A Mão e a luva. Pacto antenupcial e suas consequências jurídicas

O título do romance "A Mão e a Luva" foi escolhido de forma rigorosa e atenta pelo autor e sintetiza a união perfeita entre uma luva criada sob medida para a mão. Representa o casamento entre Luís e Guiomar. O que ensejou considerações jurídicas sobre o pacto antenupcial. A obra permite profundas incursos na idiossincrasia humana e sua interação com a sociedade, e, portanto os conceitos que têm a ver com a investigação da conduta humana, prescrutando a necessidade dos atos de vontade.

Fonte: Gisele Leite

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Na história de A Mão e a Luva, os dois amigos Luís Alves e Estevão cursam faculdade. Estevão era apaixonado por Guiomar, que não lhe correspondia. Irritado e sem motivação, ele quase abandona o curso, mas volta após Luís Alves lhe ajudar com uma conversa.


Após se formarem, os dois voltam a se encontrar, mas estão em situações opostas. Estevão ainda era um iniciante na profissão enquanto Luís Alves já era um ambicioso advogado que começava a atuar na carreira política. Estevão passa uns dias na casa do amigo e, em certa manhã, vê uma mulher sair da casa ao lado. Apaixona-se automaticamente pela moça, mas depois vem a saber que se tratava de Guiomar.


Luis percebe a conversa que Estevão tem com Guiomar enquanto a moça passeava com a madrinha de manhã. Estevão não comenta sobre o encontro e Luis passa negócios da família da baronesa, madrinha de Guiomar, para sua responsabilidade.


Após perder a mãe, Guiomar, que estava quase se tornando professora, acaba perdendo a ambição. Sua madrinha, a baronesa, acaba se tornando uma segunda mãe. Acontece uma espécie de troca, pois sua madrinha também havia perdido a filha.


Estevão acaba se declarando para Guiomar, mas desiste, pois, a madrinha queria que a moça se casasse com Jorge, seu sobrinho. Naquele momento, Luis também se interessara pela moça. Guiomar não demonstra sentimentos por Jorge e tenta escapar dele. A madrinha acaba pressionando a mulher para que se casasse com Jorge. Desesperada, Guiomar manda um bilhete a Luis solicitando que a peça em casamento. Estevão fica sabendo e vai embora.


Guiomar explica sua preferência por Luis, dizendo que seria "a fria eleição do espírito", já que vê em Luis a ambição suficiente para que se mantenham na alta sociedade. Negando o amor de Estevão e a Jorge, fica com Luis por achá-lo inescrupuloso, atrevido e com capacidade de passar por cima dos obstáculos para mantê-los em posição privilegiada.


No decorrer da história, três homens (Estevão, Jorge e Luis Alves) tentam conseguir a mão de Guiomar em casamento, cada um deles com características e objetivos distintos. Estevão, por exemplo, a ama loucamente, mas com pureza e inocência, como se fosse realmente o seu primeiro amor.

 

Jorge, que é o sobrinho da baronesa, e também o mais mimado por ela, assim como Guiomar, também sonha em crescer socialmente e possui um amor fútil e carnal por ela. Já Luis Alves, vai se apaixonando aos poucos pela protagonista, e só com o tempo alimenta um sentimento por ela. Todavia, se analisarmos com calma, veremos que ele é praticamente uma mistura entre os dois primeiros, por ser um homem determinado e ambicioso.

 

O primeiro a pedir a mão de Guiomar é Jorge, tendo o apoio da baronesa e de Mrs. Oswald, sua empregada britânica. Um dia depois, Luís faz o mesmo pedido. Sendo assim, a baronesa diz que ela terá de escolher entre esses dois pretendentes. Imediatamente, ela escolhe Jorge. Entretanto, a baronesa sabia que sua afilhada queria na verdade se casar com Luís Alves. Após isso, Guiomar e Luís Alves acabam se casando.

 

Com base nesse cenário literário, passemos a discorrer sobre o pacto antenupcial e suas consequências jurídicas. O Brasil, assim como a maior parte dos países do Ocidente, prevê em sua legislação civil a possibilidade de os nubentes utilizarem um instrumento antecedente ao casamento para que ajustem e fixem as regras que prevalecerão no tocante ao patrimônio do futuro casal, tanto na vigência, quanto na eventualidade do rompimento da sociedade conjugal.

O que se constata no direito romano é a vigência do princípio dos esponsais, uma vez firmados entre as famílias, obrigavam ao casamento, ou seja, o pater famílias ao prometer a filha em casamento, configurava a “promessa futura de bodas” que possuía também um vínculo moral.

Tratava-se de um negócio jurídico realizado através da sponsio, Sendo permitida a actio de sponsu, para aquele que sofresse um rompimento de noivado.

Assim, os relatos históricos e a evolução legislativa do pacto antenupcial, especialmente no Brasil, se constroem a partir das normas jurídicas que regulavam os esponsais e não propriamente o instrumento pacto antenupcial, o qual se volta mais especificamente às questões patrimoniais do futuro casal e não somente à promessa de casamento.

A questão resta clara com a definição de Clóvis Beviláqua237 para esponsais, qual seja: “O contrato pelo qual duas pessoas de sexo diferente, se prometem uma à outra em casamento”.

Ressalva-se a atual conceituação de esponsais, segundo Maria Helena Diniz: “O matrimônio, em regra, é precedido de noivado, esponsais ou promessa recíproca, que fazem um homem e uma mulher, de futuramente se casarem.

Logo, os esponsais consistem num compromisso de casamento entre duas pessoas desimpedidas, de sexo diferente, com o escopo de possibilitar que se conheçam melhor, que aquilatem suas afinidades e gostos. (...) sendo simplesmente, um ato preparatório do matrimônio”.

E completa: “Hodiernamente, ante o conceito de liberdade matrimonial, a promessa de casamento é pouco mais, na expressão de Guy Raymond, que um ‘idílio sem consequência jurídica’, por não ter qualquer obrigatoriedade, podendo ser rompido a qualquer tempo pelos noivos, até mesmo por ocasião da cerimônia nupcial”.

Realmente, não há se falar em identidade de institutos.

No tocante à legislação, a primeira norma explícita que vigorou no Brasil com menção a um “pacto” precedente ao matrimônio e com funções semelhantes ao instrumento atualmente denominado pacto antenupcial, foi a contida nas Ordenações Filipinas, a qual em 1603 passou a vigorar em substituição às Ordenações Manuelinas, estas posteriores às Afonsinas.

E assim, no Livro IV, Título XLVI das Ordenações Filipinas, se verificava, sob o título “Como o marido e mulher são meeiros em seus bens”, o seguinte teor: “Todos os casamentos feitos em nossos Reinos e senhorios se entendem serem feitos por Carta de ametade: salvo quando entre as partes outra cousa for acordada e contractada, porque então se guardarão que entre elles for contractado”.

Em concomitância com as Ordenações Filipinas merece destaque o trabalho de Consolidação de Leis Civis, realizado por Augusto Teixeira de Freitas, pelo qual avançou a possibilidade de aplicação do pacto antenupcial no país.

Em seu artigo 88 preceituava: “Os esposos podem excluir a comunhão de bens, no todo ou em parte, e estipular quaesquer pactos e condições, devendo-se guardar o que entre elles for contractado”, revelando o texto, de forma inovadora, a liberdade e autonomia dos futuros cônjuges para definir e contratar o regramento das questões patrimoniais do casamento.

Diante do êxito da Consolidação das Leis Civis, foi iniciado projeto para elaboração de um Código Civil e em 1861 foi publicado o livro sobre Direito de Família pelo qual, em seus artigos 1.237 até 1.253, foram determinadas as normas inerentes ao pacto antenupcial, especialmente versando sobre a capacidade de pactuar, o objeto, as nulidades, as cláusulas proibitivas, as formalidades em geral, a possibilidade de alteração do pacto previamente ao casamento, e a vedação ao pacto após a realização do casamento.

Até a referida publicação, não foi constatada outra legislação com os detalhes que esta continha a respeito do tema pacto antenupcial, e, de fato, o conteúdo desta tentativa de codificação da matéria foi muito elogiado por respeitados juristas à época e posteriormente, como foi o caso de Clóvis Beviláqua

Posteriormente a esse valioso trabalho, surgiu o Decreto n. 181, de 1890, de autoria de Rui Barbosa, promulgado pelo Governo Provisório, instalado com a proclamação da República dos Estados Unidos do Brasil, pelo qual foi instituído o casamento civil no país.

Com este decreto algumas regras e efeitos decorrentes do matrimônio foram instituídos, a exemplo do artigo 57, pelo qual previu que na ausência de pacto antenupcial, os bens seriam considerados comuns entre os cônjuges, desde o dia seguinte ao casamento, exceto se ele restasse não consumado.

Na sequência, surgiu o projeto de lei de Nabuco de Araújo, mas que não chegou a prever Direito de Família ou de alguma forma a previsão do pacto pré-nupcial.

O Projeto de Felício do Santos considerou o pacto antenupcial como negócio jurídico e assim o inseriu no título dos contratos, o que revelou novidade. Afirmava o autor que “muitos autores e códigos, tratam dos contratos matrimoniaes no título, que tem por objecto o casamento, incluindo-os assim nos direitos de família: é um engano. O casamento não é um contrato (...).

Do casamento é que nascem os direitos de família, e estes devem ser regulados a parte. O regimen do casamento se refere aos bens, e só incidentemente aos direitos de família; depende da vontade dos esposos, que o regulam como o entendem nos seus contratos antenupciaes”.

Interessante previsão continha o artigo 1.945 do referido projeto de lei, ao vedar a inclusão de cláusula condicional no pacto, nos seguintes termos: “Não póde igualmente ser estipulado, que os effeitos do contrato matrimonial comecem de certo tempo depois do casamento, ou acabem em tempo diverso do da dissolução do mesmo”.

Inovou também pelo fato de prever, no artigo 1.947, a validade do contrato matrimonial celebrado pelo menor capaz de se casar, desde que o contrato fosse assistido por aquele a quem cabia a competência de conceder a autorização ao casamento.

Em 1893, o Projeto do Código Civil de autoria de Antônio Coelho Rodrigues fez previsões mais detalhadas sobre o pacto antenupcial, o conteúdo do artigo 1.975249 e do artigo 1.976, pois o texto desses dispositivos apontava vedações às convenções matrimoniais.

Vale registrar o significado deste projeto no tocante ao pacto e ao seu conteúdo, conforme observa Débora Gozzo: “Algumas observações devem ser feitas, a fim de que sejam demonstradas as inovações trazidas por esse projeto: 1) até aquela data, não havia sido mencionada a possibilidade de os futuros cônjuges estabelecerem regime misto de bens, com por exemplo, a comunhão para alguns e a separação para outros; 2) tampouco, a proibição expressa quanto ao impedimento de diminuição dos poderes, quer do marido,  como chefe da família, quer da mulher; 3) bem como a impossibilidade de ser alterada por pacto antenupcial a ordem da vocação hereditária; de serem infringidas normas cogentes do Código (...)”.

Precedendo o advento do Código Civil de 1916, ainda houve o projeto primeiro de Clóvis Beviláqua, pelo qual algumas previsões relacionadas ao pacto antenupcial foram fixadas, como: a possibilidade de regime de bens misto ao casamento, se previsto em pacto antenupcial (art. 298); a nulidade do instrumento, se ausente sua celebração por instrumento público (art. 299) e a vedação de convenções nupciais que alterassem a ordem legal sucessória, ou aquelas que restringissem os direitos do chefe de família e por fim, eventual convenção que impedisse a mulher de exercitar a renúncia à comunhão de bens (art. 300).

Porém, esse projeto ao ser revisado e apresentado ao Congresso no ano de 1900, deixou de apresentar as previsões inovadoras ao pacto antenupcial citadas acima, dispondo somente sobre a exigência de o instrumento ser registrado no livro especial, pelo tabelião registrador de imóveis da comarca do domicílio dos cônjuges, para que tivesse efeito em face de terceiros, demonstrando a preocupação do legislador com a publicidade do ato.

Essa redação se manteve até a promulgação do Decreto n. 3.017, de 1916, o denominado Código Civil de 1916, mesmo o projeto tendo sofrido diversas revisões e alterações, permaneceu com redação similar o artigo 1.657 do Código Civil de 2002.

Antes da promulgação do Código Civil de 2002, cabe citar o Anteprojeto de Lei de Orlando Gomes de 1963, o qual manteve a matéria do pacto antenupcial, porém a novidade foi a estipulação de prazo de três meses para a realização do casamento após a lavratura do pacto, sob pena de ser o instrumento invalidado.253

Não houve a sanção e promulgação desse Anteprojeto, surgindo posteriormente o Projeto n. 634-B que, novamente apresentou poucas alterações à matéria das convenções pré-nupciais.

Posteriormente, após revisões e mais de vinte anos de tramitação no Congresso e Senado, foi sancionada e promulgada a. Lei 10.406, aos dez de janeiro de 2002, a qual teve como vacatio legis o prazo de um ano, iniciando-se assim sua vigência em 11 de janeiro de 2003.

Com o advento deste Código Civil, nenhuma grande inovação foi constatada, no tocante ao pacto antenupcial, sendo os artigos 1.653 a 1.657 os responsáveis pelo regramento da matéria, bem como o parágrafo único do artigo 1.640.

O pacto antenupcial possui todas as características inerentes ao negócio jurídico, exceto no tocante às peculiaridades do Direito de Família e seus aspectos legais de regime de bens, que são exclusivas ao mencionado instrumento pactício.

O Código Civil de 2002 não define o que é pacto, só legisla brevemente sobre a forma, momento e conteúdo, sem expressar um conceito.

A doutrina clássica, a exemplo de Pontes de Miranda, conceitua o pacto antenupcial como: “Figura que fica entre o contrato de direito das obrigações, isto é, o contrato de sociedade, e o casamento mesmo, como irradiador de efeitos. Não se assimila, porém, a qualquer deles: não é simplesmente de comunhão, de administração, ou do que quer que se convencione, nem ato constitutivo de sociedade, nem pré-casamento, ou, sequer, parte do casamento”.

Silvio Rodrigues, assevera ser: “contrato solene, realizado antes do casamento, por meio do qual as partes dispõem sobre o regime de bens que vigorará entre elas, durante o matrimônio”.

A conceituação analisada na doutrina contemporânea não diverge muito do antes exposto, como se nota na definição de Rolf Madaleno,258 o qual assevera: “É um contrato conjugal destinado a regular o regime matrimonial dos bens, mas não se trata de uma liberdade sem limites, porque existem regramentos que precisam ser respeitados”.

Há polêmica sobre a natureza jurídica do instituto, pois alguns autores o denominam contrato, outros o consideram uma convenção, ou ainda um contrato acessório, ou simplesmente um pacto.

Com firme posição, Caio Mário da Silva Pereira leciona: “A natureza jurídica do pacto antenupcial é inequivocamente contratual, e obrigatoriamente há de ser efetivada antes do casamento”.

Nos ordenamentos estrangeiros analisados, prevalece a natureza contratual do pacto antenupcial, o que pode ser identificado, por exemplo, no direito alemão, conforme corrobora o Código Civil alemão (BGB), em seu artigo 1.408.

O direito francês tem como base o entendimento de que o pacto antenupcial tem natureza de contrato, mas como acessório ao casamento, conforme doutrina francesa que assim dispõe: “Avons-nous besoin de dire que, en sens inverse, l’annulation du contrat de mariage est sans influence sur la validité du mariage? Il est évident que le principal ne dépend pás de l’accessoire”.

Ainda o Código Civil francês ratifica o entendimento de que o pacto é um contrato, pois o “contrat du mariage” (o contrato de casamento) é previsto a partir do artigo 1.387, o qual está inserido no Título V do Livro III do citado Código, os quais abordam “Des contrats ou des obligacions convencionelles en general” e “Du contrat du mariage et des regimes matrimoniaux”, respectivamente. Ou seja, bem distante das regras do casamento, as quais estão no Livro I, Título V, o qual respectivamente trata “Des personnes” e “Du mariage”.

O direito inglês define o pacto antenupcial como sendo um acordo matrimonial (marriage settlement ou family settlement), o qual é realizado antes ou após o casamento e realidade idêntica é a dos Estados Unidos (prenuptial e postnupcial contracts), com detalhes diversos a depender do Estado onde se realiza o acordo.

Em Portugal, o casamento é considerado um contrato e, portanto, a convenção antenupcial é a ele acessório, pressupondo a sua existência e validade, o que reforça a natureza contratualista do pacto.

Enfim, Orlando Gomes apresenta uma conceituação diferenciada dos demais supracitados e assim assevera: “Conquanto seja negócio de conteúdo patrimonial o pacto antenupcial não é um contrato da mesma natureza dos regulados no Livro das Obrigações, afirmando-se que tem caráter institucional porque, verificada a condição a que se subordina o início de sua eficácia, as partes, ainda de comum acordo, não podem modificá-lo nem dissolvê-lo”.

Não revela matéria fácil a definição da natureza jurídica do pacto antenupcial, e por isso se faz necessário adentrar sumariamente à matéria do fato e negócio jurídico, a fim de elucidar a polêmica existente na doutrina.

O fato jurídico pode ser definido, de forma geral, como o acontecimento pelo qual a relação de direito nasce, se extingue ou se modifica.

Pontes de Miranda assim o definiu: “O fato ou complexo de fatos sobre o qual incidiu a regra jurídica; portanto, o fato que dimane, agora, ou mais tarde, talvez condicionalmente, ou talvez não dimane, eficácia jurídica”.

Considerando o fato jurídico lícito, podemos classificá-lo em três espécies, conforme segue:

Fato jurídico stricto sensu é o fato cuja hipótese encontra-se descrita na norma, e que independe da prática de qualquer ato humano, ou seja, é fato da natureza.

Ato-fato jurídico, o qual necessita para existir de um ato humano, embora a própria norma jurídica abstraia dele o elemento volitivo, e como exemplo tem-se o achado de tesouro, previsto no artigo 1.264270 do Código Civil atual.

Por fim, o ato jurídico lato sensu, engloba os atos que emanam da vontade humana, visando a obtenção de algum resultado com relevância jurídica igualmente.

Este último é o que se demonstra relevante ao presente estudo e engloba tanto o ato jurídico stricto sensu, quanto o negócio jurídico.

O ato jurídico stricto sensu possui um clássico exemplo no ordenamento que é a fixação do domicílio, e significa “o ato pelo qual o elemento volitivo, juntamente com a concretização de um fato, gera o nascimento de um ato cuja eficácia, predeterminada pela lei se realiza necessariamente, sem que a vontade da pessoa possa modificá-la, para ampliá-la, restringi-la ou evitá-la”.

Já o negócio jurídico é o ato cujo efeito jurídico é almejado pelas partes, ex vi do contrato.

É exatamente nesse âmbito que o pacto antenupcial se insere, ainda que dentro de suas diversas possibilidades de natureza jurídica antes citadas, pois o negócio jurídico acolhe tanto os pactos, quanto as convenções, contratos e acordos.

Assim, o negócio jurídico deve ser considerado nos planos da existência, validade e eficácia, os quais se completam.

A partir daí para existir o negócio serão necessários: o agente, o objeto, a vontade e a forma. Logo, se existente deverá ser válido e para tanto, o agente deverá ser capaz e possuir legitimação; o objeto deverá ser lícito, e ainda estar presentes a higidez da vontade e a adequação da forma.

Destarte, deverá o negócio jurídico ser eficaz, ou seja, alcançar êxito efetivo no objetivo a que se pretende.

Interessante colocação de Débora Gozzo, a qual dispõe: “É justamente a característica da patrimonialidade dos contratos que leva a maior parte dos estudiosos a neles incluir o pacto antenupcial. Afinal, este, na sua concepção original, servia basicamente para que os nubentes estipulassem acerca do regime patrimonial a viger durante o seu casamento. Trata-se, portanto, na lição de Nicola Stolfi, citado por Débora Gozzo, de um contrato patrimonial, dirigido ‘a regolare l’economia della famiglia’”.

Não se pode olvidar como dito, que há ainda aqueles que entendem a natureza jurídica do pacto antenupcial como de “contrato acessório”. Entretanto, é relevante dispor que para ser caracterizado assim, antes indispensável que o casamento seja considerado um contrato, para então ser o “principal”.

Neste sentir, interessantes dizeres da autora supracitada: “Alguns autores, além de incluírem o pacto na categoria dos contratos, afirmam tratar-se de um contrato acessório. No entanto, somente se poderá classificá-lo desse modo, se se atribuir ao casamento a natureza jurídica de contrato.

Por essa razão, manifestou-se em sentido contrário a essa corrente Felício dos Santos: ‘(...) não diremos, como alguns escriptores, que o contrato matrimonial é um accessorio do casamento; para isso era necessário que o casamento fosse um contrato principal, ora o casamento não é contrato.

Em polêmica similar, pois, não há unanimidade na doutrina quanto à natureza jurídica do casamento, o que fragiliza e polemiza ainda mais a questão em testilha, e por isso essa hipótese para a natureza jurídica do pacto é ora afastada.

Por fim, resta comentar a hipótese de pacto antenupcial se enquadrar na definição de um negócio jurídico especial, ou seja, de Direito de Família, o que parece ser mais coerente à espécie sob análise e da qual se partilha nesse estudo.

Sobre a possibilidade de alguns atos jurídicos se denominarem como “negócio jurídico de direito de família”, Maria Berenice Dias manifesta-se, nos seguintes termos:

“O casamento é um negócio jurídico bilateral que não está afeito à teoria dos atos jurídicos. É regido pelo direito de família. Assim, talvez a ideia de negócio jurídico de família seja a expressão que melhor sirva para diferenciar o casamento dos demais negócios de direito privado”.

“Ele é um ato jurídico (lato sensu) pessoal. Só os nubentes podem ser partes. É formal, sendo indispensável a escritura pública. Nominado, isto é, previsto em lei. E, por último, legítimo (típico), pois os nubentes têm a sua autonomia limitada pela lei e não podem, consequentemente, estipular que o pacto produzirá efeitos diversos daqueles previstos pela norma jurídica. Não poderão eles, assim, contrariar o texto legal do art. 230 do Código Civil, norma de ordem cogente, por exemplo”.

Justifica ainda mais a caracterização do pacto com denominação diferenciada como demonstrado supra, uma vez que se trata realmente de instrumento especial, pois, de plano denota-se que seu conteúdo, além do patrimonial, acaba por visitar outras regras ou matérias de cunho interpessoal, bem como vinculado às responsabilidades paterno-filiais,  pacto antenupcial é um negócio jurídico de Direito de Família, pois assim, as divergências doutrinárias quanto à sua natureza podem ser contempladas, sendo que essa conceituação abarca as demais conceituações elencadas, e ainda acresce denominação mais apropriada ao ato e conteúdo do instituto.

Alguns regimes de bens exigem ordinariamente a lavratura do pacto antenupcial, porém, excepcionalmente, há hipóteses em que os pactos são desnecessários, segundo a legislação atual, como se confere a seguir.

O artigo 1.641 do Código Civil traz hipóteses em que os noivos não poderão optar por outro regime de bens, pois àqueles que se encontrarem nas situações ali elencadas será imposto o regime obrigatório de separação de bens.

Nesses casos, a lei não impõe a elaboração do pacto antenupcial, tendo em vista a obrigatoriedade de prevalecer no futuro casamento as regras previstas nos artigos 1.687 e 1.688,322 combinados com as disposições gerais aos regimes patrimoniais ditadas nos artigos 1.639 ao 1.652, todos do Codex Civil.

Assim, para as pessoas que pretendem se casar com idade superior a sessenta anos, o regime obrigatório é o da separação de bens.

Para todos aqueles que optarem pelo casamento, mas apresentarem qualquer das hipóteses previstas no artigo 1.550, igualmente serão submetidos ao casamento com regime obrigatório da separação de bens. E ainda, para todos aqueles que dependerem de suprimento judicial para realização do casamento.

Em todos esses casos há a imposição do regime de separação de bens e a desnecessidade do pacto antenupcial que normalmente é exigido no regime de separação de bens convencional, que também é regido pelos artigos 1.687 e 1.688 CC.

Outrossim, não podem pactuar as regras patrimoniais de seu casamento aqueles que optarem pelo regime da comunhão parcial de bens, conforme determina o artigo parágrafo único do artigo 1.640, pois bastará a menção expressa no registro civil sobre o regime.

Esse regime também é o regime legal no ordenamento jurídico brasileiro, assim, caso silenciem os nubentes, ou o pacto seja nulo, o regime aplicado será o da comunhão parcial de bens, conforme artigo 1.640.

Nesse caso, parece que o legislador decidiu por simplificar a norma, afinal, para se eleger um regime de bens como o legal, deve ele abarcar o maior número de pessoas, ser acessível e pouco burocrático.

No caso de fraude contra credores (com o uso de pacto antenupcial),  nesta hipótese o nubente ou o casal se utilizam do pacto antenupcial para instituir negócio jurídico que acomode os bens de tal forma que não sejam atingidos pelos credores, na busca dos créditos aos quais tenham direito.

Define a fraude contra credores Yussef Said Cahali, assim: “A fraude caracteriza-se pelo ânimo de prejudicar terceiro, que não interveio no contrato; na fraude, não é a nenhuma das partes que se pretende ludibriar, já que ambas podem até estar de acordo (...)”.

Dois são os elementos da fraude: a) o objetivo (eventus damni), que é todo o ato prejudicial ao credor por tornar o devedor insolvente ou por ter sido realizado em estado de insolvência, ainda quando o ignore ou ante o fato de a garantia tornar-se insuficiente; b) subjetivo (consilium fraudis), que é a má-fé, a intenção de prejudicar do devedor ou do devedor aliado a terceiro, ilidindo os efeitos da cobrança.

Assim, quando o pacto proporcionar o desvio ou dificuldade de acesso dos credores aos bens do nubente devedor, ou do par, o negócio será anulado, por meio de ação judicial interposta pelo credor.

Essa possibilidade é prevista nos artigos 158 ao 165 do Código Civil corrente. Sendo identificada a fraude contra os credores, após a devida ação processada, a sentença procedente nesse sentido, decretará a anulação do pacto antenupcial viciado.

Apesar das personagens e a trama ser romântica, a motivação de Guiomar não é tanto: ela vê o casamento como uma escada social e escolhe Luís tanto pelo amor quanto pelo fato dele já estar eleito deputado.

Assim termina a história de “A Mão e a Luva”, com o casamento de Guiomar e Luís, enquanto Jorge fica conformado com sua falta de sorte e Estevão sonha com seu suicídio durante o casamento. Entretanto, nada disso interrompe os planos do jovem e ambicioso casal que se unem felizmente.

A obra machadiana é imensa, mais de duzentos contos e mais de seiscentas crônicas e nove romances, porém sua vida terminou em 20 de setembro de 1908, quando faleceu aos sessenta e nove anos de idade por conta de uma doença na boca. É um dos maiores gênios da literatura ao lado de Luís de Camões, William Shakespeare, Fernando Pessoa e, tantos outros que se eternizam em ensinamentos e em emoções.

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Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Casamento Pacto Antenupcial Direito de Família Constituição Brasileira de 1988 CC

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