Escravidão contemporânea

Na legislação brasileira, o artigo 149 do Código Penal prevê os elementos que caracterizam a redução de um ser humano à condição análoga à de escravo.  São eles: a submissão a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas, a sujeição a condições degradantes de trabalho e a restrição de locomoção do trabalhador. Em 1995, o Brasil foi um dos primeiros países a reconhecer oficialmente a existência de trabalho forçado em seu território perante a comunidade internacional. A partir de então, o país adotou a terminologia “trabalho escravo” ao instituir as políticas públicas que tratam do crime e procedeu com um conjunto de esforços visando a sua erradicação, tornando-se uma referência mundial no combate a essa grave violação dos direitos humanos.

Fonte: Gisele Leite e Ramiro Luiz Pereira da Cruz

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O trabalho análogo a escravidão é difícil identificar as situações e, em geral, a denúncia nem é feita pela vítima, mas por alguém que externamente observar e chega a cruel conclusão. Por vezes, a vítima não possui consciência do grau de exploração a que é submetida, pois a vítima é pessoa que está numa situação de grande vulnerabilidade social.

O trabalho análogo à escravidão pode estar presente em qualquer setor ou atividade, tanto no meio urbano como no rural.  E se caracteriza por jornadas exaustivas, pelas condições degradantes de trabalho, restrições à liberdade do trabalhador, por imposição de dívidas ou por violência física e/ou moral e estão na realidade brasileira em 2023.

Desde 1995, mais de cinquenta e sete mil brasileiros foram resgatados de condições análogas à escravidão, o referido número é superior à população de 89% dos municípios brasileiros. (Fonte: Radar SIT- Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do trabalho, via SmartLab; IBGE).

Na média, desde que os números começaram a ser registrados, a cada ano, cerca de 2.063 pessoas foram retiradas de trabalhos degradantes.

Frise-se ainda que o número de brasileiros resgatados das condições análogas à escravidão em 2022 foi o maior em dez anos. Por outro lado, desde 2011 o número de auditores fiscais do trabalho no país reduziu em 37%.

Desde 2003, a pecuária deu espaço para o cultivo de cana de açúcar e para atividades de apoio à agricultura no ranking dos ramos  com mais casos de trabalho escravo. No começo do período, 54% dos casos de trabalho análogo à escravidão aconteciam na pecuária; em 2022, foram apenas 4%.

Só no primeiro trimestre de 2023, o Rio Grande do Sul resgatou mais vítimas de trabalho análogo à escravidão do que em 2022 inteiro.

Foram 294 trabalhadores entre janeiro e março, quase o dobro dos 156 casos registrados no ano passado.

Um quarto dos brasileiros resgatados em condições análogas à escravidão são homens de até vinte e quatro anos. E, a maioria dos quarenta e quatro mil brasileiros resgatados desde 2002 eram homens e jovens, e apenas sete por cento eram mulheres. E, a cada dez mulheres resgatadas de condições análogas à escravidão, seis eram pretas ou pardas, 22% são brancas e 11% da raça amarela e 3% indígenas.

As condições que caracterizam o trabalho análogo à escravidão estão previstas no artigo 149 do Código Penal. Trabalho em condições degradantes, trabalho forçado, jornada exaustiva e situações que configuram escravidão por dívidas são recorrentes.

Não é necessário que todos os aspectos estejam presentes simultaneamente; qualquer uma destas situações já pode configurar trabalho análogo à escravidão e, em caso de suspeita, a denúncia pode ser feita.

Há negação dos direitos básicos para a dignidade do trabalhador. “Ele não tem garantida uma alimentação digna, muitas vezes não tem acesso a água potável, a um alojamento com a mínima qualidade e conforto, acesso a medidas de saúde e segurança do trabalho, não há respeito ao repouso, não há às vezes até mesmo pagamento de remuneração”, explica Medina.

Há situações em que trabalhadores do meio rural são resgatados em barracos de lona, obrigados a buscar a própria comida e a beber água de riachos e açudes.

O empregador leva o trabalhador a constituir dívidas de forma fraudulenta. O funcionário nunca consegue quitar a “falsa dívida “que teria contraído. “Então o empregador, por exemplo, cobra os próprios instrumentos de proteção, cobra os mantimentos para o trabalhador por preços superfaturados, cobra o meio de transporte para o trabalhador ir à fazenda, e com isso praticamente todo o dinheiro que o trabalhador ganha reverte de volta ao empregador.”

É possível fazer a denúncia de forma anônima, mas ressalta-se que há a importância de deixar ao menos um telefone de contato: “Muitas pessoas têm medo de denunciar e se identificar, mas precisamos entrar em contato com o informante em algum momento, até para garantir a eficiência da ação fiscal, às vezes ter algum detalhe que a pessoa não citou e a gente precisaria saber.”

Os dados do denunciante são sigilosos e não são divulgados, assim como a própria existência da denúncia e seu conteúdo.

A servidão compulsória, que caracterizava pessoas como propriedades, foi abolida em 1888, com a Lei Áurea, mas possuir condutas parecidas, se utiliza a palavra "análogo".

No campo normativo brasileiro, a alteração do conceito de trabalho escravo contemporâneo trazida pela Lei 10.803/2003 ao artigo 149 do Código Penal brasileiro representa um grande ganho no combate a essa mácula social, pois transcendeu a necessidade de ausência de liberdade para sua caracterização, ampliando a tipificação penal para hipóteses de submissão a condições degradantes de trabalho, jornadas exaustivas ou forçadas por dívidas.

No aspecto internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 1948, sendo fonte motriz dos sistemas de direitos humanos e o principal regramento de universalização da proteção do ser humano, expõe em seus artigos IV e XXIII: “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas”. “Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”.

A condenação dessa chaga também consta em outros documentos internacionais, como a Convenção das Nações Unidas sobre Escravatura de 1926 e a Convenção Suplementar sobra a Abolição da Escravatura de 1956.

A Convenção n. 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), proposta em 1930, ratificada pelo Brasil em 25 de abril de 1957 e promulgada pelo Decreto n.  41.721, de 25 de julho de 1957, define como trabalho forçado, em seu artigo 1º, todo e qualquer trabalho para o qual o trabalhador não pode decidir livremente  se aceita a atividade.

Destacam-se, ainda, a Convenção n. 105 da OIT de 1957, ratificada pelo Brasil em 18 de junho de 1965 e promulgada pelo Decreto n. 58.822, de 14 de julho de 1966, que obrigam os países signatários a suprimir o trabalho forçado.

Analisando, a jurisprudência brasileira, registra-se que a Segunda Turma do STF confirma condenação de fazendeiro por submeter trabalhadores a condições análogas à de escravo

Os ministros rejeitaram agravo do proprietário e do gerente de uma fazenda em Vitória da Conquista (BA), onde foram encontrados 26 trabalhadores em condições degradantes.

Por unanimidade de votos, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (SF) confirmou, nesta terça-feira (11), decisão do ministro Edson Fachin que restabeleceu a condenação do proprietário e do gerente de uma fazenda de Vitória da Conquista (BA) por submeter trabalhadores a condições análogas à de escravo, crime previsto no artigo 149 do Código Penal (CP). A decisão foi proferida no julgamento de agravo regimental no Recurso Extraordinário (RE) 1279023.

Em julho de 2013, um Grupo de Fiscalização Móvel do extinto Ministério do Trabalho (atual Secretaria Especial de Previdência e Trabalho) encontrou, na Fazenda Sítio Novo, 26 trabalhadores rurais em péssimas condições de trabalho, de alojamento e de higiene e constatou várias violações a leis trabalhistas. Durante a instrução probatória, foram ouvidos os auditores que atuaram na fiscalização e três vítimas.

O Juízo da 2ª Vara Federal de Vitória da Conquista condenou o proprietário da fazenda, Juarez Lima Cardoso, a seis anos de reclusão, e o gerente da propriedade, Valter Lopes dos Santos, a três anos.

No entanto, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) acolheu apelação dos réus para absolvê-los, por considerar que as irregularidades trabalhistas verificadas pela fiscalização não eram suficientes para caracterizar o crime de submissão de trabalhadores às condições análogas à de escravo. Para o TRF-1, embora as vítimas tenham confirmado as informações prestadas pelos auditores, seus depoimentos não foram suficientes para “comprovar de forma cabal a existência do trabalho escravo”.

O Ministério Público Federal (MPF) recorreu ao Supremo, e o ministro Edson Fachin, em decisão monocrática, restabeleceu a sentença, levando a defesa a interpor o agravo julgado pela Turma.

Em seu voto, o ministro reproduziu as circunstâncias que levam ao enquadramento jurídico dos fatos no crime previsto no artigo 149 do CP. A jornada de trabalho se estendia das 7h às 18h, e os 26 trabalhadores cuidavam de uma plantação de café de 104 hectares com 180 mil pés, cuja manutenção exigiria a contratação de aproximadamente 150 pessoas para atender todas as etapas da colheita (capina, colheita, rasteio, transporte e carregamento dos caminhões). Assim, eles estavam expostos a sobrecarga de trabalho e excesso de jornada e sem condições adequadas de alojamento, higiene e alimentação.

O Ministro Fachin também registrou que os trabalhadores dormiam em camas improvisadas com tijolos, tábuas e papelão, não havia água nem instalações sanitárias e os alimentos e objetos pessoais ficavam no chão, expostos a moscas, insetos e roedores.

Reenquadramento jurídico

Ao rejeitar o agravo apresentado pela defesa, o ministro afirmou que ele continha apenas reiterações das alegações apresentadas no RE de que as situações descritas nos autos seriam “meras irregularidades trabalhistas e que, infelizmente, estão presentes na realidade da vida rural brasileira”.

O relator também rejeitou o argumento de que teria revolvido fatos e provas para restabelecer a sentença condenatória, em violação à Súmula 279 do STF. Fachin salientou que há clara distinção entre a valoração jurídica dos fatos e sua aferição e que o reenquadramento jurídico dos fatos postos nas instâncias inferiores é plenamente possível aos Tribunais Superiores.

Em relação à fixação da pena, o ministro assinalou que o juízo de primeira instância dividiu o número de trabalhadores atingidos, de maneira que, do total de 26, seis foram considerados para o aumento de pena no concurso formal e os 20 restantes justificaram a maior reprovabilidade da conduta, enquadrada como circunstância do crime. Com isso, afastou a alegação de que o juiz teria utilizado a mesma fundamentação (quantidade de trabalhadores supostamente afetados) em duas fases da dosimetria da pena, a fim de majorá-la.

O Supremo Tribunal Federal julgou constitucional a criação do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo, a chamada “lista suja do trabalho escravo”. A decisão, por maioria de votos, foi proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 509, ajuizada pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), na sessão virtual encerrada em 14/9/2020.

Na ação, a Abrainc sustentava que a Portaria Interministerial 4/2016, dos extintos Ministérios do Trabalho e Previdência Social e das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos teria ferido o princípio da reserva legal. Segundo a associação, a criação de um cadastro de caráter sancionatório e restritivo de direitos só poderia ter ocorrido por meio de lei.

A Portaria[1], editada em maio de 2016, estabelece que a inclusão do empregador no cadastro somente ocorrerá após decisão administrativa irrecorrível de procedência do auto de infração em que for constatada a exploração de trabalho em condições análogas à de escravo. O nome do empregador permanecerá no cadastro por dois anos, durante o qual será realizado monitoramento para verificar a regularidade das condições de trabalho.

As novas definições conceituais veiculadas na Portaria do Ministério do Trabalho 1.129/2017 sobre trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo não se coadunam com o que exigem o ordenamento jurídico brasileiro, os instrumentos internacionais celebrados pelo Brasil e a jurisprudência dos tribunais sobre a matéria.

Não há necessidade de violência física, de coação direta a liberdade de ir e vir ou de servidão por dívida para caracterizar o crime de redução a condição análoga à de escravo.

I. Trata-se de decisão de recebimento de denúncia, na qual os réus foram acusados pelo crime do artigo 149 do Código Penal, porque aliciavam e empregavam trabalhadores migrantes nordestinos em Minas Gerais. Os trabalhadores sofriam violações a sua dignidade, em vista das precárias condições do alojamento em que viviam, das jornadas exaustivas, do comprometimento de suas rendas com compras perante estabelecimento comercial ligado ao empregador e da impossibilidade de retornarem a suas regiões de origem, em razão do custo da viagem de regresso. A defesa alegou que os trabalhadores não eram submetidos a vigilância, tendo liberdade de ir e vir.

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, seguindo jurisprudência da Corte, que não era necessária a violência física para configurar o delito de redução à condição análoga à de escravo, bastando haver “a coisificação do trabalhador, com a reiterada ofensa a direitos fundamentais, vulnerando a sua dignidade como ser humano”. Em vista disso, recebeu a denúncia. [Inq 3564, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª T, j. 19-8-2014, DJE de 17-10-2014

A escravidão moderna fundamenta-se em dois elementos: i) o estado ou a condição do indivíduo e ii) o exercício de qualquer um ou de todos os atributos relacionados ao direito de propriedade sobre uma pessoa.

O exercício do direito de propriedade caracteriza-se pelo controle capaz de restringir ou privar significativamente a liberdade individual de uma pessoa, com intenção de explorá-la, em geral, por meio de atos de violência, fraude e/ou coação.

O conceito de trabalho escravo não se limita mais à propriedade sobre a pessoa, mas fundamenta se em dois elementos: i) o estado ou condição de um indivíduo e; ii) o exercício de qualquer um ou todos os atributos do direito de propriedade (“posse” do indivíduo sobre a vítima).

No primeiro elemento, vigora o princípio da primazia da realidade, não sendo necessário documento formal, relacionado à antiga escravização (chattel). A Corte afirmou que o segundo elemento “deve ser entendido nos dias atuais como o controle exercido sobre uma pessoa que lhe restrinja ou prive significativamente de sua liberdade individual, com intenção de exploração mediante o uso, a gestão, o benefício, a transferência ou o despojamento de uma pessoa. Em geral, este exercício se apoiará e será obtido através de meios tais como a violência, fraude e/ou a coação.

Os atributos do direito de propriedade podem ser identificados pelas seguintes manifestações: a) restrição ou controle da autonomia individual; b) perda ou restrição da liberdade de movimento de uma pessoa; c) obtenção de um benefício por parte do perpetrador; d) ausência de consentimento ou de livre arbítrio da vítima, ou sua impossibilidade ou irrelevância devido à ameaça de uso da violência ou outras formas de coerção, o medo de violência, fraude ou falsas promessas; e) uso de violência física ou psicológica; f) posição de vulnerabilidade da vítima; g) detenção ou cativeiro; h) exploração.

O debate jurisdicional em torno do conceito do crime acontece no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), recordou a vice-presidente da Anamatra. No Recurso Extraordinário (RE) 1.323.708 -PA, com repercussão geral, a Corte Constitucional deverá definir se é constitucional a diferenciação do crime em razão das condições ou do local em que o serviço é prestado e a desconsideração dos relatórios da fiscalização como meios de prova, sem apontar elementos concretos para afastá-los.

A Anamatra pleiteia ingresso como amicus curiae no processo, que está sob a relatoria do ministro Edson Fachin. O objetivo é alertar que eventual entendimento restritivo para a configuração do crime – especialmente as condições degradantes de trabalho "no interior do país" – pode alcançar a jurisdição trabalhista no exame das relações do Direito do Trabalho.

O levantamento mostra que, entre 2003[2] e 2018, cerca de 45 mil trabalhadores foram resgatados e libertados do trabalho análogo à escravidão no Brasil. Segundo dados do Observatório Digital do Trabalho Escravo,  isso significa uma média de pelo menos oito trabalhadores resgatados a cada dia. Nesse período, a maioria das vítimas era do sexo masculino e tinha entre 18 e 24 anos de idade.

O perfil dos casos também comprova que o analfabetismo ou a baixa escolaridade tornam o indivíduo mais vulnerável a esse tipo de exploração:  31% eram analfabetos e 39% não haviam concluído sequer o 5º ano. (Acesso em: 9 de jun. de 2021) In: Portal STF. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verPronunciamento.asp?pronunciamento=9492984   Acesso em 24.3.2023.

A precarização do trabalho é problema sério e complexo do mundo contemporâneo. E, ao revisitar o passado torna-se possível entender as raízes escravagistas não serem extirpadas em definitivo das relações de trabalho na contemporaneidade.

É importante ressaltar que o chamado trabalho análogo à condição de escravo de hoje possui características que o diferenciam da escravidão clássica. O traço histórico nos revela a escravidão violenta que priva a liberdade e, na atualidade, embora ilegal, se pulveriza em sutilezas.

O Brasil adota medidas com o fito de reprimir as práticas caracterizadoras do trabalho análogo ao de escravo. Embora existissem instrumentos legais visando o combate a essa prática ilícita, somente a partir de 1995, houve o reconhecimento do problema da escravidão contemporânea no país.

A legislação brasileira convencionou chamar de resgate as providências a serem tomadas para afastar o trabalhador dessa condição.  A Lei 7.998 de 1990 (Lei do Seguro-desemprego), em seu artigo 2º-C, caput, determina que o trabalhador que for identificado como submetido à condição análoga à de escravo, em decorrência de ação de fiscalização, será resgatado e terá direito ao seguro-desemprego.

A cartilha, a Escola Nacional de Inspeção do Trabalho (2020,p. 13) discorreu sobre o assunto, in litteris: "Como se vê, esse artigo estabelece o dever do Auditor Fiscal do Trabalho - que é, por lei, o responsável por executar as ações  de fiscalização do Ministério da Economia - de agir ao encontrar trabalhador em condição análoga à de escravo, resgatando-o daquela situação.

Esse comando imperativo da legislação infraconstitucional é consequência natural e necessária do valor primordial de preservação da dignidade da pessoa humana e de todo o sistema de proteção de direitos humanos fundamentais estabelecidos na  Constituição da República. A violação não ofende somente o trabalhador individualmente considerado, mas sim, toda a sociedade, implicando lesões coletivas no tecido social."

Cabe destacar ainda que vige tentativas sistematizadas em desqualificar o conceito de jornada exaustiva, o argumento que é normalmente usado é o custo de manutenção do emprego e salário do trabalhador, além da alegação de que o empregado  consentiu com as condições laborais ofertadas.

Os trabalhadores encontrados em situação de trabalho análogo ao de escravo  por jornada exaustiva se encontram muitas vezes em séria vulnerabilidade. Entretanto, a mesma condição poderá ser observada em setores econômicos cujos trabalhadores se submetem a jornada exaustiva simplesmente por maior remuneração (salário por produtividade), como por exemplo, os bancários e os executivos.

Referências

ANAMATRA- Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho. Trabalho escravo: restrição do conceito do crime pela jurisprudência ainda é um grande desafio, alerta vice-presidente da Anamatra. Disponível em: https://www.anamatra.org.br/imprensa/noticias/32691-trabalho-escravo-restricao-do-conceito-do-crime-pela-jurisprudencia-ainda-e-um-grande-desafio-alerta-vice-presidente-da-anamatra Acesso em 24.3.2023.

BAIONI, A. V. A. S., & Silva, J. B. (2014). Impactos da ausência de reconhecimento: violação aos princípios da dignidade humana e da igualdade. Anais Do Congresso Brasileiro De Processo Coletivo E Cidadania, (1), p. 126-130. Recuperado de https://revistas.unaerp.br/cbpcc/article/view/277  Acesso em 24.3.2023.

BRASIL. Manual de Combate ao Trabalho em Condições análogas às de escravo. Brasília: MTE, 2011. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/coordenacao/comissoes-e-grupos-de-trabalho/escravidao-contemporanea-migrado-1/notas-tecnicas-planos-e-oficinas/combate%20trabalho%20escravo%20WEB%20MTE.pdf Acesso em 24.3.2023.

BRASIL. Portaria nº 1.293, de 28 de dezembro de 2017. Dispõe sobre os conceitos de trabalho em condições análogas à de escravo para fins de concessão de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser resgatado em fiscalização do Ministério do Trabalho. Disponível em:https://www.in.gov.br/materia//asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/1497798/do1-2017-12-29-portaria-n-1-293-de-28-de-dezembro-de-2017-1497794  Acesso em 24.3.2023.

COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Dano existencial e a jornada de trabalho. Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Paraná, Paraná, v. 2, nº 22, set 2013. Disponível em:. Acesso em 24.3.2023.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2003

FILGUEIRAS, Vitor Araújo. Trabalho análogo ao escravo e o limite da relação de emprego: natureza e disputa na regulação do Estado. Revista eletrônica [do] Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 11, n. 104, p. 64-88, out./nov. 2021.

STF. Boletim de Jurisprudência Internacional. Trabalho escravo. 2017. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaBoletim/anexo/BJI1_TRABALHOESCRAVO.pdf Acesso em 24.3.2023.

Portal STF. Lista suja do trabalho escravo é constitucional. Disponível em:https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=451765&ori=1 Acesso em 24.3.2023.

VIANA, Marcio Tulio. TRABALHO ESCRAVO E “LISTA SUJA”: UM MODO ORIGINALDE SE REMOVER UMA MANCHA. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44,n.74 p.189-215, jul./dez.2006. Disponível em:. Acesso em 24.3.2023.

Notas:

[1]  STF suspende portaria que altera a definição de trabalho escravo. Em 24.10.2017 A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu uma liminar na Arguição de Descumprimento de  Preceito Fundamental (ADPF), protocolada pela Rede Sustentabilidade,  suspendendo os efeitos da portaria do governo federal que mudava a definição de trabalho escravo. A suspensão valerá até que o mérito da ação seja julgado no Plenário da Corte. O partido havia ajuizado a ADPF contra a Portaria do Ministério do Trabalho nº 1.129/2017, que foi publicada no Diário Oficial da União no último dia 16. A Rede sustenta que a norma viola princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana, da proibição do retrocesso social, de tratamento desumano ou degradante, da igualdade, da liberdade e do direito fundamental ao trabalho. Segundo o partido, o ato normativo foi editado “com o falso pretexto de regular a percepção de seguro-desemprego por trabalhadores submetidos a condição análoga à escravidão”. A Rede também aponta vícios na portaria quanto à indevida restrição do conceito de “redução à condição análoga a escravo” e questiona o condicionamento da inclusão de empregador na “lista suja” do trabalho escravo e da divulgação dessa lista a prévio ato do ministro do Trabalho. Após a decisão da ministra Rosa Weber, o Ministério do Trabalho divulgou nota sobre o assunto na qual defende a legalidade da Portaria nº 1129/2017. A pasta ressalta o “firme propósito de continuar aprimorando ações de combate ao trabalho escravo no país” e informa que “cumprirá integralmente o teor da decisão”, embora “se trate de uma decisão monocrática de caráter precário”.

Palavras-chave: Direito do Trabalho Trabalho Análogo ao Escravo Constituição Federal/88 Código Penal CLT

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