Concepções de Justiça. De Rawls e Dworkin

Rawls e Dworkin representaram os filósofos mais influentes do século XX, suas obras apresentaram divergências e convergências ao desenvolver concepções do liberalismo e de justiça. Rawls definiu sua teoria como "justiça como equidade" e que as pessoas livres e racionais interessadas em promover seus próprios interesses, aceitariam uma situação inicial de igualdade como definidores das condições fundamentais de sua associação. Dworkin estabeleceu uma teoria alternativa de justiça, através do princípio da integridade, que se preocupou com os indivíduos podem ter outros direitos, além dos criados por uma decisão ou prática expressa.

Fonte: Gisele Leite

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Realmente, existem pontos de convergências e divergências entre as concepções de justiça de Rawls[1] e de Dworkin. Contemporaneamente, Rawls desenvolveu nova teoria da justiça com fim especial de combater o utilitarismo. Sua teoria foi vista pelo prisma moral, estabelecendo princípios de justiça onde as pessoas deveriam estar numa posição original, vestindo o véu da ignorância, para pactuar o contrato social.

A proposta de Rawls foi questionada e um dos pensadores foi Dworkin que apontou que a teoria de justiça de Rawls não respeitava nem considerava os talentos e dons de cada indivíduo. Afinal, sua pretensão foi desenvolver uma concepção política de justiça.

Em análise as concepções de justiça e elementos como equilíbrio, contrato, posição original e utilitarismo, concluiu-se que existem mais pontos de convergência do que de divergência nas concepções de justiça desses dois teóricos.

A justiça é uma temática desafiadora e instigante seja por sua relação com o Direito, seja por sua relação com a Sociologia e a Filosofia Política. Por essa razão, muitos filósofos ousaram definir conceitos e teorias relacionadas com a justiça. John Rawls foi responsável por propor uma teoria da justiça sob outra ótica, por essa razão, tem sido muito analisado e criticado.

Hodiernamente, ouvimos muito "isso é justo" ou "isso não é justo" que são utilizadas como juízos de valor ou para avaliar determinadas circunstâncias. Porém, alerta-se que a natureza não é justa ou injusta com ninguém, o que é justo ou não se refere ao modo o sistema institucional processo esses fatos da natureza.

Eis que surge que a primeira virtude de qualquer sistema institucional tem que ser a de sua justiça. Portanto, o que advém da natureza, da ordem natural, não poderá ser classificado como justo ou injusto.

Porém, a partir do momento em que esse fato da natureza sofre interferência do ou no sistema institucional é possível classificar o resultado como justo ou injusto, devendo-se primar pelo resultado justo. Como primeira virtude, deve-se buscar sempre a melhor alternativa para atender a finalidade da justiça, haveria de se encontrar outra alternativa para a solução nesse contexto.

A fim de melhor entender a concepção de justiça de Rawls deve-se atentar para cooperação social da qual ela deriva, pois o que se verifica em suas obras é que ele baseia sua concepção de justiça no contrato social idealizado a partir de Locke, Rousseau e Kant[2].

Frise-se que o contratualismo de Rawls teve ideia diferenciada da igualdade que tem a ver com nosso igual status moral, isto é, a igualdade sob o aspecto moral. Thadeu Weber explicou que a cooperação social de Rawls é fulcrada em duas condições relacionadas à personalidade ou à qualidade moral. A primeira capacidade é a de ter senso de justiça, de ser razoável. A segunda capacidade é a de ter uma concepção de bem, de ser racional.

É curial observar que o fator razão/racionalidade resta relacionado ao conceito de justiça, o que reforça a ideia de que essa concepção de justiça não advém da natureza, e sim, de uma construção racional.

A ideia norteadora é que os princípios da justiça para a estrutura básica da sociedade são o objeto do consenso original. São esses princípios que pessoas livres e racionais, preocupadas em promover seus próprios interesses, aceitariam numa posição inicial de igualdade como definidores dos termos fundamentais de sua associação.

Esses princípios devem regular todos os acordos subsequentes; especificam os tipos de cooperação social que se podem assumir e as formas de governo que se podem estabelecer. A esse modo de considerar os princípios, chamou Rawls de justiça com equidade.

Resta evidenciado o caráter contratual na concepção de justiça de Rawls, eis que diferentes expressões remetem a essa ideia: há uma proposta e uma aceitação, existem termos e condições, há um acordo.

Porém, esse caráter contratual situa-se no plano moral, no plano da teoria da justiça. É um contrato hipotético. Referindo-se a um acordo que firmaríamos sob condições ideais, e no qual é respeitado nosso caráter de seres livres e iguais.

Com essas características (livres e iguais) que estão sempre presentes na posição original (igualmente hipotética), é caracterizada pelo fato de que ninguém conhece seu lugar na sociedade, de sua classe ou status social, nem sua inteligência ou força.

Os princípios de justiça são escolhidos sob o véu da ignorância e, assim, ninguém seria beneficiado; a escolha aconteceria pelo mero acaso natural. E, assim, os princípios da justiça são resultantes de um ajuste equitativo.

Aliás, a posição original é possivelmente é um dos fatores mais questionados na teoria de Rawls e, Thadeu Weber[3] afirmou que é um artifício e uma representação, um acordo hipotético e a-histórico. Na posição original, as pessoas realmente desconhecem qualquer informação que se relacione ao seu interesse ou ao seu favor.

Há quem comente que a intenção de Rawls foi a de partir de ponto neutro, sem nenhuma interferência nenhum pré-conceito ou pré-julgamento.

Daí, a crítica da impossibilidade do grau zero. E, assim, acredita-se que quando Thadeu Weber se referia à posição original como um artifício e uma representação, quer ressaltar que a posição original é uma estratégica adotada para compreender o sentido mais puro de justiça, por isso ocorre num plano hipotético sem um tempo histórico definido.

Entretanto, Rawls acreditava que além de hipotética, a posição original é também intuitiva, de forma que, conduzidos por esta, somos levados a definir melhor o ponto de vista a partir do qual podemos melhor interpretar as condutas morais da forma mais adequada. A noção intuitiva possibilita visualizar o objetivo à distância.

Tal noção intuitiva é questionável e, em face disso, Rawls não deu destaque ao intuicionismo. Mas admite a necessidade de reconhecer um lugar importante para nossas intuições, na tarefa de buscar uma teoria da justiça.

A oposição de Rawls ao intuicionismo foi baseada na incapacidade de propor um sistema de regras capaz de hierarquizar nossas intuições, sobre qual princípio de justiça adotar em certa situação, no caso habitual de conflitos gerados entre elas.

O intuicionismo defendido por Rawls não previa nenhuma regra de prioridade entre os princípios. E, afirmou que é necessário simplesmente atingir um equilíbrio pela intuição, pelo que nos parece aproximar-se mais do que é justo. (Rawls, 1997).

Prosseguiu, afirmando que objetivo deveria ser formular uma concepção da justiça que, por mais que apele para intuição, ética ou sábia, tenda a tornar convergentes nossos entendimentos meditados sobre a justiça. E, assim, na obra "Uma Teoria da Justiça" constatou-se que ao debater os pressupostos mais fundamentais de uma teoria, é preciso apelar para intuições compartilhadas ou à técnica do equilíbrio refletido de comparar intuições refletidas e aprovas pelo escrutínio racional.

Considerou Rawls que o intuicionismo era um rival fraco para sua teoria da justiça, pois o utilitarismo foi o verdadeiro fantasma da teoria da justiça, posto que existia a tendência de decidir em prol da maioria quando não se sabe como decidir. E, nesses casos, de indecisão, normalmente questiona-se: qual é a proposta que satisfaz o maior número de interesses?

Apresentava-se, ainda, outro argumento em prol do utilitarismo que é o igualitário, em que se buscava a franca maximização do bem estar. O principal busilis que Rawls se deparou é saber se em todas as situações era justo agir em favor do interesse da maioria, qual era o espaço da minoria dentro da teoria da justiça. Numa pandemia, em situação de proliferação de vírus contagioso, seria justo matar as pessoas contaminadas para evitar que o restante da população não fosse infectado?

A crítica de Rawls consistiu justamente no fato de que o utilitarismo tendia a ver a sociedade como um corpo, no qual é possível sacrificar algumas partes em virtude das restantes.

O utilitarismo aceita certos sacrifícios presentes, com o fito de obter maiores benefícios no futuro. Exemplo: O desejo de impor sacrifícios às gerações presentes em prol de benefícios para gerações futuras.

Outra crítica de Rawls foi a de que o utilitarismo não levava a sério a diferença entre as pessoas, pois, afirmava que pretendia desenvolver uma teoria da justiça como alternativa ao utilitarismo.

Para a maioria dos utilitaristas a prioridade somente pode ser definida de acordo com o princípio da utilidade. Considerando que Rawls não enxergou nenhum problema em recorrer à intuição para resolver questões de prioridade, ele enfrentou esse problema utilizando duas maneiras simples: usando um princípio geral, a moral, ou usando uma pluralidade de princípios.

Afinal, uma teoria da justiça é precisamente isso, uma teoria, de sentimentos morais que estabelece os princípios que controlam as nossas forças morais, ou mais especificamente, o nosso senso de justiça.

A moral tem destaque acentuado em “Uma teoria da Justiça” de Rawls, e mesmo nas obras posteriores do doutrinador que buscou corrigir possíveis equívocos com intuito de desfazer más compreensões.

Ao referir-se aos princípios de justiça ratificou que estes podem identificar algumas condições morais que são pertinentes, e, portanto, as regras de prioridade poderiam indicar a ordem de utilização dos princípios quando esses entrassem em conflito entre si.

Para tanto, analisando os elementos apresentados por Rawls, seria preciso chegar a um consenso, por meio do qual pessoas livres e, em condição de igualdade definiram de forma cooperada os termos desse acordo, isso tudo caracterizaria a justiça como equidade.

Desde logo, o doutrinador norte-americano não tratou a justiça e equidade como expressões sinônimas, mas equidade seria como um adjetivo de justiça. É necessário que exista esse complemento, pois não bastava galgar um resultado justo, ele precisa ser equânime para de fato ser considerado justo.

Enfim, para originar um resultado justo, requer-se que criemos uma situação de equidade (Thadeu Weber, 2010). Na dicção de Rawls, considerando a capacidade moral dos cidadãos e, ainda acreditava que dois subprincípios seriam definidos na posição original, por consenso: quais sejam o das liberdades iguais e o princípio da igualdade que seria dividido em princípio da diferença[4] e o de igualdade de oportunidades.

Rawls defendeu que não cabe ao ordenamento social estabelecer e assegurar as perspectivas dos que estão melhores condições sem que contribua com os menos afortunados.

Logo no início, de “Uma Teoria da Justiça”, Rawls apresentou a noção geral dos princípios, mesmos sem fazer menção expressa a eles, afirmando, in litteris: “a ideia intuitiva é a de que, pelo fato de o bem estar de todos depender de um sistema de cooperação sem o qual ninguém pode ter uma vida satisfatória, a divisão de vantagens deveria acontecer de modo a suscitar a cooperação voluntária de todos os participantes, incluindo-se os menos bem situados”. (Rawls, 1997).

Defendeu-se que as pessoas devem ser tratadas com igualdade e devem ter uma igualdade de oportunidades, mas isso não significa que elas sejam iguais. Para tanto, deve-se oferecer oportunidades aos menos bem situados, ou aos em posição social menos favorável, ou ainda, aos menos dotados, para que esses, diferentes, também estejam em situação de igualdade.

Olhando para contemporânea sociedade, destacou-se a importância de políticas afirmativas e inclusivas voltadas aos menos favorecidos ou menos dotados, tais como negros, indígenas, idosos, crianças, pessoas com deficiência, pessoas em condição de miserabilidade, entre outros.

No contexto global é possível afirmar que os países que o fazem com maior mérito são também os mais bem desenvolvidos economicamente e culturalmente. Assim, verificou-se que ambos os princípios coexistem e complementam-se, especialmente, no intuito de justiça como equidade.

Em certo momento, Rawls verificou que sua teoria de justiça não havia sido bem compreendida. E, portanto, escreveu “Justiça como equidade”, e logo na introdução explicou a ideia de que uma justiça de cunho liberal seria melhor entendida enquanto concepção política. Pois, baseou-se em valores políticos e não deveria ser apresentada como parte de uma doutrina filosófica, religiosa ou moral[5].

Assim, os princípios de justiça mais razoáveis seriam aqueles que fossem objeto de acordo mútuo entre pessoas em condições equitativas. A justiça como equidade[6] é uma teoria que parte da ideia de contrato social.

Os princípios que articulou afirmam uma concepção liberal ampla de direitos e liberdades basilares e, só admitem desigualdades de renda e riqueza que sejam vantajosas para os menos favorecidos (Rawls, 2003).

Aliás, ao desenvolver a ideia de liberalismo político foi forçado a reformular sua exposição e defesa da teoria da justiça como equidade, pois era parte de visão liberal abrangente, mas esta reformulação demonstrou que tal teoria pode ser entendida como uma forma de liberalismo político. Sendo a forma mais razoável de liberalismo.

Remodelando os argumentos principais a favor dos dois princípios de justiça que constituem a base central de uma concepção de justiça como equidade.

Rawls mencionou que em sua primeira obra não discute se a justiça como equidade é uma doutrina moral abrangente ou uma concepção política de justiça. O que esperava com a primeira obra é que seria razoável ao leitor concluir que a justiça como equidade foi definida como parte de uma doutrina moral abrangente que poderia vir a ser desenvolvida posteriormente, caso os bons resultados a isso convidasse.

Em “Justiça Como Equidade” eliminou essa ambiguidade, pois afirmou que a teoria da justiça como equidade foi apresentada como uma concepção política de justiça (Rawls, 2003).  Thadeu Weber (2010) entendeu que tal mudança feita por Rawls foi fundamental pois permitiu melhor compreensão e esclarecimento da justiça como equidade. Citou como exemplo a posição original, que seria mais bem entendida por meio de uma concepção política de justiça.

Aliás, o caráter liberal da concepção política de justiça, está, principalmente, no fato de estabelecer essa prioridade de que gozam os direitos e liberdades fundamentais em relação às exigências do bem geral.

Não se pode cogitar em oportunidades iguais ou que a distribuição de renda e riqueza deva beneficiar os menos favorecidos sem antes assegurar os direitos e liberdades fundamentais. Isso inclui a satisfação de necessidades básicas materiais. E, dentro do segundo princípio de justiça, o princípio da diferença, como princípio de justiça distributiva, está subordinado ao princípio da igualdade equitativa de oportunidades[7]. Isso foi da essência do liberalismo político defendido por Rawls.

Rawls disse que uma sociedade bem ordenada será aquela em que seus cidadãos tiverem fins últimos em comum e que, numa concepção política de justiça, tais fins são os necessários. E, não se limitam às necessidades básicas, mas também aos direitos e liberdades fundamentais, como forma de constituir uma sociedade bem ordenada.

Assim, começou Rawls lançar os fundamentos de “Justiça e Democracia” obra que foi iniciada ao final de sua vida. Onde destacou que existem antigas questões do período da Reforma Protestante, ou antes, relacionadas à democracia que precisam de resposta.

E, nesse sentido, o liberalismo político tentou fornecê-la elaborando uma concepção política de justiça que seja independente e que, a partir das ideias políticas fundamentais, latente na cultura pública de uma democracia, formule os valores políticos essenciais de um regime constitucional.

Essa concepção política de justiça não pressupõe nenhuma doutrina abrangente particular. Foi por isso que ela funcionou como componente, um módulo, poder-se-ia dizer que se poderia acrescentar ou adaptar a numerosas doutrinas distintas ou que delas se pode derivar.

Dessa forma, ela passou ser a base para um consenso, proveniente de uma superposição de doutrinas, em favor das instituições democráticas. (Rawls, 2002). Conclui-se que a concepção política de justiça promove a justiça como equidade e obtém como resultado a democracia.

Afinal, a ideia foi que, numa democracia constitucional, a concepção pública de justiça deveria ser tanto quanto possível, independente de doutrinas religiosas e filosóficas sujeitas a controvérsias.

Foi por isso que, na formulação de tal concepção, devemos aplicar o princípio da tolerância à própria filosofia: a concepção pública da justiça deve ser política, e não metafísica. (Rawls, 2002).

A concepção de justiça de Ronald Dworkin que foi um estudioso da teoria do Direito e da Justiça, mas defendeu o liberalismo igualitário, com origem no pensamento em Rawls. Teve o intuito de aperfeiçoar também o igualitarismo, e deixá-lo menos imune as críticas.

Contudo, advertiu que o bem deve ser analisado a partir da própria moralidade que é um dos pontos fundamentais das suas obras. Acreditou que os critérios objetivos da justiça somente podem ser analisados no seu próprio contexto de objetividade. Da mesma forma a moralidade objetiva somente existiu no seu contexto de objetividade. Ao interpretar certa norma haverá uma preconcepção moral que perpassará a análise, que poderá propiciar somente uma análise individual de bem, a partir do contexto de quem interpreta.

Afinal, o que a moral requer e o que a justiça exige são aspectos diferentes da mesma questão. (Dworkin, 2011). Dworkin apresentou uma tentativa de mitigar algumas aparentes imprecisões da teoria da justiça e afirma que para muitos liberais, como Dworkin, o igualitarismo dessa postura surge do fato de que o utilitarismo considera como iguais os desiguais.

Dworkin[8] acreditava que o único modo de o utilitarismo poder assegurar o mesmo respeito a cada indivíduo era por meio da incorporação de um conjunto de direitos, capazes de se impor a reivindicações majoritárias baseadas em preferências externas.

Os direitos funcionariam como limites destinados a impedir que alguma minoria sofra desvantagens na distribuição de bens e oportunidades pelo fato de uma maioria de indivíduos pensar que aqueles poucos são merecedores de benefícios menores que os recebidos pela maioria.

Por isso, Dworkin também questiona o utilitarismo e, até mencionou os extremistas raciais sejam tão numerosos e sádicos que a tortura de um negro inocente melhorasse o nível geral de felicidade da comunidade como um todo. Isso justificaria ou legitimaria a tortura?

Como alternativa ao utilitarismo Dworkin afirmava que o comportamento de simulação de mercado quando os direitos entrassem em conflito, mas que não pressuponha nenhum dever pessoal de agir sempre de algum modo que torne a comunidade mais feliz como um todo.

Porém, esse sistema de responsabilidade deve ser analisado no âmbito da justiça distributiva: assumimos responsabilidade[9] por nossas escolhas de variadas maneiras. Quando essas escolhas são feitas livremente, e não ditadas ou manipuladas por outros, nós nos culpamos se concluímos que deveriam ter escolhidos de modo diverso.

Nossas circunstâncias são outra história: não faz sentido assumir responsabilidade por elas a não ser que sejam o resultado de nossas escolhas. Ao contrário, se estamos insatisfeitos com nossos recursos impessoais e nos culpamos por nenhuma escolha que afetou nossa parcela nesses recursos, é natural que reclamemos que outros geralmente os oficiais de nossa comunidade foram injustos conosco.

A distinção entre escolha e circunstância era não só familiar, mas fundamental em ética de primeira pessoa.  Não podemos planejar ou julgar nossas vidas senão pela distinção entre aquilo sobre o que devemos assumir responsabilidade porque o escolhemos, e aquilo sobre o que não devemos porque estava além de nosso controle.

A partir do binômio escolha e responsabilidade, Dworkin[10] defende que as pessoas são responsáveis por suas escolhas relacionadas aos recursos materiais - impessoais e que isso, de certa forma, se deve ao esforço empreendido. Mas, ao mesmo tempo, não podem ser responsabilizadas por circunstâncias que estão além do seu controle ou mesmo da sua possibilidade de escolha. Nesse contexto, aplica-se a igualdade distributiva.

Na obra "Justiça para ouriços"[11], Dworkin advertiu que a distribuição era o produto das decisões dos governantes relacionadas às leis ou às políticas públicas[12]. Ao testar a sua teoria utiliza a simulação de mercado num primeiro momento, onde as pessoas são livres para vender ou comprar a sua força de trabalho e para conseguir o que for possível nesse espaço de disputa.

Contudo, saliente que as pessoas nem sempre são responsáveis pelo seu destino, inclusive porque não tem ingerência sobre suas heranças genéticas ou por seus talentos - percebe-se semelhança com a teoria da loteria natural defendida por Rawls. Observa também que o modelo de Justiça distributiva que ele defende é somente um passo inicial para uma teoria da justiça mais generalista.

Dworkin, em dado momento da obra “Uma questão de princípio”, chegou a escrever sobre o que a justiça não é. Talvez como forma de desconstruir sua concepção para reconstruí-la na sequência.

Pois, na obra “Levando os direitos a sério” (2002) incluiu um capítulo sobre a justiça e os direitos. Nesta, abordou a questão da posição original, observando que aqueles que estiverem ocupando a posição original, para definir o contrato, devem estar de acordo com os termos desse contrato, antes de retornarem a sua posição natural (Dworkin, 2002).

Enfim, se há conteúdo pré-acordado o contrário não seria mais original. Nesse ponto, a crítica de Dworkin é no sentido de que a posição original seria tão somente um argumento.

Possivelmente, esse doutrinador acreditava que se os termos do contrato fossem firmados na posição natural poderia haver divergências ou discordâncias implicando na quebra do acordo estabelecido na posição original, pois talvez não estariam mais livres e em pé de igualdade.

Assim, concluiu Dworkin que a posição original de Rawls era poderoso mecanismo de reflexão sobre a justiça, pois o intuito dessa posição incorpora e aplica a teoria da igualdade profunda... as partes consentem princípios de justiça sem nenhum conhecimento de quaisquer qualidades ou atributos que lhes deem vantagens sobre outros e, sem nenhum conhecimento de que concepção do bem sustentam em contraposição a outros. (Dworkin, 2001).

Esses princípios de justiça, consentidos na posição original, não são um contrato propriamente dito, mas talvez possa ser identificado como um argumento, pois não importam as razões pelas quais os cidadãos o firmaram. Afinal, um contrato hipotético não era contrato de fato.

Mas, para que os cidadãos concordassem com o contrato, deveria haver razões, ou uma força vinculadora. Afinal, como identificar os princípios de justiça num grupo de pessoas livres e iguais? Dworkin nos informa que pode ser relativamente difícil identificar um conjunto coerente de princípios, a partir das noções intuitivas de todos. Mas, acredita que pode acontecer que a maioria concorde com os dois princípios de justiça - diferença e igualdade, caracterizando assim a questão do equilíbrio reflexivo.

Constata-se assim que esse doutrinador entende ou vê com dificuldade a possibilidade de todos que estão na posição original concordarem com esses dois princípios, mas a maioria pode concordar - o que caracteriza o equilíbrio reflexivo.

Essa ideia de aceitação da maioria está vinculada à democracia. Dworkin tratava a questão do processo e democracia e mencionava que era necessário ter noção do poder político adequado para servir à concepção igualitária de democracia.

Porém, é preciso distinguir entre um direito e o valor desse direito. Ao fazer essa distinção ele afirma que se inspirou na obra “Uma teoria da justiça”, de Rawls. Acreditava que a igualdade política exige pelo menos que todos tenham a mesma oportunidade de influenciar as decisões políticas, de modo de quaisquer impedimentos jurídicos se apliquem a todos, deixando de lado a questão de se a igualdade política também exige que as oportunidades de todos tenham o mesmo valor para cada um deles. (Dworkin, 2001).

Esses princípios de justiça consentidos na posição original, não são um contrato propriamente dito, pois não importam as razões pelas quais os cidadãos o firmaram.

Ponderou-se que tal entendimento de Dworkin poderia ser um fraquejo no que tange ao utilitarismo, pois a decisão seria a da maioria ou em prol do bem estar da maioria. Nesse sentido, questiona-se: é possível identificar pontos de convergência e de divergência entre as concepções de justiça desenvolvidas por Rawls e por Dworkin?

Os filósofos Rawls e Dworkin classificavam-se como liberais e igualitários, mas isso por si só não significou que compartilhem das mesmas concepções de justiça. Embora Dworkin tenha se dedicado muito mais à teoria do direito do que à teoria da justiça, ele traz contribuições para fortalecer a concepção de justiça desenvolvida por Rawls.

Inicialmente, serão apresentados alguns aspectos relacionados às concepções de justiça de Rawls e Dworkin no que se referem ao equilíbrio, ao contrato, à posição original e ao utilitarismo, além de outras considerações que são oportunas. Na parte final será analisada a contribuição, que traça um comparativo entre esses dois doutrinadores.

Primeiro, no que concerne a questão do equilíbrio constata-se que Dworkin (2002) questionou o posicionamento de Rawls fazendo uma construção a partir de dois modelos, o natural e construtivo. No modelo natural considera as intuições a partir do ponto de vista pessoal do indivíduo, com observações da realidade moral. Ao passo que o modelo construtivo considerava as intuições a partir de um ponto de vista mais público num enfoque da moralidade política.

Em virtude disso, Dworkin acreditou que a questão de equilíbrio trazida por Rawls vai ao encontro de modelo construtivo, partindo de concepção particular de justiça, intuição, e alcançando uma teoria geral de justiça.

Percebeu-se no momento o intuito de contribuir para o aperfeiçoamento do entendimento trazido por Rawls e o próprio doutrinador reconheceu isso ao explicar o seguinte:

“É claro que na justiça como equidade não temos qualquer outro critério para julgar se uma razão é injusta, já que todos os nossos princípios são satisfeitos. Mas, a razão existente pode nos incomodar e nos fazer pensar. É como se um estado de equilíbrio reflexivo estivesse um pouco abalado. Esperamos que as disparidades que possam ocorrer inscrevam-se num intervalo que não nos incomode. Agradeço a Ronald Dworkin por ter-me feito notar a necessidade explicitar esse ponto”. (Rawls, 2003).

A partir dessa manifestação, foi possível afirmar que Rawls percebeu a necessidade de explicitar melhor sua concepção de equilíbrio reflexivo a partir das considerações e ponderações de Dworkin, reconhecendo que o equilíbrio pode sofrer abalos[13].

Seguindo na ideia de aperfeiçoamento, Dworkin afirmou que o contrato é excelente recurso para desenvolver a teoria da justiça, porque dá o poder do veto e o dever de cumprir as exigências.

Esse doutrinador expôs que John Rawls, por exemplo, propôs um contrato social imaginário como meio de selecionar a melhor concepção de justiça no âmbito de uma teoria política utópica (...) os princípios de justiça de Rawls estão muito distante de exercer algum domínio. (Dworkin, 1999). Nesse aspecto, verificou-se ponto de divergência entre esses dois doutrinadores.

Cumpre frisar que Rawls não evidenciou tal dupla funcionalidade o poder de veto e cumprimento de exigências do contrato na elaboração de sua teoria. Talvez por isso Dworkin acreditava que os princípios de justiça propostos por Rawls estão longe de exercer algum domínio.

Pode-se trazer a questão da reprodução medicamente assistida, que hoje é carente de legislação legal no âmbito brasileiro. E, para analisar questões atinentes ao assunto, especialmente para resolver problemas relacionados à ao que fazer com os embriões não utilizados nos procedimentos de inseminação artificial, recorre-se aos princípios.

Mesmo em situações em que possa haver um contrato estabelecendo direitos e obrigações, como na questão da “barriga solidária” ou “barriga de aluguel” para um casal homossexual, caso houver alguma divergência a ser resolvida, como não há legislação regulamentando o assunto, a alternativa para chegar a uma decisão estará nos princípios, que, de certa forma, são escolhidos numa posição original, ainda que de forma intuitiva.

Retornando à posição original, Dworkin (2002) observou que ela é um caso limite, pois os homens não são ignorantes, mas ignoram os seus interesses. Ou seja, não se busca benefícios particulares. Daí, decorrem os direitos abstratos, quais sejam a liberdade e a igualdade. Dworkin, entretanto, apresenta uma crítica aos princípios escolhidos na posição original, pois eles não representariam um ideal igualitário.

Dworkin concordou com Rawls ao reconhecer que ele defende que o direito fundamental à igualdade pressupõe uma Constituição Liberal. Ao mesmo tempo em que reconhece que a posição original é poderoso mecanismo de reflexão sobre a justiça. (Dworkin, 2001).

Realmente, Rawls reforçou que os acordos hipotéticos não criam nenhuma obrigação, o acordo entre as partes na posição original não teria qualquer significado e que a importância de posição original se assenta no fato de ser um procedimento de representação ou um experimento mental para os propósitos de esclarecimento público (Rawls, 2003).

Mais, especificamente, na obra “O Liberalismo Político”, reconheceu-se que a posição original é somente um modelo em que as pessoas são responsáveis por seus interesses e buscam estabelecer um acordo. A posição original representa tanto a igualdade como a liberdade.

Quando se quer chegar à essência de algo, é preciso adotar uma posição de reflexão e para tanto o ponto de partida pode ser tentar e liberar a mente para construir o conceito sobre algo. Dworkin não acreditava que seja possível livrar-se das preconcepções e dos pré-conceitos inerentes à pessoa.

Possivelmente, por isso Rawls denominou esse contrato hipotético e a-histórico e Dworkin afirmou que os princípios de justiça escolhidos na posição original estejam muito longe de exercer algum domínio. Ainda é possível cogitar que em virtude disso, seja tão difícil combater o utilitarismo. Verifica-se que Rawls criticou o utilitarismo por possibilitar preferências ou gostos ofensivos, ora isso está vinculado aos pré-juízos das pessoas.[14]

Por gosto ofensivo, Rawls citou como exemplo o prazer que uma pessoa tem de discriminar outra ou de restringir a liberdade de outros. E, nos disse que, a partir de uma perspectiva igualitária essas preferências deveria ser condenadas ao invés vez, Dworkin fez crítica similar, ponto de convergência, no que se refere a respeito desse ponto, baseando seu argumento na ideia das preferências externas.

Ou seja, preferências relacionadas à destinação de bens para outras pessoas ou aos direitos e oportunidades que outras pessoas deveriam gozar.

Verifica-se que embora sob argumentos diferentes, Rawls e Dworkin criticaram de forma semelhante ao utilitarismo e sugerem que os resultados gerados pelo utilitarismo sejam questionados, especialmente, a partir dos reflexos que causam para as pessoas.

Os vínculos entre as concepções defendidas por Rawls e Dworkin em torno da justiça são claramente mais fortes que suas diferenças. E, com intuito de apresentar os vínculos existentes entre esses dois doutrinadores, nos diz que Dworkin desenvolveu sua concepção liberal igualitária baseada em quatro aspectos que são semelhantes aos verificados na teoria de Rawls quais sejam: 1. o liberalismo igualitário deve diferenciar a personalidade e a circunstância que envolvem as pessoas; 2. a rejeição do bem estar ou satisfação pessoal/particular; 3. a justiça é uma questão de recursos iguais. 4. o liberalismo igualitário está relacionado à tolerância, à neutralidade.

Também apontou a primeira e fundamental distinção entre as duas concepções de justiça consistente no fato de que Dworkin afirmou que a teoria da justiça de Rawls é insensível aos dons de cada pessoa e não suficientemente sensível às ambições de cada um, conforme se verifica na sua explicação, in litteris:

O fato de a teoria de Rawls ser inserível quanto os demais aos dons de cada um pode ter, pode ser explicado do seguinte modo: os dois princípios de justiça de Rawls permitem que alguns sujeitos sejam desfavorecidos por circunstâncias que não controlam, dado que sua teoria da justiça define a posição dos que estão pior em termo da posse de bens primários de tipo social, por exemplo, direitos, oportunidades, riquezas e, etc. e, não em termos de bens primários de tipo natural, por exemplo, talentos, capacidades mentais ou físicas, etc.

Por exemplo uma pessoa com salário um pouco maior que o de outra, mas com graves afecções físicas, estaria, de acordo com a teoria de Rawls melhor que esta última, mesmo que seu salário maior não seja suficiente para pagar os remédios que necessita devido as suas divergências naturais.

Mesmo havendo a distribuição igualitária, as desigualdades naturais não propiciariam condição de igualdade, pois a pessoa doente não está livre dos contratempos que advém da sua patologia.

A ideia de que a teoria de Rawls não foi suficientemente sensível à ambição defende que as desigualdades sociais são aceitáveis se atuarem em benefício dos que estão em pior situação[15].

E, para ilustrar seu questionamento Dworkin utilizou como exemplo o fato de duas pessoas, sendo que uma trabalha muito e consegue majorar sua renda e, a outra que prefere uma vida mais tranquila e consumista. Isso acaba sendo insensível de fato de que a segunda pessoa se beneficia do trabalho da primeira, eis que nessa situação caberia ao governo criar um imposto para transferir recursos da primeira pessoa para a segundo, para que fiquem em condição de igualdade.

Assim, do ponto de vista de Rawls assim como do ponto de vista do igualitarismo de recursos de Dworkin não seria irracional, mas, ao contrário, justo defender um sistema institucional no qual os mais talentosos sejam levados a pôr seus talentos a serviço dos menos talentosos.

Recorde-se, a esse respeito, o princípio da diferença, segundo o qual as únicas desigualdades econômicas que se justificam são aquelas destinadas a favorecer os mais desfavorecidos.

Como alternativas à proposta de Rawls, Dworkin propôs o leilão hipotético e o seguro. No leilão[16] todos iniciaram com um poder aquisitivo idêntico e colocariam à disposição todos os recursos impessoais.

O leilão terminaria quando todos estivessem satisfeitos com os recursos que adquiriram e, então receberiam uma parcela adicional e igual de recursos para a aquisição de bens e a contratação de seguro, para que lhes protegesse das desvantagens surgidas a partir das diferentes capacidades/dotes de cada pessoa.

No entanto, Kolm observou que essa proposta de Dworkin para definir as capacidades produtivas iguais equivalentes a um seguro fundamental, contradiz a sua intenção básica que é o recursismo e não propicia uma reflexão acerca das preferências que ele procura obter por meio desse dispositivo.

Ora, se for preciso recorrer a um seguro isso pode significar que não existe igualdade de recursos, pois se houvesse não seria necessário o instituto do seguro. Da mesma forma, ao passo que Dworkin defendeu os talentos, dons e preferências de cada um constata-se que se parte do princípio de que existe desigualdade.

Ao avaliar a questão das capacidades de troca no leilão Kolm entendeu que a proposta de Dworkin era similar à de Rawls, contudo, são muitas vezes mais extensas porque as trocar começam a partir de recursos, ao passo que, no caso de Rawls, a equalização ideal já está a meio caminho, com rendas e outros bens primários.

Isso afeta em particular os papéis das capacidades de troca e outros problemas, como o dos recursos primários indivisíveis que produzem produtos divisíveis. (Kolm, 2000).

Verifica-se que Dworkin procurou mostrar quais são as características que devem distinguir uma concepção igualitária plausível: as pessoas devem ter a possibilidade de iniciar suas vidas com iguais recursos materiais, devem ter igual possibilidade de se garantir contra eventuais desvantagens.

O propósito de Rawls e Dworkin foi reduzir o peso de fatores arbitrários de um ponto de vista moral, mas o segundo doutrinador procura aperfeiçoar os pontos inadequados da concepção moral a justiça. Nesse sentido, a proposta do leilão e do seguro teria por objeto corrigir algumas falhas da proposta de Rawls, eliminando o efeito da mera sorte e mantendo os riscos das escolhas feitas pelas pessoas[17].

O próprio Rawls reconheceu que os cidadãos iguais têm concepções diferentes e esse é um ponto crucial do liberalismo, pois essas concepções diferentes podem não se conciliar.

Portanto, por fim, há de se considerar que Dworkin afirmou que a concepção liberal de igualdade é um princípio de organização política exigido pela justiça, não um modo de vida para indivíduos, e para os liberais, como tais, é indiferente que as pessoas prefiram manifestar-se em questões políticas, levar vidas excêntricas ou portar-se como supostamente os liberais preferem (Dworkin, 2001).

Enfim, para Rawls essa concepção liberal da igualdade proposta por Dworkin é exemplo de concepção política de justiça, o que confirma mais um ponto convergente entre ambas as concepções de justiça.

O diálogo hermeneuta entre os dois retromencionados doutrinadores trouxe uma dialética contendo teses, antíteses e sínteses e, galgaram realizar relevantes contribuições para as teorias do Direito e da Justiça.

Enfim, Rawls desenvolveu uma concepção de justiça teórica e imaginária, enquanto Dworkin tenta apresentar sua concepção, aplicando-a na prática, mas que, como visto, se torna tão teórica quanto a de Rawls.

Rawls afirmou que esse postulado central no liberalismo e sugere que um enunciado mais recente seja buscado em Dworkin, na obra “Liberalismo Político”, Cambridge University Press, 1978.

John Rawls desenvolveu sua concepção de justiça propondo uma teoria da justiça como equidade por discordar da proposta do utilitarismo e entender que não ele não trata as pessoas como livres e iguais, oferecendo assim, o propósito democrático. Para desenvolver sua teoria sugere um contrato social, imaginário e a-histórico, em que as pessoas estariam numa posição original, vestindo o véu da ignorância, para escolher os princípios de justiça.

Por sua vez, Dworkin, procurou muito mais aperfeiçoar a proposta de Rawls trazendo novos elementos para reflexão, como a alternativa do leilão e do seguro. Analisando as duas concepções de justiça, constata-se que ambas apresentam muitos pontos em comum, desde o ponto de partida, vinculado ao liberalismo[18] passando pela rejeição ao utilitarismo e pela distribuição dos bens/recursos, dentre outros.

Quanto à divergência relaciona-se à questão dos talentos e dons naturais de cada pessoa. Outros pontos de divergência visam ao aperfeiçoamento da concepção de justiça de Rawls, como a integridade apresentada por Dworkin, quando não há correspondência entre justiça e equidade.

O que se verifica também nos fatores do equilíbrio refletido, do contrato da posição original e na concepção política de justiça é que esses fatores têm muito mais o aspecto da divergência no sentido melhor apresentar ou esclarecer esses pontos. Ainda que na questão do contrato, Rawls manteve sua posição vinculada aos princípios de justiça, enquanto Dworkin[19] tentou trazê-la para o âmbito do Direito.

A justiça por equidade ou por integridade persiste em ser um conceito político e com firmes raízes morais, pautado num liberalismo que prestigia mais a liberdade do que a igualdade.

Referências

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Notas:

[1] John Rawls (1921-2002) foi professor de Filosofia Política na Universidade de Harvard, autor de "Uma Teoria da Justiça"(1971), "Liberalismo Político"(1993), e o "O Direito dos Povos (The Law of Peoples, 1999). Em sua obra "A Theory of Justice" (em português, Uma Teoria da Justiça), publicada no ano de 1971, Rawls utiliza o artifício da "situação inicial" ou "posição original" como base para construir sua ideia de justiça equitativa. Esses dois termos servem de alusão ao estado de natureza que a teoria contratualista esboça. No entanto, ele almeja uma finalidade distinta da qual, geralmente, as teorias do contrato social pretendem.

[2]  Algumas das apropriações que John Rawls fez da filosofia moral de Kant em sua obra Uma Teoria da Justiça, bem como discutir a necessidade e a legitimidade dessas apropriações. Para tal proposta, farei, a princípio, uma explanação dos conceitos de posição original, véu de ignorância e princípios de justiça, para então aproximá-los dos conceitos kantianos de autonomia, imperativo categórico e outros elementos presentes na moral de Kant.

[3] Doutor em Filosofia (UFRGS); Professor Titular da Graduação e dos Programas de Pós-Graduação em Filosofia e em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Temas de pesquisa: Teorias da Justiça; Dignidade Humana e Direitos Fundamentais; Ética e Filosofia Política.

[4] Princípio da diferença é um aspecto muito importante em uma sociedade justa é a forma como a riqueza é distribuída. De acordo com Rawls, na posição original as pessoas adotariam o que chama de princípio da diferença para regular isso. Assim, o filósofo acredita que na posição original não seria escolhido uma distribuição igualitária de riqueza. A desigualdade é mais justa, dentro de certas condições. De acordo com esse princípio, “as desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições: primeiro, devem estar vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades; e, em segundo lugar, têm de beneficiar ao máximo os membros menos favorecidos da sociedade.”

[5] A filosofia moral no século XX foi profundamente influenciada por G.E. Moore (1922) que sustentou; que boa parte da ética que o precedia cometia um erro ao identificar o significado de conceitos morais, como bom, com propriedades naturais. Moore defendeu que o bom é indefinível e se refere a uma propriedade sui generis e não natural.

[6] A reciprocidade implica a equidade que, por sua vez, demanda o descomprometimento estrutural da sociedade com concepções apriorísticas do bem, bem como a extirpação de condições arbitrárias de participação nas decisões políticas e mesmo nas escolhas de mercado, que influenciam a formação de preferências. É exigência primeira da equidade que todos tenham justas oportunidades para se desenvolverem.

[7] Por fim, Rawls acreditava que, numa sociedade justa, a desigualdade deve ser relacionada a cargos que qualquer pessoa possa acessar em condição de igualdade equitativa de oportunidades. Isso quer dizer, em primeiro lugar, que as profissões são acessíveis a qualquer pessoa. Ninguém é proibido, por exemplo, de ser médico ou professor com base em sua raça, gênero, religião. Desde que qualificada para exercer a função, uma pessoa pode se candidatar a qualquer profissão. Em segundo lugar, quer dizer que deve haver uma igualdade real de oportunidades, não apenas formal. Sabemos que a educação que uma pessoa recebe e outros fatores influenciam nas oportunidades que terá na vida. Assim, para que exista realmente igualdade de oportunidades, todos devem ter acesso à educação com a mesma qualidade e até mesmo coisas mais básicas, como alimentação e saúde.

[8] Ronald Myles Dworkin (1931-2013) foi um filósofo e jurista norte-americano. Foi influente tanto no âmbito da filosofia do direito quanto no da filosofia política. Sua teoria do direito como integridade apresentada em seu livro intitulado Império da Lei, na qual os juízes interpretam a lei em termos de princípios morais consistentes, está entre as teorias contemporâneas mais influentes sobre a natureza do direito. De acordo com uma pesquisa do Journal of Legal Studies, Dworkin foi o segundo acadêmico do direito mais citado do século XX. Ele recebeu o Prêmio Comemorativo Internacional Holberg em 2007 por "seu trabalho acadêmico pioneiro" de "impacto mundial". Dworkin defendeu uma "leitura moral" da Constituição dos Estados Unidos e uma abordagem interpretativista do direito e da moralidade.  Quando faleceu, Dworkin ainda exercia a função de professor de Direito e Filosofia na Universidade de Nova York e de teoria do direito na University College London. Anteriormente, Dworkin já havia lecionado na Faculdade de Direito de Yale e na Universidade de Oxford, onde foi Professor de Jurisprudência e sucedeu o renomado filósofo H. L. A. Hart.

[9] A teoria da responsabilidade moral apresentada e defendida por Dworkin no capítulo 6 de seu livro Justice for Hedgehogs seja entendida não como uma concepção da verdade aplicável ao domínio moral (tal como ele propõe), mas como o que ela realmente é: uma concepção de responsabilidade que dá sentido à noção de sucesso na empreitada moral

[10] O Juiz Hércules foi imaginado para servir de parâmetro aos juízes reais, especialmente quando eles enfrentam um hard-case.  O dever do juiz não é somente decidir qual lei pode ser adequada ao caso; ele deve escolher a melhor solução, aquela cujos efeitos sejam os mais corretos.

[11] Foi o último livro publicado por Ronald Dworkin lançado originalmente apenas em 2011. Na época disponibilizou na internet cujo endereço reportava o nome da obra em inglês. A intenção era captar as críticas ao seu trabalho e disponibilizar eventuais respostas aos críticos. No capítulo 19 mostra a ideia de “uma estrutura em árvore” onde é argumentado um caminho que coloca o direito sendo derivado da moral. Esse caminho é um ponto importante para o argumento e que dá um norte para seguir e concluir que o direito e a moral têm muito em comum.

[12] Entre as propostas de Dworkin é bom ressaltar a importância da equidade social e, a cobertura de políticas públicas assistencialistas pelo nível médio de vida o que não resolve o distanciamento entre as classes médias, baixas e as altas. Como consequência, as decisões estatais e de mercado, que influenciam as preferências pessoais e sociais, permanecem a refletir nos interesses da classe economicamente privilegiada.

[13] A parte mais importante da teoria da justiça de Rawls seja o procedimento que propõe para identificarmos o que é uma sociedade justa.  O filósofo parte do problema que nem sempre somos imparciais ao pensarmos o que é justo ou injusto. A partir disso, propõe um procedimento que deve ser seguido para chegarmos a um resultado justo. Que tipo de sociedade escolheríamos se seguíssemos o procedimento proposto por Rawls? Sua resposta é uma sociedade na qual uma série de liberdades fosse garantidas para todos; houvesse igualdade equitativa de oportunidades; a riqueza fosse distribuída de acordo com o princípio da diferença.

[14] As duas concepções de justiça,  constata-se que ambas apresentam muitos pontos  em comum, desde o ponto de partida, vinculado  ao liberalismo, passando pela rejeição ao utilitarismo e pela distribuição dos bens/recursos, dentre outros.  O ponto central da crítica de Dworkin é o fato de que há ocasiões em que os juristas discutem a respeito de direitos e obrigações jurídicas e recorrem a padrões que não funcionam como regras, mas como “princípios, políticas e outros tipos de padrões”. Estas situações ocorrem principalmente nos chamados “casos difíceis” (hard cases), em que os problemas conceituais do direito e da obrigação aparecem de forma mais severa. Segundo o autor, o positivismo é um modelo de e para um sistema de regras e sua principal tese repousa num teste fundamental para o direito, e, por isso, ignora outros tipos de padrões que não são regras.

[15] Aristóteles entendeu que a justiça não deve privilegiar ninguém, mas, deve ser recíproca, traçando forte ligação com pensamento produzido por Rawls. O doutrinador apresentou a teoria da justiça como equidade e assim, estabeleceu novo marco da filosofia política, enfrentando a complexa questão da liberdade e igualdade, para conceber uma sociedade justa. Nessa tese, o doutrinador nos trouxe a liberdade ajustada com a igualdade.

[16] O leilão simboliza o mercado. Neste, cada qual se responsabiliza pela aquisição do seu quinhão de bens, sob o custo estipulado pela soma de preferências individuais. Importa, entretanto considerar para que o resultado do leilão seja justo e para que passe pelo teste da cobiça, é necessário que se possibilite aos participantes do leilão, a mesma quantidade inicial de chances.

[17] Podemos dizer que a teoria da justiça de Rawls defende que uma sociedade justa é aquela que garante uma série de liberdades básicas, iguais para todos; que permite a desigualdade, mas apenas na medida em que esta beneficie os menos favorecidos e na condição de que exista igualdade real de oportunidade. Rawls acredita que essa é uma sociedade justa porque seria a escolhida na posição original. Ou seja, ela é justa porque qualquer pessoa, ao refletir de forma imparcial sobre o que é a justiça, optaria por essa sociedade e não outra.

[18] Dworkin defendeu que o liberalismo não pode se limitar a uma dimensão exclusivamente política, deixando de oferecer uma resposta à questão do que é uma boa vida. A proposta dele é que respondamos a essa questão por meio do que ele denominou de modelo do desafio. Esse modelo evidenciou o ideal platônico de que a justiça não é um empecilho para a boa vida, mas sim, essencial a esta.

[19] Além de Dworkin, há dois outros doutrinadores que têm ressalvas a essa distinção que está na base do empreendimento teórico de Rawls, a saber: Bernard Williams e Will Kymlicka. Ambos concluem que o liberalismo não pode ser neutro em relação ao valor da autonomia, entendido aqui como um valor moral abrangente, e, portanto, controverso que precisa ser defendido pelo liberalismo. Ao concluir sua reflexão sobre a possibilidade de a tolerância se realizar enquanto um valor.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Justiça por Equidade Filosofia do Direito Filosofia Política Justiça por Integridade Razoabilidade

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