ordenamento deve ser único. Universalidade: Este direito está sujeito a todas
as pessoas identificadas com a sua religião e, portanto, dirige-se a toda a
comunidade católica. É o conjunto de normas jurídicas, colocadas e feitas valer
pela autoridade da Igreja Católica,
normas segundo as quais, a Igreja é organizada e que regula a atividade dos fiéis
no mundo em relação aos fins próprios da
Igreja (Del Giudice). Direito divino: Pertencem ao direito divino as normas que
remontam à própria vontade divina, que
se manifestou na Revelação pré-cristã e através dos ensinamentos dados
diretamente por Cristo e por seu mandado
aos apóstolos. • Ius divinum positivo: as normas contidas nas Sagradas
Escrituras e na Tradição; • Ius divinum naturale: as normas que se
deduzem como essencialmente inerentes à vida social humana e obriga os particulares à manutenção
da ordem e da justiça.
[8]
Suas características principais, destacadamente mais germânicas que romanas,
eram a valorização das relações pessoais e da propriedade fundiária e a
ausência de qualquer concepção abstrata de Estado. Direito Medieval é basicamente
canônico, se considerarmos a Europa feudal. Além disso, até mesmo nos países
islâmicos da época o Corão era a principal fonte do direito. Assim, porque a
Igreja concentrava o poder durante toda a Idade Média, a principal fonte era o
Cânon Bíblico de então. O Direito Medieval continha uma ênfase ao surrealismo,
devido as decisões que não acompanhavam uma lógica jurídica, sendo assim o
direito canônico teve o mérito de criar uma situação de diálogo, debate e
consequentemente afastado da ideia do irracional.
[9]
O Direito Moderno surge com o nascimento da própria Modernidade, na afirmação
da humanidade enquanto condutora do seu próprio destino, desvinculada dos mitos
e predestinações da fé, fazendo surgir um novo homem, dono de sua própria
vontade, dotado somente da razão para decidir o seu próprio futuro. Essas
quatro características, a saber, positividade, generalidade, abstração,
coercividade, são as quatro características formais clássicas do Direito
moderno, quer dizer, aquelas que foram apontadas desde o início pelos
estudiosos que se dedicaram ao seu exame. A modernidade do Direito se revela na
legalidade, no Estado e burocracia que materializam a garantia nesse contexto
da afirmação dos interesses burgueses, da concretude do liberalismo político,
bem como da fortificação do mercado.
[10]
Ao lado do jusnaturalismo clássico e do antipositivismo de Alexy existem ainda outras teses que propõem formas
diferentes de conexão necessária entre o
direito e a moral. As duas, porém, expressam bem como o argumento de uma conexão necessária foi defendido ao longo da
história. No caso do jusnaturalismo
clássico, a partir de uma fundamentação metafísica do direito; no caso de Alexy, através de uma reconstrução
racional dos sistemas jurídicos, baseada
principalmente na teoria do discurso de Habermas. Como o presente trabalho é feito no marco do positivismo
jurídico e consiste na análise de um
conjunto de teses positivistas sobre as normas e os sistemas jurídicos,
não retomarei a questão da conexão
necessária entre direito e moral.
[11]
A Escola da Exegese consistia na reunião de vários juristas franceses que
orientaram o processo de criação e de aplicação do Código de Napoleão,
especialmente no que se refere à exegese do texto legal. O Código Civil
napoleônico buscava unificar e positivar o Direito como ferramenta de controle
social e político. As principais características da Escola da Exegese eram: a
inversão das relações tradicionais entre direito natural e direito positivo, a
onipotência do legislador, a interpretação da lei fundada na intenção do
legislador, o culto ao texto da lei e o respeito pelo princípio da autoridade.
[12]
O Código Civil estabeleceu a igualdade perante a lei, a garantiu do direito de
propriedade e ratificou a reforma agrária ocorrida na Revolução Francesa.
Também assegurou a separação entre a Igreja e o Estado e eliminava os
privilégios feudais. Opera Mundi: Hoje na História: 1804 - Entra em vigor o
Código. Inspirando-se no direito
revolucionário e no direito romano, o Código Napoleônico consagrou os grandes
princípios da Revolução: liberdade da pessoa; liberdade e segurança da
propriedade; abolição do feudalismo, laicismo etc. No entanto, as mulheres não
se beneficiariam dos mesmos direitos que os homens.
[13]
A Escola Histórica do Direito defendia que o direito estava ligado ao espírito
do povo, aos costumes e crenças de grupos sociais. Trata-se de um organismo
vivo, sem necessidade de um código de leis que engessasse o direito, pois
modifica-se conforme as evoluções históricas e sociais. A Escola Histórica do Direito foi uma escola
de pensamento jurídico - precursora do positivismo normativista que apareceria
com a Jurisprudência dos conceitos - que surgiu nos territórios alemães no
início do século XIX e exerceu forte influência em todos os países de tradição
romano-germânica.
[14]
Rudolf von Jhering (1818-1892), outro importante marco para a Jurisprudência
dos Conceitos, reafirma a função
sistemática da Ciência do Direito, que consiste em desconstruir logicamente
proposições jurídicas em unidades básicas, o que permitiria, assim como em Puchta, tanto o conhecimento
das normas existentes como a construção
de normas novas, ampliando o conteúdo do Direito. Porém, ao contrário de
Puchta, Jhering não aceita um fundamento
suprapositivo ou extrajurídico para seu sistema. Ao invés, elabora-o por meio da combinação de
conceitos simples obtidos indutivamente:
desde que fossem racionalmente concebíveis, estes conceitos poderiam ser
combinados entre si, formando conceitos
deles derivados (é importante observar que a validade dos conceitos e das proposições derivadas se
restringe à possibilidade lógica de sua
existência. O aspecto prático da validade não é levado em consideração).
Jhering denomina de “corpos jurídicos”
esses conceitos simples, que vão se agregando e
constituindo conceitos mais complexos.
[15]
Georg Friedrich Puchta (1798-1846), considerado o primeiro articulador da Jurisprudência dos Conceitos, apesar de
familiarizado com as concepções hegeliana e
savignyniana de sistema (Puchta foi aluno de Hegel, em Nürnberg, entre
1811 e 1816, e de Savigny, em Erlangen,
de 1816 a 1820), não seguiu exclusivamente o processo prático-discursivo hegeliano de construção do
conteúdo conceitual e nem adotou
simplesmente o modelo organicista de Savigny. Associou, porém, as
referidas abordagens de seus mestres à
estratégia lógica da abstração retomada e desenvolvida por Christian Wolff, conforme apontam
Wieacker (1996) e Zippelius (2003). Como
consequência, o sistema desenvolvido por Puchta é articulado nos moldes
da abstração lógico-formal, mas, ao
contrário do que tradicionalmente se anuncia, sua teoria não se resume a isto. É que o conteúdo dos conceitos
que integram o sistema é constituído a
partir da realidade vivida, histórica e social, dos institutos e práticas do
Direito.
[16]
Puchta utiliza o termo “genealogia de
conceitos”, o que aponta tanto para a formação também extrajurídica dos
conteúdos conceituais como para a
formação da rede conceitual interna do Direito, simultaneamente histórica e
social, concreta e abstrata, que os constitui e explicita neste processo espaço-temporal. É esta rede de
conceitos e de conteúdos conceituais que fixa
e explicita os institutos e as práticas jurídicas, bem como suas regras
explícitas e implícitas.
[17]
A Escola do Direito Livre apresentou duas tendências principais A moderada, que
preceitua a atividade criadora do juiz, apenas na hipótese de lacuna e, a mais
radical, que defende que essa atividade criadora, pode se dar quando uma norma
for considerada injusta. O século XIX foi o século da razão. A razão que foi
“aprisionada” na lei. Daí três tipos de positivismo: o francês (exegetismo), o
alemão (jurisprudência dos conceitos) e o inglês (jurisprudência analítica). A
esses tipos de positivismo houve reações das mais variadas (explico isso em
Hermenêutica Jurídica em Crise). Aqui, fico com uma delas, a Escola do Direito
Livre, do início do século XX. Fundada por Hermann Kantorowicz (1906, A Luta pela Ciência do Direito), essa
doutrina defende — atenção! — para a época — a plena liberdade do juiz no
momento de decidir os litígios, podendo, até mesmo, confrontar o que reza a
lei. O juiz não estaria lançando mão apenas do seu poder decisório, mas, mais
do que isso, a sua função de legislador, seu poder legiferante para encontrar
aquilo que ele, juiz, percebe como “o justo”. Bingo. E binguíssimo. Dizia-se da
Escola do Direito Livre: Escola do Direito Livre...da Lei! In: STRECK,
Lenio L. O Brasil revive a Escola do Direito Livre! E dá-lhe pedalada na lei!
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-jun-25/senso-incomum-brasil-revive-escola-direito-livre-lhe-pedalada-lei
Acesso em 20.5.2023.
[18]
Tanto o conceito de positivismo quanto o de positivismo analítico são objeto de
intensa disputa acadêmica. Não pretendo
investigar as origens do desacordo ou os argumentos em favor de uma ou outra tese porventura defendida. Neste
trabalho considerarei características do positivismo analítico a tese da separação entre direito e
moral e a consideração de que a análise do
significado dos conceitos jurídicos desempenha um papel central em
qualquer definição de direito. Essa
proposição foi feita por Hart (Hart, 1994, p.2 et. Seq). Em “The Concept of
a Legal System”, Raz adere
substancialmente ao método hartiano de investigação teórica (nesse
sentido, Comanducci, 1978, p.363; e
Salmorán, 1981).
[19]
Tanto para Savigny como para Hegel, a ideia de sistema era central na
conceituação da ciência, no momento em
que a Jurisprudência dos Conceitos se constituiu. O sistema, nesta concepção, é considerado uma
multiplicidade organizada de partes ou, de acordo com Larenz, “o desabrochar de uma unidade
numa diversidade, que desse modo se
reconhece como algo coeso do ponto de vista do sentido”. Assim compreendido, o sistema, enquanto
unidade e completude, é o desenvolvimento
de uma unidade dada empiricamente (nas ciências empíricas) ou convencionada
(nas ciências formais). Este foi o
caminho tradicional tanto da ‘Axiomática’ antiga (Os Elementos de Euclides, por exemplo) como da
‘Abstração’ (desde Aristóteles e
passando por Boécio e medievais).
[20]
Kelsen, denominado Hauptprobleme der Staatsrechtslehre entwickeltaus der
Lehre von Rechtssatze – “Principais problemas da Teoria Jurídica do Estado desenvolvidos com base
na Doutrina da Proposição Jurídica”.
Nele já se encontra delineada toda a
base filosófico-jurídica da Teoria Pura
do Direito: os pressupostos kantianos da separação entre ser e dever
ser, entre ciências naturais e ciências normativas, entre causalidade e imputação jurídica e entre lei causal e norma.
[21]
É a área das Ciências Sociais Aplicadas que busca organizar as relações entre
cidadãos, grupos, empresas e poder público, de acordo com as normas jurídicas
do país. Assim, trabalha para a resolução de conflitos e garantia de direitos.
As ciências sociais aplicadas é uma das áreas do conhecimento, que estuda não
só as ações e o conhecimento de seres humanos mas também no relacionamento que
as pessoas têm com o que está em sua volta. Ainda hoje as ciências sociais são
divididas em três áreas: a antropologia, voltada para o estudo da diversidade
cultural e da dimensão simbólica da vida social; a ciência política, centrada
nos temas do poder e a sociologia, voltada para o estudo das relações em
sociedade.