Aspectos Jurídicos do Marco Temporal das terras indígenas no Brasil

Realmente o marco temporal das terras indígenas é inconstitucional tanto que o STF firmou tese nesse sentido. Afinal, nosso território é ancestral. Nosso país é terra indígena, porém, o futuro dos povos originários está em risco diante da imposição do marco temporal. Deve-se recordar que a história brasileira não começou somente em 1988 e, tais povos já estavam aqui até bem antes da fundação do Estado brasileiro.  Atualmente, totalizam mais de trezentos e cinco povos indígenas no território brasileiro e, em todos os Estados e biomas brasileiros. O direito à terra é direito fundamental, inalienável e imprescritível.

Fonte: Gisele Leite e Dionísio E. Souza Gomes

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É preciso entender e contextualizar a missão do STF seja como Suprema Corte, seja como Tribunal constitucional especialmente no que tange à discussão sobre a constitucionalidade ou não do alcunhado "marco temporal.

Embora o legislador não esteja atrelado a seguir eventual entendimento da Suprema Corte, faz-se necessário, entender o texto constitucional vigente sobre o tema bem como a contemporânea jurisprudência do STF sobre o assunto.

O Legislativo deve conhecer a posição e missão de guardião da Constituição e ainda sobre sua soberana interpretação mais adequada do teor do artigo 231[1] da CF/1988. Numa autêntica democracia, em verdade, não vige a última palavra, ainda mais sobre temas sensíveis que podem ser revisitados, tanto que há o fenômeno do efeito backlash[2] ou revanche[3], por meio do qual alguns setores da sociedade se revoltam contra as decisões judiciais, procurando meios de superá-las e transcendê-las.

Perfaz-se um drama quando da desobediência ao STF e sob sua complacência exagerada, pois a tese do marco territorial se disseminou para novos casos de demarcação, nesse ínterim, a Câmara dos Deputados correu e afrontou a autoridade da

Suprema Corte e aprovou projeto de lei que define o marco temporal como critério de demarcação. E, Senado Federal aprovou a tese que o STF[4] considerou inconstitucional.

A propósito, a Suprema Corte brasileira ao julgar o caso da reserva indígena Raposa Serra do Sol (vide Petição 3.388/RR), especialmente os embargos de declaração não obstante, tenha resolvido o caso concreto daquela demarcação, embora sem efeito vinculante, portanto, resultando em abstrativizar o tema, inclusive com a fixação de condicionantes para orientar a demarcação futura de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

Na dicção do Ministro Luís Roberto Barroso que foi relator do acórdão dos embargos:

“(...) tendo a Corte enunciado a sua compreensão acerca da matéria, a partir da interpretação do sistema constitucional, é apenas natural que esse pronunciamento sirva de diretriz relevante para as autoridades estatais – não apenas do Poder Judiciário – que venham a enfrentar novamente as mesmas questões.

(...) Isto é: embora não tenha efeitos vinculantes em sentido formal, o acórdão embargado ostenta a força moral e persuasiva de uma decisão da mais alta Corte do País, do que decorre um elevado ônus argumentativo nos casos em se cogite de superação das suas razões”.

Convém apontar que o Ministro Gilmar Mendes em votos proferidos após esse julgado, várias das condicionantes fincadas pelo tribunal nem sequer aplicavam-se à Raposa Serra do Sol, o que evidenciou ter a Suprema Corte tratado de fixar os standards interpretativos que embora não dotados de efeitos vinculantes, devam ser levados em conta na análise de casos futuros.

Um pequeno rol dos principais marcos legais[5] sobre os direitos indígenas:

1680 - O Alvará de 1º de abril declarou: “Os gentios… são senhores de suas fazendas [nos aldeamentos] como o são no sertão, sem lhes poderem ser tomadas… nem serão obrigados a pagar foro ou tributo algum das ditas terras [de aldeamentos], ainda que estejam dadas em sesmarias e pessoas particulares, porque na concessão destas se reserva sempre prejuízo de terceiro, e muito mais se entende, e quero que se entenda ser reservado o prejuízo, e direito dos índios, primários e naturais senhores delas […]”. O alvará será citado e renovado em 1755 e 1758.

1686 - O Regimento das Missões, decretado por Dom Pedro II, Rei de Portugal, garantiu aos indígenas o direito de se recusar a sair de suas terras. Aldeamentos para “civilização dos índios”, nesse contexto, foram feitos dentro das terras originais dos índios.

No período de 1700 – 1800:

1755 - A lei pombalina sobre os indígenas determinou que “[os índios têm] inteiro domínio e pacífica posse das terras […] para gozarem delas per si e todos os seus herdeiros”.

1758 - O Diretório Pombalino do Maranhão e Grão-Pará estabeleceu que o direito dos índios nas povoações elevadas a vilas prevalece sobre o de outros moradores, os índios “são os primários e naturais senhores das mesmas terras”.

1822 - Em 17 de julho, o regime de sesmaria no Brasil foi extinto.

1833 - Cumulativamente com o governo imperial, as províncias passaram a legislar sobre os indígenas, o que deu início a um longo período de esbulho (retirada forçada) de terras originais.

1850 - A Lei das Terras n.601 determinou que as terras indígenas não são devolutas nem precisam de legitimação. Escreve João Mendes Jr.: “As terras possuídas por hordas selvagens estáveis não são consideradas devolutas… [são] originariamente reservadas de devolução nos expressos termos do Alvará de 1 de abril de 1680, que as reserva até na concessão de sesmarias; não há (neste caso) posse a legitimar, há domínio a reconhecer…”. A mesma Lei das Terras recomenda que se reservem terras para aldeamentos com o propósito da “civilização dos índios”.

1854 - O Decreto 1.318 de 30 de janeiro regulamentou a Lei de Terras aprovada em 1850. O texto define, em seus artigos 72 e 75, que os indígenas têm escolha de não sair de suas terras, sendo os aldeamentos instalados em seus territórios originais.

As terras dos aldeamentos instalados fora dos territórios tradicionais foram garantidas e consideradas inalienáveis, destinadas à posse exclusiva dos indígenas, que receberiam títulos de propriedade quando “assim o permitir seu estado de civilização”.

1855 - Legislação garante que indígenas que habitam aldeamentos extintos passam a ser proprietários de suas posses. A medida foi reiterada pelo menos em 1857 e 1870.

1887 - Os aldeamentos extintos passam às Províncias.

1889 - No início da República, os Estados poderão legislar e deverão promover a catequese e civilização dos indígenas.

No período de 1900 – 2000:

1906 - A Lei n. 1.606 de 2 de dezembro definiu que só a União é responsável pela política indigenista. A área ficou na alçada do recém criado Ministério da Agricultura.

1908 - Pela primeira vez, o Brasil foi acusado internacionalmente de genocídio pelas chacinas de indígenas, por ocasião da ocupação de colonos alemães na região Sul.

1910 - O Decreto 8.072, aprovado no governo Nilo Peçanha, criou o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais, em 1918 renomeado Serviço de Proteção aos Índios, e prescreve em seu artigo 2, parágrafo 12: “[deve-se] promover, sempre que for possível, […] a restituição dos terrenos que tenham sido usurpados [aos índios]”.

O SPI passaria em 1930 do Ministério da Agricultura para o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, iria em 1934 para o Ministério da Guerra e voltaria para a pasta da Agricultura em 1939. Ali ficaria até sua extinção, em 1967.

1934 - A Constituição Federal determinou, no artigo 129, que “será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las”.

1936 - O Decreto 736 define no artigo 3 que o Serviço de Proteção aos Índios é incumbido de “impedir que as terras habitadas pelos silvícolas sejam tratadas como se devolutas fossem demarcando-as, fazendo respeitar, garantir, reconhecer e legalizar a posse dos índios”.

1937 - A nova Constituição da época no artigo 154 não diferiu substancialmente do documento de 1934 no tema indígena.

1946 - A Constituição recém aprovada definiu que a União legisla sobre “incorporação dos silvícolas à comunhão nacional”. Seu conteúdo é também semelhante ao da carta de 1934.

1967 - Início do governo militar Artur da Costa e Silva

A Constituição[6] recém-aprovada definiu que a União legisla sobre a “incorporação dos silvícolas à comunhão nacional” (artigo 8) e que as terras ocupadas por eles são patrimônio da União (artigo 14).

O domínio ou propriedade[7] das terras indígenas passou a ser do Estado, enquanto a posse e usufruto exclusivos continuaram a ser dos indígenas.

A Lei 5.371 extinguiu o Serviço de Proteção aos Índios após um escândalo de corrupção e de crimes contra indígenas revelados pelo chamado Relatório Figueiredo e criou a Funai (Fundação Nacional do Índio) na alçada do Ministério do Interior.

A pasta é a mesma que liderou a ocupação da Amazônia a partir de 1970, quando muitos povos indígenas foram forçosamente contatados e desalojados de seus territórios.

1969 - Início do governo militar Emílio Garrastazu Médici

A Emenda Constitucional 1, artigos 4 e 8 reiteram 1967. Definiu que: “as terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis” e reconheceu-lhes o direito ao usufruto exclusivo de suas riquezas naturais.

O artigo 198 determinou também a nulidade e extinção de efeitos jurídicos que tivessem “por objeto o domínio, a posse ou a ocupação” das terras indígenas, sem direito a indenização para os ocupantes.

1973 - O Estatuto do Índio[8] (Lei n. 6.001) estabeleceu as regras para demarcação de terras indígenas, determinando que deveriam ser administrativamente demarcadas até 1978.

1974 - Início do governo militar Ernesto Geisel

1976 - O Decreto n. 76.999 determinou que os encaminhamentos de demarcação ficassem nas mãos do Poder Executivo, levando a arbítrios.

1979 - Início do governo militar João Figueiredo

1983 - O Decreto n. 88.118 definiu que a delimitação de terras indígenas é responsabilidade da Funai e o decreto homologatório é emitido pelo presidente da República.

1985 - Início do governo civil José Sarney

1987 - O Decreto n. 94.945 criou procedimentos especiais para as terras indígenas situadas na faixa de fronteira.

1988 - A Constituição Federal, em vigor até hoje, no capítulo VIII- Dos Índios, artigo 231, reconheceu aos indígenas seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam.

As terras indígenas, segundo o texto, são aquelas habitadas em caráter permanente, utilizadas para atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao bem-estar de seus ocupantes e necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Indígenas têm a posse e usufruto exclusivo dessas terras, que são inalienáveis, e não podem ser removidos dali senão em casos de riscos excepcionais — devendo retornar assim que cesse o risco, de acordo com o texto. Nas disposições transitórias, consta que a União deveria concluir a demarcação de todas as terras indígenas até 1993.

1989 - Publicada a Convenção n. 169 sobre os Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho. Atualmente, essa é a principal convenção internacional que diz respeito aos povos indígenas. O texto diz que povos indígenas devem ser consultados em iniciativas e projetos que dizem respeito a suas terras.

1990 - Início do governo Fernando Collor de Melo

A Funai passou para a alçada do Ministério da Justiça.

1991 - O Decreto n. 22 alterou o Decreto 94.945, de 1987, e adaptou o procedimento de demarcação de terras indígenas ao texto da Constituição Federal. Antes, as regras de demarcação não estabeleciam a consulta prévia ou o possível protagonismo do povo no processo, mantendo a iniciativa exclusivamente nos órgãos federais.

1992 - Início do governo Itamar Franco

A Convenção da Diversidade Biológica foi assinada no Rio de Janeiro. O texto realça conhecimentos tradicionais de povos indígenas e tradicionais e sua participação nos benefícios.

1995 - Início do governo Fernando Henrique Cardoso

1996 - O Decreto n. 1.775 alterou o procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas. A Funai tem o poder de demarcar terras indígenas; impossibilidade de autodemarcação, excessiva burocracia, reconceituação de terra indígena.

2003 - Início do governo Luís Inácio Lula da Silva

2007 - Foi aprovada a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que reconhece e confirma os direitos fundamentais universais desses povos, no âmbito de suas próprias culturas, tradições e instituições.

2011 - Início do governo Dilma Rousseff

2012 - O Decreto n. 7.747 de 5 de junho de 2012[9] instituiu a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI).

A Portaria n. 303 da Advocacia-Geral da União[10] visou impedir que novas demarcações de terras indígenas fossem feitas e, especialmente, que fossem ampliadas áreas anteriormente mal demarcadas.

2016 - Início do governo Michel Temer

Foi aprovada a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas da Organização dos Estados Americanos.

2017 - O Parecer n. 001 da Advocacia-Geral da União (AGU) reestabeleceu a eficácia da portaria n. 303/AGU e vedou a ampliação das terras indígenas já demarcadas. Instituiu também o chamado marco temporal, segundo o qual indígenas que não estavam de posse de suas terras em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, perdem seus direitos sobre essas terras.

2018 - A Nota Técnica n. 2 da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal[11] sobre o parecer da AGU de 2017 concluiu que há “manifesta nulidade do parecer normativo” e que o “governo brasileiro se utiliza de artifícios para sonegar os direitos dos índios aos seus territórios”.

2019 - Início do governo Jair Bolsonaro

A Medida Provisória 870, em 1º de janeiro, transferiu a competência de demarcação de terras indígenas da Funai para o Ministério da Agricultura. O Congresso determinou, depois, que as demarcações permanecessem no Ministério da Justiça.

2020 - O Parecer n.1 da Advocacia-Geral da União[12] que instituiu o “marco temporal” foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal por decisão do Ministro Edson Fachin.

A Instrução Normativa n. 9 da Funai de 22 de abril de 2020[13] eximiu a União de suas responsabilidades para com terras indígenas ainda não homologadas e as excluiu do Sistema de Gestão Fundiária, órgão do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que passou a poder certificar propriedades privadas dentro dos limites de terras indígenas ainda não homologadas, estimulando invasões[14].

Vide jurisprudência:

          “O Recurso Extraordinário 1.017.365 foi interposto pela Funai com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição da República. A área objeto da lide foi reconhecida como de tradicional ocupação indígena por meio de Portaria nº 1.128/2003, do Ministério da Justiça, que declarou a Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ de posse permanente dos grupos indígenas Xokleng, Kaingang e Guarani. A Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente – Fatma (atual Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina – IMA) sustentou ser possuidora do imóvel matriculado sob o nº 12.266 no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Itaiópolis/SC, que integraria a Reserva Biológica Estadual do Sassafrás, Unidade de Conservação Integral. Na peça inicial, a Fundação afirmou que, em 13 de janeiro de 2009, a área teria sido invadida por aproximadamente 100 (cem) indígenas da etnia Xokleng, que abriram picadas e montaram barracas no local. A Funai sustentou que, ante a existência de portaria ministerial declaratória de ocupação indígena sobre a área objeto do conflito possessório, seria nulo e desprovido de eficácia jurídica o título de propriedade apresentado pela Fatma/IMA. Ademais, seriam inoponíveis aos indígenas os dispositivos da legislação processual civil reguladores das ações possessórias, dada a natureza originária do direito dos índios sobre a terra”.

O Plenário do STF, provocado pelo Ministro Relator, Edson Fachin, em 22 de fevereiro de 2019 reconheceu a existência de repercussão geral da controvérsia referente à definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena, à luz das regras dispostas no art. 231 do texto constitucional, erigindo o recurso como paradigma do tema 1.031” (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. 6ª CCR. Nota Técnica nº 1/20),

Convém citar integralmente o direito positivo brasileiro vigente e de cunho constitucional, in litteris:

“Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivadas com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ‘ad referendum’ do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos  jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio  e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração  das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas  existentes, ressalvado relevante interesse público da União,  segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a  nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a  União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas  da ocupação de boa-fé. § 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.”

O texto da Constituição de 1988 foi o primeiro a abandonar o vocábulo “silvícolas” (substituído por “índios” 11) e a prever um verdadeiro plexo de normas sobre os direitos indígenas – o que passa por, mas não se limita às terras indígenas.

Tradicionalmente, as terras ocupadas por indígenas são propriedade da União, conforme o artigo 20, XI da CF/1988 e integram, portanto, o patrimônio público federal (apesar de a Constituição reconhecer aos índios os direitos originários de posse permanente das terras e usufruto exclusivo das riquezas do solo.

Apesar da União ser a proprietária das terras, não as pode utilizar e a posse permanente e originária é das comunidades indígenas, a boa doutrina afirma que a União é, em verdade, nua-proprietária", cabendo a tarefa de demarcar as terras com o fim de as proteger.

Apesar do texto constitucional adotar o termo "índios", há uma forte oposição à adoção desse vocábulo, provavelmente, por uma preocupação importada da língua inglesa, pois índio e indiano são homônimos: indian. Registre-se ainda que a PL 2.903 de 2023 evitou o uso da expressão “índios”.

As terras indígenas são utilizadas para suas atividades produtivas e são imprescindíveis à preservação do meio ambiente e indispensáveis para seu bem-estar e necessárias para a reprodução física e cultural.

Entende-se que a demarcação de terras indígenas constitui ato eminentemente administrativo peculiar da gestão patrimonial pública, que mediante decreto vem a confirmar a delimitação geográfico-antropológica realizada pela Funai.

O texto atual do art. 19 do Estatuto do Índio é claro a respeito da natureza jurídica eminentemente administrativa do ato demarcatório:

         “Art. 19. As terras indígenas, por iniciativa e sob orientação do órgão federal de assistência ao índio, serão administrativamente demarcadas, de acordo com o processo estabelecido em decreto do Poder Executivo.

       § 1º A demarcação promovida nos termos deste artigo, homologada pelo Presidente da República, será registrada em livro próprio do Serviço do Patrimônio da União (SPU) e do registro imobiliário da comarca da situação das terras. (...)”

O Supremo Tribunal Federal (STF) 21.09.2023, a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Por 9 votos a 2, o Plenário decidiu que a data da promulgação da Constituição Federal (5/10/1988) não pode ser utilizada para definir a ocupação tradicional da terra por essas comunidades.

A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, com repercussão geral (Tema 1.031). Na próxima quarta-feira (27), o Plenário fixará a tese que servirá de parâmetro para a resolução de, pelo menos, 226 casos semelhantes que estão suspensos à espera dessa definição.

Tema 1031 - Definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena à luz das regras dispostas no artigo 231 do texto constitucional.

Há Repercussão? Sim. Relator(a): MIN. EDSON FACHIN

Leading Case: RE 1017365

Descrição:

Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 5º, incisos XXXV, LIV e LV; e 231 da Constituição Federal, o cabimento da reintegração de posse requerida pela Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (FATMA) de área administrativamente declarada como de tradicional ocupação indígena, localizada em parte da Reserva Biológica do Sassafrás, em Santa Catarina.

“Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o Tema 1.031 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário, para julgar improcedentes os pedidos deduzidos na inicial, nos termos do voto do Relator, vencidos o Ministro Nunes Marques, que negava provimento ao recurso, e, parcialmente, os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que davam provimento ao recurso extraordinário, mas devolviam os autos à origem para que, à luz da tese aprovada, fosse apreciada a questão. Não votou, quanto ao mérito do recurso extraordinário, o Ministro André Mendonça, nos termos da questão de ordem apreciada no Plenário virtual.

Em seguida, foi fixada a seguinte tese: “I - A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena; II - A posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, nas utilizadas para suas atividades produtivas, nas imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e nas necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do § 1º do artigo 231 do texto constitucional; III - A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição; IV – Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias, previsto no § 6º do art. 231  da CF/1988; V – Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União; e, quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização pela União (com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área) correspondente ao valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitidos a autocomposição e o regime do § 6º do art. 37 da CF/1988; VI – Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de terras indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos judicializados e em andamento; VII – É dever da União efetivar o procedimento demarcatório das terras indígenas, sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarcação, devendo ser ouvida, em todo caso, a comunidade indígena, buscando-se, se necessário, a autocomposição entre os respectivos entes federativos para a identificação das terras necessárias à formação das áreas reservadas, tendo sempre em vista a busca do interesse público e a paz social, bem como a proporcional compensação às comunidades indígenas (art. 16.4 da Convenção 169 OIT); VIII – A instauração de procedimento de redimensionamento de terra indígena não é vedada em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de pedido de revisão do procedimento demarcatório apresentado até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão deste julgamento; IX - O laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.775/1996 é um dos elementos fundamentais para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições, na forma do instrumento normativo citado; X - As terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes; XI - As terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis; XII – A ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional do meio ambiente, sendo assegurado o exercício das atividades tradicionais dos povos indígenas; XIII – Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutidos seus interesses, sem prejuízo, nos termos da lei, da legitimidade concorrente da FUNAI e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei”. Presidência da Ministra Rosa Weber. Plenário, 27.9.2023”.

O julgamento começou em agosto de 2021 e é um dos maiores da história do STF. Ele se estendeu por 11 sessões, as seis primeiras por videoconferência, e duas foram dedicadas exclusivamente a 38 manifestações das partes do processo, de terceiros interessados, do advogado-geral da União e do procurador-geral da República.

A sessão foi acompanhada por representantes de povos indígenas no Plenário do STF e em uma tenda montada no estacionamento ao lado do Tribunal. Após o voto do ministro Luiz Fux, o sexto contra a tese do marco temporal, houve cantos e danças em comemoração à maioria que havia sido formada.

O voto que deu maioria à proteção das terras indígenas foi de Luiz Fux. Ele leu o trecho da Constituição que garante os direitos originários sobre as terras ocupadas aos povos indígenas. "Ainda que não tenha sido demarcadas, essas terras ocupadas devem ter a proteção do Estado", declarou o ministro.

Sem mostrar evidências, Gilmar Mendes criticou as demarcações por darem "muita terra" aos indígenas e acusou antropólogos e organizações não governamentais (ONGs) de manterem os indígenas "na pobreza" de forma proposital. Mesmo assim, ele votou contra o marco temporal.

A presidente Rosa Weber reforçou que "os direitos dos povos indígenas às terras por eles tradicionalmente ocupadas traduzem sobretudo e principalmente os direitos fundamentais previstos na Constituição".

Os Ministros Fux e Cármen Lúcia não abordaram dois pontos em debate no STF que preocupam os indígenas: a indenização a fazendeiros pelo valor da terra nua e a abertura dos territórios indígenas à mineração com aval do Congresso. Ambos consideraram que a análise do marco temporal não é o âmbito adequado para deliberar sobre os temas. 

O Ministro Dias Toffoli votou em (20/9/2023) contra o marco temporal. "A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal, em 5 de outubro de 1988, ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição", afirmou Toffoli.

O magistrado também entendeu que o procedimento de apuração da indenização a ser paga pela perda da terra que foi declarada indígena deve correr em paralelo ao processo de demarcação. O objetivo é evitar a demora na regularização da área tradicional.

O caso que originou o recurso está relacionado a um pedido do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) de reintegração de posse de uma área localizada em parte da Reserva Biológica do Sassafrás (SC), declarada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) como de tradicional ocupação indígena.

No recurso, a Funai contesta decisão do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4), para quem não foi demonstrado que as terras seriam tradicionalmente ocupadas pelos indígenas e confirmou a sentença em que fora determinada a reintegração de posse.

Na resolução do caso concreto, prevaleceu o entendimento do ministro Edson Fachin (relator), que deu provimento ao recurso. Com isso, foi anulada a decisão do TRF-4, que não considerou a preexistência do direito originário sobre as terras e deu validade ao título de domínio, sem proporcionar à comunidade indígena e à Funai a demonstração da melhor posse.

Contemporaneamente é função da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) a demarcação de terras indígenas utilizando-se de critério técnicos em suas análises e, ao fim do processo restará ao Presidente da República proferir a devida homologação ou não, do registro solicitado, por meio de decreto publicado.

A existência do marco temporal só irá dificultar todos os processos demarcatórios de terras ao demandar a comprovação de ocupação da etnia relacionada ao território em período anterior à promulgação da vigente Constituição Federal brasileira. E, caso não seja possível tal comprovação, a terra será considerada de direito do reivindicante.

Há uma única exceção à rega do marco que são os casos em que se possa comprovar que já havia disputas físicas ou judiciais pela terra, os chamados conflitos possessórios.

Nesse sentido, Ailton Krenak, líder indígena e autor de uma das cenas mais marcantes na luta dos povos indígenas durante discurso na Assembleia Constituinte (1987), considera a tese preocupante por apresentar grandes impactos, segundo ele negativos, ao meio ambiente, à política e à sociedade como um todo, externalizando ao território brasileiro.

Os argumentos favoráveis ao marco temporal das terras indígenas advêm dos ruralistas, e suas proposições são:

Não cumprimento da Constituição: segundo eles, a Constituição de 1988, em seu artigo 231, diz que os indígenas têm “direitos originários às terras que tradicionalmente ocupam” para manterem seus costumes e tradições, e esse artigo, de acordo com os ruralistas, não está sendo cumprido, pois os indígenas estão integrados na sociedade brasileira e por isso não seguem mais suas tradições;

Há muita terra para poucos indígenas: segundo a Funai, mais de 117 milhões de hectares (ha) no Brasil são terras indígenas, ou seja, 13,8% do território. Para a Frente Parlamentar da Agropecuária, 117 milhões de hectares é muita terra para poucos indígenas, e a aprovação do Marco Temporal não prejudicaria a manutenção dos costumes e tradições indígenas;

Fim da violência no campo: para os ruralistas, a aprovação do Marco Temporal pelo STF reduziria os violentos conflitos de terras com os indígenas;

Desenvolvimento econômico do país: de acordo com os ruralistas, a aprovação do Marco Temporal ajudaria no desenvolvimento econômico do país, visto que as terras que seriam demarcadas passariam a ser usadas no plantio de grãos – especialmente da soja;

Segurança jurídica: a aprovação da tese garantiria ao país segurança jurídica, já que sua aprovação serviria de parâmetro para as demais demarcações de terras.

Por outro viés, os argumentos contrários de indígenas e ambientalistas são:

A tese é inconstitucional: ao contrário do que dizem os ruralistas, para juristas e especialistas, o Marco Temporal é inconstitucional, pois de acordo com o art. 231 da Constituição, os direitos indígenas são direitos originários, ou seja, eles antecedem à formação do Estado;

Banalização da violência: as entidades indígenas afirmam que a aprovação do Marco banalizará a violência, pois ele desconsidera que várias etnias foram forçadas a deixarem suas terras por conta da violência e das invasões de terras;

“Máquina de moer história”[15]: fazer com que os indígenas comprovem que estavam no dia 05 de outubro de 1988, nas terras que eles reivindicam, é apagar toda a sua história, além de desconsiderar toda a violência que esses povos sofreram e sofrem.

As comunidades indígenas são contrárias ao marco temporal pois daria aval a denominada Economia da Destruição e, que ameaçaria não apenas o meio ambiente como também, colocaria o Brasil na lista de países banidos por ter uma economia e produção predatória sem o devido respeito a preservação do meio ambiente.

Também as organizações indígenas são contrárias ao Marco Temporal posto colocam em perigo os povos isolados, pois com o contato forçado com não indígenas poderá acarretar no extermínio desses povos, pois é sabido que não possuem anticorpos para as doenças que atingem a sociedade brasileira. É um genocídio anunciado.

Foi definida a seguinte tese pelo STF:

I — A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena;

II — A posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, das utilizadas para suas atividades produtivas, das imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e das necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do § 1º do art. 231 do texto constitucional;

III — A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição;

IV — Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias, previsto no art. 231, § 6º, da CF/1988;

V — Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização prévia das benfeitorias necessárias e úteis, pela União; e quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização pela União, com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área, correspondente ao valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com o pagamento imediato da parte incontroversa e sem direito à retenção, aplicável o regime do art. 37, § 6º da CF/1988;

VI — Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de terras indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos judicializados e em andamento;

VII — É dever da União efetivar o procedimento demarcatório das terras indígenas, sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarcação, devendo ser ouvida, em todo caso, a comunidade indígena, buscando-se, se necessário, a autocomposição entre os respectivos entes federativos para a identificação das terras necessárias à formação das áreas reservadas, tendo sempre em vista a busca do interesse público e a paz social, bem como a proporcional compensação às comunidades indígenas (art. 16.4 da Convenção 169 OIT 169);

VIII — O redimensionamento de terra indígena não é vedado em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de instauração do procedimento demarcatório até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão deste julgamento;

IX — O laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.776/1996 é um dos elementos fundamentais para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições e observado o devido processo administrativo;

X — As terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes;

XI — As terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis;

XII — A ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional do meio ambiente, sendo assegurados o exercício das atividades tradicionais dos indígenas;

XIII — Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutidos seus interesses, sem prejuízo, nos termos da lei, da legitimidade concorrente da Funai e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei".

A demarcação tem natureza de ato declaratório, e não constitutivo. A posse permanente das comunidades indígenas é originária, nos termos da Constituição federal brasileira vigente, logo é reconhecida como preexistente ao próprio texto constitucional. O ato de demarcação tem por finalidade reconhecer o direito originário daquela comunidade à posse de determinado território, cabendo à União proteger essa porção de terra. (grifo nosso).

Ou, conforme Robério Nunes dos Anjos Filho, “a função da demarcação é de natureza prática, tornando claros os limites da terra indígena tradicional, possuindo índole meramente declaratória.

E, qualquer ato que atribua propriedade, posse ou outro direito real a não índios em relação às terras por tradicionalmente ocupadas é nulo de pleno direito (art. 231, § 6º), sendo para tanto irrelevante que já se tenha feito ou não a demarcação (que, relembre-se, tem caráter meramente declaratório).

Já decidiu o STF que:

                    “A eventual existência de registro imobiliário em nome  de particular, a despeito do que dispunha o art. 859 do  CC/1916 ou do que prescreve o art. 1.245 e parágrafos do  vigente Código Civil, não torna oponível à União Federal esse  título de domínio privado, pois a Constituição da República  pré-excluiu do comércio jurídico as terras indígenas res extra  commercium, proclamando a nulidade e declarando a  extinção de atos que tenham por objeto a ocupação, o  domínio e a posse de tais áreas, considerando ineficazes,  ainda, as pactuações negociais que sobre elas incidam, sem  possibilidade de quaisquer consequências de ordem jurídica,  inclusive aquelas que provocam, por efeito de expressa recusa  constitucional, a própria denegação do direito à indenização  ou do acesso a ações judiciais contra a União Federal,  ressalvadas, unicamente, as benfeitorias derivadas da  ocupação de boa-fé (CF/1988, art. 231, § 6º)”.

Quanto ao termo inicial da ocupação indígena, não se exige que a posse de determinada área seja imemorial. Tal adjetivação chegou a constar do texto da Constituinte, mas foi excluído durante os debates em Plenário. O que se demanda é que a ocupação se dê pelo modo tradicional indígena.

Há discussão, contudo, sobre o momento de verificação dessa ocupação tradicional: se apenas quando da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988 (tese do marco temporal, baseada na teoria do fato indígena); ou se a qualquer momento, antes ou depois da entrada em vigor da Constituição (tese do indigenato[16]).

Conforme José Afonso da Silva (1984:4), “O indigenato é a fonte primária e congênita da posse territorial; é um direito congênito, enquanto a ocupação é título adquirido. O indigenato é legítimo por si”. Sem margem para dúvidas quanto aos direitos territoriais indígenas, a própria Constituição Cidadã previu, no art. 67 do ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias -, que são normas de caráter transitório, isto é, depois de determinado prazo com seu respectivo cumprimento se esgotariam: “A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”.

Em qualquer das duas vertentes, a proteção constitucional não abrange os aldeamentos extintos, que um dia foram terras indígenas – sob pena de todo o Brasil ser assim qualificado –, nos termos do que reconhece a Súmula nº 650 do STF31, editada para deixar clara a “impossibilidade de se reconhecer, como bens da União, os imóveis urbanos usucapiendos que, num passado longínquo, integraram áreas de antigos aldeamentos indígenas.

A questão controvertida, porém, diz respeito a saber se pode uma terra que não era ocupada pelo modo tradicional indígena em 1988 assim se tornar após ocupação nova (tese da inconstitucionalidade do marco temporal), ou se só podem ser consideradas terras tradicionalmente ocupadas pelos índios aquelas que assim o eram em 5.10.1988 (tese do marco temporal).

Existem também, no entanto, julgados posteriores ao Caso Raposa Serra do Sol em que se discutiu a temática pelo STF.

Assim, por exemplo, no julgamento da Ação Cível Originária nº 312/BA  (Caso “Pataxó Há Há Hãe”, 2012), restou decidido pelo Pleno da Corte que:  a) a baixa demográfica em região tradicionalmente ocupada pelos índios, mas  derivada de esbulho praticado por forasteiros e atos de violência, não  descaracteriza o caráter de bem público da União; b) admite-se a ampliação de  terra indígena já demarcada, mas isso demanda “comprovação de que o espaço  geográfico objeto de eventual ampliação constituía terra tradicionalmente  ocupada pelos índios quando da promulgação da Constituição de  1988”.

Há quem sustente que o art. 67 do ADCT é, na verdade, uma regra de garantia, que apenas repete (constitucionalizando a disposição) o prazo quinquenal para a conclusão das demarcações trazido pelo Estatuto do Índio, de 1973.

Nesse contexto, registra-se que “o descumprimento e a omissão da União permanecem, tendo em vista que, segundo dados da Fundação Nacional do Índio, em janeiro de 2009, 249 das 643 terras indígenas reconhecidas pela Funai, ainda não tiveram seu processo demarcatório concluído”.

Percebe-se que, em sentido bastante semelhante e topologicamente próximo), o art. 68 do ADCT, ao tratar da propriedade dos quilombolas, dispõe que “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos” (grifou-se).

Mais uma vez, parece adotar-se o critério da atualidade da ocupação na data da promulgação da Constituição. Em sentido contrário, porém, Daniel Sarmento refuta essa tese, por entender que a garantia da reprodução dos modos de viver dos quilombolas justifica uma interpretação ampliativa do dispositivo.

Esse argumento parece relativamente frágil, pois “reprodução” não pode necessariamente ser equiparada a “ampliação territorial”. Também aqui o recurso aos debates na ANC é relevante: o texto do que veio a se tornar o art. 68 do ADCT reconhecia, até a votação em primeiro turno no Plenário, “a propriedade definitiva das terras que ocupam” (art. 25 do ADCT, fase “R”), mas passou, na votação em segundo turno, a reconhecer as propriedades “que estejam ocupando”.

Diversas entidades de defesa dos direitos humanos e das populações indígenas têm alegado – desde o Caso Raposa Serra do Sol, e de forma intensificada mais recentemente – a inconstitucionalidade da tese do “marco temporal”, por restringir os direitos indígenas, sendo essa interpretação incompatível com o sistema emancipador adotado pela CF de 1988.

Nesse sentido, a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (6ª CCR/MPF), especializada em temática de indígenas e minorias, emitiu Nota Técnica sustentando a inconstitucionalidade do PL ora em análise. Cabe lembrar, para registro, que o MPF já havia (por meio do Procurador-Geral da República) se manifestado contra a tese fixada na Pet nº 3.388/RR, inclusive mediante a oposição de embargos de declaração contra aquele julgamento.

A incidência do princípio da proibição do retrocesso, uma vez que a adoção da tese do marco temporal significaria restringir o grau de proteção à posse originária das terras indígenas.

Sobre a proibição do retrocesso, registre-se que é considerado princípio implícito na CF/1988, sendo bastante incerta a sua fonte normativa específica. É bastante forte seu reconhecimento no Brasil, embora não haja unanimidade sobre o tema nos poucos países que também o consideram, como Portugal e Alemanha[17].

De qualquer sorte, foi adotado pelo STF em diversos julgados43. Também se alega que concorre para a rejeição ao marco temporal o princípio constitucional da preservação ambiental (CF/1988, art. 225), uma vez que o grau de preservação florestal em terras indígenas é significativamente maior que em terras agricultadas.

 Assim, a adoção de uma regra restritiva da ampliação de terras demarcadas poderia pôr em risco a preservação dos biomas especialmente protegidos (CF/1988, art. 225, § 4º), notadamente a Amazônia.

A propósito: “a doutrina portuguesa – como a de outros países – encontra-se fortemente dividida  entre os Autores que a afirmam (Gomes Canotilho, Vital Moreira, David Duarte, Cristina Queiroz), os que negam (Manuel Afonso Vaz, Jorge Reis Novais, José de Melo Alexandrino) e os que, apesar de a negar, acolhem um  qualquer princípio de salvaguarda de um grau maior ou menor de concretização legislativa  das normas de direitos sociais ( João Caupers, Vasco Pereira da Silva, Rui Medeiros, Vieira de Andrade,  Tiago de Freitas, Paulo Otero).

E, no Brasil parece próximo deste último entendimento Ingo Sarlet”.  E, Jorge Miranda autor de “Os novos paradigmas do Estado social”. Conferência proferida em 28 de setembro de 2011, em Belo Horizonte, no XXXVII Congresso Nacional de Procuradores de Estado).

A tese do marco temporal é polêmica, mas é possível afirmar que vem sendo adotada reiteradamente pelo STF desde o Caso Raposa Serra do Sol.  Por outro lado, como já registrado acima, isso não significa que o Congresso Nacional seja obrigado a adotá-la (assim como também nada impede que o legislador nela insista, mesmo após eventual decisão contrária do STF no RE pendente de julgamento).

É preciso, entretanto, refutar interpretações catastrofistas, como as de que a positivação do marco temporal representaria o desmoronamento do art. 231 da CF/1988 ou de que seria “o perdão dos crimes cometidos contra os indígenas”.

No julgamento da Pet 3.388/RR, ficou decidido que “o usufruto dos índios não compreende a garimpagem nem a faiscação, devendo-se obter, se for o caso, a permissão de lavra garimpeira”.

De toda forma, restou vedada toda e qualquer forma de garimpo por não índios, tanto que o art. 231, § 7º, define não se aplicarem às terras indígenas as regras sobre lavra garimpeira (por estranhos à comunidade indígena.

O usufruto exclusivo das riquezas, assim como a posse permanente da terra, não impede, ipso facto, a entrada de não índios nas terras indígenas, desde que verificada alguma exceção constitucionalmente assegurada. Com efeito,

“A posse permanente indígena não impede o trânsito de pessoas estranhas à comunidade e a interrelação delas com os índios, inclusive no plano econômico e comercial, desde que tais situações sejam desejadas e permitidas pelos índios.

Essa tese foi adotada pelo STF no Caso Raposa Serra do Sol, in verbis:

A exclusividade de usufruto das riquezas do solo, dos rios  e dos lagos nas terras indígenas é conciliável com a eventual  presença de não-índios, bem assim com a instalação de  equipamentos públicos, a abertura de estradas e outras vias de  comunicação, a montagem ou construção de bases físicas para a  prestação de serviços públicos ou de relevância pública, desde  que tudo se processe sob a liderança institucional da União,  controle do Ministério Público e atuação coadjuvante de  entidades tanto da Administração Federal quanto  representativas dos próprios indígenas.

O que já impede os próprios índios e suas comunidades, por exemplo, de interditar ou bloquear estradas, cobrar pedágio pelo uso delas e inibir o regular funcionamento das repartições públicas.

Embargos de Declaração, restou confirmado que: “O objetivo da Constituição é resguardar aos índios um espaço exclusivo onde possam manter e viver as suas tradições – o que, na grande maioria dos casos, não exige a interdição absoluta de qualquer contato com pessoas de fora da terra indígena[18]. Por isso mesmo, a presença de não-índios nas áreas demarcadas não é proibida sempre e em todos os casos.

(...)

No entanto, nem por isso se deve supor – incidindo no equívoco oposto – que a Constituição tenha o papel de proteger os índios contra suas próprias escolhas, transformando o direito de preservarem sua cultura em um dever de isolamento incondicional. Nessa matéria, o maior erro é imaginar que caberia a alguém, senão aos próprios índios, decidir sobre o seu presente e o seu futuro – o que ocorre tanto pela imposição de valores externos quanto pela proibição de contato com outros modos de vida.

Por certo, a ideia não é assimilar ou aculturar os índios, mas tampouco se pode impedir que eles mesmos decidam entrar em contato com outros grupos humanos e ideias."

O Brasil já foi condenado, no plano da jurisdição internacional, por não assegurar de forma efetiva que os índios Xucuru exercessem a posse das terras indígenas já demarcadas.

Nesse contexto, além de assegurar juridicamente a posse das terras, é preciso adotar medidas que efetivem esse direito, como a desintrusão de não índios e a proteção (até mesmo no sentido físico) dos membros da comunidade, como já decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos:

1) a posse tradicional dos indígenas sobre suas terras tem efeitos equivalentes aos do título de pleno domínio concedido pelo Estado; 2) a posse tradicional confere aos indígenas o direito de exigir o reconhecimento oficial de propriedade e seu registro;

3) os membros dos povos indígenas que, por causas alheias a sua vontade, tenham saído ou perdido a posse de suas terras tradicionais mantêm o direito de propriedade sobre elas, apesar da falta de título legal, salvo quando as terras tenham sido legitimamente transferidas a terceiros de boa-fé;

4) o Estado deve delimitar, demarcar e conceder título coletivo das terras aos membros das comunidades indígenas;

5) os membros dos povos indígenas que involuntariamente tenham perdido a posse de suas terras, e estas tenham sido trasladadas legitimamente a terceiros de boa-fé, têm o direito de recuperá-las ou a obter outras terras de igual extensão e qualidade;

6) o Estado deve garantir a propriedade efetiva dos povos indígenas e abster-se de realizar atos que possam levar a que os agentes do próprio Estado, ou terceiros que ajam com sua aquiescência ou sua tolerância, afetem a existência, o valor, o uso ou o gozo de seu território;

7) o Estado deve garantir o direito dos povos indígenas de controlar efetivamente seu território, e dele ser proprietários, sem nenhum tipo de interferência externa de terceiros; e 8) o Estado deve garantir o direito dos povos indígenas ao controle e uso de seu território e recursos naturais

(...) em atenção ao princípio de segurança jurídica, é necessário materializar os direitos territoriais dos povos indígenas mediante a adoção de medidas legislativas e administrativas para criar um mecanismo efetivo de delimitação, demarcação e titulação, que reconheça esses direitos na prática (Cf. Caso da Comunidade Mayana (Sumo) Hawass Tingni Versus. Nicarágua[19], par. 164; e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs. Suriname, par. 133).

Um reconhecimento meramente abstrato ou jurídico das terras, territórios ou recursos indígenas carece de sentido caso não se estabeleça, delimite e demarque fisicamente a propriedade. Ao mesmo tempo, essa demarcação e titulação deve se traduzir no efetivo uso e gozo pacífico da propriedade coletiva.

(...) [20]

A desintrusão não só implica a retirada de terceiros de boa-fé ou de pessoas que ocupem ilegalmente os territórios demarcados e titulados, mas a garantia de sua posse pacífica, e que os bens titulados careçam de vícios ocultos, isto é, que sejam livres de obrigações ou gravames em benefício de terceiras pessoas.

(...)Também é importante destacar que a titulação de um território indígena no Brasil reveste caráter declaratório, e não constitutivo, do direito. Esse ato facilita a proteção do território e, por conseguinte, constitui etapa importante de garantia do direito à propriedade coletiva.

Nas palavras do perito proposto pelo Estado, Carlos Frederico Marés de Souza Filho[21], “quando uma terra é ocupada por um povo indígena, o Poder Público tem a obrigação de protegê-la, fazer respeitar seus bens e demarcá-la […] Isso quer dizer que a terra não necessita estar demarcada para ser protegida, mas que ela deve ser demarcada como obrigação do Estado brasileiro. A demarcação é direito e garantia do próprio povo que a ocupa tradicionalmente”.

A demarcação, portanto, seria um ato de proteção, e não de criação do direito de propriedade coletiva no Brasil, o qual é considerado originário dos povos indígenas e tribais.

(...) não basta que a norma consagre processos destinados à titulação, delimitação, demarcação e desintrusão de territórios indígenas ou ancestrais, mas que esses processos tenham efetividade prática.

In: Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso do Povo Indígena Xucuru e seus membros vs. Brasil. Sentença de 5 de fevereiro de 2018. (Vide in: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_346_por.pdf ).

Dispõe a Convenção nº 169 da OIT, in verbis: Artigo 17

(...) 3. Dever-se-á impedir que pessoas alheias a esses polpo-vos possam aproveitar dos costumes dos mesmos ou do desconhecimento das leis por parte dos seus membros para se arrogarem a propriedade, a posse ou o uso das terras a eles pertencentes.

Artigo 18 A lei deverá prever sanções apropriadas contra toda

intrusão não autorizada nas terras dos povos interessados ou contra todo uso não autorizado das mesmas por pessoas alheias a eles, e os governos deverão adotar medidas para impedirem tais infrações.

Acerca do sempre polêmico tema da mineração em terras indígenas, aplica-se o já citado artigo 15 da Convenção, que dispõe:

Artigo 15

1. Os direitos dos povos interessados aos recursos naturais existentes nas suas terras deverão ser especialmente protegidos.  Esses direitos abrangem o direito desses povos a participarem da utilização, administração e conservação dos recursos mencionados.

2. Em caso de pertencer ao Estado a propriedade dos minérios ou dos recursos do subsolo, ou de ter direitos sobre outros recursos, existentes nas terras, os governos deverão estabelecer ou manter procedimentos com vistas a consultar os povos interessados, a fim de se determinar se os interesses desses povos seriam prejudicados, e em que medida, antes de se empreender ou autorizar qualquer programa de prospecção ou exploração dos recursos existentes nas suas terras.

Os povos interessados deverão participar sempre que for possível dos benefícios que essas atividades produzam, e receber indenização equitativa por qualquer dano que possam sofrer como resultado dessas atividades.

O art. 11 prevê que aqueles que possuam justo título de proprietários ou possuidores emitido pelo Estado em área de terra indígena têm direito a indenização, por erro do Estado.

Ocorre que essa regra, embora justificável, parece estar em confronto com o citado § 6º do art. 231 da CF/1988, que dispõe serem “nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, (...) não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé”.

Ora, o art. 11 contraria esse dispositivo constitucional, prevendo justamente a indenização que a CF/1988 nega poder existir. Pode-se até considerar injusta essa disposição, mas foi a decisão do poder constituinte originário, juridicamente ilimitado, e que apenas repete norma que remonta a 1969.

Ademais, não se pode esquecer que, antes de 1988, muitos Estados da Federação chegaram a emitir títulos de posse ou propriedade incidentes sobre terras indígenas de forma fraudulenta ou temerária, como nos casos julgados pelo STF em relação a Minas Geais e a Mato Grosso.  Não se pode nominar tais situações como “justo título” ou “erro do Estado”.

À guisa de melhor análise, verificam-se que os pontos mais polêmicos do PL (além da tese do marco temporal em si, prevista no art. 4º, caput) são:

– Art. 4º (§§ 2º a 4º), que afastam a caracterização de terra indígena das áreas não ocupadas em 5 de outubro de 1988, excetuando apenas os casos de esbulho renitente, ignorando outras formas de retirada forçada de indígenas de suas terras;

– Art. 9º, que pode estimular invasões de terras indígenas, por considerar de boa-fé toda e qualquer benfeitoria realizada até a conclusão do processo de demarcação (o qual muitas vezes dura décadas), e aparentemente inverte a regra e a exceção trazidas pelo § 6º do art. 231 da CF/1988;

– Art. 11, que prevê a indenização de qualquer proprietário ou possuidor em terra indígena que possua justo título, mesmo em face do art. 231, § 6º, da CF/1988, que estipula serem nulos os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse dessa espécie de terra, sem direito a indenização;

– Art. 14, que determina a aplicação das novas regras aos processos de demarcação em andamento, mesmo que em estágio avançado, o que pode levar a questionamentos quanto à segurança jurídica e à proteção do ato jurídico perfeito, além de ampliar a dívida da União com o processo de demarcação das terras indígenas;

– Art. 20, que trata de algumas matérias que se pode considerar necessitarem de lei complementar, além de poder ser interpretado no sentido de dispensar a consulta às comunidades indígenas para a exploração de recursos hídricos ou de riquezas minerais, o que violaria o art. 231, § 3º, da CF/1988, e o art. 6º da Convenção nº 169 da OIT;

– Art. 26, cujo § 2º permite a realização de atividades agrossilvipastoris pelas comunidades em conjunto com não índios, algo vedado pelo STF na condicionante “p” do caso Raposa Serra do Sol;

– Art. 30, que permite a utilização de OGM em terras indígenas que não forem qualificadas como unidades de conservação;

– Art. 33, que prevê a vigência imediata da norma, sem qualquer período de adaptação ou de vacatio legis.

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SARLET, Ingo Wolfgang. Proibição de Retrocesso, Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Sociais: Manifestação de um Constitucionalismo Dirigente Possível. In: Bol. Fac. Direito U. Coimbra, ano 82, n. 239, 2006, p. 240.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo:  Malheiros, 2008.

SILVEIRA, Edson Damas da. Meio ambiente, terras indígenas e defesa nacional: direitos fundamentais em tensão nas fronteiras da Amazônia Brasileira. Curitiba: Juruá, 2010.

STF, Pleno, Pet nº 3.388/RR, Relator Ministro Ayres Britto.

STF, 2ª Turma, ED no Agravo Regimental (AgR) no RMS nº 29.193, Relator Ministro Celso de Mello, DJe de 19.2.2015.

STF, Pleno, ACO nº 323/MG, Relator Ministro Francisco Rezek, j. 14.10.1993.

STF, Pleno, Pet nº 3.388/RR-ED, Relator Ministro Roberto Barroso.

UNITED NATIONS. Media Statements. Brazil: UM expert concerned about legal doctrine threatening Indigenous People’s rigths.

Notas:

[1] O Estado brasileiro tem, assim, a obrigação constitucional de resgatar dívida histórica com os índios, preservando a riqueza de sua diversidade e garantindo os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. O artigo 231 da Constituição brasileira vigente é a grande bacia em que desaguaram várias tendências de nossa tradição jurídica. Para ela confluíram: 1) a teoria do indigenato, defendida por João Mendes Jr. nas famosas conferências de 1902 (em que o pôs, oportunamente, o “indigenato” ao “colonato”); 2) a noção de que a terra indígena é o habitat de um povo, segundo a fórmula de um julgamento do Supremo Tribunal Federal de 1961, em que o Ministro Victor Nunes Leal deu mostras de sua intuição jurídica verdadeiramente genial e da mais refinada sensibilidade ética; 3) a afirmação do direito à diferença, que remonta aos bravos argumentos de Francisco de Vitória, padre dominicano que foi um dos fundadores do direito internacional moderno e que, já no século XVI, se notabilizara pela defesa dos índios contra o invasor espanhol; 4) a indignação de Clóvis Bevilaqua, que, em estudo do começo do século XX, denunciava como a voracidade dos não-índios tinha reduzido e confinado a alguns rincões do país a população nativa brasileira; e 5) a influência determinante exercida pelos próprios índios, que, na Constituinte, souberam não se deixar aniquilar pelos interesses que sempre lhes foram nocivos e contrários.

[2] O backlash é uma reação adversa não-desejada à atuação judicial. Para ser mais preciso, é, literalmente, um contra-ataque político ao resultado de uma deliberação judicial. Tal contra-ataque manifesta-se por meio de determinadas  formas de retaliação, que podem ocorrer em várias "frentes": a revisão  legislativa de decisões controversas; a interferência política no processo de  preenchimento das vagas nos tribunais e nas garantias inerentes ao cargo,  com vistas a assegurar a indicação de juízes “obedientes” e/ou bloquear a  indicação de juízes “indesejáveis”; tentativas de se “preencher o tribunal”  (“court-packing”) por parte dos detentores do poder político; aplicação de  sanções disciplinares, impeachment ou remoção de juízes “inadequados” ou  “hiperativos”; introdução de restrições à jurisdição dos tribunais, ou a  “poda” dos poderes de controle de constitucionalidade (HIRSCHL, 2009,  p. 168).

[3] No Brasil, também é notória a presença do efeito backlash, fruto da reação política ao aumento do protagonismo judicial nas últimas décadas. É perceptível a ascensão política de grupos conservadores, havendo, de fato, um risco de retrocesso em determinados temas. A cada caso polêmico enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal, tenta-se, na via política, aprovar medidas legislativas contrárias ao posicionamento judicial. Assim, por exemplo, o reconhecimento da validade jurídica das uniões homoafetivas pelo Supremo Tribunal Federal tem gerado, na via política, o crescimento de vozes favorável ao chamado Estatuto da Família, projeto de lei que pretende excluir as relações homoafetivas da proteção estatal.

[4] Há Súmula do Supremo Tribunal Federal que exige que a posse da terra seja atual, excluindo os aldeamentos extintos e aqueles que em tempos muitos remotos foram ocupados por indígenas. O conceito de ocupação tradicional é mais sutil. Não está ligado necessariamente nem à posse física e atual da terra, nem remonta a tempos imemoriais. Decorrem desta reflexão: 1. A inaplicabilidade do direito civil tradicional em matéria de propriedade e posse indígena. 2. A necessidade de rigorosa fundamentação com base em conhecimento científico, histórico e antropológico, para evitar abusos. 3. A relevância da interpretação histórica, na medida em que se deve considerar que a proteção aos índios resgata dívida social antiga da sociedade brasileira. A decisão judicial não pode ignorar o histórico de injustiças perpetradas contra os povos indígenas. 4. A consciência de que a interpretação da regra constitucional deve ter em perspectiva o direito à diferença, isto é, a possibilidade de afirmação de uma identidade étnica e cultural, que é um dos atributos da dignidade da pessoa humana, pedra angular do sistema de proteção dos direitos fundamentais. É preciso dar concreção à norma constitucional a partir dessa inversão de perspectiva cultural, observando os usos, costumes e tradições dos próprios índios.

[5] Neste sentido, é incontroverso que a tese do “marco temporal” não merece prosperar, uma vez que as Constituições brasileiras desde muito antes da promulgação da Carta Magna asseguravam o direito de posse dos indígenas em seus territórios. Em seu voto, o ministro resgatou o texto dos dispositivos das mesmas:

Constituição de 1934: Art. 129. Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las.

Constituição de 1937: Art. 154. Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que se achem localizados em caráter permanente, sendo-lhes, porém, vedada a alienação das mesmas.

Constituição de 1946: Art. 216. Será respeitada aos silvícolas a posse das terras onde se achem permanentemente localizados, com a condição de não a transferirem.

Constituição de 1967: Art. 186. É assegurada aos silvícolas a posse permanente das terras que habitam e reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes.

Emenda nº 1/1969: Art. 198. As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos termos que a lei federal determinar, a eles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades nelas existentes. § 1º Ficam declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos silvícolas. § 2º A nulidade e extinção de que trata o parágrafo anterior não dão aos ocupantes direito a qualquer ação ou indenização contra a União e a Fundação Nacional do Índio. Logo, importa compreender a demasiada relevância de fazer valer o pensamento de que o direito originário da posse de terras por parte dos indígenas se sobrepõe a linearidade do tempo estabelecido na tese do “marco temporal”. E neste sentido, a proteção constitucional à posse indígena se verifica desde a Carta de 1934, e “tem relevo diversas formas e espécies de reconhecimento legislativo da ocupação indígena, desde a época da Colônia.”

[6] Pontes de Miranda deu um exemplo eloquente desse desconforto e dessa perplexidade ao comentar o dispositivo referente aos índios da Constituição de 1967. Criticou duramente a falta de técnica legislativa na redação do artigo, que ora falava em posse permanente, ora em habitação, ora em localização. Na Constituição de 1967 não havia, portanto, imprecisão de técnica legislativa, como reclamava Pontes de Miranda. E o texto constitucional em vigor é reflexo de um compromisso político possível entre culturas diferentes.

[7]  Sem a propriedade em nome da União, não há direito de posse aos indígenas. Desta feita, resta claro que quando se dá início a um processo administrativo buscando o reconhecimento de área tradicional indígena, busca-se na verdade o direito de propriedade. O fato de os indígenas buscarem tal reconhecimento não lhes dão direito a perpetrar invasões ilegais, ou seja, adentrarem de forma violenta em imóvel que esteja dentro de uma área delimitada para estudo. Área delimitada, que se encontra em fase de estudo para identificação da suposta área indígena, não se trata de Terra Indígena já demarcada. Área delimitada não se confunde com área demarcada. Para se demarcar uma Terra Indígena deve ser realizado estudo técnico da FUNAI, com a participação dos entes políticos, bem como o direito à ampla defesa e o contraditório dos envolvidos. Depois, se tecnicamente pertinente e legal, há de se ter uma portaria assinada pelo Ministro de Estado da Justiça e, em seguida, a homologação da Presidente da República e, por último, o registro imobiliário, com a abertura da matrícula no cartório de registro de imóveis da localidade, em nome da União. Enquanto não há o devido processo legal administrativo concluído, não há nada que afaste o direito de posse direita ou indireta do proprietário atual do imóvel.

[8] Com efeito, o Estatuto do Índio se refere às terras que tenham sido desocupadas pelos índios ou comunidades indígenas em virtude de ato ilegítimo de autoridade ou particular (art. 61, § 1º). A exigência de atualidade da posse deve ser, portanto, relativizada em alguns casos excepcionais. É também indispensável um vínculo com a terra5, embora não necessariamente um vínculo físico imediato – cuja exigência estrita amesquinharia nossa Constituição. A ligação tradicional com a terra, contudo, deve ser comprovada em bases científicas rigorosas.

[9] Portaria Interministerial nº 1701 de 19/04/2013 / MJ - Ministério da Justiça (D.O.U. 22/04/2013)

Definir a estrutura, a composição e o funcionamento do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas - PNGATI.

Regulamenta o art. 8o do Decreto no 7.747, de 5 de junho de 2012, para definir a estrutura, a composição e o funcionamento do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas - PNGATI.

[10] A Portaria 303/2012 da Advocacia-Geral da União (AGU) passou a vigorar a partir hoje (5/02/2014). O expediente se reporta ao acórdão dos embargos declaratórios da petição (PET) 3388/RR, que demarcou a terra indígena Raposa Serra do Sol e manteve as condicionantes daquele julgamento. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) recorda que em novembro do ano passado, em audiência pública no Senado Federal, Luís Inácio Lucena Adams, advogado geral da União, informou que após a publicação do acórdão dos embargos declaratórios (o que ocorreu ontem) iria rever a Portaria 303.

[11] Nota Pública 6CCR, de 29 de maio de 2023 Inconstitucionalidade do PL 490/2007 - Que busca alterar, por ato infraconstitucional, o estatuto jurídico das terras indígenas, ao introduzir no ordenamento jurídico o requisito do marco temporal de ocupação para os processos de demarcação de terras indígenas, exigindo-se a presença física dos indígenas nas respectivas áreas em 5 de outubro de 1988, como condição para a demarcação das suas terras tradicionais.

Nota Técnica nº 06/2018 - 6CCR "Contratação de trabalhadores que tenham parentesco com Conselheiros Distritais de Saúde Indígena (CONDISI)."

Nota Técnica nº 04/2018 - 6CCR "Termo de Compromisso celebrado entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e as comunidades indígenas Pataxó localizadas na área de sobreposição entre o Parque Nacional do Descobrimento (PND) e a Terra Indígena Comexatibá."

Nota Técnica nº 03/2018 - 6CCR "Análise da antijuridicidade do Processo de Conversão de Medida Provisória nº 820, de 2018, que Dispõe sobre medidas de assistência emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária, e da inserção de emendas parlamentares no seu texto que, sem guardarem qualquer pertinência com a temática abordada na MPV, restringem o direito de consulta aos povos indígenas, garantido pela Convenção nº 169 da OIT."

[12] Parecer n. 00001/2020/CNCIC/CGU/AGU Autor(es):             Brasil. Advocacia-Geral da União (SGU). Consultoria-Geral da União (CONJUR). Câmara Nacional de Convênios e Instrumentos Congêneres ((CNCIC) Tipo:     Parecer Resumo: O Parecer apresenta o entendimento de que não é possível ser firmado Acordo de Cooperação Técnica com prazo indeterminado de vigência, ressalvadas as hipóteses previstas em lei. Bem como, que cabe a aplicação analógica da orientação normativa da AGU nº 44 ao Acordo de Cooperação Técnica. E, ainda, que a leitura do Parecer nº 00005/2019/CNCIC/CGU/AGU deve ser feita de maneira sistemática considerando todos os documentos relacionados ao tema.

[13] Instrução Normativa n° 9/2020 permite à Funai avançar na área de gestão territorial. A Fundação Nacional do Índio (Funai) tem acumulado avanços na área de gestão territorial por meio da Instrução Normativa (IN) nº 9/2020. Vide in: https://www.gov.br/funai/pt-br/arquivos/conteudo/dpt/pdf/instrucao-normativa-09.pdf  

[14] O problema é que, sem a decisão judicial, dificilmente se conseguiria a necessária mobilização social para que a situação fosse abertamente discutida. Nessa situação, inverte-se o ônus do constrangimento, pois quem tem que sair da situação de comodidade é o grupo reacionário que precisará assumir seus preconceitos sem subterfúgios. Desse modo, a decisão judicial exigirá, para o grupo reacionário, a necessidade de defender abertamente a situação odiosa que era encoberta por um discurso dissimulado. Se isso pode gerar algum tipo de prejuízo aos homossexuais, decorrente de um eventual crescimento político dos conservadores com a possibilidade de aprovação de medidas discriminatórias, é um fator a ser ponderado pelos próprios defensores da causa antes de decidirem adotar a arena judicial como espaço de sua luta pela igualdade. O que não se pode é entender que a mera possibilidade de um retrocesso jurídico e social seja, em si mesmo, um fator de objeção absoluta à atuação judicial.

[15] Em relação ao MARCO TEMPORAL, ele é uma máquina de moer história… ele acaba com a história, muda toda a história.  Porque de 5 de outubro de 88 pra trás não há mais história, e sim a partir daquele dia, ele inverte a lógica também: quem não estava passa a estar, e quem estava passa a ser invasor.

[16] A tese oposta ao marco temporal é a do “indigenato”. O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) explica que o indigenato é uma tradição legislativa que entende que os povos indígenas têm direito à terra como um direito originário, anterior à formação do próprio Estado. A tese do indigenato, propugnada pelo eminente jurista e professor João Mendes Júnior, em 1902, baliza o direito originário dos índios sobre as áreas que efetivamente ocupam, mas não dá suporte jurídico à retomada de áreas que outrora foram indígenas, mas não o são mais. A tese do indigenato é rejeitada pelo ilustre ministro Menezes Direito, que a substitui pela tese do fato indígena, sob o argumento que o procedimento de identificação e demarcação deve ter por objeto fato qualificado, qual seja, a “presença constante e persistente dos índios na área em questão, o que é tarefa dos documentos produzidos no processo de regularização”. No entanto, as ocupações dolosas de posses sabidamente indígenas, mesmo que não estejam previamente demarcadas, ensejam a anulação ou a extinção de domínio ou posse, garantido o devido processo judicial.

[17] A Constituição alemã de 1919, a célebre Constituição de Weimar fixou a importante distinção entre diferenças e desigualdades. E, o doutrinador Fábio Konder Comparato, as diferenças são biológicas ou culturais, e não implicam a superioridade de alguns em relação aos outros. As desigualdades, ao contrário, são criações arbitrárias, que estabelecem uma relação dei inferioridade de pessoas ou grupos em relação a outros. Assim, enquanto as desigualdades devem ser rigorosamente proscritas, em razão do princípio da isonomia, as diferenças devem ser respeitadas ou protegidas, conforme signifiquem uma deficiência natural ou uma riqueza cultural (In: KONDER, F. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, São Paulo: Saraiva, 2004).

[18] A ideia generosa de que a terra indígena é o habitat dos povos que nela se fixaram. Esse parece ser o princípio cardeal a orientar a perfeita compreensão das normas sobre os índios, na Constituição Federal.

[19] O caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni origina-se com à outorga pelas autoridades estatais da Nicarágua, em 13/03/1996, de uma concessão de 30 anos, para a exploração de madeira, nas terras tradicionalmente ocupadas pela Comunidade a empresa Sol del Caribe S.A.(SOLCARSA), sem consulta prévia ao povo Awas Tingni. Outro fato que está na raiz deste caso é a não demarcação de suas terras comunais pelo Estado da Nicarágua. Embora a Constituição e a legislação interna reconheçam expressamente este direito à propriedade ancestral, o Estado não adotou medidas administrativas efetivas para implementá-lo e nem mesmo um recurso judicial adequado para responder às demandas da citada Comunidade sobre seus direitos territoriais.

[20] Importante ressaltar que as garantias constitucionais são reforçadas pelo compromisso do Estado imposto pelo artigo 215 da CF/1988, vieram para proporcionar o pleno exercício dos direitos culturais dentro daquele território de uso coletivo, razão pela qual a manutenção da terra haverá de ser mantida fora do comércio e gravada pelas cláusulas de inalienabilidade e indisponibilidade, por homenagem ao patrimônio cultural brasileiro, que, apesar de adquirido até pelo modo privado, permanece sendo terra indígena sendo indispensável à sobrevivência daquele povo originário.

Palavras-chave: Indígena Direitos Originários Direito Fundamental Terras Indígenas CF/88 STF

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