Dilema contemporâneo do Processo Penal brasileiro

O Processo Penal contemporâneo é regido pelo forte garantismo, um sistema com garantias mínimas, formatando um processo justo onde há limitação do poder punitivo do Estado.  E, tal garantismo é guiado pelos princípios que protegem os direitos fundamentais da pessoa, direitos estes que integram a vigente Constituição Federal. Há duas finalidades: a indireta que é a manutenção da ordem social, da defesa dos interesses jurídicos e a finalidade direta que é a demonstração da força punitiva do Estado, instituindo legítimo direito de punir. Eis que tais finalidades tecem o dilema que oscila entre garatismo ou punitivismo exacerbado.

Fonte: Gisele Leite

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Ao realizar reflexões sobre o Direito Processual Penal brasileiro podemos entender o atual status do processo penal contemporâneo, onde meios externos possuem grande força sendo até, por vezes, superior à da própria norma jurídica.

O que nos leva a considerar a fragilidade da atual efetividade do controle social, no que se refere ao combate ao crime. Diante tantas divergências na jurisprudência e na doutrina, procura-se sofregamente achar uma solução que se traduza em justa evolução do processo penal brasileiro.

Historicamente, a sociedade humana civilizada desde sua origem buscou punir algumas condutas em prol do coletivo e da convivência harmoniosa dos grupos e clãs. Infelizmente, sempre haverá pessoas que são reprovadas pelas suas condutas e inaptas ao bom convívio social. E, daí se tem a necessidade da criação de meios que vetem e proíbam os impulsos humanos malévolos que tanto prejudicam alguém ou a alguma ordem.

O doutrinador José Roberto dos Santos Bedaque, em sua obra "Direito e Processo" esclareceu o meio de convívio entre membros de uma sociedade, in litteris:

       "A vida em sociedade implica, necessariamente, a existência de relações entre seus membros. As pessoas mantêm uma com as outras relacionamento de várias espécies e de natureza diversa. Imagine-se o leitor ou leitora no seio de sua família, no âmbito de seus negócios ou da atividade profissional que exerce. Pense no convívio com seu grupo de amigos e com os adeptos de sua religião. Lembre-se dos inúmeros tributos exigidos pelo ente que, em contrapartida, deveria proporcionar-lhe segurança, saúde, educação, transporte, etc.  Algumas dessas inúmeras relações mantidas entre os integrantes de determinada sociedade organizada são objeto de regulamentação pelo Estado, que edita normas de conduta, cuja observância é imposta a todos. Essas regras de comportamento compõem o ordenamento jurídico do país. O Direito é, pois, um fenômeno humano e social". (In: BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 6ª.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.11).

Historicamente, as sociedades sem normas não tendem a evoluir de forma organizada, observando-se que nessas hipóteses o comando maior será de acordo com a vontade do mais forte, que terá sua palavra como a última, cabendo as demais apenas acatarem e obedecer. Sociedades como estas são totalmente contra os ideais humanitários, inexistindo o termo "democracia"[1].

No direito penal, a diferença entre estado democrático e Estado totalitário, é no devido cumprimento ao processo estipulado por representantes do povo.

A consequência é que na relação do Estado-indivíduo, ou indivíduo-indivíduo, há a substituição do direito de guerra fundado sobre autotutela e sobre a máxima: "Tem razão que vence" para o direito de paz fundado sobre heterotutela sobre a máxima; "Vence quem tem razão" e o direito público externo, que se rege pela supremacia da força, é substituído pelo direito público interno inspirado na supremacia da lei (rule of law). (In: BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. 4ª. ed. Brasília: UnB, 1999, p.96-97).

O Direito de punir do Estado[2] é uma imposição a restrição do direito de uma pessoa e pode resultar na privação da liberdade de locomoção, entre outras penas, que não podem se decurar- dos direitos e liberdades individuais que tanto custou a ser reconhecida, em verdade, condiciona a liberdade da atuação do próprio aparato estatal em um Estado Democrático de Direito.

E, o Processo Penal funciona como instrumento válido para o Estado conseguir imputar uma sanção ao possível autor do delito. Em nossa vigente Constituição Cidadã há assegurado ao cidadão brasileiro e residente, os princípios fundamentais que são colocados em questão quando o Estado tem que punir o particular, por isso, é estabelecido algumas regras de observância obrigatória do processo penal para a boa aplicação desses direitos e garantias que permitem distinguir a civilização da barbárie.

Em decorrência da evolução da sociedade, com o advento da tecnologia, principalmente, a propulsão de notícias, a força popular galgou grandes proporções e rápida disseminação, através de mídias e redes sociais, o que reage com o devido controle social que se mostra mais onipresente e dinâmico.

O dilema se traduz pois de um lado há o necessário cumprimento e respeito aos direitos fundamentais e, de outro lado, a busca de um sistema penal mais operante e eficaz, sem deixar de cogitar sobre a pungente necessidade de resposta punitiva do estado para sociedade.

Procura-se um ponto de equilíbrio entre a segurança dos princípios constitucionais do investigado e a necessidade de maior efetividade do sistema persecutório para a segurança da coletividade. E, para evitar os extremos do hipergarantismo e de movimentos como o do Direito Penal do Inimigo[3] ou do Direito Penal Lei e da Ordem[4]. (In: LIMA, Renato Brasileiro. Manual de processo penal. 3ª.ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 38).

Outro célebre movimento é o The Broken Windows Theory[5] (A teoria das Janelas Quebradas) inspirada no Movimento Law and Order e com a azáfama de questionar o Direito Penal, na década de 1980, nos Estados Unidos, os americanos James Wilson e George Kelling criaram a Teoria das Janelas Quebradas (The Broken Windows Theory).

“[...] A política, que ficou conhecida como ‘a iniciativa de qualidade de vida’ (quality-of-life initiative), foi baseada nos escritos e estudos de James Q. Wilson, George L. Kelling e Wesley G. Skogan. Os dois primeiros são autores do artigo ‘Broken Windows: the police and neighborhood safety’ (A Polícia e a Segurança da Comunidade), publicado na edição de março de 1982 no periódico Atlantic Monthly” (Coutinho, 2003, p. 23).

A aludida teoria prescreve que a criminalidade se estenderá em uma sequência de atos de desordem que, não contidos em seu nascedouro, levariam à prática de graves crimes. Ou seja, se o "pequeno" delinquente não for punido de forma eficaz, isso o fará cometer mais delitos. Da mesma forma, uma vez ausente o Estado perante estes infratores, outras pessoas também poderiam praticar tais atos.

O nome “Janelas Quebradas” explica-se: Os criadores da teoria, Kelling e Wilson, afirmam que se alguém quebrar a janela de um imóvel e esta não for consertada o mais breve possível, é sinal de que ninguém se importa com aquele local e, diante disso, transparece que não há uma autoridade competente para conter os delitos.

Segundo eles, a omissão fará com que outros desordeiros comecem a quebrar as demais janelas, não apenas daquele imóvel, como também dos outros imóveis existentes nas proximidades, aumentando, assim, a incidência de pequenos crimes que, ao longo do tempo, desencadeará crimes de maior potencial ofensivo.

“Segundo eles, pequenos delitos (como vadiagem, jogar lixo nas ruas, beber em público, catar papel e prostituição), se tolerados, podem levar a crimes maiores. [...] se um criminoso pequeno não é punido, o criminoso maior se sentirá seguro para atuar na região da desordem. Quando uma janela está quebrada e ninguém conserta, é sinal de que ninguém liga para o local; logo, outras janelas serão quebradas" (Coutinho, 2003, p. 24). In: Coutinho, Jacinto Nelson de Miranda; Carvalho, Edward. Teoria das janelas quebradas: e se a pedra vem de dentro. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, v. 3, n. 11, p. 23-29, 2003.

O inesquecível Pontes Miranda asseverou, in litteris:

    "[...] o processo criminal reflete, mais do que qualquer outra parte do direito, a civilização de um povo [...] onde o processo é inquisitorial, a civilização está estagnada ou rola em decadência. Onde o processo é acusatório, com defesa fácil, a civilização está a crescer ou a aperfeiçoar-se." In: MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1979. p. 36.

Com a evolução da sociedade, consequentemente haverá a evolução do Direito e, assim, do processo como um todo. E, para estudarmos tal relação evolutiva, é mister se analisar, inicialmente, a origem da palavra e o que se entende por processo.

A incidência do Direito Penal como ultima ratio se justifica, pois, em tese, ataca a liberdade, uma das principais, senão a principal, garantia constitucional do ser humano ligada diretamente à dignidade da pessoa.

“Esse princípio é corolário do Estado Democrático de Direito, uma vez que limita o poder de ingerência do Estado na esfera da liberdade do cidadão, demonstrando que, além de não haver direito absoluto de punir do Estado, esse direito deve ser exercido somente em casos de extrema necessidade, visto que o Direito Penal afeta uma das mais importantes garantias do cidadão: a liberdade”.

Segundo José Antonio Paganella Boschi, a intervenção mínima visa resguardar “a máxima felicidade possível aos membros da coletividade não-criminosos, com o menor sofrimento necessário ao acusado desviante” (2004).

A Broken Windows Theory e o Movimento Law and Order são eficazes em separar a sociedade em duas esferas, a “boa” e a “ruim”, de modo que a divisão de classes, segundo as teorias, fica evidente ante a possibilidade de as pessoas menos favorecidas estarem mais propícias ao cometimento de delitos.

As várias prisões resultantes da Broken Windows nos Estados Unidos, de fato, reduziram a incidência de crime. Contudo, vê-se que tal diminuição não advém da essência da teoria, ou seja, de que as pessoas se sentiam ameaçadas pela lei. Fato é que a Administração Pública fez “um limpa” daqueles que eram imprestáveis ao Estado, utilizando-se da lei para tanto.

Ambas as ideias trazidas pela Broken Windows Theory e pela Law and Order em momento algum se preocupam com a regeneração do indivíduo. Não é dada ao indivíduo a oportunidade de voltar à sociedade, é como se o país fosse estigmatizado entre pessoas boas ou más.

Todo esse conjunto decorre de duas conclusões, uma destas contextualizada/prática e, outras teórica/processual. Na primeira delas, denota-se que aplicando a Broken Windows Theory e o Movimento Law and Order simultaneamente, ainda que não em sua totalidade, haverá um aumento rápido e significativo da população carcerária.

Consequentemente aumentarão os gastos com construção e manutenção dos presídios que estarão superlotados. Tudo isso ocorrerá a curto e médio prazo.

“Enquanto um Estado puder se dar ao luxo de cada ano que passa colocar atrás das grades bem mais pessoas do que ele deixa sair, é verdade que uma parcela crescente da chamada população de risco do país fique por certo tempo impossibilitada de cometer crimes.

Em curto prazo, tal poder melhorar a segurança interna. Em médio prazo, porém, a estratégia está condenada ao fracasso, porque os custos extremamente crescentes não poderão ser mais suportados após certo tempo, e porque as oposições políticas aos sistema aumentam”.

Se for pensado em longo prazo, os dispêndios serão progressivamente mais elevados, a ponto de fazer com que os gastos com saúde, educação, saneamento básico, entre outros, sejam menores do que com que aqueles efetivados com os presos.

Cumpre mencionar a afronta da Broken Windows ao Princípio da Proporcionalidade. Quando se cogita em aumento considerável da pena aos pequenos delitos, automaticamente estar-se-á ferindo ao postulado da proporcionalidade[6], no sentido de que a pena aplicada a determinado crime deve ser proporcional à gravidade deste, de maneira “necessária” e “suficiente” para reprovar a conduta, proibindo-se o excesso.

A Broken Windows Theory, conforme mencionado, propõe exatamente o contrário, ou seja, que as penas sejam muito mais gravosas se comparadas ao delito praticado, tornando-as, assim, desproporcionais e inadequadas ao caso concreto.

No momento de criação das normas jurídicas penais, é preciso, vale dizer, não apenas aos crimes de pequeno porte, mas também às leis penais extravagantes, seguir os ensinamentos de Cesar Bonesana, Marquês de Beccaria, que já dizia em 1764 que “para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicável nas circunstâncias referidas, proporcionada ao delito e determinada pela lei” (apud Greco, 2009).

Lembremos que processo é diferente de procedimento.  Também chamado de rito processual. Mera sequência de atos processuais, ordenadamente encadeados, vistos da perspectiva externa, sem qualquer preocupação com o seu destino (Paccelli).

Há diversos procedimentos.  O procedimento comum, previsto no CPP, será aplicado de modo residual, ou seja, sempre que não houver nenhum procedimento especial previsto no CPP ou lei extravagante. (Arts. 395 a 405, 531 a 538, CPP; Lei 9.099/95)

O procedimento especial é todo aquele previsto, tanto no CPP quanto em leis extravagantes, para hipóteses legais específicas, que, pela natureza ou gravidade, merecem diversa tramitação processual. É utilizado para determinados tipos penais:

• Crimes da competência do Tribunal do Júri; (Arts. 406 a 497, CPP);

•  Crimes contra a honra; (Arts. 519 a 523, CPP)

• Crimes de responsabilidade os funcionários públicos; (Arts. 513 a 518, CPP)

• Crimes contra a Propriedade Imaterial. (Arts. 524 a 530, I e Lei 9.279/1996);

• Crimes falimentares; (Lei 11.101/2005);

• Substâncias entorpecentes; (Lei 11.343/2006);

•  Abuso de autoridade; (Lei 13.869/2019)

Sobre o procedimento comum:

a. critério de determinação de ritos. O rito é definido pela pena máxima do crime (art. 394, § 1º, CPP).

b. defesa escrita. Em todos os procedimentos, comuns e especiais, ressalvados o procedimento do Júri e o dos juizados especiais, haverá resposta escrita da defesa, após a citação do réu. O réu terá o prazo de 10 (dez) dias para apresentar a defesa escrita (art. 396, CPP).

c. audiência una. Os atos instrutórios são concentrados em apenas uma audiência, na qual também será proferida a sentença, salvo quando houver a necessidade probatória complexa que demande exame mais cuidadoso, quando, então, será permitida a apresentação de memoriais pelas partes e se fixará novo prazo para a sentença (art. 403, § 3º, CPP).

O procedimento comum pode ser dividido em três, a depender da quantidade da pena cominada em abstrato para o delito (art. 394, § 1º, CPP):

• Ordinário – aplicável para os crimes com pena máxima igual ou superior a 04 (quatro) anos.

• Sumário – aplicável para os crimes com pena máxima inferior a 04 (quatro) anos.

• Sumariíssimo[7] – aplicável para os crimes de menor potencial ofensivo da Lei 9.099/95 (pena máxima não superior a dois anos) ou contravenções penais.

Processo é derivado do latim de procedere, embora por sua derivação se apresente em sentido equivalente a procedimento, pois que exprime, também, a ação de proceder ou ação de prosseguir, na linguagem jurídica outra é sua significação, em distinção a procedimento.

(...) Processo e a relação jurídica vinculativa, com o escopo de decisão, entre as partes e o Estado-Juiz, ou entre o administrado e a Administração.

Na terminologia jurídico, processo anota-se em sentido amplo e em sentido restrito. Em sentido amplo, significa o conjunto de atos, que devem ser executados, na ordem preestabelecida, para que se investigue e se solucione a pretensão submetida à tutela jurídica, a fim de que seja satisfeita, se procedente, ou não, se injusta ou improcedente".

No Brasil, herdamos de Portugal as normas processuais ainda contidas nas Ordenações Filipinas (1603), Manuelinas (1521) e Afonsinas (1456) além de algumas leis extravagantes posteriores, através do Decreto de 20 de outubro de 1823.

As Ordenações lusitanas apresentavam muita influência no Direito Romano e Canônico, bem como de leis gerais elaboradas desde o reinado de Dom Afonso II, de concordatas entre Reis de Portugal e autoridades eclesiásticas, das Sete Partidas de Castela, de antigos costumes nacionais e dos foros locais.  (In: CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 22ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 295-309).

De fato, a herança do período colonial perpetrou em nosso processo penal e trouxe grandes privilégios aos mais poderosos e ricos da sociedade, quem tinha dinheiro poderia utilizar para livrar-se das penas, sendo que o sistema usado era o sistema inquisitivo, pois era disciplinado pela lei portuguesa.

Somente no período imperial, com a independência do Brasil, quando foi outorgada a Constituição de 1824, que surgiram as ideais liberais substituindo as práticas do sistema inquisitivo. E, então, o primeiro Código de Processo Penal entrou em vigor no Brasil, em 1832, que trouxe a nós o sistema misto ou napoleônico. (In: MACHADO, Antônio Alberto. Teoria Geral do Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2009).

Mesmo mais tarde, já no período republicano, quando adveio a promulgação da Constituição brasileira de 1891, a qual atribuiu-se aos Estados a faculdade de legislar sobre Processo Penal, o que só prejudicou a aplicação da lei penal e prejudicou o progresso do processo penal no Brasil.

Apenas com a promulgação da Constituição de 1934, que se restabeleceu a unidade processual, passando então apenas a União ter a competência para legislar para o processo penal.  Em meados de 1937, passou a vigorar, a Constituição de 1937 que foi a quarta constituição brasileira e a terceira do período republicana. Ficou conhecida como Polaca por ter leis de inspiração fascista, tal qual a Carta polonesa de 1935. O texto fora elaborado pelo jurista Francisco Campos e outorgada em 10 de novembro de 1937.

Foi quando se de a promulgação do atual Código de Processo Penal que só ocorrera em 1941, e que não trouxe nenhuma novidade, em face a sensível dificuldade da aplicação da lei penal.

Com a Constituição brasileira de 1967 que privilegiava temas como a segurança nacional, deu-se o aumento de poderes da União e do Presidente da República, além de questões relativas à redução da autonomia individuais e a suspensão dos direitos e garantias constitucionais por parte do Estado.

Vide o artigo 150 da Constituição Federal de 1967 que dispunha: "A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade nos têrmos seguintes:

(...) §16 A instrução criminal será contraditória, observada a lei anterior quanto ao crime e à pena, salvo quando agravar a situação do réu."

Onde estatuiu a proibição da retroatividade da lei nova ou mais severa, como é repelida a analogia in malam partem, ou a aplicação do direito costumeiro em prejuízo do réu.

Já a Constituição brasileira de 1946 determinava que: artigo 147, §27º: Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente e na forma da lei anterior. A Constituição incorporara em toda sua grandeza o nullum crimen, nulla poena sine lege, e utilizou a redação das Constituições brasileiras de 1824, de 1891 e de 1934.

Sempre se indagou se as contravenções penais estavam excluídas da proteção do princípio da legalidade? Mas, lembremos que a infração penal é gênero e de que crime é espécie e que compreende igualmente as contravenções penais, porquanto o direito pátrio adota o critério da bipartição.

A Emenda Constitucional de 1969 trouxe a manutenção do Ato Institucional 5 que permitia ao Presidente da República o fechamento do Congresso Nacional, Assembleias Estaduais e Câmaras Municipais, além de suspender direitos políticos e cassar mandatos legislativos efetivos, a admissão de pena de morte para casos de subversão, a disposição de que somente brasileiros ou estrangeiros residentes no país poderiam adquirir terras no Brasil; o estabelecimento da Lei de Segurança Nacional[8], que restringia as liberdades civis, além da Lei de Imprensa[9], que estabeleceu a Censura Federal, atuante em todas as mídias e manifestações artísticas e culturais no país.

A liberdade de imprensa decorre do direito de informação. É a possibilidade de o cidadão criar ou ter acesso a diversas fontes de dados, tais como notícias, livros, jornais, sem interferência do Estado. O artigo 1º da Lei 2.083/1953 a descreve como liberdade de publicação e circulação de jornais ou meios similares, dentro do território nacional.

A liberdade de expressão está ligada ao direito de manifestação do pensamento, possibilidade de o indivíduo emitir suas opiniões e ideias ou expressar atividades intelectuais, artísticas, científicas e de comunicação, sem interferência ou eventual retaliação do governo. O artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos define esse direito como a liberdade de emitir opiniões, ter acesso e transmitir informações e ideias, por qualquer meio de comunicação.

Importa ressaltar que o exercício de ambas as liberdades não é ilimitado. Todo abuso e excesso, especialmente quando verificada a intenção de injuriar, caluniar ou difamar, pode ser punido conforme a legislação Civil e Penal.

Apenas a partir da Constituição federal brasileira de 1988 é que finalmente se restabeleceu o sistema acusatório, pois ao Ministério Público fora conferido, em regra, o monopólio da ação penal, abolindo-se o procedimento ex officio das contravenções penais, mas, ainda, mantendo a persecução penal pela vítima nas ações penais privadas.

Enfim, com a consagração constitucional do sistema acusatório como principal bússola norteadora de todo o processo penal pátrio, não tendo lugar, em nosso ordenamento, para um interrogatório estritamente inquisitivo, onde não são respeitados os direitos e garantias do indivíduo.

 Resta evidente que, em tese, o CPP vigente reconhece que a confissão[10] não tem valor probatório absoluto para levar o acusado à prisão, exceto quando devidamente amparada por outras provas válidas.

Observamos que o processo penal brasileiro vem sofrendo sucessivas alterações, em face da força jurisprudencial e ainda pela necessidade de se prover a devida renovação das leis para que fosse possível acompanhar a célere evolução da sociedade e dos crimes.

Por essa razão o Poder Legislativo criou diversas leis buscando acompanhar tais mudanças sociais, e algumas dessas leis conflitam diretamente com as normas originariamente concebidas no processo penal originário, inclusive os princípios constitucionais vigentes. É o caso da flexibilização da prisão antes do investigado ser julgado e condenado.

E, por conta disso, alguns doutrinadores consideram que os sistemas penais puros são apenas modelos históricos, não guardando relação com os sistemas penais contemporâneos.

Nessa diapasão, Guilherme Nucci, notável doutrinador, afirma que o sistema adotado no país é o misto que também é chamado por inquisitivo- acusatório, inquisitivo garantista ou acusatório mitigado.

Lembremos que os princípios norteadores do sistema penal brasileiro e advindo da vigente Constituição federal possuem inspiração acusatória tais como o da ampla defesa, contraditório, publicidade, separação entre acusação e julgador, imparcialidade do juiz, presunção de inocência do réu e, etc.

Porém, é visível que o corpo legislativo processual penal brasileiro, estruturado pelo CPP de 1941 e suas leis especiais, usado habitualmente no cotidiano forense, instruindo feitos e produzindo soluções às causas, possui institutos advindos tanto do sistema acusatório quanto do sistema inquisitivo. E, não existe pureza nessa mistura de regras, daí performar-se em sistema misto.

O sistema penal misto tem como fase inicial o modelo inquisitivo, na qual se realiza a investigação preliminar e a uma instrução preparatória e, uma fase final em que se procede ao julgamento com todas as garantias do processo acusatório.

Em geral, conforme as lições de Norberto Avena trata-se de duas fases processuais distintas, a saber: uma inquisitiva que é destituída de contraditório, publicidade e defesa, na qual é realizada uma investigação preliminar e uma instrução preparatório; e, outra fase posterior, correspondente ao momento quando se realizará o julgamento, assegurando-se ao acusado todas as garantias do processo acusatório.

A Justiça brasileira dista de uma definição real do justo. Em o processo penal de 1941 mostra-se defasado e, se tornou uma reles colcha de retalhos com as leis que foram criadas desde então.  Segundo Lenio Luiz Streck, o nosso processo penal já nasceu falido, é o que denominou de crise paradigmática com dupla face. A primeira face, ou lado A, era da estrutura do direito que era preparada para pegar ladrões de galinha, e criticava a cultura da Ordenação Manuelina cujos exemplos era sobre Caio, Tício e Mévio) e, o outro lado (lado B) se dá pela carência de preocupação para enfrentar os casos que tratavam de bens jurídicos transindividuais (as garantias são para todos, na época denunciava que estas só era aplicadas em prol de determinados segmentos sociais, a chamada isonomia para patuleia). Ou seja, foi promulgada uma lei simplória e objetiva, o que impossibilita punir os crimes mais complexos. (In: STRECK, Lenio Luiz. Como (não) se ensinava processo penal antes da "lava jato". Eis o busílis! Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-jul-09/senso-incomum-não-ensinava-processo=penal-antes-lava-jato.).

É sabido que os crimes contra a Administração Pública são sempre cometidos às ocultas e, na maioria das vezes, com complexos artifícios, sendo difícil desvelá-los sem a devida colaboração de um dos participantes. Afinal, a corrupção envolve quem paga e quem recebe. E, se eles se calarem, não vamos descobrir, jamais.

Portanto, uma ciosa investigação do crime de corrupção requer a necessária aceitação popular para se atingir a verdade pura, por isso é defendido que é preciso da publicidade aos fatos investigados, dessa forma, a investigação ganha legitimidade popular fortalecendo-a e consequentemente enfraquecendo a defesa.

Os crimes mais complexos estão começando a ser punidos, devido aos novos agentes públicos que biscaram meios com substância jurídica indireta, para investigar e punir esses crimes, no qual o CPP não alcançava. O melhor exemplo é a Operação Lava Jato[11] que trouxe fundamentos para os crimes mais simples e para outros que o processo penal alcança e consegue punir adequadamente.

Infelizmente, nossa justiça penal corre grave e sério risco de retrocesso, e acabar como sendo a justiça do mais forte, ou mais influente ou mais poderoso, ou simplesmente, o mais rico e, assistimos diversas perseguições políticas atingindo a validade da Operação Lava Jato.

Onde qualquer investigação criminal de um ente político mesmo de alto escalão público, deverá ser procedida de prisões sem requisitos legais, quebra de sigilos autoritários, publicidade incisiva da denúncia, com fundamento, se não for assim, não será possível obter e concluir êxito a investigação criminal.

A maior dignidade da magistratura reside em firme tutela dos direitos fundamentais, que é uma reminiscência de autêntica soberania, pois os juiz devem se mirar no jurado Davis, da obra clássica “twelve angry men” (dirigido por Sidney Lumet), quem busca assegurar as regas do jogo, desconfia de condenações fáceis.

Afinal, os magistrados não devem nem podem se tornar um arquétipo e autorrepresentação do Grande Tribunal de Kafka, imenso em sua arquitetura, e somente implacável com os mais fracos.

De fato, muitos questionamentos tentam vislumbrar qual seria o juiz ideal? Numa sociedade utópica seria inexistentes as cadeias e nem precisaria de juízes, mas, também não podemos sonhar que o juiz seria uma subespécie de ditador-filósofo, tratado por Platão em sua obra República.

Os juízes são capazes de racionalizar valores e descortinar direitos fundamentais, fugindo das paixões da turba. Eis o fundamento do Estado Constitucional, ao se reconhecer que o Poder Legislativo não pode fazer tudo. O maior paradoxo no exercício da jurisdição reside em pensar que a legitimidade do poder decorreria da aquiescência dos atingidos e da sua previsibilidade.

O poder deveria se tornar calculável. Mas, atualmente, sabemos que toda sentença judicial envolve certa contingência, porquanto ninguém pode prognosticar qual será o resultado de um processo.

Realmente a grande elipse que representa o processo penal contemporâneo orbita em torno de dois importantes vetores filosóficos. A tutela da liberdade que é tema complexo. E, o processo que alimenta seu apetite por verdade e fatos, o que coloca em debate as questões epistemológicas e gnosiológicas.

Discute-se, portanto, no processo a liberdade de todos os potenciais suspeitos e acusados. O que se admite quanto a um investigado e arguido específico, será reproduzido nos casos subsequentes. O fundamento ético do processo que não se pode tolerar, sob nenhum justificativa, a punição de um inocente. Não existem razões utilitaristas e pragmáticas suficientes que possam amparar a condenação sem a cabal prova da responsabilidade criminal do denunciado.

Se mesmo a condenação do culpada já chega causa vergonha, a manutenção de autênticas masmorras e bastilhas, faz com que a punição de inocentes signifique uma pena de morte.

De fato, Zaffaroni nos leciona que se percebesse a existência do juiz perseguidor dos criminosos e a necessidade de este existir, principalmente, nesse momento, para romper o ciclo criminoso dos crimes contra a Administração Pública.

Há impasse insolúvel em ser um juiz garantidor dos direitos humanos ou ser um juiz-perseguidor de criminosos[12]?

Outra crucial pergunta se apresenta: até qual ponto se deve sacrificar os direitos individuais para obter maior aproveitamento das investigações criminais?

Não basta ater-se a uma acepção ou critério de verdade no processo penal brasileiro, o que se deve mesmo é redefinir o papel do processo no Estado Democrático, pois se não for mais encarado como mero instrumento para efetivação da punição, o processo penal deverá ser concebido antes como instrumento de defesa de direitos fundamentais tais como a ampla defesa e o contraditório e uma garantia do devido processo legal, consubstanciando-se julgamento conforme as regras do sistema jurídico, proferindo-se um julgamento justo, ao menos aquele que procura obter as respostas mais escorreitas, conforme o marco constitucional brasileiro vigente.

Em verdade, a frenética busca da verdade, em alguns casos, resultou num pretexto para a criminalização de condutas e promovendo um expansionismo penal, em tempo de limitação punitiva ao exercício de liberdades políticas como o direito de protesto, mormente, a ausência da compreensão dos fatos, não como expressão absoluta da realidade, mas num desvelamento só deduzido através do processo e, não fora dele, por meio de solipsismo onde a realidade dos fatos se transforma na mera realidade do julgador.

A verdade processo assumida por ser verdade autopoética por ser feita no interior do próprio sistema jurídico, converte-se atualmente como a mais racional exigência da verdade a que alude o processo e não se confundindo mais com a verdade solipsista do juiz, mas sim, com uma verdade que tem consciência de sua limitação cognitiva, dada ao processo penal como ser que está a desvelar a verdade dos fatos enquanto um ente por si subsistente, mas que tem algo a revelar.

Reside a verdade na historicidade dos fatos, no texto em si e não na mera facticidade de uma pretensa realidade inalcançável. Há nova dimensão hermenêutica para o processo penal que procura uma missão condizente com a sociedade democrática[13].

Como já mencionou em suas obras, o maior processualista vivo no país, José Eduardo Carreira Alvim, in litteris: "Com o evoluir dos tempos, os homens compreenderam a excelência de outro método, em que a solução dos conflitos era entregue a uma terceira pessoa, desinteressada da disputa entre os contendores, surgindo então, a arbitragem facultativa, em tudo superior aos métodos anteriores”. Assim, “o processo se apresenta como última etapa na busca do método mais adequado para assegurar, com paz e justiça, a estabilidade da ordem jurídica e, o mais satisfatório para preservar e restabelecer a razão do que tem razão”.

Possivelmente, o atual julgador brasileiro esteja se distando cada vez mais de um certo dogma sobre a verdade, que em nada contribuiu para a evolução do Estado de Direito.

Referências

ALVES, Fernando Antonio da Silva. O dilema da prevalência da verdade real no processo penal: o problema da verdade, segundo uma indagação hermenêutica aplicada ao processo penal brasileiro. Disponível: . Acesso em:3.9.2023.

AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. São Paulo: Método, 2009.

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Notas:


[1] O Portal da Transparência foi uma ideia de democratizar a informação e tornar público ao cidadão a possibilidade de fiscalização da aplicação dos recursos públicos, contratos, licitações, salários de servidores, etc. Muitos portais da transparência são de difícil compreensão. Dados colocados ao público nem sempre correspondem a realidade dos acordos, contratos obscuros, empresas fantasmas, licitações direcionadas, e outras formas ilícitas de difícil identificação.

[2] A pena justa é a necessária, oportuna e proporcional diante das exigências preventivas especiais mínimas. O limite para a segurança jurídica é a própria segurança jurídica. O merecimento da pena inclui a dignidade do bem jurídico e a ofensividade da conduta.  O direito de punir apresenta várias índoles conforme indicou Desembargador Álvaro Mayrink da Costa, a saber: a) limites jurídico-constitucionais em sentido estrito que emanam de valores superiores do ordenamento positivo, que derivam da própria natureza da coisa e própria finalidade do Direito Penal, pois em tal esfera se desenvolve toda a sua virtualidade; c) limites estruturais que são deduzidos dos singulares princípios gerais informadores do ordenamento jurídico penal.

[3] A Lei 8.072/1990 (Lei de Crimes Hediondos) é um resultado da influência do Movimento Lei e Ordem na legislação brasileira. Já em seu art. 2.º, § 1.º, era possível perceber a clara influência da ideologia americana no texto legal, pois a primeira redação dada a tal artigo dispunha que “a pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado”. Somente após inúmeras críticas e enfrentamento judicial é que o aludido parágrafo foi modificado com a redação dada pela Lei 11.464/2007, que passou a constar que pena seria inicialmente em regime fechado, ou seja, podendo haver, por conseguinte, progressão de regime prisional.

[4] Em busca de respostas aos anseios da sociedade, surgiu nos Estados Unidos, na década de 1970, o movimento chamado Law and Order, ou “Lei e Ordem”. O aludido movimento ideológico propõe o Direito Penal Máximo, ou seja, sugere um alargamento da incidência do Direito Penal, fazendo com que penas mais severas sejam aplicadas, na mesma perspectiva de que as penas já existentes sejam agravadas. Para os defensores do Law and Order, o brocardo “direitos humanos para humanos direitos” coaduna-se exatamente com a política da “Tolerância Zero”, no sentido de que os direitos humanos devem primar às pessoas honestas e livres de criminalidade.

[5] Há uma obra intitulada Há uma obra intitulada Fixing Broken Windows: Restoring Order and Reducing Crime in Our Communities de autoria de George L. Kelling e Catherine Coles é sobre criminologia e sociologia urbana publicado em 1996, e trata sobre crimes e estratégias para conter ou eliminar dos ambientes urbanos. O livro é baseado num artigo com o título "Broken Windows" de James Q. Wilson e George L. Kelling, que surgiu em março de 1982 no The Atlantic Monthly. A teoria das janelas quebradas teve um enorme impacto na política policial ao longo da década de 1990 e permaneceu influente no século XXI. Talvez a aplicação mais notável da teoria tenha sido em Nova York, sob a direção do comissário de polícia William Bratton. Ele e outros estavam convencidos de que as práticas agressivas de manutenção da ordem do Departamento de Polícia de Nova York foram responsáveis pela diminuição drástica das taxas de criminalidade na cidade durante a década de 1990. Bratton começou a traduzir a teoria na prática como chefe da polícia de trânsito de Nova York de 1990 a 1992.

[6] O princípio da proporcionalidade determina que a pena não pode ser superior ao grau de responsabilidade pela prática do fato. Desta forma significa que a pena deve ser medida pela culpabilidade do autor. Daí dizer-se que a culpabilidade é a medida da pena. No Brasil, o princípio da proporcionalidade encontra-se implicitamente previsto na Constituição Federal de 1988, mas está expressamente posto no art. 2º da Lei nº 9.784/1999, seu art. 2º, preceitua que a Administração Pública obedecerá, dentre outros, ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade.

[7] Napoleão Mendes de Almeida, ao comentar outro adjetivo de mesma estrutura - sério - assim assevera: "O superlativo sintético é seriíssimo, com dois ii após o r".4 E não abre tal autor outra opção. Já Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante bifurcam a lição: I) "os adjetivos terminados em io não precedido de e formam o superlativo absoluto sintético em iíssimo" (sério - seriíssimo; necessário - necessariíssimo; frio - friíssimo); II) os outros se formam com apenas um i (feio - feíssimo; cheio - cheíssimo). Essa lição, se aplicada ao caso, redundaria em sumariíssimo. Evanildo Bechara, embora confirme essa última posição (seriíssimo, friíssimo, necessariíssimo, precariíssimo), e, por conseguinte, sumariíssimo, traz importante ensino para os dias atuais: "Tendem a fixar-se as formas populares... com um i apenas".6 Assim, para esse autor, também são aceitáveis seríssimo, necessaríssimo, sumaríssimo e semelhantes. Outra não é a lição de Celso Cunha: "Em lugar das formas superlativas seriíssimo, necessariíssimo e outras semelhantes, a língua atual prefere seríssimo, necessaríssimo, com um só. In:  DA COSTA, José Maria. Sumariíssimo ou sumaríssimo Gramatigalhas. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/gramatigalhas/59826/sumariissimo-ou-sumarissimo Acesso em 4.9.2023.)

[8]  LEI Nº 7.170, DE 14 DE DEZEMBRO DE 1983. Define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento e dá outras providências. A redação da Lei 14.197/21 estabelece quais são os crimes contra o Estado Democrático de Direito. Há diversas críticas que questionam o teor autoritário da legislação e colocam em debate alguns artigos da lei como o 23, que fala sobre “incitar subversão da ordem política” sem especificar exatamente as ações de subversão. O atual texto tipifica os seguintes novos crimes contra a segurança nacional: Atentado à soberania, Atentado à integridade nacional, Espionagem, Abolição violenta do Estado Democrático de Direito, Golpe de Estado, interrupção de processo eleitoral, Violência política e Sabotagem.

[9] Em 2009, após longo julgamento, 7 dos 11 ministros da Corte concluíram que a lei era incompatível com a atual Constituição, que é repleta de garantias à liberdade de expressão.  A partir da decisão, os juízes passaram a se basear na CF/88 e nos códigos Penal e Civil, para julgar ações contra jornalistas. 

[10]  A confissão está disciplina nos artigos 197 a 200 do CPP. Então, podemos ver que a confissão é a aceitação, por parte do acusado, da imputação da infração penal. Funciona como um meio de prova, pois é um instrumento disponível para que a autoridade possa chegar à verdade das afirmações feitas pelas partes. A confissão deve observar esses três requisitos: Verossimilhança: Probabilidade de que seja verdade; Persistência: Repetição dos relatos dos aspectos e circunstância do fato delituoso, ou seja, consistência na versão contada pelo acusado; Coincidência: A confissão deve ser reforçada pelos outros meios de prova.

[11] Recentemente, o Poder Judiciário em instâncias superiores (TJ, TRF, STF, STJ) tem anulado processos criminais contra políticos, empresários e gestores públicos, sob o argumento de que os processos estavam eivados de nulidades, por conta do comportamento do juiz no processo penal, o qual teria agido com parcialidade ou fora de sua competência jurisdicional. Seria o ativismo judicial e seus excessos. Ideologias políticas cada cidadão tem, inclusive o juiz, mas não no processo. Juiz perseguidor, que bloqueia conta bancária, autoriza grampos, expede mandado de prisão, mandado de busca em residência, faz devassa da vida de uma pessoa, e, passado o tempo, o réu é absolvido. Quem pagará por tudo isso? Juiz ativista é perigoso de todas as formas, seja conservador ou progressista.

[12] CNJ afasta juiz e vai investigar suposta participação em organização criminosa no AM.   O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai investigar a conduta do juiz Fábio Lopes Alfaia, do Tribunal de Justiça do Amazonas, suspeito de falta funcional na condução de processos judiciais, com recebimento de valores indevidos. Conforme decisão unânime do Plenário, será instaurado Processo Administrativo Disciplinar (PAD) em desfavor do magistrado, com afastamento cautelar. O relatório do Pedido de Providências 0003243-78.2020.2.00.0000 foi apresentado pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, nessa terça-feira (14/3), durante a 3ª Sessão Ordinária do CNJ em 2023. Conforme o voto, foram identificadas práticas reiteradas de parcialidade por parte do magistrado, registradas por meio de outros pedidos de providências e denúncias. No caso do político que, apesar de réu em processo, venceu as eleições municipais em Coari, foi diplomado e tomou posse, antes que o juiz tivesse proferido qualquer sentença. Oito meses depois, Alfaia teria proferido decisão contra o político, mesmo sabendo que não teria competência para tanto, já que o réu tinha foro por prerrogativa de função. O Ministério Público Eleitoral entrou com recurso para corrigir a decisão, mas o magistrado segurou o recurso durante três anos, em vez de encaminhá-lo ao TJAM.

De acordo com ministro Luis Felipe Salomão, a atuação do juiz foi nitidamente direcionada a postergar o processo e assim proteger o acusado. A possível motivação que favoreceu o interesse de um grupo político, liderado pelo prefeito em questão, seria o suposto recebimento de vantagens indevidas. Segundo o corregedor, também está sendo apurada a notícia de que o magistrado teria recebido valores para a prolação de decisões em outra comarca. “Desde 2018, foram recebidas diversas denúncias e pedidos de providência noticiando a existência de organização criminosa em Coari, que pode estar cooptando alguns membros do Judiciário, como o acusado”, destacou. Outros magistrados com atuação no local já foram punidos por terem favorecido o mesmo grupo político. “No caso analisado, é visível a atuação do juiz com o objetivo de beneficiar o réu. Considerando a reiteração da prática e autoria de falta funcional, tendo pleno conhecimento da eleição do prefeito, acho necessária a abertura do PAD e, considerando esse contexto, não é recomendada a permanência dele na magistratura”, explicou o corregedor. Texto: Lenir Camimura In: Notícias CNJ. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/cnj-afasta-juiz-e-vai-investigar-suposta-participacao-em-organizacao-criminosa-no-am/ Acesso em 4.9.2023.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Direito Processual Penal Direito Penal Constituição Federal do Brasil de 1988 Princípios Processuais

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