Aspectos Jurídicos do Marco Temporal das terras indígenas no Brasil
Realmente o marco temporal das terras indígenas é inconstitucional tanto que o STF firmou tese nesse sentido. Afinal, nosso território é ancestral. Nosso país é terra indígena, porém, o futuro dos povos originários está em risco diante da imposição do marco temporal. Deve-se recordar que a história brasileira não começou somente em 1988 e, tais povos já estavam aqui até bem antes da fundação do Estado brasileiro. Atualmente, totalizam mais de trezentos e cinco povos indígenas no território brasileiro e, em todos os Estados e biomas brasileiros. O direito à terra é direito fundamental, inalienável e imprescritível.
É
preciso entender e contextualizar a missão do STF seja como Suprema Corte, seja
como Tribunal constitucional especialmente no que tange à discussão sobre a
constitucionalidade ou não do alcunhado "marco temporal.
Embora
o legislador não esteja atrelado a seguir eventual entendimento da Suprema
Corte, faz-se necessário, entender o texto constitucional vigente sobre o tema
bem como a contemporânea jurisprudência do STF sobre o assunto.
O
Legislativo deve conhecer a posição e missão de guardião da Constituição e
ainda sobre sua soberana interpretação mais adequada do teor do artigo 231[1] da CF/1988. Numa autêntica
democracia, em verdade, não vige a última palavra, ainda mais sobre temas
sensíveis que podem ser revisitados, tanto que há o fenômeno do efeito backlash[2]
ou revanche[3],
por meio do qual alguns setores da sociedade se revoltam contra as decisões
judiciais, procurando meios de superá-las e transcendê-las.
Perfaz-se
um drama quando da desobediência ao STF e sob sua complacência exagerada, pois
a tese do marco territorial se disseminou para novos casos de demarcação, nesse
ínterim, a Câmara dos Deputados correu e afrontou a autoridade da
Suprema
Corte e aprovou projeto de lei que define o marco temporal como critério de
demarcação. E, Senado Federal aprovou a tese que o STF[4] considerou
inconstitucional.
A
propósito, a Suprema Corte brasileira ao julgar o caso da reserva indígena
Raposa Serra do Sol (vide Petição 3.388/RR), especialmente os embargos de
declaração não obstante, tenha resolvido o caso concreto daquela demarcação, embora
sem efeito vinculante, portanto, resultando em abstrativizar o tema, inclusive
com a fixação de condicionantes para orientar a demarcação futura de terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios.
Na
dicção do Ministro Luís Roberto Barroso que foi relator do acórdão dos
embargos:
“(...)
tendo a Corte enunciado a sua compreensão acerca da matéria, a partir da
interpretação do sistema constitucional, é apenas natural que esse
pronunciamento sirva de diretriz relevante para as autoridades estatais – não
apenas do Poder Judiciário – que venham a enfrentar novamente as mesmas questões.
(...)
Isto é: embora não tenha efeitos vinculantes em sentido formal, o acórdão
embargado ostenta a força moral e persuasiva de uma decisão da mais alta Corte
do País, do que decorre um elevado ônus argumentativo nos casos em se cogite de
superação das suas razões”.
Convém
apontar que o Ministro Gilmar Mendes em votos proferidos após esse julgado,
várias das condicionantes fincadas pelo tribunal nem sequer aplicavam-se à
Raposa Serra do Sol, o que evidenciou ter a Suprema Corte tratado de fixar os
standards interpretativos que embora não dotados de efeitos vinculantes, devam
ser levados em conta na análise de casos futuros.
Um
pequeno rol dos principais marcos legais[5] sobre os direitos
indígenas:
1680 -
O Alvará de 1º de abril declarou: “Os gentios… são senhores de suas fazendas
[nos aldeamentos] como o são no sertão, sem lhes poderem ser tomadas… nem serão
obrigados a pagar foro ou tributo algum das ditas terras [de aldeamentos],
ainda que estejam dadas em sesmarias e pessoas particulares, porque na
concessão destas se reserva sempre prejuízo de terceiro, e muito mais se
entende, e quero que se entenda ser reservado o prejuízo, e direito dos índios,
primários e naturais senhores delas […]”. O alvará será citado e renovado em
1755 e 1758.
1686 -
O Regimento das Missões, decretado por Dom Pedro II, Rei de Portugal, garantiu
aos indígenas o direito de se recusar a sair de suas terras. Aldeamentos para
“civilização dos índios”, nesse contexto, foram feitos dentro das terras
originais dos índios.
No
período de 1700 – 1800:
1755 -
A lei pombalina sobre os indígenas determinou que “[os índios têm] inteiro
domínio e pacífica posse das terras […] para gozarem delas per si e todos os
seus herdeiros”.
1758 -
O Diretório Pombalino do Maranhão e Grão-Pará estabeleceu que o direito dos
índios nas povoações elevadas a vilas prevalece sobre o de outros moradores, os
índios “são os primários e naturais senhores das mesmas terras”.
1822 -
Em 17 de julho, o regime de sesmaria no Brasil foi extinto.
1833 -
Cumulativamente com o governo imperial, as províncias passaram a legislar sobre
os indígenas, o que deu início a um longo período de esbulho (retirada forçada)
de terras originais.
1850 -
A Lei das Terras n.601 determinou que as terras indígenas não são devolutas nem
precisam de legitimação. Escreve João Mendes Jr.: “As terras possuídas por
hordas selvagens estáveis não são consideradas devolutas… [são] originariamente
reservadas de devolução nos expressos termos do Alvará de 1 de abril de 1680,
que as reserva até na concessão de sesmarias; não há (neste caso) posse a
legitimar, há domínio a reconhecer…”. A mesma Lei das Terras recomenda que se
reservem terras para aldeamentos com o propósito da “civilização dos índios”.
1854 -
O Decreto 1.318 de 30 de janeiro regulamentou a Lei de Terras aprovada em 1850.
O texto define, em seus artigos 72 e 75, que os indígenas têm escolha de não
sair de suas terras, sendo os aldeamentos instalados em seus territórios
originais.
As
terras dos aldeamentos instalados fora dos territórios tradicionais foram
garantidas e consideradas inalienáveis, destinadas à posse exclusiva dos
indígenas, que receberiam títulos de propriedade quando “assim o permitir seu
estado de civilização”.
1855 -
Legislação garante que indígenas que habitam aldeamentos extintos passam a ser
proprietários de suas posses. A medida foi reiterada pelo menos em 1857 e 1870.
1887 -
Os aldeamentos extintos passam às Províncias.
1889 -
No início da República, os Estados poderão legislar e deverão promover a
catequese e civilização dos indígenas.
No
período de 1900 – 2000:
1906 -
A Lei n. 1.606 de 2 de dezembro definiu que só a União é responsável pela
política indigenista. A área ficou na alçada do recém criado Ministério da
Agricultura.
1908 -
Pela primeira vez, o Brasil foi acusado internacionalmente de genocídio pelas
chacinas de indígenas, por ocasião da ocupação de colonos alemães na região
Sul.
1910 -
O Decreto 8.072, aprovado no governo Nilo Peçanha, criou o Serviço de Proteção
aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais, em 1918 renomeado Serviço
de Proteção aos Índios, e prescreve em seu artigo 2, parágrafo 12: “[deve-se]
promover, sempre que for possível, […] a restituição dos terrenos que tenham
sido usurpados [aos índios]”.
O SPI
passaria em 1930 do Ministério da Agricultura para o Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, iria em 1934 para o Ministério da Guerra e voltaria para
a pasta da Agricultura em 1939. Ali ficaria até sua extinção, em 1967.
1934 -
A Constituição Federal determinou, no artigo 129, que “será respeitada a posse
de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados,
sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las”.
1936 -
O Decreto 736 define no artigo 3 que o Serviço de Proteção aos Índios é
incumbido de “impedir que as terras habitadas pelos silvícolas sejam tratadas
como se devolutas fossem demarcando-as, fazendo respeitar, garantir, reconhecer
e legalizar a posse dos índios”.
1937 -
A nova Constituição da época no artigo 154 não diferiu substancialmente do
documento de 1934 no tema indígena.
1946 -
A Constituição recém aprovada definiu que a União legisla sobre “incorporação
dos silvícolas à comunhão nacional”. Seu conteúdo é também semelhante ao da
carta de 1934.
1967 -
Início do governo militar Artur da Costa e Silva
A
Constituição[6]
recém-aprovada definiu que a União legisla sobre a “incorporação dos silvícolas
à comunhão nacional” (artigo 8) e que as terras ocupadas por eles são
patrimônio da União (artigo 14).
O
domínio ou propriedade[7] das terras indígenas
passou a ser do Estado, enquanto a posse e usufruto exclusivos continuaram a
ser dos indígenas.
A Lei
5.371 extinguiu o Serviço de Proteção aos Índios após um escândalo de corrupção
e de crimes contra indígenas revelados pelo chamado Relatório Figueiredo e
criou a Funai (Fundação Nacional do Índio) na alçada do Ministério do Interior.
A
pasta é a mesma que liderou a ocupação da Amazônia a partir de 1970, quando
muitos povos indígenas foram forçosamente contatados e desalojados de seus
territórios.
1969 -
Início do governo militar Emílio Garrastazu Médici
A Emenda
Constitucional 1, artigos 4 e 8 reiteram 1967. Definiu que: “as terras
habitadas pelos silvícolas são inalienáveis” e reconheceu-lhes o direito ao
usufruto exclusivo de suas riquezas naturais.
O
artigo 198 determinou também a nulidade e extinção de efeitos jurídicos que
tivessem “por objeto o domínio, a posse ou a ocupação” das terras indígenas,
sem direito a indenização para os ocupantes.
1973 -
O Estatuto do Índio[8]
(Lei n. 6.001) estabeleceu as regras para demarcação de terras indígenas,
determinando que deveriam ser administrativamente demarcadas até 1978.
1974 -
Início do governo militar Ernesto Geisel
1976 -
O Decreto n. 76.999 determinou que os encaminhamentos de demarcação ficassem
nas mãos do Poder Executivo, levando a arbítrios.
1979 -
Início do governo militar João Figueiredo
1983 -
O Decreto n. 88.118 definiu que a delimitação de terras indígenas é
responsabilidade da Funai e o decreto homologatório é emitido pelo presidente
da República.
1985 -
Início do governo civil José Sarney
1987 -
O Decreto n. 94.945 criou procedimentos especiais para as terras indígenas
situadas na faixa de fronteira.
1988 -
A Constituição Federal, em vigor até hoje, no capítulo VIII- Dos Índios, artigo
231, reconheceu aos indígenas seus direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam.
As
terras indígenas, segundo o texto, são aquelas habitadas em caráter permanente,
utilizadas para atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos
recursos ambientais necessários ao bem-estar de seus ocupantes e necessárias à
sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
Indígenas
têm a posse e usufruto exclusivo dessas terras, que são inalienáveis, e não
podem ser removidos dali senão em casos de riscos excepcionais — devendo
retornar assim que cesse o risco, de acordo com o texto. Nas disposições
transitórias, consta que a União deveria concluir a demarcação de todas as
terras indígenas até 1993.
1989 -
Publicada a Convenção n. 169 sobre os Povos Indígenas e Tribais da Organização
Internacional do Trabalho. Atualmente, essa é a principal convenção
internacional que diz respeito aos povos indígenas. O texto diz que povos
indígenas devem ser consultados em iniciativas e projetos que dizem respeito a
suas terras.
1990 -
Início do governo Fernando Collor de Melo
A
Funai passou para a alçada do Ministério da Justiça.
1991 -
O Decreto n. 22 alterou o Decreto 94.945, de 1987, e adaptou o procedimento de
demarcação de terras indígenas ao texto da Constituição Federal. Antes, as
regras de demarcação não estabeleciam a consulta prévia ou o possível
protagonismo do povo no processo, mantendo a iniciativa exclusivamente nos
órgãos federais.
1992 -
Início do governo Itamar Franco
A
Convenção da Diversidade Biológica foi assinada no Rio de Janeiro. O texto
realça conhecimentos tradicionais de povos indígenas e tradicionais e sua
participação nos benefícios.
1995 -
Início do governo Fernando Henrique Cardoso
1996 -
O Decreto n. 1.775 alterou o procedimento administrativo de demarcação de
terras indígenas. A Funai tem o poder de demarcar terras indígenas;
impossibilidade de autodemarcação, excessiva burocracia, reconceituação de
terra indígena.
2003 -
Início do governo Luís Inácio Lula da Silva
2007 -
Foi aprovada a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos
Indígenas, que reconhece e confirma os direitos fundamentais universais desses
povos, no âmbito de suas próprias culturas, tradições e instituições.
2011 -
Início do governo Dilma Rousseff
2012 -
O Decreto n. 7.747 de 5 de junho de 2012[9] instituiu a Política
Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI).
A Portaria
n. 303 da Advocacia-Geral da União[10] visou impedir que novas
demarcações de terras indígenas fossem feitas e, especialmente, que fossem
ampliadas áreas anteriormente mal demarcadas.
2016 -
Início do governo Michel Temer
Foi
aprovada a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas da
Organização dos Estados Americanos.
2017 -
O Parecer n. 001 da Advocacia-Geral da União (AGU) reestabeleceu a eficácia da
portaria n. 303/AGU e vedou a ampliação das terras indígenas já demarcadas.
Instituiu também o chamado marco temporal, segundo o qual indígenas que não
estavam de posse de suas terras em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da
Constituição, perdem seus direitos sobre essas terras.
2018 -
A Nota Técnica n. 2 da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público
Federal[11] sobre o parecer da AGU de
2017 concluiu que há “manifesta nulidade do parecer normativo” e que o “governo
brasileiro se utiliza de artifícios para sonegar os direitos dos índios aos
seus territórios”.
2019 -
Início do governo Jair Bolsonaro
A Medida
Provisória 870, em 1º de janeiro, transferiu a competência de demarcação de
terras indígenas da Funai para o Ministério da Agricultura. O Congresso
determinou, depois, que as demarcações permanecessem no Ministério da Justiça.
2020 -
O Parecer n.1 da Advocacia-Geral da União[12] que instituiu o “marco
temporal” foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal por decisão do Ministro
Edson Fachin.
A Instrução
Normativa n. 9 da Funai de 22 de abril de 2020[13] eximiu a União de suas
responsabilidades para com terras indígenas ainda não homologadas e as excluiu
do Sistema de Gestão Fundiária, órgão do Incra (Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária), que passou a poder certificar propriedades
privadas dentro dos limites de terras indígenas ainda não homologadas,
estimulando invasões[14].
Vide
jurisprudência:
“O Recurso Extraordinário 1.017.365
foi interposto pela Funai com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição
da República. A área objeto da lide foi reconhecida como de tradicional ocupação
indígena por meio de Portaria nº 1.128/2003, do Ministério da Justiça, que declarou
a Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ de posse permanente dos grupos indígenas Xokleng,
Kaingang e Guarani. A Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente – Fatma
(atual Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina – IMA) sustentou ser
possuidora do imóvel matriculado sob o nº 12.266 no Cartório de Registro de
Imóveis da Comarca de Itaiópolis/SC, que integraria a Reserva Biológica
Estadual do Sassafrás, Unidade de Conservação Integral. Na peça inicial, a
Fundação afirmou que, em 13 de janeiro de 2009, a área teria sido invadida por
aproximadamente 100 (cem) indígenas da etnia Xokleng, que abriram picadas e
montaram barracas no local. A Funai sustentou que, ante a existência de
portaria ministerial declaratória de ocupação indígena sobre a área objeto do conflito
possessório, seria nulo e desprovido de eficácia jurídica o título de
propriedade apresentado pela Fatma/IMA. Ademais, seriam inoponíveis aos
indígenas os dispositivos da legislação processual civil reguladores das ações
possessórias, dada a natureza originária do direito dos índios sobre a terra”.
O
Plenário do STF, provocado pelo Ministro Relator, Edson Fachin, em 22 de
fevereiro de 2019 reconheceu a existência de repercussão geral da controvérsia referente
à definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas
de tradicional ocupação indígena, à luz das regras dispostas no art. 231 do
texto constitucional, erigindo o recurso como paradigma do tema 1.031”
(MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. 6ª CCR. Nota Técnica nº 1/20),
Convém
citar integralmente o direito positivo brasileiro vigente e de cunho
constitucional, in litteris:
“Art.
231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar
todos os seus bens.
§ 1º
São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em
caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as
imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu
bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos,
costumes e tradições.
§ 2º
As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse
permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e
dos lagos nelas existentes.
§ 3º O
aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a
pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivadas
com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas,
ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4º
As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os
direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 5º É
vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ‘ad referendum’
do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua
população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso
Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o
risco.
§ 6º
São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a
ocupação, o domínio e a posse das terras
a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos
lagos nelas existentes, ressalvado
relevante interesse público da União, segundo
o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou
a ações contra a União, salvo, na forma
da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé. § 7º Não se aplica às
terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.”
O
texto da Constituição de 1988 foi o primeiro a abandonar o vocábulo
“silvícolas” (substituído por “índios” 11) e a prever um verdadeiro plexo de
normas sobre os direitos indígenas – o que passa por, mas não se limita às
terras indígenas.
Tradicionalmente,
as terras ocupadas por indígenas são propriedade da União, conforme o artigo
20, XI da CF/1988 e integram, portanto, o patrimônio público federal (apesar de
a Constituição reconhecer aos índios os direitos originários de posse
permanente das terras e usufruto exclusivo das riquezas do solo.
Apesar
da União ser a proprietária das terras, não as pode utilizar e a posse
permanente e originária é das comunidades indígenas, a boa doutrina afirma que
a União é, em verdade, nua-proprietária", cabendo a tarefa de demarcar as
terras com o fim de as proteger.
Apesar
do texto constitucional adotar o termo "índios", há uma forte
oposição à adoção desse vocábulo, provavelmente, por uma preocupação importada
da língua inglesa, pois índio e indiano são homônimos: indian. Registre-se
ainda que a PL 2.903 de 2023 evitou o uso da expressão “índios”.
As
terras indígenas são utilizadas para suas atividades produtivas e são
imprescindíveis à preservação do meio ambiente e indispensáveis para seu
bem-estar e necessárias para a reprodução física e cultural.
Entende-se
que a demarcação de terras indígenas constitui ato eminentemente administrativo
peculiar da gestão patrimonial pública, que mediante decreto vem a confirmar a
delimitação geográfico-antropológica realizada pela Funai.
O texto atual do art. 19 do Estatuto do Índio
é claro a respeito da natureza jurídica eminentemente administrativa do ato
demarcatório:
“Art. 19. As terras indígenas, por
iniciativa e sob orientação do órgão federal de assistência ao índio, serão
administrativamente demarcadas, de acordo com o processo estabelecido em decreto
do Poder Executivo.
§ 1º A demarcação promovida nos termos
deste artigo, homologada pelo Presidente da República, será registrada em livro
próprio do Serviço do Patrimônio da União (SPU) e do registro imobiliário da
comarca da situação das terras. (...)”
O
Supremo Tribunal Federal (STF) 21.09.2023, a tese do marco temporal para a
demarcação de terras indígenas. Por 9 votos a 2, o Plenário decidiu que a data
da promulgação da Constituição Federal (5/10/1988) não pode ser utilizada para
definir a ocupação tradicional da terra por essas comunidades.
A decisão foi tomada no julgamento do Recurso
Extraordinário (RE) 1017365, com repercussão geral (Tema 1.031). Na próxima
quarta-feira (27), o Plenário fixará a tese que servirá de parâmetro para a resolução
de, pelo menos, 226 casos semelhantes que estão suspensos à espera dessa
definição.
Tema
1031 - Definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das
áreas de tradicional ocupação indígena à luz das regras dispostas no artigo 231
do texto constitucional.
Há
Repercussão? Sim. Relator(a): MIN. EDSON FACHIN
Leading
Case: RE 1017365
Descrição:
Recurso
extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 5º, incisos XXXV, LIV e LV; e
231 da Constituição Federal, o cabimento da reintegração de posse requerida
pela Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (FATMA) de área
administrativamente declarada como de tradicional ocupação indígena, localizada
em parte da Reserva Biológica do Sassafrás, em Santa Catarina.
“Decisão:
O Tribunal, por maioria, apreciando o Tema 1.031 da repercussão geral, deu
provimento ao recurso extraordinário, para julgar improcedentes os pedidos
deduzidos na inicial, nos termos do voto do Relator, vencidos o Ministro Nunes
Marques, que negava provimento ao recurso, e, parcialmente, os Ministros Dias
Toffoli e Gilmar Mendes, que davam provimento ao recurso extraordinário, mas
devolviam os autos à origem para que, à luz da tese aprovada, fosse apreciada a
questão. Não votou, quanto ao mérito do recurso extraordinário, o Ministro
André Mendonça, nos termos da questão de ordem apreciada no Plenário virtual.
Em
seguida, foi fixada a seguinte tese: “I - A demarcação consiste em procedimento
declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente
por comunidade indígena; II - A posse tradicional indígena é distinta da posse
civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos
indígenas, nas utilizadas para suas atividades produtivas, nas imprescindíveis
à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e nas
necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e
tradições, nos termos do § 1º do artigo 231 do texto constitucional; III - A
proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de
outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico
ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição; IV
– Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à
promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo
às benfeitorias úteis e necessárias, previsto no § 6º do art. 231 da CF/1988; V – Ausente ocupação tradicional
indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho
na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo
todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada
relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional
indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização das
benfeitorias necessárias e úteis, pela União; e, quando inviável o
reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização pela União (com
direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área)
correspondente ao valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida
agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados
do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa,
garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso,
permitidos a autocomposição e o regime do § 6º do art. 37 da CF/1988; VI –
Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de terras indígenas já
reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos
judicializados e em andamento; VII – É dever da União efetivar o procedimento
demarcatório das terras indígenas, sendo admitida a formação de áreas
reservadas somente diante da absoluta impossibilidade de concretização da ordem
constitucional de demarcação, devendo ser ouvida, em todo caso, a comunidade
indígena, buscando-se, se necessário, a autocomposição entre os respectivos
entes federativos para a identificação das terras necessárias à formação das
áreas reservadas, tendo sempre em vista a busca do interesse público e a paz
social, bem como a proporcional compensação às comunidades indígenas (art. 16.4
da Convenção 169 OIT); VIII – A instauração de procedimento de
redimensionamento de terra indígena não é vedada em caso de descumprimento dos
elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de
pedido de revisão do procedimento demarcatório apresentado até o prazo de cinco
anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro
na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra
indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já
instaurados até a data de conclusão deste julgamento; IX - O laudo
antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.775/1996 é um dos elementos
fundamentais para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade
indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições, na forma
do instrumento normativo citado; X - As terras de ocupação tradicional indígena
são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto
exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes; XI - As
terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são
inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis; XII – A
ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional
do meio ambiente, sendo assegurado o exercício das atividades tradicionais dos
povos indígenas; XIII – Os povos indígenas possuem capacidade civil e
postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutidos seus
interesses, sem prejuízo, nos termos da lei, da legitimidade concorrente da
FUNAI e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei”. Presidência
da Ministra Rosa Weber. Plenário, 27.9.2023”.
O
julgamento começou em agosto de 2021 e é um dos maiores da história do STF. Ele
se estendeu por 11 sessões, as seis primeiras por videoconferência, e duas
foram dedicadas exclusivamente a 38 manifestações das partes do processo, de
terceiros interessados, do advogado-geral da União e do procurador-geral da
República.
A sessão
foi acompanhada por representantes de povos indígenas no Plenário do STF e em
uma tenda montada no estacionamento ao lado do Tribunal. Após o voto do
ministro Luiz Fux, o sexto contra a tese do marco temporal, houve cantos e
danças em comemoração à maioria que havia sido formada.
O voto
que deu maioria à proteção das terras indígenas foi de Luiz Fux. Ele leu o
trecho da Constituição que garante os direitos originários sobre as terras
ocupadas aos povos indígenas. "Ainda que não tenha sido demarcadas, essas
terras ocupadas devem ter a proteção do Estado", declarou o ministro.
Sem
mostrar evidências, Gilmar Mendes criticou as demarcações por darem "muita
terra" aos indígenas e acusou antropólogos e organizações não
governamentais (ONGs) de manterem os indígenas "na pobreza" de forma
proposital. Mesmo assim, ele votou contra o marco temporal.
A
presidente Rosa Weber reforçou que "os direitos dos povos indígenas às
terras por eles tradicionalmente ocupadas traduzem sobretudo e principalmente
os direitos fundamentais previstos na Constituição".
Os
Ministros Fux e Cármen Lúcia não abordaram dois pontos em debate no STF que
preocupam os indígenas: a indenização a fazendeiros pelo valor da terra nua e a
abertura dos territórios indígenas à mineração com aval do Congresso. Ambos
consideraram que a análise do marco temporal não é o âmbito adequado para
deliberar sobre os temas.
O Ministro
Dias Toffoli votou em (20/9/2023) contra o marco temporal. "A proteção
constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam independe da existência de um marco temporal, em 5 de outubro de 1988,
ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia
judicial persistente à data da promulgação da Constituição", afirmou
Toffoli.
O
magistrado também entendeu que o procedimento de apuração da indenização a ser
paga pela perda da terra que foi declarada indígena deve correr em paralelo ao
processo de demarcação. O objetivo é evitar a demora na regularização da área
tradicional.
O caso
que originou o recurso está relacionado a um pedido do Instituto do Meio
Ambiente de Santa Catarina (IMA) de reintegração de posse de uma área
localizada em parte da Reserva Biológica do Sassafrás (SC), declarada pela
Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) como de tradicional ocupação
indígena.
No
recurso, a Funai contesta decisão do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4),
para quem não foi demonstrado que as terras seriam tradicionalmente ocupadas
pelos indígenas e confirmou a sentença em que fora determinada a reintegração
de posse.
Na
resolução do caso concreto, prevaleceu o entendimento do ministro Edson Fachin
(relator), que deu provimento ao recurso. Com isso, foi anulada a decisão do
TRF-4, que não considerou a preexistência do direito originário sobre as terras
e deu validade ao título de domínio, sem proporcionar à comunidade indígena e à
Funai a demonstração da melhor posse.
Contemporaneamente
é função da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) a demarcação de terras indígenas
utilizando-se de critério técnicos em suas análises e, ao fim do processo
restará ao Presidente da República proferir a devida homologação ou não, do
registro solicitado, por meio de decreto publicado.
A
existência do marco temporal só irá dificultar todos os processos demarcatórios
de terras ao demandar a comprovação de ocupação da etnia relacionada ao
território em período anterior à promulgação da vigente Constituição Federal
brasileira. E, caso não seja possível tal comprovação, a terra será considerada
de direito do reivindicante.
Há uma
única exceção à rega do marco que são os casos em que se possa comprovar que já
havia disputas físicas ou judiciais pela terra, os chamados conflitos
possessórios.
Nesse
sentido, Ailton Krenak, líder indígena e autor de uma das cenas mais marcantes
na luta dos povos indígenas durante discurso na Assembleia Constituinte (1987),
considera a tese preocupante por apresentar grandes impactos, segundo ele
negativos, ao meio ambiente, à política e à sociedade como um todo,
externalizando ao território brasileiro.
Os
argumentos favoráveis ao marco temporal das terras indígenas advêm dos
ruralistas, e suas proposições são:
Não
cumprimento da Constituição: segundo eles, a Constituição de 1988, em seu
artigo 231, diz que os indígenas têm “direitos originários às terras que
tradicionalmente ocupam” para manterem seus costumes e tradições, e esse
artigo, de acordo com os ruralistas, não está sendo cumprido, pois os indígenas
estão integrados na sociedade brasileira e por isso não seguem mais suas
tradições;
Há muita
terra para poucos indígenas: segundo a Funai, mais de 117 milhões de hectares
(ha) no Brasil são terras indígenas, ou seja, 13,8% do território. Para a
Frente Parlamentar da Agropecuária, 117 milhões de hectares é muita terra para
poucos indígenas, e a aprovação do Marco Temporal não prejudicaria a manutenção
dos costumes e tradições indígenas;
Fim da
violência no campo: para os ruralistas, a aprovação do Marco Temporal pelo STF
reduziria os violentos conflitos de terras com os indígenas;
Desenvolvimento
econômico do país: de acordo com os ruralistas, a aprovação do Marco Temporal
ajudaria no desenvolvimento econômico do país, visto que as terras que seriam
demarcadas passariam a ser usadas no plantio de grãos – especialmente da soja;
Segurança
jurídica: a aprovação da tese garantiria ao país segurança jurídica, já que sua
aprovação serviria de parâmetro para as demais demarcações de terras.
Por
outro viés, os argumentos contrários de indígenas e ambientalistas são:
A tese
é inconstitucional: ao contrário do que dizem os ruralistas, para juristas e
especialistas, o Marco Temporal é inconstitucional, pois de acordo com o art.
231 da Constituição, os direitos indígenas são direitos originários, ou seja,
eles antecedem à formação do Estado;
Banalização
da violência: as entidades indígenas afirmam que a aprovação do Marco
banalizará a violência, pois ele desconsidera que várias etnias foram forçadas
a deixarem suas terras por conta da violência e das invasões de terras;
“Máquina
de moer história”[15]: fazer com que os
indígenas comprovem que estavam no dia 05 de outubro de 1988, nas terras que
eles reivindicam, é apagar toda a sua história, além de desconsiderar toda a
violência que esses povos sofreram e sofrem.
As
comunidades indígenas são contrárias ao marco temporal pois daria aval a
denominada Economia da Destruição e, que ameaçaria não apenas o meio ambiente
como também, colocaria o Brasil na lista de países banidos por ter uma economia
e produção predatória sem o devido respeito a preservação do meio ambiente.
Também
as organizações indígenas são contrárias ao Marco Temporal posto colocam em
perigo os povos isolados, pois com o contato forçado com não indígenas poderá
acarretar no extermínio desses povos, pois é sabido que não possuem anticorpos
para as doenças que atingem a sociedade brasileira. É um genocídio anunciado.
Foi
definida a seguinte tese pelo STF:
I — A
demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário
territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade
indígena;
II — A
posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação
das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, das utilizadas para
suas atividades produtivas, das imprescindíveis à preservação dos recursos
ambientais necessários a seu bem-estar e das necessárias à sua reprodução
física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do § 1º
do art. 231 do texto constitucional;
III —
A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de
outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico
ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição;
IV —
Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à
promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo
às benfeitorias úteis e necessárias, previsto no art. 231, § 6º, da CF/1988;
V —
Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição
Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são
válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios
jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de
boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular
direito à justa e prévia indenização prévia das benfeitorias necessárias e
úteis, pela União; e quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá
a eles indenização pela União, com direito de regresso em face do ente
federativo que titulou a área, correspondente ao valor da terra nua, paga em
dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário,
e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com o pagamento
imediato da parte incontroversa e sem direito à retenção, aplicável o regime do
art. 37, § 6º da CF/1988;
VI —
Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de terras indígenas já
reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos
judicializados e em andamento;
VII —
É dever da União efetivar o procedimento demarcatório das terras indígenas,
sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da absoluta
impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarcação, devendo
ser ouvida, em todo caso, a comunidade indígena, buscando-se, se necessário, a
autocomposição entre os respectivos entes federativos para a identificação das
terras necessárias à formação das áreas reservadas, tendo sempre em vista a
busca do interesse público e a paz social, bem como a proporcional compensação
às comunidades indígenas (art. 16.4 da Convenção 169 OIT 169);
VIII —
O redimensionamento de terra indígena não é vedado em caso de descumprimento
dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de
instauração do procedimento demarcatório até o prazo de cinco anos da
demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na
condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra
indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já
instaurados até a data de conclusão deste julgamento;
IX — O
laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.776/1996 é um dos
elementos fundamentais para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de
comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições
e observado o devido processo administrativo;
X — As
terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade,
cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e
lagos nelas existentes;
XI —
As terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas,
são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis;
XII —
A ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela
constitucional do meio ambiente, sendo assegurados o exercício das atividades
tradicionais dos indígenas;
XIII —
Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes
legítimas nos processos em que discutidos seus interesses, sem prejuízo, nos
termos da lei, da legitimidade concorrente da Funai e da intervenção do
Ministério Público como fiscal da lei".
A
demarcação tem natureza de ato declaratório, e não constitutivo. A posse
permanente das comunidades indígenas é originária, nos termos da Constituição
federal brasileira vigente, logo é reconhecida como preexistente ao próprio texto
constitucional. O ato de demarcação tem por finalidade reconhecer o direito
originário daquela comunidade à posse de determinado território, cabendo à
União proteger essa porção de terra. (grifo nosso).
Ou, conforme
Robério Nunes dos Anjos Filho, “a função da demarcação é de natureza prática, tornando
claros os limites da terra indígena tradicional, possuindo índole meramente
declaratória.
E,
qualquer ato que atribua propriedade, posse ou outro direito real a não índios
em relação às terras por tradicionalmente ocupadas é nulo de pleno direito
(art. 231, § 6º), sendo para tanto irrelevante que já se tenha feito ou não a
demarcação (que, relembre-se, tem caráter meramente declaratório).
Já
decidiu o STF que:
“A eventual existência de
registro imobiliário em nome de
particular, a despeito do que dispunha o art. 859 do CC/1916 ou do que prescreve o art. 1.245 e
parágrafos do vigente Código Civil, não
torna oponível à União Federal esse título
de domínio privado, pois a Constituição da República pré-excluiu do comércio jurídico as terras
indígenas res extra commercium,
proclamando a nulidade e declarando a extinção
de atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse de tais áreas, considerando
ineficazes, ainda, as pactuações
negociais que sobre elas incidam, sem possibilidade
de quaisquer consequências de ordem jurídica, inclusive aquelas que provocam, por efeito de
expressa recusa constitucional, a
própria denegação do direito à indenização ou do acesso a ações judiciais contra a União
Federal, ressalvadas, unicamente, as
benfeitorias derivadas da ocupação de
boa-fé (CF/1988, art. 231, § 6º)”.
Quanto
ao termo inicial da ocupação indígena, não se exige que a posse de determinada
área seja imemorial. Tal adjetivação chegou a constar do texto da Constituinte,
mas foi excluído durante os debates em Plenário. O que se demanda é que a
ocupação se dê pelo modo tradicional indígena.
Há
discussão, contudo, sobre o momento de verificação dessa ocupação tradicional:
se apenas quando da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988 (tese
do marco temporal, baseada na teoria do fato indígena); ou se a qualquer
momento, antes ou depois da entrada em vigor da Constituição (tese do
indigenato[16]).
Conforme
José Afonso da Silva (1984:4), “O indigenato é a fonte primária e congênita da
posse territorial; é um direito congênito, enquanto a ocupação é título
adquirido. O indigenato é legítimo por si”. Sem margem para dúvidas quanto aos
direitos territoriais indígenas, a própria Constituição Cidadã previu, no art.
67 do ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias -, que são normas
de caráter transitório, isto é, depois de determinado prazo com seu respectivo
cumprimento se esgotariam: “A União concluirá a demarcação das terras indígenas
no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”.
Em
qualquer das duas vertentes, a proteção constitucional não abrange os
aldeamentos extintos, que um dia foram terras indígenas – sob pena de todo o
Brasil ser assim qualificado –, nos termos do que reconhece a Súmula nº 650 do
STF31, editada para deixar clara a “impossibilidade de se reconhecer, como bens
da União, os imóveis urbanos usucapiendos que, num passado longínquo, integraram
áreas de antigos aldeamentos indígenas.
A
questão controvertida, porém, diz respeito a saber se pode uma terra que não
era ocupada pelo modo tradicional indígena em 1988 assim se tornar após
ocupação nova (tese da inconstitucionalidade do marco temporal), ou se só podem
ser consideradas terras tradicionalmente ocupadas pelos índios aquelas que
assim o eram em 5.10.1988 (tese do marco temporal).
Existem
também, no entanto, julgados posteriores ao Caso Raposa Serra do Sol em que se
discutiu a temática pelo STF.
Assim,
por exemplo, no julgamento da Ação Cível Originária nº 312/BA (Caso “Pataxó Há Há Hãe”, 2012), restou
decidido pelo Pleno da Corte que: a) a
baixa demográfica em região tradicionalmente ocupada pelos índios, mas derivada de esbulho praticado por forasteiros
e atos de violência, não descaracteriza
o caráter de bem público da União; b) admite-se a ampliação de terra indígena já demarcada, mas isso demanda
“comprovação de que o espaço geográfico
objeto de eventual ampliação constituía terra tradicionalmente ocupada pelos índios quando da promulgação da
Constituição de 1988”.
Há
quem sustente que o art. 67 do ADCT é, na verdade, uma regra de garantia, que
apenas repete (constitucionalizando a disposição) o prazo quinquenal para a
conclusão das demarcações trazido pelo Estatuto do Índio, de 1973.
Nesse
contexto, registra-se que “o descumprimento e a omissão da União permanecem,
tendo em vista que, segundo dados da Fundação Nacional do Índio, em janeiro de
2009, 249 das 643 terras indígenas reconhecidas pela Funai, ainda não tiveram
seu processo demarcatório concluído”.
Percebe-se
que, em sentido bastante semelhante e topologicamente próximo), o art. 68 do
ADCT, ao tratar da propriedade dos quilombolas, dispõe que “Aos remanescentes
das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade
definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos” (grifou-se).
Mais
uma vez, parece adotar-se o critério da atualidade da ocupação na data da
promulgação da Constituição. Em sentido contrário, porém, Daniel Sarmento
refuta essa tese, por entender que a garantia da reprodução dos modos de viver
dos quilombolas justifica uma interpretação ampliativa do dispositivo.
Esse
argumento parece relativamente frágil, pois “reprodução” não pode
necessariamente ser equiparada a “ampliação territorial”. Também aqui o recurso
aos debates na ANC é relevante: o texto do que veio a se tornar o art. 68 do
ADCT reconhecia, até a votação em primeiro turno no Plenário, “a propriedade
definitiva das terras que ocupam” (art. 25 do ADCT, fase “R”), mas passou, na
votação em segundo turno, a reconhecer as propriedades “que estejam ocupando”.
Diversas
entidades de defesa dos direitos humanos e das populações indígenas têm alegado
– desde o Caso Raposa Serra do Sol, e de forma intensificada mais recentemente
– a inconstitucionalidade da tese do “marco temporal”, por restringir os
direitos indígenas, sendo essa interpretação incompatível com o sistema emancipador
adotado pela CF de 1988.
Nesse sentido, a 6ª Câmara de Coordenação e
Revisão do Ministério Público Federal (6ª CCR/MPF), especializada em temática
de indígenas e minorias, emitiu Nota Técnica sustentando a
inconstitucionalidade do PL ora em análise. Cabe lembrar, para registro, que o
MPF já havia (por meio do Procurador-Geral da República) se manifestado contra
a tese fixada na Pet nº 3.388/RR, inclusive mediante a oposição de embargos de
declaração contra aquele julgamento.
A
incidência do princípio da proibição do retrocesso, uma vez que a adoção da
tese do marco temporal significaria restringir o grau de proteção à posse
originária das terras indígenas.
Sobre
a proibição do retrocesso, registre-se que é considerado princípio implícito na
CF/1988, sendo bastante incerta a sua fonte normativa específica. É bastante
forte seu reconhecimento no Brasil, embora não haja unanimidade sobre o tema nos
poucos países que também o consideram, como Portugal e Alemanha[17].
De
qualquer sorte, foi adotado pelo STF em diversos julgados43. Também se alega
que concorre para a rejeição ao marco temporal o princípio constitucional da
preservação ambiental (CF/1988, art. 225), uma vez que o grau de preservação
florestal em terras indígenas é significativamente maior que em terras
agricultadas.
Assim, a adoção de uma regra restritiva da
ampliação de terras demarcadas poderia pôr em risco a preservação dos biomas especialmente
protegidos (CF/1988, art. 225, § 4º), notadamente a Amazônia.
A
propósito: “a doutrina portuguesa – como a de outros países – encontra-se
fortemente dividida entre os Autores que
a afirmam (Gomes Canotilho, Vital Moreira, David Duarte, Cristina Queiroz), os
que negam (Manuel Afonso Vaz, Jorge Reis Novais, José de Melo Alexandrino) e os
que, apesar de a negar, acolhem um qualquer
princípio de salvaguarda de um grau maior ou menor de concretização legislativa
das normas de direitos sociais ( João
Caupers, Vasco Pereira da Silva, Rui Medeiros, Vieira de Andrade, Tiago de Freitas, Paulo Otero).
E, no Brasil
parece próximo deste último entendimento Ingo Sarlet”. E, Jorge Miranda autor de “Os novos paradigmas
do Estado social”. Conferência proferida em 28 de setembro de 2011, em Belo
Horizonte, no XXXVII Congresso Nacional de Procuradores de Estado).
A tese
do marco temporal é polêmica, mas é possível afirmar que vem sendo adotada
reiteradamente pelo STF desde o Caso Raposa Serra do Sol. Por outro lado, como já registrado acima, isso
não significa que o Congresso Nacional seja obrigado a adotá-la (assim como
também nada impede que o legislador nela insista, mesmo após eventual decisão
contrária do STF no RE pendente de julgamento).
É
preciso, entretanto, refutar interpretações catastrofistas, como as de que a
positivação do marco temporal representaria o desmoronamento do art. 231 da CF/1988
ou de que seria “o perdão dos crimes cometidos contra os indígenas”.
No
julgamento da Pet 3.388/RR, ficou decidido que “o usufruto dos índios não
compreende a garimpagem nem a faiscação, devendo-se obter, se for o caso, a
permissão de lavra garimpeira”.
De
toda forma, restou vedada toda e qualquer forma de garimpo por não índios,
tanto que o art. 231, § 7º, define não se aplicarem às terras indígenas as regras
sobre lavra garimpeira (por estranhos à comunidade indígena.
O
usufruto exclusivo das riquezas, assim como a posse permanente da terra, não
impede, ipso facto, a entrada de não índios nas terras indígenas, desde que
verificada alguma exceção constitucionalmente assegurada. Com efeito,
“A
posse permanente indígena não impede o trânsito de pessoas estranhas à
comunidade e a interrelação delas com os índios, inclusive no plano econômico e
comercial, desde que tais situações sejam desejadas e permitidas pelos índios.
Essa
tese foi adotada pelo STF no Caso Raposa Serra do Sol, in verbis:
A
exclusividade de usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nas terras indígenas é conciliável
com a eventual presença de não-índios,
bem assim com a instalação de equipamentos
públicos, a abertura de estradas e outras vias de comunicação, a montagem ou construção de bases
físicas para a prestação de serviços
públicos ou de relevância pública, desde que tudo se processe sob a liderança
institucional da União, controle do
Ministério Público e atuação coadjuvante de entidades tanto da Administração Federal
quanto representativas dos próprios
indígenas.
O que
já impede os próprios índios e suas comunidades, por exemplo, de interditar ou
bloquear estradas, cobrar pedágio pelo uso delas e inibir o regular
funcionamento das repartições públicas.
Embargos
de Declaração, restou confirmado que: “O objetivo da Constituição é resguardar
aos índios um espaço exclusivo onde possam manter e viver as suas tradições – o
que, na grande maioria dos casos, não exige a interdição absoluta de qualquer
contato com pessoas de fora da terra indígena[18]. Por isso mesmo, a
presença de não-índios nas áreas demarcadas não é proibida sempre e em todos os
casos.
(...)
No
entanto, nem por isso se deve supor – incidindo no equívoco oposto – que a
Constituição tenha o papel de proteger os índios contra suas próprias escolhas,
transformando o direito de preservarem sua cultura em um dever de isolamento incondicional.
Nessa matéria, o maior erro é imaginar que caberia a alguém, senão aos próprios
índios, decidir sobre o seu presente e o seu futuro – o que ocorre tanto pela
imposição de valores externos quanto pela proibição de contato com outros modos
de vida.
Por
certo, a ideia não é assimilar ou aculturar os índios, mas tampouco se pode
impedir que eles mesmos decidam entrar em contato com outros grupos humanos e ideias."
O
Brasil já foi condenado, no plano da jurisdição internacional, por não
assegurar de forma efetiva que os índios Xucuru exercessem a posse das terras
indígenas já demarcadas.
Nesse
contexto, além de assegurar juridicamente a posse das terras, é preciso adotar
medidas que efetivem esse direito, como a desintrusão de não índios e a
proteção (até mesmo no sentido físico) dos membros da comunidade, como já
decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos:
1) a
posse tradicional dos indígenas sobre suas terras tem efeitos equivalentes aos
do título de pleno domínio concedido pelo Estado; 2) a posse tradicional
confere aos indígenas o direito de exigir o reconhecimento oficial de
propriedade e seu registro;
3) os
membros dos povos indígenas que, por causas alheias a sua vontade, tenham saído
ou perdido a posse de suas terras tradicionais mantêm o direito de propriedade
sobre elas, apesar da falta de título legal, salvo quando as terras tenham sido
legitimamente transferidas a terceiros de boa-fé;
4) o
Estado deve delimitar, demarcar e conceder título coletivo das terras aos membros
das comunidades indígenas;
5) os
membros dos povos indígenas que involuntariamente tenham perdido a posse de
suas terras, e estas tenham sido trasladadas legitimamente a terceiros de
boa-fé, têm o direito de recuperá-las ou a obter outras terras de igual extensão
e qualidade;
6) o
Estado deve garantir a propriedade efetiva dos povos indígenas e abster-se de
realizar atos que possam levar a que os agentes do próprio Estado, ou terceiros
que ajam com sua aquiescência ou sua tolerância, afetem a existência, o valor,
o uso ou o gozo de seu território;
7) o
Estado deve garantir o direito dos povos indígenas de controlar efetivamente
seu território, e dele ser proprietários, sem nenhum tipo de interferência
externa de terceiros; e 8) o Estado deve garantir o direito dos povos indígenas
ao controle e uso de seu território e recursos naturais
(...)
em atenção ao princípio de segurança jurídica, é necessário materializar os
direitos territoriais dos povos indígenas mediante a adoção de medidas
legislativas e administrativas para criar um mecanismo efetivo de delimitação,
demarcação e titulação, que reconheça esses direitos na prática (Cf. Caso da
Comunidade Mayana (Sumo) Hawass Tingni Versus. Nicarágua[19], par. 164; e Caso Povos
Kaliña e Lokono Vs. Suriname, par. 133).
Um reconhecimento
meramente abstrato ou jurídico das terras, territórios ou recursos indígenas
carece de sentido caso não se estabeleça, delimite e demarque fisicamente a propriedade.
Ao mesmo tempo, essa demarcação e titulação deve se traduzir no efetivo uso e
gozo pacífico da propriedade coletiva.
(...) [20]
A
desintrusão não só implica a retirada de terceiros de boa-fé ou de pessoas que
ocupem ilegalmente os territórios demarcados e titulados, mas a garantia de sua
posse pacífica, e que os bens titulados careçam de vícios ocultos, isto é, que sejam
livres de obrigações ou gravames em benefício de terceiras pessoas.
(...)Também
é importante destacar que a titulação de um território indígena no Brasil
reveste caráter declaratório, e não constitutivo, do direito. Esse ato facilita
a proteção do território e, por conseguinte, constitui etapa importante de
garantia do direito à propriedade coletiva.
Nas
palavras do perito proposto pelo Estado, Carlos Frederico Marés de Souza Filho[21], “quando uma terra é
ocupada por um povo indígena, o Poder Público tem a obrigação de protegê-la,
fazer respeitar seus bens e demarcá-la […] Isso quer dizer que a terra não
necessita estar demarcada para ser protegida, mas que ela deve ser demarcada como
obrigação do Estado brasileiro. A demarcação é direito e garantia do próprio
povo que a ocupa tradicionalmente”.
A
demarcação, portanto, seria um ato de proteção, e não de criação do direito de
propriedade coletiva no Brasil, o qual é considerado originário dos povos indígenas
e tribais.
(...)
não basta que a norma consagre processos destinados à titulação, delimitação,
demarcação e desintrusão de territórios indígenas ou ancestrais, mas que esses
processos tenham efetividade prática.
In: Corte
Interamericana de Direitos Humanos. Caso do Povo Indígena Xucuru e seus membros
vs. Brasil. Sentença de 5 de fevereiro de 2018. (Vide in: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_346_por.pdf ).
Dispõe
a Convenção nº 169 da OIT, in verbis: Artigo 17
(...) 3.
Dever-se-á impedir que pessoas alheias a esses polpo-vos possam aproveitar dos
costumes dos mesmos ou do desconhecimento das leis por parte dos seus membros
para se arrogarem a propriedade, a posse ou o uso das terras a eles pertencentes.
Artigo
18 A lei deverá prever sanções apropriadas contra toda
intrusão
não autorizada nas terras dos povos interessados ou contra todo uso não
autorizado das mesmas por pessoas alheias a eles, e os governos deverão adotar
medidas para impedirem tais infrações.
Acerca
do sempre polêmico tema da mineração em terras indígenas, aplica-se o já citado
artigo 15 da Convenção, que dispõe:
Artigo
15
1. Os
direitos dos povos interessados aos recursos naturais existentes nas suas
terras deverão ser especialmente protegidos. Esses direitos abrangem o direito desses povos
a participarem da utilização, administração e conservação dos recursos mencionados.
2. Em
caso de pertencer ao Estado a propriedade dos minérios ou dos recursos do
subsolo, ou de ter direitos sobre outros recursos, existentes nas terras, os
governos deverão estabelecer ou manter procedimentos com vistas a consultar os povos
interessados, a fim de se determinar se os interesses desses povos seriam
prejudicados, e em que medida, antes de se empreender ou autorizar qualquer
programa de prospecção ou exploração dos recursos existentes nas suas terras.
Os povos
interessados deverão participar sempre que for possível dos benefícios que
essas atividades produzam, e receber indenização equitativa por qualquer dano
que possam sofrer como resultado dessas atividades.
O art.
11 prevê que aqueles que possuam justo título de proprietários ou possuidores
emitido pelo Estado em área de terra indígena têm direito a indenização, por
erro do Estado.
Ocorre
que essa regra, embora justificável, parece estar em confronto com o citado §
6º do art. 231 da CF/1988, que dispõe serem “nulos e extintos, não produzindo
efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a
posse das terras a que se refere este artigo, (...) não gerando a nulidade e a
extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da
lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé”.
Ora, o
art. 11 contraria esse dispositivo constitucional, prevendo justamente a
indenização que a CF/1988 nega poder existir. Pode-se até considerar injusta
essa disposição, mas foi a decisão do poder constituinte originário,
juridicamente ilimitado, e que apenas repete norma que remonta a 1969.
Ademais,
não se pode esquecer que, antes de 1988, muitos Estados da Federação chegaram a
emitir títulos de posse ou propriedade incidentes sobre terras indígenas de
forma fraudulenta ou temerária, como nos casos julgados pelo STF em relação a
Minas Geais e a Mato Grosso. Não se pode
nominar tais situações como “justo título” ou “erro do Estado”.
À
guisa de melhor análise, verificam-se que os pontos mais polêmicos do PL (além
da tese do marco temporal em si, prevista no art. 4º, caput) são:
– Art.
4º (§§ 2º a 4º), que afastam a caracterização de terra indígena das áreas não
ocupadas em 5 de outubro de 1988, excetuando apenas os casos de esbulho
renitente, ignorando outras formas de retirada forçada de indígenas de suas
terras;
– Art.
9º, que pode estimular invasões de terras indígenas, por considerar de boa-fé
toda e qualquer benfeitoria realizada até a conclusão do processo de demarcação
(o qual muitas vezes dura décadas), e aparentemente inverte a regra e a exceção
trazidas pelo § 6º do art. 231 da CF/1988;
– Art.
11, que prevê a indenização de qualquer proprietário ou possuidor em terra
indígena que possua justo título, mesmo em face do art. 231, § 6º, da CF/1988,
que estipula serem nulos os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e
a posse dessa espécie de terra, sem direito a indenização;
– Art.
14, que determina a aplicação das novas regras aos processos de demarcação em
andamento, mesmo que em estágio avançado, o que pode levar a questionamentos
quanto à segurança jurídica e à proteção do ato jurídico perfeito, além de
ampliar a dívida da União com o processo de demarcação das terras indígenas;
– Art.
20, que trata de algumas matérias que se pode considerar necessitarem de lei
complementar, além de poder ser interpretado no sentido de dispensar a consulta
às comunidades indígenas para a exploração de recursos hídricos ou de riquezas minerais,
o que violaria o art. 231, § 3º, da CF/1988, e o art. 6º da Convenção nº 169 da
OIT;
– Art.
26, cujo § 2º permite a realização de atividades agrossilvipastoris pelas
comunidades em conjunto com não índios, algo vedado pelo STF na condicionante
“p” do caso Raposa Serra do Sol;
– Art.
30, que permite a utilização de OGM em terras indígenas que não forem
qualificadas como unidades de conservação;
– Art. 33, que prevê a vigência imediata da norma, sem qualquer período de adaptação ou de vacatio legis.
Referências
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STF,
Pleno, Pet nº 3.388/RR-ED, Relator Ministro Roberto Barroso.
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NATIONS. Media Statements. Brazil: UM expert concerned about legal
doctrine threatening Indigenous People’s rigths.
Notas:
[1]
O Estado brasileiro tem, assim, a obrigação constitucional de resgatar dívida
histórica com os índios, preservando a riqueza de sua diversidade e garantindo
os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. O artigo
231 da Constituição brasileira vigente é a grande bacia em que desaguaram
várias tendências de nossa tradição jurídica. Para ela confluíram: 1) a teoria
do indigenato, defendida por João Mendes Jr. nas famosas conferências de 1902
(em que o pôs, oportunamente, o “indigenato” ao “colonato”); 2) a noção de que
a terra indígena é o habitat de um povo, segundo a fórmula de um julgamento do
Supremo Tribunal Federal de 1961, em que o Ministro Victor Nunes Leal deu
mostras de sua intuição jurídica verdadeiramente genial e da mais refinada
sensibilidade ética; 3) a afirmação do direito à diferença, que remonta aos
bravos argumentos de Francisco de Vitória, padre dominicano que foi um dos
fundadores do direito internacional moderno e que, já no século XVI, se
notabilizara pela defesa dos índios contra o invasor espanhol; 4) a indignação
de Clóvis Bevilaqua, que, em estudo do começo do século XX, denunciava como a
voracidade dos não-índios tinha reduzido e confinado a alguns rincões do país a
população nativa brasileira; e 5) a influência determinante exercida pelos
próprios índios, que, na Constituinte, souberam não se deixar aniquilar pelos
interesses que sempre lhes foram nocivos e contrários.
[2]
O backlash é uma reação adversa não-desejada à atuação judicial. Para
ser mais preciso, é, literalmente, um contra-ataque político ao resultado de
uma deliberação judicial. Tal contra-ataque manifesta-se por meio de
determinadas formas de retaliação, que
podem ocorrer em várias "frentes": a revisão legislativa de decisões controversas; a
interferência política no processo de
preenchimento das vagas nos tribunais e nas garantias inerentes ao
cargo, com vistas a assegurar a
indicação de juízes “obedientes” e/ou bloquear a indicação de juízes “indesejáveis”;
tentativas de se “preencher o tribunal”
(“court-packing”) por parte dos detentores do poder político;
aplicação de sanções disciplinares,
impeachment ou remoção de juízes “inadequados” ou “hiperativos”; introdução de restrições à
jurisdição dos tribunais, ou a “poda”
dos poderes de controle de constitucionalidade (HIRSCHL, 2009, p. 168).
[3] No Brasil, também é notória a presença do efeito backlash, fruto da reação política ao aumento do protagonismo judicial nas últimas décadas. É perceptível a ascensão política de grupos conservadores, havendo, de fato, um risco de retrocesso em determinados temas. A cada caso polêmico enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal, tenta-se, na via política, aprovar medidas legislativas contrárias ao posicionamento judicial. Assim, por exemplo, o reconhecimento da validade jurídica das uniões homoafetivas pelo Supremo Tribunal Federal tem gerado, na via política, o crescimento de vozes favorável ao chamado Estatuto da Família, projeto de lei que pretende excluir as relações homoafetivas da proteção estatal.
[4] Há Súmula do Supremo Tribunal Federal que exige que a posse da terra seja atual, excluindo os aldeamentos extintos e aqueles que em tempos muitos remotos foram ocupados por indígenas. O conceito de ocupação tradicional é mais sutil. Não está ligado necessariamente nem à posse física e atual da terra, nem remonta a tempos imemoriais. Decorrem desta reflexão: 1. A inaplicabilidade do direito civil tradicional em matéria de propriedade e posse indígena. 2. A necessidade de rigorosa fundamentação com base em conhecimento científico, histórico e antropológico, para evitar abusos. 3. A relevância da interpretação histórica, na medida em que se deve considerar que a proteção aos índios resgata dívida social antiga da sociedade brasileira. A decisão judicial não pode ignorar o histórico de injustiças perpetradas contra os povos indígenas. 4. A consciência de que a interpretação da regra constitucional deve ter em perspectiva o direito à diferença, isto é, a possibilidade de afirmação de uma identidade étnica e cultural, que é um dos atributos da dignidade da pessoa humana, pedra angular do sistema de proteção dos direitos fundamentais. É preciso dar concreção à norma constitucional a partir dessa inversão de perspectiva cultural, observando os usos, costumes e tradições dos próprios índios.
[5]
Neste sentido, é incontroverso que a tese do “marco temporal” não merece
prosperar, uma vez que as Constituições brasileiras desde muito antes da
promulgação da Carta Magna asseguravam o direito de posse dos indígenas em seus
territórios. Em seu voto, o ministro resgatou o texto dos dispositivos das
mesmas:
Constituição de 1934: Art.
129. Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem
permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las.
Constituição de 1937: Art.
154. Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que se achem
localizados em caráter permanente, sendo-lhes, porém, vedada a alienação das
mesmas.
Constituição de 1946: Art.
216. Será respeitada aos silvícolas a posse das terras onde se achem permanentemente
localizados, com a condição de não a transferirem.
Constituição de 1967: Art.
186. É assegurada aos silvícolas a posse permanente das terras que habitam e
reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de
todas as utilidades nelas existentes.
Emenda nº 1/1969: Art. 198. As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos termos que a lei federal determinar, a eles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades nelas existentes. § 1º Ficam declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos silvícolas. § 2º A nulidade e extinção de que trata o parágrafo anterior não dão aos ocupantes direito a qualquer ação ou indenização contra a União e a Fundação Nacional do Índio. Logo, importa compreender a demasiada relevância de fazer valer o pensamento de que o direito originário da posse de terras por parte dos indígenas se sobrepõe a linearidade do tempo estabelecido na tese do “marco temporal”. E neste sentido, a proteção constitucional à posse indígena se verifica desde a Carta de 1934, e “tem relevo diversas formas e espécies de reconhecimento legislativo da ocupação indígena, desde a época da Colônia.”
[6]
Pontes de Miranda deu um exemplo eloquente desse desconforto e dessa
perplexidade ao comentar o dispositivo referente aos índios da Constituição de
1967. Criticou duramente a falta de técnica legislativa na redação do artigo,
que ora falava em posse permanente, ora em habitação, ora em localização. Na
Constituição de 1967 não havia, portanto, imprecisão de técnica legislativa,
como reclamava Pontes de Miranda. E o texto constitucional em vigor é reflexo
de um compromisso político possível entre culturas diferentes.
[7] Sem a propriedade em nome da União, não há
direito de posse aos indígenas. Desta feita, resta claro que quando se dá
início a um processo administrativo buscando o reconhecimento de área
tradicional indígena, busca-se na verdade o direito de propriedade. O fato de
os indígenas buscarem tal reconhecimento não lhes dão direito a perpetrar
invasões ilegais, ou seja, adentrarem de forma violenta em imóvel que esteja dentro
de uma área delimitada para estudo. Área delimitada, que se encontra em fase de
estudo para identificação da suposta área indígena, não se trata de Terra
Indígena já demarcada. Área delimitada não se confunde com área demarcada. Para
se demarcar uma Terra Indígena deve ser realizado estudo técnico da FUNAI, com
a participação dos entes políticos, bem como o direito à ampla defesa e o
contraditório dos envolvidos. Depois, se tecnicamente pertinente e legal, há de
se ter uma portaria assinada pelo Ministro de Estado da Justiça e, em seguida,
a homologação da Presidente da República e, por último, o registro imobiliário,
com a abertura da matrícula no cartório de registro de imóveis da localidade,
em nome da União. Enquanto não há o devido processo legal administrativo
concluído, não há nada que afaste o direito de posse direita ou indireta do
proprietário atual do imóvel.
[8] Com efeito, o Estatuto do Índio se refere às terras que tenham sido desocupadas pelos índios ou comunidades indígenas em virtude de ato ilegítimo de autoridade ou particular (art. 61, § 1º). A exigência de atualidade da posse deve ser, portanto, relativizada em alguns casos excepcionais. É também indispensável um vínculo com a terra5, embora não necessariamente um vínculo físico imediato – cuja exigência estrita amesquinharia nossa Constituição. A ligação tradicional com a terra, contudo, deve ser comprovada em bases científicas rigorosas.
[9]
Portaria Interministerial nº 1701 de 19/04/2013 / MJ - Ministério da Justiça
(D.O.U. 22/04/2013)
Definir a estrutura, a
composição e o funcionamento do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão
Territorial e Ambiental de Terras Indígenas - PNGATI.
Regulamenta o art. 8o do
Decreto no 7.747, de 5 de junho de 2012, para definir a estrutura, a composição
e o funcionamento do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e
Ambiental de Terras Indígenas - PNGATI.
[10]
A Portaria 303/2012 da Advocacia-Geral da União (AGU) passou a vigorar a partir
hoje (5/02/2014). O expediente se reporta ao acórdão dos embargos declaratórios
da petição (PET) 3388/RR, que demarcou a terra indígena Raposa Serra do Sol e
manteve as condicionantes daquele julgamento. A Frente Parlamentar da
Agropecuária (FPA) recorda que em novembro do ano passado, em audiência pública
no Senado Federal, Luís Inácio Lucena Adams, advogado geral da União, informou
que após a publicação do acórdão dos embargos declaratórios (o que ocorreu
ontem) iria rever a Portaria 303.
[11]
Nota Pública 6CCR, de 29 de maio de 2023 Inconstitucionalidade do PL 490/2007 -
Que busca alterar, por ato infraconstitucional, o estatuto jurídico das terras
indígenas, ao introduzir no ordenamento jurídico o requisito do marco temporal
de ocupação para os processos de demarcação de terras indígenas, exigindo-se a
presença física dos indígenas nas respectivas áreas em 5 de outubro de 1988,
como condição para a demarcação das suas terras tradicionais.
Nota Técnica nº 06/2018 -
6CCR "Contratação de trabalhadores que tenham parentesco com Conselheiros
Distritais de Saúde Indígena (CONDISI)."
Nota Técnica nº 04/2018 -
6CCR "Termo de Compromisso celebrado entre o Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e as comunidades indígenas Pataxó
localizadas na área de sobreposição entre o Parque Nacional do Descobrimento
(PND) e a Terra Indígena Comexatibá."
Nota Técnica nº 03/2018 -
6CCR "Análise da antijuridicidade do Processo de Conversão de Medida
Provisória nº 820, de 2018, que Dispõe sobre medidas de assistência emergencial
para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo
migratório provocado por crise humanitária, e da inserção de emendas
parlamentares no seu texto que, sem guardarem qualquer pertinência com a
temática abordada na MPV, restringem o direito de consulta aos povos indígenas,
garantido pela Convenção nº 169 da OIT."
[12]
Parecer n. 00001/2020/CNCIC/CGU/AGU Autor(es): Brasil.
Advocacia-Geral da União (SGU). Consultoria-Geral da União (CONJUR). Câmara
Nacional de Convênios e Instrumentos Congêneres ((CNCIC) Tipo: Parecer Resumo: O Parecer apresenta o entendimento de que não é possível ser firmado
Acordo de Cooperação Técnica com prazo indeterminado de vigência, ressalvadas
as hipóteses previstas em lei. Bem como, que cabe a aplicação analógica da
orientação normativa da AGU nº 44 ao Acordo de Cooperação Técnica. E, ainda,
que a leitura do Parecer nº 00005/2019/CNCIC/CGU/AGU deve ser feita de maneira
sistemática considerando todos os documentos relacionados ao tema.
[13]
Instrução Normativa n° 9/2020 permite à Funai avançar na área de gestão
territorial. A Fundação Nacional do Índio (Funai) tem acumulado avanços na área
de gestão territorial por meio da Instrução Normativa (IN) nº 9/2020. Vide in:
https://www.gov.br/funai/pt-br/arquivos/conteudo/dpt/pdf/instrucao-normativa-09.pdf
[14]
O problema é que, sem a decisão judicial, dificilmente se conseguiria a
necessária mobilização social para que a situação fosse abertamente discutida.
Nessa situação, inverte-se o ônus do constrangimento, pois quem tem que sair da
situação de comodidade é o grupo reacionário que precisará assumir seus
preconceitos sem subterfúgios. Desse modo, a decisão judicial exigirá, para o
grupo reacionário, a necessidade de defender abertamente a situação odiosa que
era encoberta por um discurso dissimulado. Se isso pode gerar algum tipo de
prejuízo aos homossexuais, decorrente de um eventual crescimento político dos
conservadores com a possibilidade de aprovação de medidas discriminatórias, é
um fator a ser ponderado pelos próprios defensores da causa antes de decidirem
adotar a arena judicial como espaço de sua luta pela igualdade. O que não se
pode é entender que a mera possibilidade de um retrocesso jurídico e social
seja, em si mesmo, um fator de objeção absoluta à atuação judicial.
[15]
Em relação ao MARCO TEMPORAL, ele é uma máquina de moer história… ele acaba com
a história, muda toda a história. Porque
de 5 de outubro de 88 pra trás não há mais história, e sim a partir daquele
dia, ele inverte a lógica também: quem não estava passa a estar, e quem estava
passa a ser invasor.
[16]
A tese oposta ao marco temporal é a do “indigenato”. O Conselho Indigenista
Missionário (CIMI) explica que o indigenato é uma tradição legislativa que
entende que os povos indígenas têm direito à terra como um direito originário,
anterior à formação do próprio Estado. A tese do indigenato, propugnada pelo
eminente jurista e professor João Mendes Júnior, em 1902, baliza o direito
originário dos índios sobre as áreas que efetivamente ocupam, mas não dá
suporte jurídico à retomada de áreas que outrora foram indígenas, mas não o são
mais. A tese do indigenato é rejeitada pelo ilustre ministro Menezes Direito,
que a substitui pela tese do fato indígena, sob o argumento que o procedimento
de identificação e demarcação deve ter por objeto fato qualificado, qual seja,
a “presença constante e persistente dos índios na área em questão, o que é
tarefa dos documentos produzidos no processo de regularização”. No entanto, as
ocupações dolosas de posses sabidamente indígenas, mesmo que não estejam
previamente demarcadas, ensejam a anulação ou a extinção de domínio ou posse,
garantido o devido processo judicial.
[17]
A Constituição alemã de 1919, a célebre Constituição de Weimar fixou a
importante distinção entre diferenças e desigualdades. E, o doutrinador Fábio
Konder Comparato, as diferenças são biológicas ou culturais, e não implicam a
superioridade de alguns em relação aos outros. As desigualdades, ao contrário,
são criações arbitrárias, que estabelecem uma relação dei inferioridade de
pessoas ou grupos em relação a outros. Assim, enquanto as desigualdades devem
ser rigorosamente proscritas, em razão do princípio da isonomia, as diferenças
devem ser respeitadas ou protegidas, conforme signifiquem uma deficiência
natural ou uma riqueza cultural (In: KONDER, F. A Afirmação Histórica dos
Direitos Humanos, São Paulo: Saraiva, 2004).
[18]
A ideia generosa de que a terra indígena é o habitat dos povos que nela se
fixaram. Esse parece ser o princípio cardeal a orientar a perfeita compreensão
das normas sobre os índios, na Constituição Federal.
[19]
O caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni origina-se com à outorga pelas
autoridades estatais da Nicarágua, em 13/03/1996, de uma concessão de 30 anos,
para a exploração de madeira, nas terras tradicionalmente ocupadas pela
Comunidade a empresa Sol del Caribe S.A.(SOLCARSA), sem consulta prévia ao povo
Awas Tingni. Outro fato que está na raiz deste caso é a não demarcação de suas
terras comunais pelo Estado da Nicarágua. Embora a Constituição e a legislação
interna reconheçam expressamente este direito à propriedade ancestral, o Estado
não adotou medidas administrativas efetivas para implementá-lo e nem mesmo um recurso
judicial adequado para responder às demandas da citada Comunidade sobre seus
direitos territoriais.
[20] Importante ressaltar que as garantias constitucionais são reforçadas pelo compromisso do Estado imposto pelo artigo 215 da CF/1988, vieram para proporcionar o pleno exercício dos direitos culturais dentro daquele território de uso coletivo, razão pela qual a manutenção da terra haverá de ser mantida fora do comércio e gravada pelas cláusulas de inalienabilidade e indisponibilidade, por homenagem ao patrimônio cultural brasileiro, que, apesar de adquirido até pelo modo privado, permanece sendo terra indígena sendo indispensável à sobrevivência daquele povo originário.