A Mão e a luva. Pacto antenupcial e suas consequências jurídicas
O título do romance "A Mão e a Luva" foi escolhido de forma rigorosa e atenta pelo autor e sintetiza a união perfeita entre uma luva criada sob medida para a mão. Representa o casamento entre Luís e Guiomar. O que ensejou considerações jurídicas sobre o pacto antenupcial. A obra permite profundas incursos na idiossincrasia humana e sua interação com a sociedade, e, portanto os conceitos que têm a ver com a investigação da conduta humana, prescrutando a necessidade dos atos de vontade.
Na história de A Mão e a Luva, os dois amigos Luís Alves e Estevão cursam faculdade. Estevão era apaixonado por Guiomar, que não lhe correspondia. Irritado e sem motivação, ele quase abandona o curso, mas volta após Luís Alves lhe ajudar com uma conversa.
Após se formarem, os dois voltam a se encontrar, mas estão em situações opostas. Estevão ainda era um iniciante na profissão enquanto Luís Alves já era um ambicioso advogado que começava a atuar na carreira política. Estevão passa uns dias na casa do amigo e, em certa manhã, vê uma mulher sair da casa ao lado. Apaixona-se automaticamente pela moça, mas depois vem a saber que se tratava de Guiomar.
Luis percebe a conversa que Estevão tem com Guiomar enquanto a moça passeava com a madrinha de manhã. Estevão não comenta sobre o encontro e Luis passa negócios da família da baronesa, madrinha de Guiomar, para sua responsabilidade.
Após perder a mãe, Guiomar, que estava quase se tornando professora, acaba perdendo a ambição. Sua madrinha, a baronesa, acaba se tornando uma segunda mãe. Acontece uma espécie de troca, pois sua madrinha também havia perdido a filha.
Estevão acaba se declarando para Guiomar, mas desiste, pois, a madrinha queria que a moça se casasse com Jorge, seu sobrinho. Naquele momento, Luis também se interessara pela moça. Guiomar não demonstra sentimentos por Jorge e tenta escapar dele. A madrinha acaba pressionando a mulher para que se casasse com Jorge. Desesperada, Guiomar manda um bilhete a Luis solicitando que a peça em casamento. Estevão fica sabendo e vai embora.
Guiomar explica sua preferência por Luis, dizendo que seria "a fria eleição do espírito", já que vê em Luis a ambição suficiente para que se mantenham na alta sociedade. Negando o amor de Estevão e a Jorge, fica com Luis por achá-lo inescrupuloso, atrevido e com capacidade de passar por cima dos obstáculos para mantê-los em posição privilegiada.
No decorrer da história, três homens (Estevão, Jorge e Luis Alves) tentam conseguir a mão de Guiomar em casamento, cada um deles com características e objetivos distintos. Estevão, por exemplo, a ama loucamente, mas com pureza e inocência, como se fosse realmente o seu primeiro amor.
Jorge, que é o sobrinho da baronesa,
e também o mais mimado por ela, assim como Guiomar, também sonha em crescer
socialmente e possui um amor fútil e carnal por ela. Já Luis Alves, vai se
apaixonando aos poucos pela protagonista, e só com o tempo alimenta um
sentimento por ela. Todavia, se analisarmos com calma, veremos que ele é
praticamente uma mistura entre os dois primeiros, por ser um homem determinado
e ambicioso.
O primeiro a pedir a mão de Guiomar é
Jorge, tendo o apoio da baronesa e de Mrs. Oswald, sua empregada
britânica. Um dia depois, Luís faz o mesmo pedido. Sendo assim, a baronesa diz
que ela terá de escolher entre esses dois pretendentes. Imediatamente, ela escolhe
Jorge. Entretanto, a baronesa sabia que sua afilhada queria na verdade se casar
com Luís Alves. Após isso, Guiomar e Luís Alves acabam se casando.
Com base nesse cenário literário,
passemos a discorrer sobre o pacto antenupcial e suas consequências jurídicas. O Brasil, assim como a
maior parte dos países do Ocidente, prevê em sua legislação civil a
possibilidade de os nubentes utilizarem um instrumento antecedente ao casamento
para que ajustem e fixem as regras que prevalecerão no tocante ao patrimônio do
futuro casal, tanto na vigência, quanto na eventualidade do rompimento da
sociedade conjugal.
O que se constata no direito
romano é a vigência do princípio dos esponsais, uma vez firmados entre as
famílias, obrigavam ao casamento, ou seja, o pater famílias ao prometer a filha
em casamento, configurava a “promessa futura de bodas” que possuía também um
vínculo moral.
Tratava-se de um negócio
jurídico realizado através da sponsio, Sendo permitida a actio de sponsu, para
aquele que sofresse um rompimento de noivado.
Assim, os relatos históricos e
a evolução legislativa do pacto antenupcial, especialmente no Brasil, se
constroem a partir das normas jurídicas que regulavam os esponsais e não
propriamente o instrumento pacto antenupcial, o qual se volta mais especificamente
às questões patrimoniais do futuro casal e não somente à promessa de casamento.
A questão resta clara com a
definição de Clóvis Beviláqua237 para esponsais, qual seja: “O contrato pelo
qual duas pessoas de sexo diferente, se prometem uma à outra em casamento”.
Ressalva-se a atual
conceituação de esponsais, segundo Maria Helena Diniz: “O matrimônio, em regra,
é precedido de noivado, esponsais ou promessa recíproca, que fazem um homem e
uma mulher, de futuramente se casarem.
Logo, os esponsais consistem num
compromisso de casamento entre duas pessoas desimpedidas, de sexo diferente,
com o escopo de possibilitar que se conheçam melhor, que aquilatem suas
afinidades e gostos. (...) sendo simplesmente, um ato preparatório do matrimônio”.
E completa: “Hodiernamente,
ante o conceito de liberdade matrimonial, a promessa de casamento é pouco mais,
na expressão de Guy Raymond, que um ‘idílio sem consequência jurídica’, por não
ter qualquer obrigatoriedade, podendo ser rompido a qualquer tempo pelos
noivos, até mesmo por ocasião da cerimônia nupcial”.
Realmente, não há se falar em
identidade de institutos.
No tocante à legislação, a
primeira norma explícita que vigorou no Brasil com menção a um “pacto”
precedente ao matrimônio e com funções semelhantes ao instrumento atualmente
denominado pacto antenupcial, foi a contida nas Ordenações Filipinas, a qual em
1603 passou a vigorar em substituição às Ordenações Manuelinas, estas
posteriores às Afonsinas.
E assim, no Livro IV, Título
XLVI das Ordenações Filipinas, se verificava, sob o título “Como o marido e
mulher são meeiros em seus bens”, o seguinte teor: “Todos os casamentos feitos
em nossos Reinos e senhorios se entendem serem feitos por Carta de ametade:
salvo quando entre as partes outra cousa for acordada e contractada, porque
então se guardarão que entre elles for contractado”.
Em concomitância com as
Ordenações Filipinas merece destaque o trabalho de Consolidação de Leis Civis,
realizado por Augusto Teixeira de Freitas, pelo qual avançou a possibilidade de
aplicação do pacto antenupcial no país.
Em seu artigo 88 preceituava:
“Os esposos podem excluir a comunhão de bens, no todo ou em parte, e estipular
quaesquer pactos e condições, devendo-se guardar o que entre elles for
contractado”, revelando o texto, de forma inovadora, a liberdade e autonomia
dos futuros cônjuges para definir e contratar o regramento das questões patrimoniais
do casamento.
Diante do êxito da
Consolidação das Leis Civis, foi iniciado projeto para elaboração de um Código
Civil e em 1861 foi publicado o livro sobre Direito de Família pelo qual, em
seus artigos 1.237 até 1.253, foram determinadas as normas inerentes ao pacto
antenupcial, especialmente versando sobre a capacidade de pactuar, o objeto, as
nulidades, as cláusulas proibitivas, as formalidades em geral, a possibilidade
de alteração do pacto previamente ao casamento, e a vedação ao pacto após a
realização do casamento.
Até a referida publicação, não
foi constatada outra legislação com os detalhes que esta continha a respeito do
tema pacto antenupcial, e, de fato, o conteúdo desta tentativa de codificação
da matéria foi muito elogiado por respeitados juristas à época e posteriormente,
como foi o caso de Clóvis Beviláqua
Posteriormente a esse valioso
trabalho, surgiu o Decreto n. 181, de 1890, de autoria de Rui Barbosa,
promulgado pelo Governo Provisório, instalado com a proclamação da República
dos Estados Unidos do Brasil, pelo qual foi instituído o casamento civil no
país.
Com este decreto algumas
regras e efeitos decorrentes do matrimônio foram instituídos, a exemplo do
artigo 57, pelo qual previu que na ausência de pacto antenupcial, os bens
seriam considerados comuns entre os cônjuges, desde o dia seguinte ao
casamento, exceto se ele restasse não consumado.
Na sequência, surgiu o projeto
de lei de Nabuco de Araújo, mas que não chegou a prever Direito de Família ou
de alguma forma a previsão do pacto pré-nupcial.
O Projeto de Felício do Santos
considerou o pacto antenupcial como negócio jurídico e assim o inseriu no
título dos contratos, o que revelou novidade. Afirmava o autor que “muitos
autores e códigos, tratam dos contratos matrimoniaes no título, que tem por objecto
o casamento, incluindo-os assim nos direitos de família: é um engano. O casamento
não é um contrato (...).
Do casamento é que nascem os direitos de
família, e estes devem ser regulados a parte. O regimen do casamento se refere
aos bens, e só incidentemente aos direitos de família; depende da vontade dos
esposos, que o regulam como o entendem nos seus contratos antenupciaes”.
Interessante previsão continha
o artigo 1.945 do referido projeto de lei, ao vedar a inclusão de cláusula
condicional no pacto, nos seguintes termos: “Não póde igualmente ser
estipulado, que os effeitos do contrato matrimonial comecem de certo tempo
depois do casamento, ou acabem em tempo diverso do da dissolução do mesmo”.
Inovou também pelo fato de
prever, no artigo 1.947, a validade do contrato matrimonial celebrado pelo
menor capaz de se casar, desde que o contrato fosse assistido por aquele a quem
cabia a competência de conceder a autorização ao casamento.
Em 1893, o Projeto do Código
Civil de autoria de Antônio Coelho Rodrigues fez previsões mais detalhadas
sobre o pacto antenupcial, o conteúdo do artigo 1.975249 e do artigo 1.976,
pois o texto desses dispositivos apontava vedações às convenções matrimoniais.
Vale registrar o significado
deste projeto no tocante ao pacto e ao seu conteúdo, conforme observa Débora
Gozzo: “Algumas observações devem ser feitas, a fim de que sejam demonstradas
as inovações trazidas por esse projeto: 1) até aquela data, não havia sido
mencionada a possibilidade de os futuros cônjuges estabelecerem regime misto de
bens, com por exemplo, a comunhão para alguns e a separação para outros; 2)
tampouco, a proibição expressa quanto ao impedimento de diminuição dos poderes,
quer do marido, como chefe da família,
quer da mulher; 3) bem como a impossibilidade de ser alterada por pacto
antenupcial a ordem da vocação hereditária; de serem infringidas normas cogentes
do Código (...)”.
Precedendo o advento do Código
Civil de 1916, ainda houve o projeto primeiro de Clóvis Beviláqua, pelo qual
algumas previsões relacionadas ao pacto antenupcial foram fixadas, como: a
possibilidade de regime de bens misto ao casamento, se previsto em pacto antenupcial
(art. 298); a nulidade do instrumento, se ausente sua celebração por instrumento
público (art. 299) e a vedação de convenções nupciais que alterassem a ordem legal
sucessória, ou aquelas que restringissem os direitos do chefe de família e por
fim, eventual convenção que impedisse a mulher de exercitar a renúncia à
comunhão de bens (art. 300).
Porém, esse projeto ao ser
revisado e apresentado ao Congresso no ano de 1900, deixou de apresentar as
previsões inovadoras ao pacto antenupcial citadas acima, dispondo somente sobre
a exigência de o instrumento ser registrado no livro especial, pelo tabelião
registrador de imóveis da comarca do domicílio dos cônjuges, para que tivesse efeito
em face de terceiros, demonstrando a preocupação do legislador com a
publicidade do ato.
Essa redação se manteve até a
promulgação do Decreto n. 3.017, de 1916, o denominado Código Civil de 1916,
mesmo o projeto tendo sofrido diversas revisões e alterações, permaneceu com
redação similar o artigo 1.657 do Código Civil de 2002.
Antes da promulgação do Código
Civil de 2002, cabe citar o Anteprojeto de Lei de Orlando Gomes de 1963, o qual
manteve a matéria do pacto antenupcial, porém a novidade foi a estipulação de
prazo de três meses para a realização do casamento após a lavratura do pacto,
sob pena de ser o instrumento invalidado.253
Não houve a sanção e
promulgação desse Anteprojeto, surgindo posteriormente o Projeto n. 634-B que,
novamente apresentou poucas alterações à matéria das convenções pré-nupciais.
Posteriormente, após revisões
e mais de vinte anos de tramitação no Congresso e Senado, foi sancionada e
promulgada a. Lei 10.406, aos dez de janeiro de 2002, a qual teve como vacatio
legis o prazo de um ano, iniciando-se assim sua vigência em 11 de janeiro de
2003.
Com o advento deste Código
Civil, nenhuma grande inovação foi constatada, no tocante ao pacto antenupcial,
sendo os artigos 1.653 a 1.657 os responsáveis pelo regramento da matéria, bem
como o parágrafo único do artigo 1.640.
O pacto antenupcial possui
todas as características inerentes ao negócio jurídico, exceto no tocante às
peculiaridades do Direito de Família e seus aspectos legais de regime de bens,
que são exclusivas ao mencionado instrumento pactício.
O Código Civil de 2002 não
define o que é pacto, só legisla brevemente sobre a forma, momento e conteúdo,
sem expressar um conceito.
A doutrina clássica, a exemplo
de Pontes de Miranda, conceitua o pacto antenupcial como: “Figura que fica
entre o contrato de direito das obrigações, isto é, o contrato de sociedade, e
o casamento mesmo, como irradiador de efeitos. Não se assimila, porém, a
qualquer deles: não é simplesmente de comunhão, de administração, ou do que quer
que se convencione, nem ato constitutivo de sociedade, nem pré-casamento, ou, sequer,
parte do casamento”.
Silvio Rodrigues, assevera
ser: “contrato solene, realizado antes do casamento, por meio do qual as partes
dispõem sobre o regime de bens que vigorará entre elas, durante o matrimônio”.
A conceituação analisada na
doutrina contemporânea não diverge muito do antes exposto, como se nota na
definição de Rolf Madaleno,258 o qual assevera: “É um contrato conjugal
destinado a regular o regime matrimonial dos bens, mas não se trata de uma
liberdade sem limites, porque existem regramentos que precisam ser
respeitados”.
Há polêmica sobre a natureza
jurídica do instituto, pois alguns autores o denominam contrato, outros o
consideram uma convenção, ou ainda um contrato acessório, ou simplesmente um
pacto.
Com firme posição, Caio Mário
da Silva Pereira leciona: “A natureza jurídica do pacto antenupcial é
inequivocamente contratual, e obrigatoriamente há de ser efetivada antes do
casamento”.
Nos ordenamentos estrangeiros
analisados, prevalece a natureza contratual do pacto antenupcial, o que pode
ser identificado, por exemplo, no direito alemão, conforme corrobora o Código
Civil alemão (BGB), em seu artigo 1.408.
O direito francês tem como
base o entendimento de que o pacto antenupcial tem natureza de contrato, mas
como acessório ao casamento, conforme doutrina francesa que assim dispõe: “Avons-nous
besoin de dire que, en sens inverse, l’annulation du contrat de mariage est
sans influence sur la validité du mariage? Il est évident que le principal ne dépend
pás de l’accessoire”.
Ainda o Código Civil francês
ratifica o entendimento de que o pacto é um contrato, pois o “contrat du
mariage” (o contrato de casamento) é previsto a partir do artigo 1.387, o
qual está inserido no Título V do Livro III do citado Código, os quais abordam “Des
contrats ou des obligacions convencionelles en general” e “Du contrat du
mariage et des regimes matrimoniaux”, respectivamente. Ou seja, bem
distante das regras do casamento, as quais estão no Livro I, Título V, o qual
respectivamente trata “Des personnes” e “Du mariage”.
O direito inglês define o
pacto antenupcial como sendo um acordo matrimonial (marriage settlement ou
family settlement), o qual é realizado antes ou após o casamento e realidade
idêntica é a dos Estados Unidos (prenuptial e postnupcial contracts),
com detalhes diversos a depender do Estado onde se realiza o acordo.
Em Portugal, o casamento é
considerado um contrato e, portanto, a convenção antenupcial é a ele acessório,
pressupondo a sua existência e validade, o que reforça a natureza contratualista
do pacto.
Enfim, Orlando Gomes apresenta
uma conceituação diferenciada dos demais supracitados e assim assevera:
“Conquanto seja negócio de conteúdo patrimonial o pacto antenupcial não é um
contrato da mesma natureza dos regulados no Livro das Obrigações, afirmando-se
que tem caráter institucional porque, verificada a condição a que se subordina
o início de sua eficácia, as partes, ainda de comum acordo, não podem modificá-lo
nem dissolvê-lo”.
Não revela matéria fácil a
definição da natureza jurídica do pacto antenupcial, e por isso se faz
necessário adentrar sumariamente à matéria do fato e negócio jurídico, a fim de
elucidar a polêmica existente na doutrina.
O fato jurídico pode ser
definido, de forma geral, como o acontecimento pelo qual a relação de direito
nasce, se extingue ou se modifica.
Pontes de Miranda assim o
definiu: “O fato ou complexo de fatos sobre o qual incidiu a regra jurídica;
portanto, o fato que dimane, agora, ou mais tarde, talvez condicionalmente, ou
talvez não dimane, eficácia jurídica”.
Considerando o fato jurídico
lícito, podemos classificá-lo em três espécies, conforme segue:
Fato jurídico stricto sensu
é o fato cuja hipótese encontra-se descrita na norma, e que independe da
prática de qualquer ato humano, ou seja, é fato da natureza.
Ato-fato jurídico, o qual
necessita para existir de um ato humano, embora a própria norma jurídica
abstraia dele o elemento volitivo, e como exemplo tem-se o achado de tesouro,
previsto no artigo 1.264270 do Código Civil atual.
Por fim, o ato jurídico lato
sensu, engloba os atos que emanam da vontade humana, visando a obtenção de
algum resultado com relevância jurídica igualmente.
Este último é o que se
demonstra relevante ao presente estudo e engloba tanto o ato jurídico stricto
sensu, quanto o negócio jurídico.
O ato jurídico stricto
sensu possui um clássico exemplo no ordenamento que é a fixação do
domicílio, e significa “o ato pelo qual o elemento volitivo, juntamente com a concretização
de um fato, gera o nascimento de um ato cuja eficácia, predeterminada pela lei
se realiza necessariamente, sem que a vontade da pessoa possa modificá-la, para
ampliá-la, restringi-la ou evitá-la”.
Já o negócio jurídico é o ato
cujo efeito jurídico é almejado pelas partes, ex vi do contrato.
É exatamente nesse âmbito que
o pacto antenupcial se insere, ainda que dentro de suas diversas possibilidades
de natureza jurídica antes citadas, pois o negócio jurídico acolhe tanto os
pactos, quanto as convenções, contratos e acordos.
Assim, o negócio jurídico deve
ser considerado nos planos da existência, validade e eficácia, os quais se
completam.
A partir daí para existir o
negócio serão necessários: o agente, o objeto, a vontade e a forma. Logo, se
existente deverá ser válido e para tanto, o agente deverá ser capaz e possuir
legitimação; o objeto deverá ser lícito, e ainda estar presentes a higidez da vontade
e a adequação da forma.
Destarte, deverá o negócio
jurídico ser eficaz, ou seja, alcançar êxito efetivo no objetivo a que se
pretende.
Interessante colocação de
Débora Gozzo, a qual dispõe: “É justamente a característica da patrimonialidade
dos contratos que leva a maior parte dos estudiosos a neles incluir o pacto
antenupcial. Afinal, este, na sua concepção original, servia basicamente para
que os nubentes estipulassem acerca do regime patrimonial a viger durante o seu
casamento. Trata-se, portanto, na lição de Nicola Stolfi, citado por Débora Gozzo,
de um contrato patrimonial, dirigido ‘a regolare l’economia della famiglia’”.
Não se pode olvidar como dito,
que há ainda aqueles que entendem a natureza jurídica do pacto antenupcial como
de “contrato acessório”. Entretanto, é relevante dispor que para ser
caracterizado assim, antes indispensável que o casamento seja considerado um contrato,
para então ser o “principal”.
Neste sentir, interessantes
dizeres da autora supracitada: “Alguns autores, além de incluírem o pacto na
categoria dos contratos, afirmam tratar-se de um contrato acessório. No
entanto, somente se poderá classificá-lo desse modo, se se atribuir ao casamento
a natureza jurídica de contrato.
Por essa razão, manifestou-se
em sentido contrário a essa corrente Felício dos Santos: ‘(...) não diremos,
como alguns escriptores, que o contrato matrimonial é um accessorio do
casamento; para isso era necessário que o casamento fosse um contrato
principal, ora o casamento não é contrato.
Em polêmica similar, pois, não
há unanimidade na doutrina quanto à natureza jurídica do casamento, o que
fragiliza e polemiza ainda mais a questão em testilha, e por isso essa hipótese
para a natureza jurídica do pacto é ora afastada.
Por fim, resta comentar a
hipótese de pacto antenupcial se enquadrar na definição de um negócio jurídico
especial, ou seja, de Direito de Família, o que parece ser mais coerente à
espécie sob análise e da qual se partilha nesse estudo.
Sobre a possibilidade de
alguns atos jurídicos se denominarem como “negócio jurídico de direito de
família”, Maria Berenice Dias manifesta-se, nos seguintes termos:
“O casamento é um negócio
jurídico bilateral que não está afeito à teoria dos atos jurídicos. É regido
pelo direito de família. Assim, talvez a ideia de negócio jurídico de família
seja a expressão que melhor sirva para diferenciar o casamento dos demais
negócios de direito privado”.
“Ele é um ato jurídico (lato sensu)
pessoal. Só os nubentes podem ser partes. É formal, sendo indispensável a
escritura pública. Nominado, isto é, previsto em lei. E, por último, legítimo
(típico), pois os nubentes têm a sua autonomia limitada pela lei e não podem, consequentemente,
estipular que o pacto produzirá efeitos diversos daqueles previstos pela norma
jurídica. Não poderão eles, assim, contrariar o texto legal do art. 230 do
Código Civil, norma de ordem cogente, por exemplo”.
Justifica ainda mais a
caracterização do pacto com denominação diferenciada como demonstrado supra,
uma vez que se trata realmente de instrumento especial, pois, de plano
denota-se que seu conteúdo, além do patrimonial, acaba por visitar outras
regras ou matérias de cunho interpessoal, bem como vinculado às
responsabilidades paterno-filiais, pacto
antenupcial é um negócio jurídico de Direito de Família, pois assim, as divergências
doutrinárias quanto à sua natureza podem ser contempladas, sendo que essa conceituação
abarca as demais conceituações elencadas, e ainda acresce denominação mais apropriada
ao ato e conteúdo do instituto.
Alguns regimes de bens exigem
ordinariamente a lavratura do pacto antenupcial, porém, excepcionalmente, há
hipóteses em que os pactos são desnecessários, segundo a legislação atual, como
se confere a seguir.
O artigo 1.641 do Código Civil
traz hipóteses em que os noivos não poderão optar por outro regime de bens,
pois àqueles que se encontrarem nas situações ali elencadas será imposto o
regime obrigatório de separação de bens.
Nesses casos, a lei não impõe
a elaboração do pacto antenupcial, tendo em vista a obrigatoriedade de
prevalecer no futuro casamento as regras previstas nos artigos 1.687 e
1.688,322 combinados com as disposições gerais aos regimes patrimoniais ditadas
nos artigos 1.639 ao 1.652, todos do Codex Civil.
Assim, para as pessoas que
pretendem se casar com idade superior a sessenta anos, o regime obrigatório é o
da separação de bens.
Para todos aqueles que optarem
pelo casamento, mas apresentarem qualquer das hipóteses previstas no artigo
1.550, igualmente serão submetidos ao casamento com regime obrigatório da
separação de bens. E ainda, para todos aqueles que dependerem de suprimento
judicial para realização do casamento.
Em todos esses casos há a
imposição do regime de separação de bens e a desnecessidade do pacto
antenupcial que normalmente é exigido no regime de separação de bens
convencional, que também é regido pelos artigos 1.687 e 1.688 CC.
Outrossim, não podem pactuar
as regras patrimoniais de seu casamento aqueles que optarem pelo regime da
comunhão parcial de bens, conforme determina o artigo parágrafo único do artigo
1.640, pois bastará a menção expressa no registro civil sobre o regime.
Esse regime também é o regime
legal no ordenamento jurídico brasileiro, assim, caso silenciem os nubentes, ou
o pacto seja nulo, o regime aplicado será o da comunhão parcial de bens,
conforme artigo 1.640.
Nesse caso, parece que o
legislador decidiu por simplificar a norma, afinal, para se eleger um regime de
bens como o legal, deve ele abarcar o maior número de pessoas, ser acessível e
pouco burocrático.
No caso de fraude contra
credores (com o uso de pacto antenupcial),
nesta hipótese o nubente ou o casal se utilizam do pacto antenupcial
para instituir negócio jurídico que acomode os bens de tal forma que não sejam
atingidos pelos credores, na busca dos créditos aos quais tenham direito.
Define a fraude contra
credores Yussef Said Cahali, assim: “A fraude caracteriza-se pelo ânimo de
prejudicar terceiro, que não interveio no contrato; na fraude, não é a nenhuma
das partes que se pretende ludibriar, já que ambas podem até estar de acordo
(...)”.
Dois são os elementos da
fraude: a) o objetivo (eventus damni), que é todo o ato prejudicial ao
credor por tornar o devedor insolvente ou por ter sido realizado em estado de
insolvência, ainda quando o ignore ou ante o fato de a garantia tornar-se insuficiente;
b) subjetivo (consilium fraudis), que é a má-fé, a intenção de
prejudicar do devedor ou do devedor aliado a terceiro, ilidindo os efeitos da
cobrança.
Assim, quando o pacto
proporcionar o desvio ou dificuldade de acesso dos credores aos bens do nubente
devedor, ou do par, o negócio será anulado, por meio de ação judicial
interposta pelo credor.
Essa possibilidade é prevista
nos artigos 158 ao 165 do Código Civil corrente. Sendo identificada a fraude
contra os credores, após a devida ação processada, a sentença procedente nesse
sentido, decretará a anulação do pacto antenupcial viciado.
Apesar das personagens e a
trama ser romântica, a motivação de Guiomar não é tanto: ela vê o casamento
como uma escada social e escolhe Luís tanto pelo amor quanto pelo fato dele já
estar eleito deputado.
Assim termina a história de “A
Mão e a Luva”, com o casamento de Guiomar e Luís, enquanto Jorge fica
conformado com sua falta de sorte e Estevão sonha com seu suicídio durante o
casamento. Entretanto, nada disso interrompe os planos do jovem e ambicioso
casal que se unem felizmente.
A obra machadiana é imensa, mais de duzentos contos e mais de seiscentas crônicas e nove romances, porém sua vida terminou em 20 de setembro de 1908, quando faleceu aos sessenta e nove anos de idade por conta de uma doença na boca. É um dos maiores gênios da literatura ao lado de Luís de Camões, William Shakespeare, Fernando Pessoa e, tantos outros que se eternizam em ensinamentos e em emoções.
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