A definição e delimitação do vínculo empregatício em face da jurisprudência brasileira atual

A flexibilização da legislação trabalhista brasileira com garantia do mínimo inegociável. Pois há um conjunto de direitos como salário-mínimo reajustado periodicamente, semana laboral de 44 horas, respeito às normas de segurança, higiene e saúde do trabalhador, garantia de férias remuneradas, repouso semanal remunerado, aposentadoria e assistência à saúde, ou seja, o respeito à CLT que traz rol de direitos indisponíveis, irrenunciáveis, mesmo diante de convenção ou acordos coletivos que estabeleçam mínima proteção, que não pode desrespeitar à dignidade do ser humano. As fraudes perpetradas contra a tutela do trabalhador vêm atacar um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e, infringe os próprios objetivos da reclamação constitucional.

Fonte: Gisele Leite

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A prática trabalhista no direito brasileiro aborda algumas questões relativas à divergência sobre o vínculo empregatício. E, o porquê diversas decisões trabalhistas estão sendo superadas na Suprema Corte. Cogita-se existir uma delimitação do cabimento da reclamação constitucional.

Cumpre elucidar que o manejo da reclamação constitucional objetiva garantir a boa observância de entendimentos exarados pelo STF, sendo cabível a reclamação constitucional para garantir a decisão do STF prolatada em controle concentrado, devido ao artigo 988, III do CPC/2015, sendo desdobramento do inciso II do mesmo dispositivo legal. Divergência existe acerca do cabimento da reclamação com fulcro nos fundamentos determinantes da decisão proferida ação de controle concentrado.

Não resta dúvidas de que o dispositivo da ação de controle concentrado forma coisa julgada quanto ao dispositivo atacada na ação. Assim, ao reconhecer a sua inconstitucionalidade, ele é retirado do mundo jurídico, salvo se houver modulados seus efeitos, de forma que sendo aplicado será cabível a reclamação.

Já os fundamentos determinantes ou ratio decidendi que levaram a Suprema Corte a prolatar tal decisão não fazem a coisa julgada, o que faz com que o Colendo STF, entenda, atualmente, que a decisão em controle concentrado não serve para legitimar o ajuizamento de reclamações para atacar outras leis ainda que não sejam declaradas inconstitucionais pelo tribunal, ainda que tenham o mesmo conteúdo da norma atacada na decisão já proferida em controle concentrado.

Porém, o vigente CPC faz com que o Colendo STF revisite o tema alterando seu entendimento. Pois o CPC reconheceu como precedente obrigatório as decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade, artigo 927, I CPC/2015, o que significa que seus fundamentos determinantes são de observância cogente e obrigatória, inclusive para os eventuais processos futuros.

A Suprema Corte brasileira vem reconhecendo o vínculo trabalhista em diversas situações como a pejotização, a terceirização, advogado associado[1], médicos, enfermeiros, motorista de aplicativa entre outros. Na prática, o STF tem chancelado outras formas alternativas de trabalho onde não há a típica relação de emprego regida pela CLT.

Já por outro viés, a Justiça do Trabalho tem se rebelado contra o esvaziamento progressivo de sua competência, pois lhe cabe precipuamente definir, discutir e delimitar as questões atinentes ao reconhecimento do vínculo empregatício.

E, nesse contexto o Procurador-Geral da República veio pedir a instauração de incidente de assunção de competência perante o STF, particularmente, para que ocorra a uniformização da jurisprudência sobre as reclamações constitucionais em que a Justiça do Trabalho reconheça a fraude no liame empregatício. Pois há posicionamentos divergentes sobre a mesma temática, sem dúvidas, causam injustificada e perturbadora insegurança jurídica.

Em face o aumento significativo de reclamações constitucionais, é forçoso admitir que tal instrumento da advocacia não seja balizado, sob perna de perder sua finalidade.

A reclamação constitucional tem por objetivo garantir a segurança jurídica ao jurisdicionado, vez que, por meio dela, se faz possível estabilizar as decisões judiciais, assim como preservar os julgamentos dos tribunais superiores.

É importante lembrar também que na reclamação constitucional, quando o parâmetro de constitucionalidade for um julgamento proferido em recurso extraordinário com repercussão geral, só poderá ser admitida após o esgotamento das instâncias ordinárias, conforme decidiu a corte suprema em decisão monocrática do ministro Edson Fachin na Reclamação 53.685.

No bojo de seu voto, o Ministro Fachin destacou in litteris:

     "(...) Nos termos do art. 988, 5º, II, do CPC, é inadmissível a reclamação proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias."

Portanto, é forçoso lembrar que este instrumento não pode ser utilizado como sucedâneo recursal. Por isso, conquanto se deva ter respeito aos precedentes obrigatórios emanados pelo Supremo, a reclamação constitucional não deve ser admitida caso, para sua aceitação, haja o prévio reexame de fatos e de provas, como também quando não houver estrita correlação com o paradigma de controle de constitucionalidade.

Da composição atual do STF, oito dos 11 ministros já proferiram ao menos uma decisão monocrática que derrubou sentença ou acórdão da Justiça do Trabalho a respeito de terceirização e “pejotização”, em que era reconhecido o vínculo de emprego.

Antes, no dia 1º de agosto de 2023, o ministro Nunes Marques acolheu um pedido da Associação Lar São Francisco de Assis na Providência de Deus feito na RCL 59.047, para anular um acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT15) que tinha reconhecido a relação de emprego entre a entidade e uma médica.

Poderá haver vínculo de emprego se houver Pejotização? Em resumo, a "pejotização" é utilizada para fraudar a aplicação da legislação trabalhista”, explicou na sentença. Registrou que a contratação para prestação de serviços sem habitualidade e subordinação é lícita, mas que isso não pode ser usado para mascarar a relação de emprego.

Embora a Reforma Trabalhista[2] brasileira tenha estabelecido algumas mudanças que por princípio foram controversas, a pejotização é crime, uma vez que está claro na CLT quais são os atributos que caracterizam o empregado – e a jurisprudência, mesmo após a aprovação da Reforma, manteve esta prática como contrária a legislação.

STF anula vínculo de emprego de corretor que recebia R$ 100 mil mensais. "É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante."

Com base no Tema 725 de repercussão geral, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por 3 votos a 2, cassou nesta terça-feira (17/10/2023) decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) que havia reconhecido o vínculo empregatício de um agente de investimentos com uma corretora de valores, além de ter declarado a ilicitude da terceirização[3] por pejotização.

Frise-se que caracteriza o vínculo empregatício, os requisitos para a caracterização do vínculo empregatício são: serviço prestado por pessoa física, pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade. Caso falte qualquer um desses pressupostos, inexiste a relação de emprego.

 Os requisitos[4] para haver vínculo de emprego, são a saber: 1 – Pessoa física. O primeiro requisito é que para haver vínculo empregatício é obrigatório que quem preste o serviço seja uma pessoa física; 2 – Onerosidade; 3 – Pessoalidade; 4 – Habitualidade/Não eventualidade; 5 – Subordinação.

Assim caso um prestador de serviços possua um salário (remuneração mensal), com metas, horários a cumprir, que seja subordinado hierarquicamente a seu superior, ele na verdade é um empregado!

A tendência de o Supremo Tribunal Federal (STF) cassar decisões trabalhistas sobre vínculo empregatício, principalmente envolvendo profissionais contratados como PJ, pode custar caro aos cofres públicos

A Procuradoria reconheceu que a prestação de serviço por profissionais na modalidade PJ não é, por si só, considerada fraude à relação de emprego. Ainda assim, frisou não ser possível admitir que um contrato seja firmado apenas para driblar a legislação, sem se considerar a realidade.

“Tal artifício aniquilaria o dever que vincula profissionais liberais qualificados ao pagamento de imposto de renda e desfalcaria o caixa da Previdência social, afastando-se da incidência da contribuição social patronal”, explicou o procurador Carlos de Araújo Moreira, que assina a peça.

Segundo ele, a existência de fraude na relação de emprego torna “irrelevante a roupagem formal que envolve o empregado”, de forma que é “inviável que se impeça que a Justiça especializada exerça sua competência e declare nulos os atos que contrariem a legislação”.

Após a decisão do STF, a terceirização foi disciplinada legalmente pelas modificações que as leis 13.429 e 13.467, ambas de 2017, produziram na lei 6.019/74. 

No art. 4º da referida lei, a terceirização consiste na "transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica e compatível com a sua execução", constando ainda no parágrafo único que "A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços". 

Portanto, a própria decisão do STF foi ultrapassada pela lei, que, doravante, regulamenta os requisitos da terceirização lícita, quais sejam: em primeiro, transfere-se uma atividade da contratante a outra, necessariamente pessoa jurídica, a qual deve ter capacidade econômica e deter o efetivo poder diretivo sobre seus empregados. 

Referências

BRITO, Nicola. STF e o vínculo de emprego. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/369692/stf-e-o-vinculo-de-emprego Acesso em 27.10.2023.

CALCINI, Ricardo; DE MORAES, Leandro Bocchi. STF x JT: vínculos de empregos na reclamação constitucional. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-out-26/pratica-trabalhista-stf-jt-vinculos-empregos-reclamacao-constitucional   Acesso em 27.10.2023.

DA SILVA, Weber ALLAK. A Pejotização no setor de serviços: Um Estudo exploratório sob o ponto de vista tributário. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/33020/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Vers%C3%A3o%20Final.pdf?sequence=1 Acesso em 27.10.2023.

Reclamação 57.954. Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/alexandre-derruba-decisao-desconsiderou.pdf  Acesso em 27.10.2023.

RECLAMAÇÃO 61.514 RIO GRANDE DO SUL Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15361187865&ext=.pdf  Acesso em 27.10.2023.

SANTOS, Rafa. STF começa admitir pejotização de profissionais liberais, com ressalvas. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-nov-05/stf-comeca-admitir-pejotizacao-profissionais-liberais Acesso em 27.10.2023.

STF e JT divergem em casos sobre vínculo do emprego. Disponível em https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-e-justica-do-trabalho-divergem-em-casos-sobre-vinculo-de-emprego-30082023 . Acesso em 24.10.2023.

Notas:

[1] De resto, o Estatuto da Advocacia prevê duas formas de vínculo estável entre advogado/a e sociedade de advocacia ou empresa: o de associação ou sociedade, em que há determinados poderes na gestão; e o de vínculo de emprego, em que a pessoa do/a advogado/a não participa dessa esfera de decisão. Para cada tipo de vínculo há expectativas e riscos diferentes. O que não se pode admitir é a adoção de formas de contratar que ampliam a insegurança dos que trabalham e se lhes nega o padrão civilizatório mínimo assegurado pelo sistema de proteção social colocado em risco, com resultados são amplamente conhecidos: precarização, aumento da concentração de renda e ampliação das desigualdades sociais que, ademais, sequestram a democracia. As entidades que defendem os direitos sociais seguirão vigilantes e em luta na defesa do patamar civilizatório mínimo que esses direitos impõem ao capitalismo. Vale lembrar que, em 1936, Keynes já alertara que a redução dos salários nominais seria fator de aprofundamento de crises, podendo contribuir para criar uma previsão de nova baixa com reações desfavoráveis para a eficiência marginal do capital (1985: 163).

[2] Assim como a reforma trabalhista, introduzida pela Lei 13.467/2017, pode ter contribuído para o crescimento da pejotização, ao flexibilizar normas e facilitar a terceirização, eventual reforma tributária a ser discutida e implementada, deve considerar a possibilidade de crescimento semelhante. Estudos que venham a avaliar eventuais efeitos de uma futura reforma tributária no processo de pejotização, bem como o respectivo impacto na arrecadação previdenciária, serão de grande valia para a administração pública.

[3]  Após o julgamento do STF que reconheceu como lícita a terceirização de atividade fim, haveria risco de a Justiça do Trabalho continuar reconhecendo o vínculo trabalhista entre o empregado e a empresa tomadora de serviços? Preliminarmente, necessário explicitar o que se alega como fraude na caracterização da relação de emprego. A análise de determinada situação concreta para fins de configuração ou não de relação de emprego passaria primeiro pela análise da presença dos elementos da relação de emprego dispostos nos arts. 2º e 3º da CLT: trabalho prestado por pessoa física, pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação (a alteridade também é um dos elementos, mas é, por vezes, esquecido. Esta situação, contudo, foge ao escopo deste artigo). Estando marcadamente presentes no caso concreto os cinco elementos, seria inevitável o reconhecimento do vínculo de emprego.

[4] Em outras palavras, a presença de direção dos serviços pela tomadora não se presta a afigurar ausência de direção pela prestadora, sendo certo que a presença de direção por ambas tomadora e prestadora não apenas é possível, como, muita vez, imprescindível. Em verdade, apenas quando se observar completa ausência de direcionamento por parte da prestadora é que se estará diante de “terceirização fraudulenta”. Afora as hipóteses legais e previstas na decisão do STF, entende-se pela impossibilidade de reconhecimento de vínculo direto entre tomadora e empregado da prestadora, especialmente com fundamento no conceito de subordinação empregatícia que, como visto, é coincidente com aquele de terceirização.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: STF Vínculo Empregatício CLT TST Justiça do Trabalho Pejotização Terceirização

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