Concepções de Justiça. De Rawls e Dworkin
Rawls e Dworkin representaram os filósofos mais influentes do século XX, suas obras apresentaram divergências e convergências ao desenvolver concepções do liberalismo e de justiça. Rawls definiu sua teoria como "justiça como equidade" e que as pessoas livres e racionais interessadas em promover seus próprios interesses, aceitariam uma situação inicial de igualdade como definidores das condições fundamentais de sua associação. Dworkin estabeleceu uma teoria alternativa de justiça, através do princípio da integridade, que se preocupou com os indivíduos podem ter outros direitos, além dos criados por uma decisão ou prática expressa.
Realmente,
existem pontos de convergências e divergências entre as concepções de justiça
de Rawls[1] e de Dworkin. Contemporaneamente,
Rawls desenvolveu nova teoria da justiça com fim especial de combater o
utilitarismo. Sua teoria foi vista pelo prisma moral, estabelecendo princípios
de justiça onde as pessoas deveriam estar numa posição original, vestindo o véu
da ignorância, para pactuar o contrato social.
A
proposta de Rawls foi questionada e um dos pensadores foi Dworkin que apontou
que a teoria de justiça de Rawls não respeitava nem considerava os talentos e
dons de cada indivíduo. Afinal, sua pretensão foi desenvolver uma concepção política
de justiça.
Em
análise as concepções de justiça e elementos como equilíbrio, contrato, posição
original e utilitarismo, concluiu-se que existem mais pontos de convergência do
que de divergência nas concepções de justiça desses dois teóricos.
A
justiça é uma temática desafiadora e instigante seja por sua relação com o
Direito, seja por sua relação com a Sociologia e a Filosofia Política. Por essa
razão, muitos filósofos ousaram definir conceitos e teorias relacionadas com a
justiça. John Rawls foi responsável por propor uma teoria da justiça sob outra
ótica, por essa razão, tem sido muito analisado e criticado.
Hodiernamente,
ouvimos muito "isso é justo" ou "isso não é justo" que são
utilizadas como juízos de valor ou para avaliar determinadas circunstâncias.
Porém, alerta-se que a natureza não é justa ou injusta com ninguém, o que é
justo ou não se refere ao modo o sistema institucional processo esses fatos da
natureza.
Eis
que surge que a primeira virtude de qualquer sistema institucional tem que ser
a de sua justiça. Portanto, o que advém da natureza, da ordem natural, não
poderá ser classificado como justo ou injusto.
Porém,
a partir do momento em que esse fato da natureza sofre interferência do ou no
sistema institucional é possível classificar o resultado como justo ou injusto,
devendo-se primar pelo resultado justo. Como primeira virtude, deve-se buscar
sempre a melhor alternativa para atender a finalidade da justiça, haveria de se
encontrar outra alternativa para a solução nesse contexto.
A fim
de melhor entender a concepção de justiça de Rawls deve-se atentar para
cooperação social da qual ela deriva, pois o que se verifica em suas obras é
que ele baseia sua concepção de justiça no contrato social idealizado a partir
de Locke, Rousseau e Kant[2].
Frise-se
que o contratualismo de Rawls teve ideia diferenciada da igualdade que tem a
ver com nosso igual status moral, isto é, a igualdade sob o aspecto
moral. Thadeu Weber explicou que a cooperação social de Rawls é fulcrada em duas
condições relacionadas à personalidade ou à qualidade moral. A primeira
capacidade é a de ter senso de justiça, de ser razoável. A segunda capacidade é
a de ter uma concepção de bem, de ser racional.
É
curial observar que o fator razão/racionalidade resta relacionado ao conceito
de justiça, o que reforça a ideia de que essa concepção de justiça não advém da
natureza, e sim, de uma construção racional.
A ideia
norteadora é que os princípios da justiça para a estrutura básica da sociedade
são o objeto do consenso original. São esses princípios que pessoas livres e
racionais, preocupadas em promover seus próprios interesses, aceitariam numa
posição inicial de igualdade como definidores dos termos fundamentais de sua associação.
Esses
princípios devem regular todos os acordos subsequentes; especificam os tipos de
cooperação social que se podem assumir e as formas de governo que se podem
estabelecer. A esse modo de considerar os princípios, chamou Rawls de justiça
com equidade.
Resta
evidenciado o caráter contratual na concepção de justiça de Rawls, eis que
diferentes expressões remetem a essa ideia: há uma proposta e uma aceitação,
existem termos e condições, há um acordo.
Porém,
esse caráter contratual situa-se no plano moral, no plano da teoria da justiça.
É um contrato hipotético. Referindo-se a um acordo que firmaríamos sob
condições ideais, e no qual é respeitado nosso caráter de seres livres e
iguais.
Com
essas características (livres e iguais) que estão sempre presentes na posição
original (igualmente hipotética), é caracterizada pelo fato de que ninguém
conhece seu lugar na sociedade, de sua classe ou status social, nem sua inteligência
ou força.
Os
princípios de justiça são escolhidos sob o véu da ignorância e, assim, ninguém
seria beneficiado; a escolha aconteceria pelo mero acaso natural. E, assim, os
princípios da justiça são resultantes de um ajuste equitativo.
Aliás,
a posição original é possivelmente é um dos fatores mais questionados na teoria
de Rawls e, Thadeu Weber[3] afirmou que é um artifício
e uma representação, um acordo hipotético e a-histórico. Na posição original,
as pessoas realmente desconhecem qualquer informação que se relacione ao seu interesse
ou ao seu favor.
Há
quem comente que a intenção de Rawls foi a de partir de ponto neutro, sem
nenhuma interferência nenhum pré-conceito ou pré-julgamento.
Daí, a
crítica da impossibilidade do grau zero. E, assim, acredita-se que quando
Thadeu Weber se referia à posição original como um artifício e uma
representação, quer ressaltar que a posição original é uma estratégica adotada
para compreender o sentido mais puro de justiça, por isso ocorre num plano
hipotético sem um tempo histórico definido.
Entretanto,
Rawls acreditava que além de hipotética, a posição original é também intuitiva,
de forma que, conduzidos por esta, somos levados a definir melhor o ponto de
vista a partir do qual podemos melhor interpretar as condutas morais da forma
mais adequada. A noção intuitiva possibilita visualizar o objetivo à distância.
Tal
noção intuitiva é questionável e, em face disso, Rawls não deu destaque ao
intuicionismo. Mas admite a necessidade de reconhecer um lugar importante para
nossas intuições, na tarefa de buscar uma teoria da justiça.
A
oposição de Rawls ao intuicionismo foi baseada na incapacidade de propor um
sistema de regras capaz de hierarquizar nossas intuições, sobre qual princípio
de justiça adotar em certa situação, no caso habitual de conflitos gerados
entre elas.
O
intuicionismo defendido por Rawls não previa nenhuma regra de prioridade entre
os princípios. E, afirmou que é necessário simplesmente atingir um equilíbrio
pela intuição, pelo que nos parece aproximar-se mais do que é justo. (Rawls,
1997).
Prosseguiu,
afirmando que objetivo deveria ser formular uma concepção da justiça que, por
mais que apele para intuição, ética ou sábia, tenda a tornar convergentes
nossos entendimentos meditados sobre a justiça. E, assim, na obra "Uma
Teoria da Justiça" constatou-se que ao debater os pressupostos mais
fundamentais de uma teoria, é preciso apelar para intuições compartilhadas ou à
técnica do equilíbrio refletido de comparar intuições refletidas e aprovas pelo
escrutínio racional.
Considerou
Rawls que o intuicionismo era um rival fraco para sua teoria da justiça, pois o
utilitarismo foi o verdadeiro fantasma da teoria da justiça, posto que existia
a tendência de decidir em prol da maioria quando não se sabe como decidir. E,
nesses casos, de indecisão, normalmente questiona-se: qual é a proposta que
satisfaz o maior número de interesses?
Apresentava-se,
ainda, outro argumento em prol do utilitarismo que é o igualitário, em que se
buscava a franca maximização do bem estar. O principal busilis que Rawls
se deparou é saber se em todas as situações era justo agir em favor do
interesse da maioria, qual era o espaço da minoria dentro da teoria da justiça.
Numa pandemia, em situação de proliferação de vírus contagioso, seria justo
matar as pessoas contaminadas para evitar que o restante da população não fosse
infectado?
A
crítica de Rawls consistiu justamente no fato de que o utilitarismo tendia a
ver a sociedade como um corpo, no qual é possível sacrificar algumas partes em
virtude das restantes.
O
utilitarismo aceita certos sacrifícios presentes, com o fito de obter maiores
benefícios no futuro. Exemplo: O desejo de impor sacrifícios às gerações
presentes em prol de benefícios para gerações futuras.
Outra
crítica de Rawls foi a de que o utilitarismo não levava a sério a diferença
entre as pessoas, pois, afirmava que pretendia desenvolver uma teoria da
justiça como alternativa ao utilitarismo.
Para a
maioria dos utilitaristas a prioridade somente pode ser definida de acordo com
o princípio da utilidade. Considerando que Rawls não enxergou nenhum problema
em recorrer à intuição para resolver questões de prioridade, ele enfrentou esse
problema utilizando duas maneiras simples: usando um princípio geral, a moral,
ou usando uma pluralidade de princípios.
Afinal,
uma teoria da justiça é precisamente isso, uma teoria, de sentimentos morais
que estabelece os princípios que controlam as nossas forças morais, ou mais
especificamente, o nosso senso de justiça.
A
moral tem destaque acentuado em “Uma teoria da Justiça” de Rawls, e mesmo nas
obras posteriores do doutrinador que buscou corrigir possíveis equívocos com
intuito de desfazer más compreensões.
Ao
referir-se aos princípios de justiça ratificou que estes podem identificar algumas
condições morais que são pertinentes, e, portanto, as regras de prioridade poderiam
indicar a ordem de utilização dos princípios quando esses entrassem em conflito
entre si.
Para
tanto, analisando os elementos apresentados por Rawls, seria preciso chegar a
um consenso, por meio do qual pessoas livres e, em condição de igualdade
definiram de forma cooperada os termos desse acordo, isso tudo caracterizaria a
justiça como equidade.
Desde
logo, o doutrinador norte-americano não tratou a justiça e equidade como
expressões sinônimas, mas equidade seria como um adjetivo de justiça. É
necessário que exista esse complemento, pois não bastava galgar um resultado
justo, ele precisa ser equânime para de fato ser considerado justo.
Enfim,
para originar um resultado justo, requer-se que criemos uma situação de
equidade (Thadeu Weber, 2010). Na dicção de Rawls, considerando a capacidade
moral dos cidadãos e, ainda acreditava que dois subprincípios seriam definidos
na posição original, por consenso: quais sejam o das liberdades iguais e o
princípio da igualdade que seria dividido em princípio da diferença[4] e o de igualdade de
oportunidades.
Rawls
defendeu que não cabe ao ordenamento social estabelecer e assegurar as
perspectivas dos que estão melhores condições sem que contribua com os menos
afortunados.
Logo
no início, de “Uma Teoria da Justiça”, Rawls apresentou a noção geral dos
princípios, mesmos sem fazer menção expressa a eles, afirmando, in litteris:
“a ideia intuitiva é a de que, pelo fato de o bem estar de todos depender de um
sistema de cooperação sem o qual ninguém pode ter uma vida satisfatória, a
divisão de vantagens deveria acontecer de modo a suscitar a cooperação voluntária
de todos os participantes, incluindo-se os menos bem situados”. (Rawls, 1997).
Defendeu-se
que as pessoas devem ser tratadas com igualdade e devem ter uma igualdade de
oportunidades, mas isso não significa que elas sejam iguais. Para tanto,
deve-se oferecer oportunidades aos menos bem situados, ou aos em posição social
menos favorável, ou ainda, aos menos dotados, para que esses, diferentes,
também estejam em situação de igualdade.
Olhando
para contemporânea sociedade, destacou-se a importância de políticas
afirmativas e inclusivas voltadas aos menos favorecidos ou menos dotados, tais
como negros, indígenas, idosos, crianças, pessoas com deficiência, pessoas em
condição de miserabilidade, entre outros.
No
contexto global é possível afirmar que os países que o fazem com maior mérito
são também os mais bem desenvolvidos economicamente e culturalmente. Assim,
verificou-se que ambos os princípios coexistem e complementam-se,
especialmente, no intuito de justiça como equidade.
Em
certo momento, Rawls verificou que sua teoria de justiça não havia sido bem
compreendida. E, portanto, escreveu “Justiça como equidade”, e logo na
introdução explicou a ideia de que uma justiça de cunho liberal seria melhor
entendida enquanto concepção política. Pois, baseou-se em valores políticos e
não deveria ser apresentada como parte de uma doutrina filosófica, religiosa ou
moral[5].
Assim,
os princípios de justiça mais razoáveis seriam aqueles que fossem objeto de
acordo mútuo entre pessoas em condições equitativas. A justiça como equidade[6] é uma teoria que parte da
ideia de contrato social.
Os
princípios que articulou afirmam uma concepção liberal ampla de direitos e liberdades
basilares e, só admitem desigualdades de renda e riqueza que sejam vantajosas
para os menos favorecidos (Rawls, 2003).
Aliás,
ao desenvolver a ideia de liberalismo político foi forçado a reformular sua
exposição e defesa da teoria da justiça como equidade, pois era parte de visão
liberal abrangente, mas esta reformulação demonstrou que tal teoria pode ser
entendida como uma forma de liberalismo político. Sendo a forma mais razoável
de liberalismo.
Remodelando
os argumentos principais a favor dos dois princípios de justiça que constituem
a base central de uma concepção de justiça como equidade.
Rawls
mencionou que em sua primeira obra não discute se a justiça como equidade é uma
doutrina moral abrangente ou uma concepção política de justiça. O que esperava
com a primeira obra é que seria razoável ao leitor concluir que a justiça como
equidade foi definida como parte de uma doutrina moral abrangente que poderia
vir a ser desenvolvida posteriormente, caso os bons resultados a isso
convidasse.
Em “Justiça
Como Equidade” eliminou essa ambiguidade, pois afirmou que a teoria da justiça
como equidade foi apresentada como uma concepção política de justiça (Rawls,
2003). Thadeu Weber (2010) entendeu que
tal mudança feita por Rawls foi fundamental pois permitiu melhor compreensão e esclarecimento
da justiça como equidade. Citou como exemplo a posição original, que seria mais
bem entendida por meio de uma concepção política de justiça.
Aliás,
o caráter liberal da concepção política de justiça, está, principalmente, no
fato de estabelecer essa prioridade de que gozam os direitos e liberdades
fundamentais em relação às exigências do bem geral.
Não se
pode cogitar em oportunidades iguais ou que a distribuição de renda e riqueza
deva beneficiar os menos favorecidos sem antes assegurar os direitos e
liberdades fundamentais. Isso inclui a satisfação de necessidades básicas
materiais. E, dentro do segundo princípio de justiça, o princípio da diferença,
como princípio de justiça distributiva, está subordinado ao princípio da
igualdade equitativa de oportunidades[7]. Isso foi da essência do
liberalismo político defendido por Rawls.
Rawls
disse que uma sociedade bem ordenada será aquela em que seus cidadãos tiverem
fins últimos em comum e que, numa concepção política de justiça, tais fins são
os necessários. E, não se limitam às necessidades básicas, mas também aos
direitos e liberdades fundamentais, como forma de constituir uma sociedade bem
ordenada.
Assim,
começou Rawls lançar os fundamentos de “Justiça e Democracia” obra que foi
iniciada ao final de sua vida. Onde destacou que existem antigas questões do
período da Reforma Protestante, ou antes, relacionadas à democracia que
precisam de resposta.
E, nesse
sentido, o liberalismo político tentou fornecê-la elaborando uma concepção
política de justiça que seja independente e que, a partir das ideias políticas
fundamentais, latente na cultura pública de uma democracia, formule os valores
políticos essenciais de um regime constitucional.
Essa concepção
política de justiça não pressupõe nenhuma doutrina abrangente particular. Foi
por isso que ela funcionou como componente, um módulo, poder-se-ia dizer que se
poderia acrescentar ou adaptar a numerosas doutrinas distintas ou que delas se
pode derivar.
Dessa
forma, ela passou ser a base para um consenso, proveniente de uma superposição
de doutrinas, em favor das instituições democráticas. (Rawls, 2002). Conclui-se
que a concepção política de justiça promove a justiça como equidade e obtém
como resultado a democracia.
Afinal,
a ideia foi que, numa democracia constitucional, a concepção pública de justiça
deveria ser tanto quanto possível, independente de doutrinas religiosas e
filosóficas sujeitas a controvérsias.
Foi
por isso que, na formulação de tal concepção, devemos aplicar o princípio da
tolerância à própria filosofia: a concepção pública da justiça deve ser
política, e não metafísica. (Rawls, 2002).
A
concepção de justiça de Ronald Dworkin que foi um estudioso da teoria do
Direito e da Justiça, mas defendeu o liberalismo igualitário, com origem no
pensamento em Rawls. Teve o intuito de aperfeiçoar também o igualitarismo, e
deixá-lo menos imune as críticas.
Contudo,
advertiu que o bem deve ser analisado a partir da própria moralidade que é um
dos pontos fundamentais das suas obras. Acreditou que os critérios objetivos da
justiça somente podem ser analisados no seu próprio contexto de objetividade.
Da mesma forma a moralidade objetiva somente existiu no seu contexto de
objetividade. Ao interpretar certa norma haverá uma preconcepção moral que
perpassará a análise, que poderá propiciar somente uma análise individual de
bem, a partir do contexto de quem interpreta.
Afinal,
o que a moral requer e o que a justiça exige são aspectos diferentes da mesma
questão. (Dworkin, 2011). Dworkin apresentou uma tentativa de mitigar algumas
aparentes imprecisões da teoria da justiça e afirma que para muitos liberais,
como Dworkin, o igualitarismo dessa postura surge do fato de que o utilitarismo
considera como iguais os desiguais.
Dworkin[8] acreditava que o único
modo de o utilitarismo poder assegurar o mesmo respeito a cada indivíduo era
por meio da incorporação de um conjunto de direitos, capazes de se impor a
reivindicações majoritárias baseadas em preferências externas.
Os
direitos funcionariam como limites destinados a impedir que alguma minoria
sofra desvantagens na distribuição de bens e oportunidades pelo fato de uma
maioria de indivíduos pensar que aqueles poucos são merecedores de benefícios
menores que os recebidos pela maioria.
Por
isso, Dworkin também questiona o utilitarismo e, até mencionou os extremistas
raciais sejam tão numerosos e sádicos que a tortura de um negro inocente
melhorasse o nível geral de felicidade da comunidade como um todo. Isso justificaria
ou legitimaria a tortura?
Como
alternativa ao utilitarismo Dworkin afirmava que o comportamento de simulação
de mercado quando os direitos entrassem em conflito, mas que não pressuponha
nenhum dever pessoal de agir sempre de algum modo que torne a comunidade mais
feliz como um todo.
Porém,
esse sistema de responsabilidade deve ser analisado no âmbito da justiça
distributiva: assumimos responsabilidade[9] por nossas escolhas de
variadas maneiras. Quando essas escolhas são feitas livremente, e não ditadas
ou manipuladas por outros, nós nos culpamos se concluímos que deveriam ter
escolhidos de modo diverso.
Nossas
circunstâncias são outra história: não faz sentido assumir responsabilidade por
elas a não ser que sejam o resultado de nossas escolhas. Ao contrário, se
estamos insatisfeitos com nossos recursos impessoais e nos culpamos por nenhuma
escolha que afetou nossa parcela nesses recursos, é natural que reclamemos que
outros geralmente os oficiais de nossa comunidade foram injustos conosco.
A
distinção entre escolha e circunstância era não só familiar, mas fundamental em
ética de primeira pessoa. Não podemos
planejar ou julgar nossas vidas senão pela distinção entre aquilo sobre o que
devemos assumir responsabilidade porque o escolhemos, e aquilo sobre o que não
devemos porque estava além de nosso controle.
A
partir do binômio escolha e responsabilidade, Dworkin[10] defende que as pessoas
são responsáveis por suas escolhas relacionadas aos recursos materiais - impessoais
e que isso, de certa forma, se deve ao esforço empreendido. Mas, ao mesmo
tempo, não podem ser responsabilizadas por circunstâncias que estão além do seu
controle ou mesmo da sua possibilidade de escolha. Nesse contexto, aplica-se a
igualdade distributiva.
Na
obra "Justiça para ouriços"[11], Dworkin advertiu que a
distribuição era o produto das decisões dos governantes relacionadas às leis ou
às políticas públicas[12]. Ao testar a sua teoria
utiliza a simulação de mercado num primeiro momento, onde as pessoas são livres
para vender ou comprar a sua força de trabalho e para conseguir o que for
possível nesse espaço de disputa.
Contudo,
saliente que as pessoas nem sempre são responsáveis pelo seu destino, inclusive
porque não tem ingerência sobre suas heranças genéticas ou por seus talentos -
percebe-se semelhança com a teoria da loteria natural defendida por Rawls.
Observa também que o modelo de Justiça distributiva que ele defende é somente
um passo inicial para uma teoria da justiça mais generalista.
Dworkin,
em dado momento da obra “Uma questão de princípio”, chegou a escrever sobre o
que a justiça não é. Talvez como forma de desconstruir sua concepção para
reconstruí-la na sequência.
Pois,
na obra “Levando os direitos a sério” (2002) incluiu um capítulo sobre a
justiça e os direitos. Nesta, abordou a questão da posição original, observando
que aqueles que estiverem ocupando a posição original, para definir o contrato,
devem estar de acordo com os termos desse contrato, antes de retornarem a sua
posição natural (Dworkin, 2002).
Enfim,
se há conteúdo pré-acordado o contrário não seria mais original. Nesse ponto, a
crítica de Dworkin é no sentido de que a posição original seria tão somente um
argumento.
Possivelmente,
esse doutrinador acreditava que se os termos do contrato fossem firmados na
posição natural poderia haver divergências ou discordâncias implicando na
quebra do acordo estabelecido na posição original, pois talvez não estariam
mais livres e em pé de igualdade.
Assim,
concluiu Dworkin que a posição original de Rawls era poderoso mecanismo de
reflexão sobre a justiça, pois o intuito dessa posição incorpora e aplica a
teoria da igualdade profunda... as partes consentem princípios de justiça sem
nenhum conhecimento de quaisquer qualidades ou atributos que lhes deem vantagens
sobre outros e, sem nenhum conhecimento de que concepção do bem sustentam em
contraposição a outros. (Dworkin, 2001).
Esses
princípios de justiça, consentidos na posição original, não são um contrato propriamente
dito, mas talvez possa ser identificado como um argumento, pois não importam as
razões pelas quais os cidadãos o firmaram. Afinal, um contrato hipotético não era
contrato de fato.
Mas,
para que os cidadãos concordassem com o contrato, deveria haver razões, ou uma
força vinculadora. Afinal, como identificar os princípios de justiça num grupo
de pessoas livres e iguais? Dworkin nos informa que pode ser relativamente
difícil identificar um conjunto coerente de princípios, a partir das noções
intuitivas de todos. Mas, acredita que pode acontecer que a maioria concorde
com os dois princípios de justiça - diferença e igualdade, caracterizando assim
a questão do equilíbrio reflexivo.
Constata-se
assim que esse doutrinador entende ou vê com dificuldade a possibilidade de
todos que estão na posição original concordarem com esses dois princípios, mas
a maioria pode concordar - o que caracteriza o equilíbrio reflexivo.
Essa ideia de aceitação da maioria está
vinculada à democracia. Dworkin tratava a questão do processo e democracia e mencionava
que era necessário ter noção do poder político adequado para servir à concepção
igualitária de democracia.
Porém,
é preciso distinguir entre um direito e o valor desse direito. Ao fazer essa
distinção ele afirma que se inspirou na obra “Uma teoria da justiça”, de Rawls.
Acreditava que a igualdade política exige pelo menos que todos tenham a mesma
oportunidade de influenciar as decisões políticas, de modo de quaisquer
impedimentos jurídicos se apliquem a todos, deixando de lado a questão de se a
igualdade política também exige que as oportunidades de todos tenham o mesmo
valor para cada um deles. (Dworkin, 2001).
Esses
princípios de justiça consentidos na posição original, não são um contrato
propriamente dito, pois não importam as razões pelas quais os cidadãos o
firmaram.
Ponderou-se
que tal entendimento de Dworkin poderia ser um fraquejo no que tange ao
utilitarismo, pois a decisão seria a da maioria ou em prol do bem estar da
maioria. Nesse sentido, questiona-se: é possível identificar pontos de
convergência e de divergência entre as concepções de justiça desenvolvidas por
Rawls e por Dworkin?
Os
filósofos Rawls e Dworkin classificavam-se como liberais e igualitários, mas
isso por si só não significou que compartilhem das mesmas concepções de justiça.
Embora Dworkin tenha se dedicado muito mais à teoria do direito do que à teoria
da justiça, ele traz contribuições para fortalecer a concepção de justiça desenvolvida
por Rawls.
Inicialmente,
serão apresentados alguns aspectos relacionados às concepções de justiça de
Rawls e Dworkin no que se referem ao equilíbrio, ao contrato, à posição
original e ao utilitarismo, além de outras considerações que são oportunas. Na
parte final será analisada a contribuição, que traça um comparativo entre esses
dois doutrinadores.
Primeiro,
no que concerne a questão do equilíbrio constata-se que Dworkin (2002) questionou
o posicionamento de Rawls fazendo uma construção a partir de dois modelos, o
natural e construtivo. No modelo natural considera as intuições a partir do
ponto de vista pessoal do indivíduo, com observações da realidade moral. Ao
passo que o modelo construtivo considerava as intuições a partir de um ponto de
vista mais público num enfoque da moralidade política.
Em
virtude disso, Dworkin acreditou que a questão de equilíbrio trazida por Rawls
vai ao encontro de modelo construtivo, partindo de concepção particular de
justiça, intuição, e alcançando uma teoria geral de justiça.
Percebeu-se
no momento o intuito de contribuir para o aperfeiçoamento do entendimento
trazido por Rawls e o próprio doutrinador reconheceu isso ao explicar o
seguinte:
“É
claro que na justiça como equidade não temos qualquer outro critério para
julgar se uma razão é injusta, já que todos os nossos princípios são
satisfeitos. Mas, a razão existente pode nos incomodar e nos fazer pensar. É
como se um estado de equilíbrio reflexivo estivesse um pouco abalado. Esperamos
que as disparidades que possam ocorrer inscrevam-se num intervalo que não nos
incomode. Agradeço a Ronald Dworkin por ter-me feito notar a necessidade
explicitar esse ponto”. (Rawls, 2003).
A
partir dessa manifestação, foi possível afirmar que Rawls percebeu a
necessidade de explicitar melhor sua concepção de equilíbrio reflexivo a partir
das considerações e ponderações de Dworkin, reconhecendo que o equilíbrio pode
sofrer abalos[13].
Seguindo
na ideia de aperfeiçoamento, Dworkin afirmou que o contrato é excelente recurso
para desenvolver a teoria da justiça, porque dá o poder do veto e o dever de
cumprir as exigências.
Esse
doutrinador expôs que John Rawls, por exemplo, propôs um contrato social
imaginário como meio de selecionar a melhor concepção de justiça no âmbito de
uma teoria política utópica (...) os princípios de justiça de Rawls estão muito
distante de exercer algum domínio. (Dworkin, 1999). Nesse aspecto, verificou-se
ponto de divergência entre esses dois doutrinadores.
Cumpre
frisar que Rawls não evidenciou tal dupla funcionalidade o poder de veto e cumprimento
de exigências do contrato na elaboração de sua teoria. Talvez por isso Dworkin
acreditava que os princípios de justiça propostos por Rawls estão longe de
exercer algum domínio.
Pode-se
trazer a questão da reprodução medicamente assistida, que hoje é carente de
legislação legal no âmbito brasileiro. E, para analisar questões atinentes ao
assunto, especialmente para resolver problemas relacionados à ao que fazer com
os embriões não utilizados nos procedimentos de inseminação artificial, recorre-se
aos princípios.
Mesmo
em situações em que possa haver um contrato estabelecendo direitos e
obrigações, como na questão da “barriga solidária” ou “barriga de aluguel” para
um casal homossexual, caso houver alguma divergência a ser resolvida, como não
há legislação regulamentando o assunto, a alternativa para chegar a uma decisão
estará nos princípios, que, de certa forma, são escolhidos numa posição
original, ainda que de forma intuitiva.
Retornando
à posição original, Dworkin (2002) observou que ela é um caso limite, pois os
homens não são ignorantes, mas ignoram os seus interesses. Ou seja, não se
busca benefícios particulares. Daí, decorrem os direitos abstratos, quais sejam
a liberdade e a igualdade. Dworkin, entretanto, apresenta uma crítica aos
princípios escolhidos na posição original, pois eles não representariam um
ideal igualitário.
Dworkin
concordou com Rawls ao reconhecer que ele defende que o direito fundamental à
igualdade pressupõe uma Constituição Liberal. Ao mesmo tempo em que reconhece
que a posição original é poderoso mecanismo de reflexão sobre a justiça.
(Dworkin, 2001).
Realmente,
Rawls reforçou que os acordos hipotéticos não criam nenhuma obrigação, o acordo
entre as partes na posição original não teria qualquer significado e que a
importância de posição original se assenta no fato de ser um procedimento de
representação ou um experimento mental para os propósitos de esclarecimento público
(Rawls, 2003).
Mais,
especificamente, na obra “O Liberalismo Político”, reconheceu-se que a posição
original é somente um modelo em que as pessoas são responsáveis por seus
interesses e buscam estabelecer um acordo. A posição original representa tanto
a igualdade como a liberdade.
Quando
se quer chegar à essência de algo, é preciso adotar uma posição de reflexão e
para tanto o ponto de partida pode ser tentar e liberar a mente para construir
o conceito sobre algo. Dworkin não acreditava que seja possível livrar-se das
preconcepções e dos pré-conceitos inerentes à pessoa.
Possivelmente,
por isso Rawls denominou esse contrato hipotético e a-histórico e Dworkin afirmou
que os princípios de justiça escolhidos na posição original estejam muito longe
de exercer algum domínio. Ainda é possível cogitar que em virtude disso, seja
tão difícil combater o utilitarismo. Verifica-se que Rawls criticou o
utilitarismo por possibilitar preferências ou gostos ofensivos, ora isso está
vinculado aos pré-juízos das pessoas.[14]
Por
gosto ofensivo, Rawls citou como exemplo o prazer que uma pessoa tem de
discriminar outra ou de restringir a liberdade de outros. E, nos disse que, a
partir de uma perspectiva igualitária essas preferências deveria ser condenadas
ao invés vez, Dworkin fez crítica similar, ponto de convergência, no que se
refere a respeito desse ponto, baseando seu argumento na ideia das preferências
externas.
Ou
seja, preferências relacionadas à destinação de bens para outras pessoas ou aos
direitos e oportunidades que outras pessoas deveriam gozar.
Verifica-se
que embora sob argumentos diferentes, Rawls e Dworkin criticaram de forma
semelhante ao utilitarismo e sugerem que os resultados gerados pelo
utilitarismo sejam questionados, especialmente, a partir dos reflexos que
causam para as pessoas.
Os
vínculos entre as concepções defendidas por Rawls e Dworkin em torno da justiça
são claramente mais fortes que suas diferenças. E, com intuito de apresentar os
vínculos existentes entre esses dois doutrinadores, nos diz que Dworkin
desenvolveu sua concepção liberal igualitária baseada em quatro aspectos que
são semelhantes aos verificados na teoria de Rawls quais sejam: 1. o
liberalismo igualitário deve diferenciar a personalidade e a circunstância que envolvem
as pessoas; 2. a rejeição do bem estar ou satisfação pessoal/particular; 3. a
justiça é uma questão de recursos iguais. 4. o liberalismo igualitário está
relacionado à tolerância, à neutralidade.
Também
apontou a primeira e fundamental distinção entre as duas concepções de justiça
consistente no fato de que Dworkin afirmou que a teoria da justiça de Rawls é
insensível aos dons de cada pessoa e não suficientemente sensível às ambições de
cada um, conforme se verifica na sua explicação, in litteris:
O fato
de a teoria de Rawls ser inserível quanto os demais aos dons de cada um pode ter,
pode ser explicado do seguinte modo: os dois princípios de justiça de Rawls
permitem que alguns sujeitos sejam desfavorecidos por circunstâncias que não controlam,
dado que sua teoria da justiça define a posição dos que estão pior em termo da
posse de bens primários de tipo social, por exemplo, direitos, oportunidades,
riquezas e, etc. e, não em termos de bens primários de tipo natural, por
exemplo, talentos, capacidades mentais ou físicas, etc.
Por
exemplo uma pessoa com salário um pouco maior que o de outra, mas com graves afecções
físicas, estaria, de acordo com a teoria de Rawls melhor que esta última, mesmo
que seu salário maior não seja suficiente para pagar os remédios que necessita
devido as suas divergências naturais.
Mesmo
havendo a distribuição igualitária, as desigualdades naturais não propiciariam
condição de igualdade, pois a pessoa doente não está livre dos contratempos que
advém da sua patologia.
A
ideia de que a teoria de Rawls não foi suficientemente sensível à ambição
defende que as desigualdades sociais são aceitáveis se atuarem em benefício dos
que estão em pior situação[15].
E,
para ilustrar seu questionamento Dworkin utilizou como exemplo o fato de duas
pessoas, sendo que uma trabalha muito e consegue majorar sua renda e, a outra
que prefere uma vida mais tranquila e consumista. Isso acaba sendo insensível
de fato de que a segunda pessoa se beneficia do trabalho da primeira, eis que
nessa situação caberia ao governo criar um imposto para transferir recursos da
primeira pessoa para a segundo, para que fiquem em condição de igualdade.
Assim,
do ponto de vista de Rawls assim como do ponto de vista do igualitarismo de
recursos de Dworkin não seria irracional, mas, ao contrário, justo defender um
sistema institucional no qual os mais talentosos sejam levados a pôr seus
talentos a serviço dos menos talentosos.
Recorde-se,
a esse respeito, o princípio da diferença, segundo o qual as únicas
desigualdades econômicas que se justificam são aquelas destinadas a favorecer
os mais desfavorecidos.
Como
alternativas à proposta de Rawls, Dworkin propôs o leilão hipotético e o
seguro. No leilão[16] todos iniciaram com um
poder aquisitivo idêntico e colocariam à disposição todos os recursos
impessoais.
O leilão
terminaria quando todos estivessem satisfeitos com os recursos que adquiriram
e, então receberiam uma parcela adicional e igual de recursos para a aquisição
de bens e a contratação de seguro, para que lhes protegesse das desvantagens
surgidas a partir das diferentes capacidades/dotes de cada pessoa.
No
entanto, Kolm observou que essa proposta de Dworkin para definir as capacidades
produtivas iguais equivalentes a um seguro fundamental, contradiz a sua
intenção básica que é o recursismo e não propicia uma reflexão acerca das
preferências que ele procura obter por meio desse dispositivo.
Ora,
se for preciso recorrer a um seguro isso pode significar que não existe
igualdade de recursos, pois se houvesse não seria necessário o instituto do
seguro. Da mesma forma, ao passo que Dworkin defendeu os talentos, dons e
preferências de cada um constata-se que se parte do princípio de que existe
desigualdade.
Ao
avaliar a questão das capacidades de troca no leilão Kolm entendeu que a
proposta de Dworkin era similar à de Rawls, contudo, são muitas vezes mais
extensas porque as trocar começam a partir de recursos, ao passo que, no caso
de Rawls, a equalização ideal já está a meio caminho, com rendas e outros bens
primários.
Isso
afeta em particular os papéis das capacidades de troca e outros problemas, como
o dos recursos primários indivisíveis que produzem produtos divisíveis. (Kolm,
2000).
Verifica-se
que Dworkin procurou mostrar quais são as características que devem distinguir
uma concepção igualitária plausível: as pessoas devem ter a possibilidade de
iniciar suas vidas com iguais recursos materiais, devem ter igual possibilidade
de se garantir contra eventuais desvantagens.
O
propósito de Rawls e Dworkin foi reduzir o peso de fatores arbitrários de um
ponto de vista moral, mas o segundo doutrinador procura aperfeiçoar os pontos
inadequados da concepção moral a justiça. Nesse sentido, a proposta do leilão e
do seguro teria por objeto corrigir algumas falhas da proposta de Rawls,
eliminando o efeito da mera sorte e mantendo os riscos das escolhas feitas
pelas pessoas[17].
O
próprio Rawls reconheceu que os cidadãos iguais têm concepções diferentes e
esse é um ponto crucial do liberalismo, pois essas concepções diferentes podem
não se conciliar.
Portanto,
por fim, há de se considerar que Dworkin afirmou que a concepção liberal de
igualdade é um princípio de organização política exigido pela justiça, não um
modo de vida para indivíduos, e para os liberais, como tais, é indiferente que
as pessoas prefiram manifestar-se em questões políticas, levar vidas
excêntricas ou portar-se como supostamente os liberais preferem (Dworkin,
2001).
Enfim,
para Rawls essa concepção liberal da igualdade proposta por Dworkin é exemplo
de concepção política de justiça, o que confirma mais um ponto convergente
entre ambas as concepções de justiça.
O
diálogo hermeneuta entre os dois retromencionados doutrinadores trouxe uma
dialética contendo teses, antíteses e sínteses e, galgaram realizar relevantes
contribuições para as teorias do Direito e da Justiça.
Enfim,
Rawls desenvolveu uma concepção de justiça teórica e imaginária, enquanto
Dworkin tenta apresentar sua concepção, aplicando-a na prática, mas que, como
visto, se torna tão teórica quanto a de Rawls.
Rawls
afirmou que esse postulado central no liberalismo e sugere que um enunciado
mais recente seja buscado em Dworkin, na obra “Liberalismo Político”, Cambridge
University Press, 1978.
John
Rawls desenvolveu sua concepção de justiça propondo uma teoria da justiça como equidade
por discordar da proposta do utilitarismo e entender que não ele não trata as
pessoas como livres e iguais, oferecendo assim, o propósito democrático. Para
desenvolver sua teoria sugere um contrato social, imaginário e a-histórico, em
que as pessoas estariam numa posição original, vestindo o véu da ignorância,
para escolher os princípios de justiça.
Por
sua vez, Dworkin, procurou muito mais aperfeiçoar a proposta de Rawls trazendo
novos elementos para reflexão, como a alternativa do leilão e do seguro.
Analisando as duas concepções de justiça, constata-se que ambas apresentam muitos
pontos em comum, desde o ponto de partida, vinculado ao liberalismo[18] passando pela rejeição ao
utilitarismo e pela distribuição dos bens/recursos, dentre outros.
Quanto
à divergência relaciona-se à questão dos talentos e dons naturais de cada
pessoa. Outros pontos de divergência visam ao aperfeiçoamento da concepção de
justiça de Rawls, como a integridade apresentada por Dworkin, quando não há
correspondência entre justiça e equidade.
O que
se verifica também nos fatores do equilíbrio refletido, do contrato da posição
original e na concepção política de justiça é que esses fatores têm muito mais
o aspecto da divergência no sentido melhor apresentar ou esclarecer esses
pontos. Ainda que na questão do contrato, Rawls manteve sua posição vinculada
aos princípios de justiça, enquanto Dworkin[19] tentou trazê-la para o
âmbito do Direito.
A
justiça por equidade ou por integridade persiste em ser um conceito político e
com firmes raízes morais, pautado num liberalismo que prestigia mais a
liberdade do que a igualdade.
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Notas:
[1]
John Rawls (1921-2002) foi professor de Filosofia Política na Universidade de
Harvard, autor de "Uma Teoria da Justiça"(1971), "Liberalismo
Político"(1993), e o "O Direito dos Povos (The Law of Peoples, 1999).
Em sua obra "A Theory of Justice" (em português, Uma Teoria da
Justiça), publicada no ano de 1971, Rawls utiliza o artifício da "situação
inicial" ou "posição original" como base para construir sua
ideia de justiça equitativa. Esses dois termos servem de alusão ao estado de
natureza que a teoria contratualista esboça. No entanto, ele almeja uma
finalidade distinta da qual, geralmente, as teorias do contrato social
pretendem.
[2] Algumas das apropriações que John Rawls fez
da filosofia moral de Kant em sua obra Uma Teoria da Justiça, bem como discutir
a necessidade e a legitimidade dessas apropriações. Para tal proposta, farei, a
princípio, uma explanação dos conceitos de posição original, véu de ignorância
e princípios de justiça, para então aproximá-los dos conceitos kantianos de
autonomia, imperativo categórico e outros elementos presentes na moral de Kant.
[3]
Doutor em Filosofia (UFRGS); Professor Titular da Graduação e dos Programas de
Pós-Graduação em Filosofia e em Direito da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul; Temas de pesquisa: Teorias da Justiça; Dignidade Humana e
Direitos Fundamentais; Ética e Filosofia Política.
[4]
Princípio da diferença é um aspecto muito importante em uma sociedade justa é a
forma como a riqueza é distribuída. De acordo com Rawls, na posição original as
pessoas adotariam o que chama de princípio da diferença para regular isso.
Assim, o filósofo acredita que na posição original não seria escolhido uma
distribuição igualitária de riqueza. A desigualdade é mais justa, dentro de
certas condições. De acordo com esse princípio, “as desigualdades sociais e
econômicas devem satisfazer duas condições: primeiro, devem estar vinculadas a
cargos e posições acessíveis a todos em condições de igualdade equitativa de
oportunidades; e, em segundo lugar, têm de beneficiar ao máximo os membros
menos favorecidos da sociedade.”
[5]
A filosofia moral no século XX foi profundamente influenciada por G.E. Moore (1922)
que sustentou; que boa parte da ética que o precedia cometia um erro ao
identificar o significado de conceitos morais, como bom, com propriedades
naturais. Moore defendeu que o bom é indefinível e se refere a uma propriedade
sui generis e não natural.
[6]
A reciprocidade implica a equidade que, por sua vez, demanda o
descomprometimento estrutural da sociedade com concepções apriorísticas do bem,
bem como a extirpação de condições arbitrárias de participação nas decisões
políticas e mesmo nas escolhas de mercado, que influenciam a formação de
preferências. É exigência primeira da equidade que todos tenham justas
oportunidades para se desenvolverem.
[7]
Por fim, Rawls acreditava que, numa sociedade justa, a desigualdade deve ser
relacionada a cargos que qualquer pessoa possa acessar em condição de igualdade
equitativa de oportunidades. Isso quer dizer, em primeiro lugar, que as
profissões são acessíveis a qualquer pessoa. Ninguém é proibido, por exemplo,
de ser médico ou professor com base em sua raça, gênero, religião. Desde que
qualificada para exercer a função, uma pessoa pode se candidatar a qualquer
profissão. Em segundo lugar, quer dizer que deve haver uma igualdade real de oportunidades,
não apenas formal. Sabemos que a educação que uma pessoa recebe e outros
fatores influenciam nas oportunidades que terá na vida. Assim, para que exista
realmente igualdade de oportunidades, todos devem ter acesso à educação com a
mesma qualidade e até mesmo coisas mais básicas, como alimentação e saúde.
[8]
Ronald Myles Dworkin (1931-2013) foi um filósofo e jurista norte-americano. Foi
influente tanto no âmbito da filosofia do direito quanto no da filosofia
política. Sua teoria do direito como integridade apresentada em seu livro
intitulado Império da Lei, na qual os juízes interpretam a lei em termos de
princípios morais consistentes, está entre as teorias contemporâneas mais influentes
sobre a natureza do direito. De acordo com uma pesquisa do Journal of Legal
Studies, Dworkin foi o segundo acadêmico do direito mais citado do século XX.
Ele recebeu o Prêmio Comemorativo Internacional Holberg em 2007 por "seu
trabalho acadêmico pioneiro" de "impacto mundial". Dworkin
defendeu uma "leitura moral" da Constituição dos Estados Unidos e uma
abordagem interpretativista do direito e da moralidade. Quando faleceu, Dworkin ainda exercia a
função de professor de Direito e Filosofia na Universidade de Nova York e de teoria
do direito na University College London. Anteriormente, Dworkin já havia
lecionado na Faculdade de Direito de Yale e na Universidade de Oxford, onde foi
Professor de Jurisprudência e sucedeu o renomado filósofo H. L. A. Hart.
[9]
A teoria da responsabilidade moral apresentada e defendida por Dworkin no
capítulo 6 de seu livro Justice for Hedgehogs seja entendida não como
uma concepção da verdade aplicável ao domínio moral (tal como ele propõe), mas
como o que ela realmente é: uma concepção de responsabilidade que dá sentido à noção
de sucesso na empreitada moral
[10]
O Juiz Hércules foi imaginado para servir de parâmetro aos juízes reais,
especialmente quando eles enfrentam um hard-case. O dever do juiz não é somente decidir qual
lei pode ser adequada ao caso; ele deve escolher a melhor solução, aquela cujos
efeitos sejam os mais corretos.
[11]
Foi o último livro publicado por Ronald Dworkin lançado originalmente apenas em
2011. Na época disponibilizou na internet cujo endereço reportava o nome da
obra em inglês. A intenção era captar as críticas ao seu trabalho e
disponibilizar eventuais respostas aos críticos. No capítulo 19 mostra a ideia
de “uma estrutura em árvore” onde é argumentado um caminho que coloca o direito
sendo derivado da moral. Esse caminho é um ponto importante para o argumento e
que dá um norte para seguir e concluir que o direito e a moral têm muito em
comum.
[12]
Entre as propostas de Dworkin é bom ressaltar a importância da equidade social
e, a cobertura de políticas públicas assistencialistas pelo nível médio de vida
o que não resolve o distanciamento entre as classes médias, baixas e as altas.
Como consequência, as decisões estatais e de mercado, que influenciam as
preferências pessoais e sociais, permanecem a refletir nos interesses da classe
economicamente privilegiada.
[13]
A parte mais importante da teoria da justiça de Rawls seja o procedimento que
propõe para identificarmos o que é uma sociedade justa. O filósofo parte do problema que nem sempre
somos imparciais ao pensarmos o que é justo ou injusto. A partir disso, propõe
um procedimento que deve ser seguido para chegarmos a um resultado justo. Que
tipo de sociedade escolheríamos se seguíssemos o procedimento proposto por
Rawls? Sua resposta é uma sociedade na qual uma série de liberdades fosse
garantidas para todos; houvesse igualdade equitativa de oportunidades; a
riqueza fosse distribuída de acordo com o princípio da diferença.
[14]
As duas concepções de justiça,
constata-se que ambas apresentam muitos pontos em comum, desde o ponto de partida,
vinculado ao liberalismo, passando pela
rejeição ao utilitarismo e pela distribuição dos bens/recursos, dentre outros. O ponto central da crítica de Dworkin é o fato
de que há ocasiões em que os juristas discutem a respeito de direitos e
obrigações jurídicas e recorrem a padrões que não funcionam como regras, mas
como “princípios, políticas e outros tipos de padrões”. Estas situações ocorrem
principalmente nos chamados “casos difíceis” (hard cases), em que os
problemas conceituais do direito e da obrigação aparecem de forma mais severa.
Segundo o autor, o positivismo é um modelo de e para um sistema de regras e sua
principal tese repousa num teste fundamental para o direito, e, por isso,
ignora outros tipos de padrões que não são regras.
[15]
Aristóteles entendeu que a justiça não deve privilegiar ninguém, mas, deve ser
recíproca, traçando forte ligação com pensamento produzido por Rawls. O
doutrinador apresentou a teoria da justiça como equidade e assim, estabeleceu
novo marco da filosofia política, enfrentando a complexa questão da liberdade e
igualdade, para conceber uma sociedade justa. Nessa tese, o doutrinador nos
trouxe a liberdade ajustada com a igualdade.
[16]
O leilão simboliza o mercado. Neste, cada qual se responsabiliza pela aquisição
do seu quinhão de bens, sob o custo estipulado pela soma de preferências
individuais. Importa, entretanto considerar para que o resultado do leilão seja
justo e para que passe pelo teste da cobiça, é necessário que se possibilite
aos participantes do leilão, a mesma quantidade inicial de chances.
[17]
Podemos dizer que a teoria da justiça de Rawls defende que uma sociedade justa
é aquela que garante uma série de liberdades básicas, iguais para todos; que
permite a desigualdade, mas apenas na medida em que esta beneficie os menos
favorecidos e na condição de que exista igualdade real de oportunidade. Rawls
acredita que essa é uma sociedade justa porque seria a escolhida na posição
original. Ou seja, ela é justa porque qualquer pessoa, ao refletir de forma
imparcial sobre o que é a justiça, optaria por essa sociedade e não outra.
[18]
Dworkin defendeu que o liberalismo não pode se limitar a uma dimensão
exclusivamente política, deixando de oferecer uma resposta à questão do que é
uma boa vida. A proposta dele é que respondamos a essa questão por meio do que
ele denominou de modelo do desafio. Esse modelo evidenciou o ideal platônico de
que a justiça não é um empecilho para a boa vida, mas sim, essencial a esta.
[19]
Além de Dworkin, há dois outros doutrinadores que têm ressalvas a essa
distinção que está na base do empreendimento teórico de Rawls, a saber: Bernard
Williams e Will Kymlicka. Ambos concluem que o liberalismo não pode ser neutro
em relação ao valor da autonomia, entendido aqui como um valor moral
abrangente, e, portanto, controverso que precisa ser defendido pelo
liberalismo. Ao concluir sua reflexão sobre a possibilidade de a tolerância se
realizar enquanto um valor.