Neoconstitucionalismo e a interpretação constitucional
O neoconstitucionalismo contemporâneo veio para se opor às teses do constitucionalismo, numa perspectiva oposta à metodologia clássica. Em verdade, não mais se aceita um direito submisso à discricionariedade e que tenha mera matriz teórica e acrítica da hermenêutica jurídica. O neoconstitucionalismo em sua exaltação à dignidade da pessoa humana também se relaciona diretamente com as medidas de enfrentamento à Covid-19 do governo brasileiro.
A Constituição Federal se sistematiza através de relação dialética entre regras e princípios, expandindo seus efeitos por todos os demais ramos do Direito. A eleição dos critérios de interpretação, nos casos de confronto de valores e/ou princípios, considera a abertura semântica existente nas normas constitucionais.
Justifica-se, portanto, a existência de interpretação propriamente constitucional onde se prioriza certos cânones jurídicos que podem ser revelados pelas súmulas vinculantes. O conceito do neoconstitucionalismo é árduo pois abrange doutrinadores das mais diversas correntes e que são substancialmente diferentes, embora componham a mesma essência do neoconstitucionalismo.
Humberto Ávila ratificando a ideia da impossibilidade de se conceituar o neoconstitucionalismo aduz que não apenas um único conceito de neoconstitucionalismo. E, diversos doutrinadores, possuem concepções, elementos e perspectivas que torna inviável esboçar uma una e única teoria do neoconstitucionalismo.
De toda sorte é preciso para obter adequada compreensão do fenômeno neoconstitucionalista, que passemos numa digressão histórica, a fim de entender a estrutura lógica do fenômeno jurídico.
Cumpre ainda observar a ascensão e a decadência do jusnaturalismo que vem sendo empregada há muito tempo. E, sendo corrente filosófica que denota ordem axiológica que é derivada de naturais pretensões humanas legítimas, que esquadrinham quadro de prerrogativas de direitos ínsitas aos seres humanos, sem qualquer relação com normas jurídicas advindas do Estado. E, portanto, independem do direito positivo.
O jusnaturalismo deita raízes na Antiguidade Clássica atravessando o tempo e possui sérios reflexos atualmente. Suas grandes transformações ocorridas ao longo da Idade Média, e ainda, as suas múltiplas formas, pode-se, resumidamente entendê-lo por duas vertentes: 1. a de uma lei estabelecida pela vontade de Deus; 2. de uma lei ditada pela razão.
Aristóteles ao escrever sobre a Justiça
política em sua obra Ética a Nicômaco afirmou que:
“Da justiça política é uma parte natural e em parte legal: natural é aquela que tem a mesma força em todos os lugares e não existe por pensarem os homens deste ou daquele modo; a legal é que de início pode ser determinado indiferentemente, mas deixa de sê-lo depois que foi estabelecido”. (In: Aristóteles. Ética a Nicômaco, p.117).
Com a modernidade, veio Hugo Grócio[1] prover a distinção entre Direito Natural e Direito Positivo. E, definiu o Direito natural como um ditame da justa razão destinado a mostrar que um ato é moralmente torpe ou moralmente necessário, segundo seja ou não conforme a própria racional do homem, e a mostrar que tal ato é, em consequência disto, vetado ou comandado por Deus, enquanto o supremo autor da natureza. O direito voluntário, portanto, é o que provém do poder estatal, daí a origem do Direito positivo.
A essência do pensamento jusnaturalista se iniciou particularmente no século XVI, com a reforma protestante[2], a formação dos Estados nacionais e a chegada de europeus à América, desenvolve-se em um ambiente cultural não mais submisso à teologia cristã.
O jusnaturalismo passa a ser a filosofia natural do Direito e associa-se ao Iluminismo[3] na crítica à tradição anterior, dando substrato jurídico filosófico às duas grandes conquistas do mundo moderno, a saber: a tolerância religiosa e a limitação ao poder do Estado.
Foi marcante a obra de Thomasius[4] (Fundamentos) de 1705 que veio separar a Teologia da filosofia e, ipso facto, seu conceito de Direito natural também se modificará. Nessa nova fase, o direito natural nem era considerado como direito, mas como mero conselho.
Dessa mudança paradigmática desbocou no surgimento do jusnaturalismo moderno que admite a concomitante existência do direito natural e do direito positivado, sendo este derradeiro, inevitável resultado daquele.
Daí, temos a crença de que o homem possui direitos naturais, imanentes, principalmente o direito à integridade e à liberdade e que o Estado deve se submeter a tais mandamentos universais que serviram de combustível para prover as revoluções liberais, com seus fundamentos individualistas, que enfrentaram ferozmente a monarquia absolutista então vigente. Com a figura do Estado Liberal[5] pode-se afirmar que o constitucionalismo moderno nasceu nesse intervalo histórico.
O jusnaturalismo ao lado do Iluminismo teve forte influência no movimento de codificação do Direito, no século XVIII, na busca de ordem lógica e estrutural, incorporando-se à tradição romano-germânica, alcançando seu apogeu com a elaboração do Código Napoleônico que significou a positivação moderna do direito natural. A técnica da codificação[6] possibilitou uma identificação do direito à lei, fazendo com que a Escola da Exegese instituísse um forte apego aos textos, limitando a atuação criativa do juiz, exigindo-lhe tão-somente uma interpretação meramente literal, submetendo-se à vontade da lei, do legislador.
O Estado, portanto, passou assumir o monopólio da produção jurídica.
No entanto, ao mesmo tempo em que o jusnaturalismo chega ao seu apogeu, enfrentou sua queda e até esquecimento, conquanto que muitas das prescrições do próprio direito natural já haviam sido assimiladas pelo direito positivo (no início do século XIX). E, assim, foi considerado metafísico e anticientífico, o direito natural fora empurrado para a margem da história pela onipotência positivista típica do século XIX.
Mas também o direito positivo irá conhecer tanto a ascensão como a decadência. Afinal, o positivismo filosófico fora resultante da corrente de conhecimento científico que acreditava que era possível estabelecer leis naturais, independentes da vontade humana, que pudessem responder às indagações da atividade intelectual.
Atribuía-se exagerado valor à racionalidade, sendo que o homem se tornara o centro de tudo, é o antropocentrismo, em que tudo passou a ser ciência, com efeito, a ciência era considerada o único conhecimento válido.
O pai da Filosofia Positivista foi
Auguste Comte[7]
que afirmava que o pensamento humano se dividia em três estados, o que
denominou de " lei dos três estados":
1. o primeiro estado era o teológico, em
que todas as explicações sobre a realidade eram atribuídas a um ser
sobrenatural (Deus), não se especulando eventuais problemas fora do campo
místico-religioso;
2. segundo estado era o metafísico, que assim como o teológico, buscava dar uma explicação absoluta aos fenômenos, conteúdo, ao invés da imaginação abstrata aplicava-se uma argumentação, capaz de discutir e afastar eventuais contradições, destruindo a subordinação do homem e da natureza ao sobrenatural; 3. por derradeiro, o estado positivo caracteriza-se pela subordinação da imaginação e da argumentação à observação.
Em verdade, todo o conhecimento finda numa observação dos fatos, como uma ideia de empirismo.
A filosofia positivista, portanto, é indutiva, sendo que não existem fundamentações únicas das causas dos fenômenos (teológica e metafísica), mas sim, uma interconexão de leis que explicam os fenômenos. Outra característica relevante do positivismo filosófico é a previsibilidade, pois a ideia de conhecimento possibilitaria aos seres humanos uma cogitação acerca dos acontecimentos prováveis em determinadas situações.
O positivismo é corrente filosófica que surgiu na França no começo do século XIX. Os principais idealizadores do positivismo foram os pensadores Auguste Comte e John Stuart Mill. O positivismo é conceito que possui distintos significados, englobando tanto perspectivas filosóficas e científicas do século XIX quanto outras do século XX[8].
Convém ressaltar o exagero que é atribuir aos positivistas a Proclamação da República em nosso país, pois essa adveio de consolidação na qual se verificou a grande influência do coronel Benjamin Constant (que depois fora homenageado com o epíteto de "Fundador da República brasileira".
O lema Ordem e Progresso na bandeira do Brasil é inspirado pelo lema positivista: "Amor como princípio e ordem como base; o progresso como meta". Foi usado na bandeira, pois várias pessoas envolvidas na Proclamação da República do Brasil eram seguidoras das ideias de Auguste Comte.
A partir da segunda metade do século XIX, as ideias de Auguste Comte permearam as mentes de muitos mestres e estudantes militares, políticos, filósofos e historiadores.
Assim muitos brasileiros se converteram ao positivismo, particularmente inspirado no professor de matemática da Escola militar do Rio de Janeiro, Benjamin Constant que serviu para estimular os movimentos republicano e abolicionista, em oposição à monarquia e ao escravismo dominante na época.
A Proclamação da República ocorrida por meio de golpe militar e com apoio de setores da aristocracia brasileira, particularmente a paulista, foi um natural desdobramento desse movimento.
O Positivismo Filosófico[9] estabelecia, basicamente,
três teses fundamentais:
(i)
a
ciência é o único conhecimento válido, refutando as indagações teológicas ou
aquelas insuscetíveis de demonstração;
(ii)
o
conhecimento científico é objetivo, calcado no esquema sujeito-objeto e no
método descritivo;
(iii) o método científico empregado nas ciências naturais (observação e experimentação) deve ser empregado inclusive nas ciências sociais.
Luiz Guilherme Marinoni aponta com
acerto os principais reflexos do positivismo filosófico no Direito, in
litteris:
"O positivismo jurídico nada mais é do que uma tentativa de adaptação do positivismo filosófico ao domínio do direito. Imaginou-se, sob o rótulo de positivismo jurídico, que seria possível criar uma ciência jurídica a partir dos métodos das ciências naturais, basicamente a objetividade da observação e a experimentação.
Se o investigador das ciências naturais pode, muito mais do que aquele que trabalha com o direito, despir-se dos seus sentimentos ao investigar, bem como, realizar experimentos com base em procedimentos lógicos até concluir a respeito da verdade ou da falsidade de uma proposição, supôs-se que a tarefa do jurista poderia ser submetida a essa mesma lógica".
Neste sentido, Hans Kelsen criou a sua Teoria Pura do Direito que fora inspirada no Positivismo filosófico de Comte, afirmando que a ciência jurídica, embora não seja uma ciência natural, tem um nascimento quase que natural no seio social. Assim, apesar do direito ser fenômeno social, não se confunde com a sociedade, porquanto esta é definida por inúmeros outros fatores.
A tentativa de Kelsen em criar uma teoria pura que fosse neutra e depurada dos outros elementos/objetos de análise que não fosse o direito, enquanto norma objetiva.
Kelsen, afirmou, nessa direção, in
litteris:
"A Teoria Pura do Direito é uma teoria do direito positivo. Tão-somente do direito positivo e não de determinada ordem jurídica. É teoria geral e não interpretação especial, nacional, ou internacional, de normas jurídicas”.
Como teoria, ela reconhecerá, única e exclusivamente, seu objeto. Tentará responder à pergunta “o que é” e “como é” o direito e não à pergunta de “como seria” ou “deveria ser” elaborado. É ciência do direito e não política do direito. Quando se intitula Teoria “Pura” do Direito é porque se orienta apenas para o conhecimento do direito e porque deseja excluir deste conhecimento tudo o que não pertence a esse exato objeto jurídico. Isso quer dizer: ela expurgará a ciência do direito de todos os elementos estranhos. Este é o princípio fundamental do método e parece ser claro".
Outro aspecto que liga a teoria de Kelsen à filosofia de Comte ao pensamento positivista é a negação absoluta do direito como dever ser. E, para Kelsen, o direito não se ocupa de a categoria do dever ser, pois este elemento deontológico remete as motivações morais, o que não compatibiliza com uma Teoria Pura do Direito. O dever ser é categoria transcendental e, não pode se admitir o regresso ao direito natural e à metafísica, sob pena de se esvaziar a cientificidade e tecnicidade do Direito.
Deu-se uma cisão entre Direito e moral, sendo que a ciência do Direito se voltava aos juízos de fato, que buscam o conhecimento da realidade, e não em juízos de valor, que representam uma tomada de posição diante da realidade, não cabendo ao Direito resolver a discussão sobre a legitimidade e a justiça.
A ciência exclui do próprio âmbito os juízos de valor, porque esta deseja ser um conhecimento puramente objetivo da realidade, enquanto os juízos em questão são sempre subjetivos e consequentemente contrários à exigência de objetividade. (...)
O cientista moderno renuncia a se pôr diante da realidade com uma atitude moralista ou metafísica, abandona a concepção teleológica (finalista) da natureza (segundo a qual a natureza deve ser compreendida como pré-ordenada por Deus a um certo fim) e aceita a realidade assim como e, procurando compreendê-la com base numa concepção puramente experimental (que em seus primórdios é uma concepção mecanicista).
Assim, deu-se uma redução do Direito à lei, aproximando-os e os assimilando como coisas iguais, considerando a lei como fonte exclusiva do Direito. Neste passo, não havia o que se discutir acerca do conteúdo da lei, desde que esta fosse criada a partir do procedimento correto (teoria da validade formal da lei). Ainda, afirmava-se que não existiriam lacunas, já que o ordenamento jurídico era completo - teoria da completude e coerência do ordenamento jurídica.
Desta forma, a lei é compreendida como corpo da lei, ou como código[10], sendo dotada de plenitude, e, portanto, sempre teria que dar resposta aos conflitos de interesses. Os preceitos morais não fazem parte do ordenamento jurídico porque maculam o caráter descritivo do Direito.
E, Hart foi um dos expoentes do positivismo jurídica, e enfatizou a referida separação quando analisa as muitas conexões contingentes e diferentes entre direito e a moral, não há concepções necessárias entre o conteúdo do direito e o da moral e, daí, que possam ter validade, enquanto regras ou princípios jurídicos, disposições moralmente iníquas.
Um aspecto dessa separação do direito e da moral é o que pode haver direito e deveres jurídicos que não têm qualquer justificação ou eficácia morais.
Alf Ross defende que o positivismo jurídico tem como princípio a negação da existência do Direito natural e o coloca como a teoria mais geral que nega a existência de qualquer conhecimento em campo ético.
Em resumo, os positivistas havia somente o direito que emanava do Estado, somente a lei poderia viabilizar uma justiça legal, é dizer, não existe o problema da validade das leis injustas, pois o valor não é objeto da pesquisa jurídica. Quanto à justiça, consideram apenas a legal, mesmo porque não existiria a chamada justiça absoluta.
Norberto Bobbio estabeleceu três
características fundamentais do positivismo, saber:
1. o positivismo como ideologia que é
uma faceta do positivismo moderado, sem extremismos ou reducionismos extremos,
que serve exatamente para impedir as arbitrariedades cometidas pelo Estado sob
a égide da legalidade, reforçando o repúdio ao Antigo Regime;
2.
positivismo como teoria que determina uma série de postulados ao
intérprete do Direito, dispondo que a lei ordinária está em posição soberana
(onde se ler lei, leia-se Direito), intangível/intocável;
O positivismo enquanto método e nesse sentido, para se conhecer ou fazer uma teoria adequada do Direito, o positivismo utilizaria o método descritivo, simples e puramente científico.
Entretanto, o Direito, diferentemente dos outros campos de conhecimento, não tem uma postura meramente descritiva da realidade. Ao contrário, ao Direito cabe construir e transformar a realidade, na ideia do dever-ser[11] que este prescreve. A relação entre o objeto de estudo do Direito e o sujeito que o estuda (norma, realidade e intérprete), é tensa e intensa, isto é, o sujeito não se submete ao esquema sujeito-objeto, subsuntivo, meramente dedutivo.
Streck ressalta que na metafísica[12] clássica os sentidos estavam nas coisas e na metafísica moderna na mente, consciência de si do pensamento, nessa verdadeira guinada pós-metafísica os sentidos passam a se dar na e pela linguagem.
Tal viragem linguístico-ontológica são incomensuráveis para a interpretação do direito. Da terceira coisa que se interpõe entre um sujeito e um objeto, a linguagem passa a condição de possibilidade.
Enfim, o positivismo jurídico originalmente fora criado para resguardar a ideologia do Estado Liberal, tornou-se em si mesmo uma própria ideologia. Uma ideologia de não apenas como fazer ou pensar o Direito, mas como querer o Direito.
Essa forma de ideologia que foi defendida por muitos que pretendiam manter o status quo, agindo sob a premissa da legalidade, transformou a igualdade tão festejada num modelo de discriminação e opressão, enquanto tratava os desiguais de maneira igual.
A decadência do positivismo se deveu aos movimentos políticos e militares que ascenderam ao poder, particularmente o nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália e que cometeram inúmeras barbáries em nome da lei.
Ao fim da Segunda Guerra Mundial, a comunidade jurídica internacional percebeu que um sistema indiferente aos fatores éticos/morais e baseado em leis que serviam apenas de molduras construídas para conteúdos diversos, necessitava de imediata transformação.
Em face do abandono histórico sofrido pelo jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo deram origem a um movimento que ainda evolui e é alicerçado sobretudo na teoria dos direitos fundamentais e na existência de regras e princípios (e as consequências que daí decorreram) provisoriamente denominados pós-positivismo[13].
O pós-positivismo também é chamado de pós-empirismo é uma instância meta teorética que critica e aperfeiçoa o positivismo. Os pós-positivistas acreditam que o conhecimento humano não é baseado em bases pétreas e, sim, em hipóteses.
O pós-positivismo tenta restabelecer uma relação entre direito e ética, pois busca materializar a relação entre valores, princípios, regras e a teoria dos direitos fundamentais e para isso, valoriza os princípios e sua inserção nos diversos textos constitucionais para que haja o reconhecimento de sua normatividade pela ordem jurídica.
A respeito de tal distinção, BARCELLOS (In: BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2008,) faz didática compilação dos sete critérios mais comumente propostos pela doutrina para esse fim, o que por certo nos oferece uma boa noção geral dessa tão importante questão da teoria do direito contemporânea, in verbis:
"(a) O conteúdo. Os princípios
estão mais próximos da ideia de valor e de direito. Estes formam uma exigência
da justiça, da equidade ou da moralidade, ao passo que as regras têm um
conteúdo diversificado e não necessariamente moral. (...)
(b) Origem e validade. A validade dos
princípios decorre de seu próprio conteúdo, ao passo que as regras derivam de
outras regras ou dos princípios. (...)
(c) Compromisso histórico.
Os princípios[14] são para muitos (ainda
que não todos), em maior ou menor medida, universais, absolutos, objetivos e
permanentes, ao passo que as regras se caracterizam de forma bastante evidente
pela contingência e relatividade de seus conteúdos, dependendo do tempo e
lugar.
(d) Função no ordenamento. Os princípios
têm uma função explicadora e justificadora em relação às regras. (...)
(e) Estrutura linguística. Os princípios
são mais abstratos que as regras, em geral não descrevem as condições
necessárias para sua aplicação e, por isso mesmo, aplicam-se a um número
indeterminado de situações.
Em relação às regras, diferentemente, é
possível identificar, com maior ou menor trabalho, suas hipóteses de aplicação.
(f) Esforço interpretativo exigido. Os
princípios exigem uma atividade argumentativa muito mais intensa, não apenas
para precisar seu sentido, como também para inferir a solução que ele propõe
para o caso, ao passo que as regras demandam apenas uma aplicabilidade, na
expressão de Jossef Esser, ‘burocrática e técnica’.
(g) Aplicação. As regras têm estrutura biunívoca, aplicando-se de acordo com o modelo do "tudo ou nada", popularizado por Ronald Dworkin. Isto é, dado seu substrato fático típico, as regras só admitem duas espécies de situação: ou são válidas e se aplicam ou não se aplicam por inválidas.
Uma regra vale ou não vale juridicamente. Não são admitidas gradações. Como registra Robert Alexy[15], ao contrário das regras, os princípios determinam que algo seja realizado na maior medida possível, admitindo uma aplicação mais ou menos ampla de acordo com as possibilidades físicas e jurídicas existentes.
Estes limites jurídicos, que podem restringir a otimização de um princípio, são (i) regras que o excepcionam em algum ponto e (ii) outros princípios opostos que procuram igualmente maximizar-se, daí a necessidade eventual de ponderá-los. Desenvolvendo esse critério de distinção, Alexy denomina as regras de comando de definição e os princípios de comandos de otimização".
Essa estruturação do sistema jurídico em regras e princípios é sábia, constituindo-se uma excelente construção teórica. Cuida-se de uma verdadeira formulação salomônica, porquanto, sem desprezar a lei, permite uma benfazeja oxigenação axiológica do sistema, viabilizada pela imanente plasticidade dos princípios. Fica superada, assim, a tradicional dicotomia jusnaturalismo x juspositivismo.
Ressaltamos, porém, para que se repila qualquer euforia prejudicial, que o sistema jurídico ideal há de ser aquele erigido levando em conta uma distribuição equilibrada entre regras e princípios, "nos quais as regras desempenham o papel referente à segurança jurídica – previsibilidade e objetividade das condutas – e os princípios, com sua flexibilidade, dão margem à realização da justiça do caso concreto. Como se percebe, o enlace jurídico entre regras e princípios é um bom exemplo de casamento perfeito.
A visão pós-positivista também acarreta
mudanças na área da interpretação constitucional. Nesse particular, leciona
BARROSO (In: BARROSO, Luís
Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de.
O Começo da História. A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos
Princípios no Direito brasileiro. In A Nova Interpretação Constitucional:
Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. BARROSO,
Luís Roberto (organizador). 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2006_ in
litteris:
"A interpretação jurídica tradicional desenvolveu-se sobre duas grandes premissas: (i) quanto ao papel da norma, cabe a ela oferecer, no seu relato abstrato, a solução para os problemas jurídicos; (ii) quanto ao papel do juiz, cabe a ele identificar, no ordenamento jurídico, a norma aplicável ao problema a ser resolvido, revelando a solução nela contida”.
Vale dizer: a resposta para os problemas está integralmente no sistema jurídico e o intérprete[16] desempenha uma função técnica de conhecimento, de formulação de juízos de fato.
No modelo convencional, as normas são percebidas como regras, enunciados descritivos de condutas a serem seguidas, aplicáveis mediante subsunção. Com o avanço do direito constitucional, as premissas ideológicas sobre as quais se erigiu o sistema de interpretação tradicional deixaram de ser integralmente satisfatórias.
Assim:
(i) quanto ao papel da norma, verificou-se
que a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato abstrato
do texto normativo. Muitas vezes só é possível produzir a resposta
constitucionalmente adequada à luz do problema, dos fatos relevantes,
analisados topicamente;
(ii) quanto ao papel do juiz, já não lhe caberá apenas uma função de conhecimento, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. O intérprete torna-se coparticipante do processo de criação do direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis".
Essa hermenêutica diferenciada vai suscitar, portanto, toda uma gama de novas discussões na arena da interpretação constitucional: [16] concreção [17], colisão de princípios constitucionais, ponderação, argumentação etc.
Analisando com Souza Neto, as diferenças
in verbis:
"... o paradigma
liberal-positivista contém em si uma
1) teoria da norma constitucional,
segundo a qual a) lei e constituição se identificam, b) a norma constitucional
possui uma textura fechada, e c) a constituição é um sistema coerente e
completo;
2) uma teoria da decisão[17], segundo a qual a) a
aplicação da norma constitucional se identifica com a aplicação da norma
infraconstitucional, b) não há que se falar em ato de decisão, mas simplesmente
de cognição, já que o ato jurisdicional se esgota na aplicação de uma vontade
pré-constituída, c) o magistrado é capaz de monologicamente, fazer uma leitura
racional do texto normativo, sem a interferência de seus valores e interesses
pessoais;
3) uma teoria da democracia segundo a
qual a) a vontade estatal deve ser formulada pelo órgão que foi legitimado para
tanto através do voto popular, o parlamento, e b) o magistrado deve se ater ao
disposto no texto legal, senão estará usurpando a vontade popular.
Do mesmo modo, o paradigma pós-positivista já sinaliza para a consolidação de certas características gerais que se encontram na obra da maioria dos autores.
Assim é que o paradigma pós-positivista,
1) no campo da teoria da norma
constitucional, enfatiza, de forma mais ou menos homogênea:
a) a presença dos princípios no ordenamento
constitucional, e não só das regras jurídicas;
b)
a estrutura aberta e fragmentada da constituição.
2) no campo da teoria da decisão,
investe na:
a)
reinserção da razão prática na metodologia jurídica, rejeitando a perspectiva
positivista de que somente a observação pode ser racional;
b)
propõe uma racionalidade dialógica, centrada não no sujeito, mas no processo
argumentativo, que
c) vincula a correção das decisões
judiciais ao teste do debate público,
3) no âmbito da teoria democrática propugna a) pelo caráter procedimental do processo democrático e b) pela possibilidade de limitação do princípio majoritário em nome da preservação da própria democracia"
Como se percebe, o embate entre o "positivismo" versus "pós-positivismo" é renhido, já perdura por vários rounds, sendo cheia de meandros teóricos e ainda assentada em um terreno extremamente bombardeado por críticas.
Com efeito, no positivismo[18]:
i)
o
intérprete há de ter uma postura neutra, apenas extraindo o sentido já embutido
no enunciado legal;
ii)
o sistema jurídico é visto como
fechado/completo, marcando-se pela unidisciplinariedade;
iii)
dá-se a supremacia da lei (foco no texto legal
– prevalência da lex), destacando-se a normatividade das regras;
iv)
trabalha-se no âmbito do ser/dever ser;
v)
a
interpretação se dá in abstracto, ocorrendo a inconstitucionalidade da
norma, sendo encarada como objeto da interpretação (o preceito normativo é o
ponto de chegada – o fato concreto não é valorizado);
vi)
reina
na hermenêutica o método subsuntivo/silogístico (ciência), com predomínio do valor
segurança;
vii)
há
rigidez na separação funcional do poder;
viii) o papel do juiz é passivo, na função de mero reprodutor da lei (o juiz descreve a realidade).
Já no pós-positivismo:
i)
o
intérprete há de ter uma postura construtiva, atribuindo sentido ao enunciado
legal;
ii)
o
sistema jurídico é visto como aberto/complexo, marcando-se pela
interdisciplinariedade;
iii)
dá-se
a supremacia da Constituição (foco no contexto fático-jurídico – prevalência do
jus), destacando-se a normatividade dos princípios; iv) trabalha-se no âmbito
do poder ser;
iv)
a
interpretação se dá in concreto, ocorrendo a possibilidade de
inconstitucionalidade dos efeitos da norma, sendo encarada como resultado da
interpretação (o preceito normativo é o ponto de partida – o fato concreto é
valorizado);
v)
reina
na hermenêutica o método ponderativo (prudência), com predomínio do valor
justiça;
vi)
há
flexibilidade na separação funcional do poder;
vii) o papel do juiz é ativo, na função de verdadeiro produtor do direito (o juiz transforma a realidade). (In: MARANHÃO, Ney. O fenômeno pós-positivista. Considerações gerais. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13387/o-fenomeno-pos-positivistaAcesso em 4.12.2020).
Segundo Paolo Comanducci o movimento neoconstitucional é uma teoria, uma ideologia e um método. E, contrapõe-se ao positivismo, estabelecendo bases de um novo direito, ancorado em valores universais. Assim, perde o Direito o caráter avalorativo, herdado do tempo positivista e passa a ser eminentemente axiológico. O movimento neoconstitucional se preocupa com a garantia, promoção e preservação de direitos humanos, sendo a limitação do poder mera consequência lógica. Perfazendo o diametralmente oposto do positivismo.
Enfim, o neoconstitucionalismo é método posto que aproxima a Moral do Direito e, tal proximidade foi propiciada pelos princípios constitucionais, particularmente os que versam sobre direitos fundamentais. Dentro dessa nova metodologia se realiza uma extensa investigação valorativa de elementos fáticos, jurídicos e sociais.
Um dos principais ditames do movimento neoconstitucional é a supremacia constitucional, tais direitos devem ser preservados, efetivados e promovidos e a forma como isso ocorre é explicada por três teorias. A primeira teoria é a dos quatro status formulada por George Jellinek.
Pelo seu entendimento o indivíduo fica diante do Estado de quatro maneiras ou status. Existe o status passivo, situação em que o indivíduo tem deveres a cumprir perante o Estado, seja por mandamentos ou proibições. Contrapondo-se a esse temos o status negativo, em que se defere ao indivíduo um espaço de liberdade intangível pela atuação estatal. Há o status positivo, em que o indivíduo tem o direito de exigir do Estado certas prestações. Por fim, há o status ativo, em que o indivíduo, exercendo direitos políticos, atua diretamente sobre a vontade do Estado.
A segunda teoria que versa sobre o tema é a que diz respeito sobre eficácia horizontal dos direitos fundamentais. É sabido que os direitos fundamentais tem eficácia nas relações havidas entre o indivíduo e o Estado, mas o mesmo se aplica nas relações entre particulares? A moderna doutrina entende que sim, dizendo que a aplicação horizontal dos direitos fundamentais se dá de forma direta ou indireta.
Ocorre a eficácia indireta quando “os direitos fundamentais são aplicados de maneira reflexa, tanto em uma dimensão proibitiva e voltada para o legislador, que não poderá editar leis que viole os direitos fundamentais, como ainda, positiva, voltada para o legislador implemente os direitos fundamentais, ponderando quais devem aplicar-se às relações privadas”.
Enquanto a eficácia direta ocorre quando "alguns direitos fundamentais podem ser aplicados às relações privadas sem que haja a necessidade de intermediação legislativa para sua concretização, é o que ocorre, por exemplo, com o princípio da igualdade, aplicável às relações laborais no sentido de impedir a diferenciação entre os empregados de uma mesma empresa por causa de sua raça.
Há ainda a teoria da eficácia irradiante relacionada à dimensão objetiva dos direitos fundamentais (dignidade da pessoa humana, igualdade substantiva e a justiça social), vincula a atuação estatal à observância de seus preceitos, isto é, a atuação dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário posto que não possam contrariar o dispositivo da dimensão objetiva.
A subsunção e a ponderação são duas básicas operações de aplicação do direito. A primeira operação pode ser representada por um esquema dedutivo enquanto que a segunda através de um esquema matemático, verifica-se a fórmula do peso dos valores envolvidos. Através da lição clássica de Alexy que as operações se inserem nos critérios distintivos, pois, conclui-se que as regras se aplicam por subsunção e os princípios por podenração.
Porém, é possível que as regras possam ser aplicadas por ponderação e, os princípios, por sua vez, aplicam-se por ponderação que é precedida por subsunção. E, por vezes, os princípios aplicam-se por subsunção.
No que tange aos princípios, inegavelmente possuem maior tendência ao conflito não solucionável por normas de prevalência, acarretando assim maior uso da técnica de ponderação. É através da ponderação que se verificará e aferirá os princípios envolvidos em certo caso concreto e, qual terá maior peso, e portanto, deverá prevalecer na solução. A dúvida cruel é saber como serão selecionados os princípios que participarão da ponderação. O que necessariamente nos leva a prévia subsunção.
Analisemos o exemplo: se existe jurisdicionado portador de doença grave que está requerendo ao Estado um medicamento experimental e ainda não aprovado pela Anvisa para o tratamento indicado. Antes, da subsunção, não há como saber quais as normas aplicáveis.
Após a seleção dos enunciados normativos convergentes ao caso concreto e a determinação de seus significados. Primeiro, conclui-se que o Estado deve fornecer medicamentos (direitos fundamental à saúde), em sua dimensão prestacional, extraído do enunciado do artigo 196 CFRB/1988; em segundo, o Estado deve garantir a vida das pessoas (direito fundamental à vida, extraído do artigo 5º CFRB/1988); em terceiro lugar, o Estado deve garantir a segurança dos medicamentos (direito fundamental à saúde, em sua dimensão de proteção, extraído do artigo 200, incisos I e II e CFRB/1988).
Uma vez identificada a concorrência de normas e aplicando as normas de prevalência (princípio da especialidade, considerando, nesse caso, a norma que consagra o direito à saúde[19], na dimensão prestacional que está na relação de especialidade declarativa em relação ao direito à vida, ocorre a configuração final do conflito de interesses com a seleção das normas que estarão sujeitas à ponderação, do primeiro e segundo caso.
A ponderação conforme Bruno Sacramento resolverá o conflito de acordo com os pesos atribuídos a cada princípio. Por derradeiro, há casos em que os princípios são aplicados somente por subsunção. O ato de publicar um artigo jurídico que não fere o direito à vida privada de ninguém, ou outro direito fundamental, é garantido pelo princípio que assegura a liberdade de expressão, aplicado por subsunção, sem necessidade de realizar-se uma ponderação. Verificada a inexistência de colisão com outros princípios, o comando prima facie se tornará definitivo, com base na subsunção que se mostrou suficiente para solucionar o caso.
Verifica-se, portanto, que a subsunção é a primeira técnica necessariamente utilizada para resolver determinado problema jurídico. Em alguns casos, ela será suficiente. Em outros, porém, a identificação de um conflito normativo não solucionável por normas de prevalência exigirá que o juiz faça uso também da técnica subsidiária da ponderação. A forma de aplicação das normas decorre, então, da eventual identificação de um conflito irresolúvel, e não de sua eventual caracterização como regra ou princípio. Ambos se aplicam de igual forma.
A pandemia de Covid-19[20] traz ainda nefastos efeitos em todo mundo e, não é diferente em nosso país, surgem igualmente os problemas jurídico-constitucionais em grande medida, que são idênticos ou similares. Aliás, a própria configuração do Estado, sua forma de governo, seu regime político e demais instrumentos que produzem impactos sobre a eficácia das medidas tomadas (e não tomadas).
A prioridade é o direito à vida, à saúde e, à preservação da dignidade humana. O que torna relevante a atuação do Estado por seus órgãos principalmente para garantir o regular funcionamento das instituições públicas bem como da vida social e econômica. Nesse sentido, é relevante o neoconstitucionalismo na proteção e defesa dos direitos fundamentais e dos princípios estruturantes do Estado Democrático de Direito que está colocada em sério risco.
Lembremos que as medidas adotadas têm como escopo de proteger a saúde[21] e vida da população, portanto, quaisquer omissões ou restrições aos direitos e garantias do cidadão, deve-se primeiramente atentar para que é fato corriqueiro a restrição a direitos, posto que seja peculiar e indissociável no cotidiano de uma vida em sociedade politicamente organizada, mas, sim, a sua legitimação constitucional que parte do pressuposto de que os fins não justificam o uso de todo e qualquer meio e da conexa (porém, não idêntica) proibição de arbítrio[22].
Aliás, é preciso em certas ocasiões de anormalidade ainda sob o manto da legitimidade constitucional, a autorização para a decretação no Brasil de um estado de defesa, ou até de estado de sítio, situações nas quais, durante sua vigência, vige conjunto de sérias restrições aos direitos e garantias fundamentais do povo podem ser autorizadas.
Diante grave crise[23] e instabilidade que afetem à saúde e à vida, podem ser adotadas mesmo sem formal decretação de estado de exceção constitucional, sendo tomadas medidas rigorosas, que por sua vez, acarretam restrição, em nível acentuado, de alguns direitos e garantias fundamentais, tudo condicionado naturalmente ao controle igualmente vigilante da consciência jurídica e do STF.
Porém, lembremos que basta a mera leitura do texto constitucional brasileiro vigente para verificar que há a absoluta impossibilidade de decretação de estado de sítio sem antes esgotarem todas as alternativas anteriores. Ademais, quaisquer proposições formais de instalação de estado de sítio já correspondem ofensa ao mais elementares valores e princípios do Estado Democrático de Direito e, no caso brasileiro é inadmissível tolerar a violação da Constituição Federal, especialmente daqueles que juraram solene e publicamente respeitá-la fielmente, seja a qual poder ou instituição pertençam.
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Notas:
[1]
Hugo Grotius (1583-1645) foi um jurista holandês, considerado um dos fundadores
do Direito Internacional. Foi também diplomata, poeta, dramaturgo e
historiador. É o autor da obra “O Direito da Guerra e Paz”. Desenvolveu a
doutrina da guerra justa, já estabelecida por St. Agostinho. Hugo Grotius
(1583-1645) conhecido também por (Hugo Grócio) e (Hugo de Groot) nasceu em
Delft, nos Países Baixos, no dia 10 de abril de 1583. Criança precoce começou a
escrever poesia com apenas oito anos. Com onze anos entrou para a Universidade
de Leiden, onde seu pai era curador, para estudar Direito. Com 15 anos
acompanhou uma missão diplomática à corte parisiense de Henrique IV. Com 16
anos publicou obras sobre a filosofia grega e latina. Nesse mesmo ano foi
nomeado para o Tribunal de Haia, quando pronunciou seu primeiro discurso.
[2]
Através da ruptura da unidade religiosa com a reforma protestante, a moderna
corrente jusnaturalista se desvincula da fé religiosa, inspirando-se no
racionalismo cartesiano e concentrando-se na análise filosófica da pesquisa de
leis gerais que fossem capazes de regular a convivência social. Foi Maquiavel
quem gerou a primeira sensível ruptura no sistema ético tradicional que
vigorava na religião, moral e direito. E, a reforma protestante exerceu papel
decisivo na modificação da cultura política e jurídica europeia ao impulsionar
alianças e inimizades entre os príncipes, e a formulação da mentalidade livre
individualista, a valoração de consciência moral, a noção de tolerância,
liberdade de culto, entre outras tantas contribuições.
[3]
Os iluministas acreditavam, portanto, que a racionalidade humana,
diferentemente da providência divina, poderia ordenar a natureza e vida social.
Este movimento jusnaturalista, de base antropocêntrica, utilizou a ideia de uma
razão humana universal para afirmar direitos naturais ou inatos, titularizado
por todo e qualquer indivíduo, cuja observância obrigatória poderia ser imposta
até mesmo ao Estado, sob pena do direito positivo corporificar a injustiça.
[4]
Christian Thomasius (Leipzig, 1 de janeiro de 1655 — Halle an der Saale,
23 de setembro de 1728) foi um jurista e filósofo alemão. Thomasius
contribuiu significativamente com seu direito penal humanitário orientado pelo
iluminismo para a abolição da caça às bruxas e tortura. Jakob Thomasius
(1622—1684) foi um filósofo e jurisconsulto alemão. É atualmente reconhecido
como fundamentalmente importante na fundação do estudo acadêmico da história da
filosofia. Suas visões foram ecléticas, e foram continuadas por seu filho Christian
Thomasius. Foi professor de Gottfried Leibniz na Universidade de Leipzig,
onde Thomasius foi professor de retórica e filosofia moral, permanecendo seu
amigo e correspondente, e foi descrito como mentor de Leibniz
[5]
Estado liberal (ou Estado liberal de direito) é um modelo de governo baseado no
liberalismo desenvolvido durante o Iluminismo, entre os séculos XVII e XVIII. O
liberalismo se opôs ao governo controlador e centralizador do Estado
absolutista, que tinha como principais características o acúmulo de riquezas, o
controle da economia e uma relação de autoritarismo entre o governo e o povo. O
Estado liberal, também chamado de Estado liberal de direito, é voltado para a
valorização da autonomia e para proteção dos direitos dos indivíduos,
garantindo-lhes a liberdade de fazer o que desejarem desde que isso não viole o
direito de outros. Economicamente, o Estado liberal é fruto direto dos
interesses da burguesia. Seu principal estudioso foi Adam Smith, que acreditava
que o mercado é livre quando regula a si próprio sem qualquer interferência
estatal. É o modelo oposto ao Estado intervencionista, marcado por uma
regulação exaustiva de todas as áreas da economia, incluindo o setor privado.
[6]
A codificação não só unifica o direito, dando em lei toda matéria jurídica,
como, também, a apresenta de forma orgânica, sistemática, em virtude de suas
regras observarem princípios gerais informativos do todo. Acaba a codificação
com a legislação dispersa. Apresentando, quase sempre, tratamento jurídico
novo. Partindo da França, atingindo a Alemanha, o movimento codificador ganhou
a corrida com o direito comum (direito romano adaptado às condições europeias
pelos juristas europeus desde a Idade Média) e com o direito consuetudinário.
Países como a Inglaterra e os Estados unidos, que não aderiram a esse
movimento, de certa forma sentiram a necessidade de oficialmente unificar o
direito. Na Inglaterra, escreve Gogliolo: “é sabido que os juízes se fundam nos
chamados precedentes escritos, que se encontram em coleções e livros. Esta
jurisprudência escrita (case law) é uma espécie de código sob outra forma”. Nos
Estados Unidos, os precedentes judiciais predominantes, assentados e
tradicionais, sobre determinadas matérias jurídicas estão sendo compilados (restatement).
[7]
Desde o seu início, com Auguste Comte (1798-1857) na primeira metade do século
XIX, até o presente século XXI, o sentido da palavra mudou radicalmente,
incorporando diferentes sentidos, muitos deles opostos ou contraditórios entre
si. Nesse sentido, há correntes de outras disciplinas que se consideram
"positivistas" sem guardar nenhuma relação com a obra de Comte.
Exemplos paradigmáticos disso são o positivismo jurídico, do austríaco Hans
Kelsen, e o positivismo lógico (ou Círculo de Viena), de Rudolf Carnap, Otto
Neurath e seus associados.
Para Comte, o positivismo é uma doutrina filosófica, sociológica e política. Surgiu como desenvolvimento sociológico do iluminismo, das crises social e moral do fim da Idade Média e do nascimento da sociedade industrial - processos que tiveram como grande marco a Revolução Francesa (1789-1799). Em linhas gerais, ele propõe à existência humana valores completamente humanos, afastando radicalmente a teologia e a metafísica (embora incorporando-as em uma filosofia da história). Assim, o positivismo associa uma interpretação das ciências e uma classificação do conhecimento a uma ética humana radical, desenvolvida na segunda fase da carreira de Comte. O positivismo defende a ideia de que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro. De acordo com os positivistas somente pode-se afirmar que uma teoria é correta se ela foi comprovada através de métodos científicos válidos. Os positivistas não consideram os conhecimentos ligados a crenças, superstição ou qualquer outro que não possa ser comprovado cientificamente. Para eles, o progresso da humanidade depende exclusivamente dos avanços científicos.
[8]
O lema Ordem e Progresso na bandeira do Brasil é inspirado pelo lema
positivista: "Amor como princípio e ordem como base; o progresso como
meta". Foi usado na bandeira, pois várias pessoas envolvidas na
Proclamação da República do Brasil eram seguidoras das ideias de Auguste Comte.
[9]
Sua origem mais remota se encontra em Condorcet, filósofo vinculado à
Enciclopédia, para quem era possível criar-se uma ciência da sociedade com base
na matemática social, de acordo com Michael Löwy. Mas foi com Augusto Comte
(1798-1857) que o positivismo se tornou uma escola filosófica. Comte era
formado em noções de matemática, frequentou a École Polytechnique de
Paris e, logo após a Restauração dos Bourbons, aproximou-se do filósofo Saint
Simon, tornando-se seu secretário particular, mas divergindo de suas ideias
políticas. Em 1830 surgiu o primeiro volume de seu Cours de philosophie
positive. Ao longo de aproximadamente uma década concluiu essa sua obra de
referência, cujo último volume foi publicado em 1842. Mas o trabalho conclusivo
de Comte foi o Système de politique positive, editado entre 1852 e 1854, em
plena maturidade intelectual.
[10]
O conceito de código que advém do latim caudex ou codex que
significa tábua, prancha de madeira. E, em um texto de Sêneca em que se explica
que por esse motivo é que se chamava de códice às tábuas da lei porque eram
realmente escritas sobre tábuas de madeira. O termo significava, portanto, o
material em que se escrevia a lei, mas depois passou a designar a própria lei,
independente do material em que estivesse escrita, chamamos código, por
exemplo, à grande laje de pedra em que Hamurabi mandou gravar há 400 anos as
leis do seu império, e chamamos igualmente códigos as antigas coleções de leis.
Mas a semelhança é apenas
de palavras, sob o ponto de vista cultural, as antigas coleções de leis e os
modernos códigos são realidades completamente diferentes.
A coleção é uma simples
reunião de materiais dispersos, agrupados com certa ordem, na intenção de
facilitar a consulta e o uso prático. O código não é isso. Pretende representar
um sistema homogêneo, unitário, racional, aspira a ser uma construção lógica
completa, erigida sob o alicerce de princípios que se supõem aplicáveis a toda
a realidade que o direito deve disciplinar.
[11]
Com a obra de Kant que a proposta de racionalização do jusnaturalismo atinge um
maior grau de profundidade e sofisticação intelectual. O criticismo
transcendental de Emmanuel Kant procura conciliar o empirismo e o idealismo,
redundando num racionalismo que reorienta os rumos da filosofia moderna e
contemporânea. Para ele, o conhecimento só é possível a partir da interação a
experiência e as condições formais da razão. Promove uma verdadeira revolução
copernicana na teoria do conhecimento, ao valorizar a figura do sujeito
cognoscente, o que nos ajuda a compreender sua discussão ética. Kant
preocupa-se em fundamentar a prática moral não na pura experiência, mas em uma
lei inerente à racionalidade universal humana, o chamado imperativo categórico
– age só, segundo uma máxima tal, que possas querer, ao mesmo tempo, que se
torne uma máxima universal. Aqui a razão prática é legisladora de si, definindo
os limites da ação e da conduta humana. O imperativo categórico é único,
absoluto e não deriva da experiência. A ética é, portanto, o compromisso de
seguir o próprio preceito ético fundamental, e pelo fato de segui-lo em si e
por si. O homem que age moralmente deverá fazê-lo, não porque visa à realização
de qualquer outro algo, mas pelo simples fato de colocar-se de acordo com a
máxima do imperativo categórico. O agir livre é o agir moral. O agir moral é o
agir de acordo com o dever. O agir de acordo com o dever é fazer de sua lei
subjetiva um princípio de legislação universal, a ser inscrita em toda a
natureza.
[12]
A linhagem metafísica inicia em Platão, passa por Plotino, Sto. Agostinho, Sto.
Tomás, Cusano, Descartes, Spinoza e Leibniz, até Kant que questiona o paradigma
metafísico, mas está ainda dentro de seus limites. A partir de Kant surgiram
Fichte, Schelling e Hegel.
[13]
O pós-positivismo tenta restabelecer uma relação entre direito e ética, pois
busca materializar a relação entre valores, princípios, regras e a teoria dos
direitos fundamentais e para isso, valoriza os princípios e sua inserção nos
diversos textos constitucionais para que haja o reconhecimento de sua
normatividade pela ordem jurídica. O pós-positivismo é aquele que é definido
pelo Professor Barroso como: “designação provisória e genérica de um ideário
difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e
regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos
direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade da pessoa
humana”.
[14]
Entretanto, para Luiz Rodrigues Wambier, no aspecto jurídico, os princípios
“São normas que fornecem coerência e ordem a um conjunto de elementos,
sistematizando-os” o mesmo autor continua a indicar que “são normas fundantes
do sistema jurídico” de resto, diz que: “são os princípios que, a rigor, fazem
com que exista um sistema”. Cumpre dizer que princípio é um enunciado, ou vetor
norteador, no qual se baseia o cientista na busca do conhecimento, um postulado
fundamental que inspira uma área do conhecimento humano, a base fundamental e
indispensável de um sistema, o núcleo de um todo orgânico que por suas
peculiares feições serve de critério para inferência do todo ou de
interpretação de alguns de seus aspectos, são axiomas que se configuram em
cânones.
[15]
Robert Alexy é um jurista alemão, e um dos mais influentes filósofos
contemporâneos do direito. Graduou-se em direito e filosofia pela Universidade
de Göttingen, formou-se doutor em 1976, com a dissertação Uma Teoria da
Argumentação Jurídica, e adquiriu habilitação em 1984, com a Teoria dos
Direitos Fundamentais. Ambos os trabalhos são considerados clássicos
contemporâneos da filosofia e teoria do direito. A definição de direito de
Alexy inspira-se no normativismo de Hans Kelsen (o qual foi uma versão influente
do positivismo jurídico) e do jusnaturalismo de Gustav Radbruch, mas sua teoria
da argumentação o colocou bem próximo do interpretativismo jurídico. O objetivo
de Robert Alexy com sua teoria sobre direitos fundamentais não é alcançar
exatamente uma homogeneização de cada ordem jurídica fundamental. Seu objetivo,
na verdade, é o de descobrir as estruturas dogmáticas e revelar os princípios e
valores que se escondem atrás das codificações e da jurisprudência. Isto
porque, em qualquer lugar que existam direitos fundamentais, colocam-se
problemas semelhantes como, por exemplo, as diferenças estruturais entre os
direitos sociais e os políticos.
[16]
Sendo a interpretação o elemento central da teoria de Dworkin, o
interpretativismo pode ser descrito como a teoria da prática interpretativa
como meio de descobrir quais fatos políticos são importantes para a definição
do direito. Para Dworkin, as teorias semânticas seriam caracterizadas por
pressupor que os advogados e juízes compartilham os mesmos parâmetros para decidir
se proposições jurídicas são verdadeiras ou falsas, de modo que casos
limítrofes sejam resolvidos mediante o estabelecimento de linhas divisórias.
Consoante tal doutrina, os integrantes da Comunidade Jurídica precisam fixar
quais os critérios que melhor identificam os sentidos das práticas jurídicas e,
com base neles, exercer as operações decisórias.
[17]
A teoria tem como base estudar se a norma é levada com emoção no processo de
decisão judicial, afirma que a decisão racional pode estar ligada a emocionalidade,
fazendo com que essa relação transgrida os princípios jurídicos. A teoria da
decisão é uma área interdisciplinar de estudo, com definições que relacionam
filosofia, matemática e estatística, aplicável a quase todos os ramos da
ciência, engenharia e principalmente à psicologia do consumidor (baseados em
perspectivas cognitivo-conductuais). Não há dúvidas, portanto, que a grande
preocupação contemporânea da teoria do direito deve ser o desenvolvimento de
uma teoria da interpretação e uma teoria da decisão judicial adequadas ao
Estado Democrático Constitucional, responsáveis por reduzir a
discricionariedade judicial e impedir a arbitrariedade que resulta da “livre”
criação no espaço deixado na chamada “zona de penumbra” (“penumbra of doubt”)
para o juiz.
[18]
O positivismo jurídico é a mais célebre e debatida teoria do direito. No
decorrer do século XX e com maior intensidade após a Segunda Guerra Mundial, as
teses positivistas foram rejeitadas pela maioria dos pensadores do direito. Não
faltaram críticas coerentes e profundas ao positivismo (temos como exemplos de
críticas precursoras: François Gény, Philipp Heck e, no Brasil, Carlos
Maximiliano). Mas a maioria dos juristas rejeitou o positivismo jurídico de
maneira superficial, com base em equívocos teóricos e críticas
sensacionalistas. É um fato digno de nota que, nos últimos anos, os juristas
brasileiros começaram a investigar novamente as vertentes do positivismo
jurídico, produzindo obras atualizadas e oferecendo importantes balanços
críticos de suas vantagens e problemas. Pretendemos nesse texto apresentar os
principais aspectos das abordagens juspositivistas.
[19]
A sociedade brasileira, especialmente durante a década originada em 1980, tem
adquirido a consciência de seu direito à saúde. Tanto aqueles milhões de
pessoas ainda completamente à margem do mercado consumidor, quanto as elites
econômico-sociais têm reivindicado a garantia do direito à saúde. Ninguém tem
dúvida de que o artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, da
Organização das Nações Unidas (ONU), assinada pelo Brasil, quando enumera a
saúde como uma das condições necessárias à vida digna, está reconhecendo o
direito humano fundamental à saúde. Também os profissionais ligados à área da
saúde vêm exigindo do governo brasileiro a proteção, promoção e recuperação da
saúde como garantia do direito essencial do povo. Todavia, para que tal direito
seja realmente garantido é necessário que se compreenda claramente o
significado do termo "direito à saúde". In: DALLARI, Sueli Gandolfi
Dallari. O direito à saúde. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89101988000100008
Acesso em 10.12.2020.
[20]
Como a ocupação dos leitos de UTI dedicados ao tratamento de Covid-19 na rede
estadual já ultrapassou o marco de 80% estipulado pelo Poder Executivo
estadual, sem que tenha sido decretado o confinamento (lockdown), ante a
urgência da questão, resta buscar a prestação jurisdicional para que seja
determinado liminarmente ao Estado do Maranhão estender a suspensão expressa a
todas as atividades não essenciais à manutenção da vida e da saúde.
[21] No cenário pátrio, o direito à saúde foi uma
conquista do movimento da Reforma Sanitária, resultando na criação do Sistema
Único de Saúde (SUS) pela Constituição Federal brasileira de 1988, cujo artigo
196 que dispõe in litteris: “A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para a promoção, proteção e recuperação”. No entanto, direito à saúde
não se restringe apenas a poder ser atendido no hospital ou em unidades
básicas. Embora o acesso a serviços tenha relevância, como direito fundamental,
o direito à saúde implica também na garantia ampla de qualidade de vida, em
associação a outros direitos básicos, como educação, saneamento básico,
atividades culturais e segurança.
[22]
Questiona-se em face as recentes apurações de óbitos e infectados se não
existiria um direito subjetivo ao lockdown, tendo em vista a total
ocupação da rede pública e privada de vagas de UTI em hospitais.