A busca da felicidade e o Direito

O explícito reconhecimento doutrinário e jurisprudencial do direito à felicidade tido como direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro que tem angariado grande visibilidade nos últimos anos, mas, ainda é carente de maior investigação e debate. Cumpre destacar que o Supremo Tribunal Federal (STF) utilizando hermenêutica jurídica como procedimento possível para obter o reconhecimento pacífico do direito à felicidade como um direito fundamental e, concretizado pelo Estado.

Fonte: Gisele Leite

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É verdade, houve um tempo na história que era malvista demonstrar explicitamente alegria. A busca pela felicidade é algo consideravelmente recente na história. Tais observações são do historiador Peter Nathaniel Stearns[1], professor da Universidade George Mason (EUA), especializado em história comparativa social e a história das emoções. O referido historiador trouxe importantes destaques sobre a relação humana com a felicidade e de quais lições esta traz para a modernidade[2].

Lá no início do século XVIII, no Reino Unido e nas suas colônias na América do Norte, percebeu-se que as pessoas tinham certo orgulho de serem melancólicas. E, sob o jugo da lógica protestante, ter consciência de seus pecados e se manter humilde perante os olhos de Deus, requeria uma certa tristeza.

O diário escrito por um chefe de família da época revelava que a defesa de Deus não permitia a alegria, nem prazer, mas sim, espécie de melancolia austera. Porém, isso não significava que fossem infelizes, até porque não há como julgar de forma imparcial, em razão dos padrões contemporâneos vigentes. Afinal, a felicidade é algo muito subjetivo. A Declaração de Independência norte-americana representou um marco na busca da felicidade e, então passou a ser vista até como um direito.

Tudo mudou radicalmente no século XVIII, e a redação da dita Declaração de Independência em 1776, posicionou

o direito humano à felicidade. E, a Constituição da França em 1793 igualmente explicitou que "o objetivo da

sociedade é a felicidade comum". Ademais, as pessoas não deveriam apenas ser felizes, mas igualmente tinham

a responsabilidade de parecerem felizes, erigindo-se um novo imperativo de alegria. Havia uma nova disposição de sorrir e esperar sorrisos em troca. O que deve alavancado a profissão dos dentistas. E, gradativamente o autocontrole taciturno e o sorriso contido foram substituídos por maior espontaneidade. Tanto que o romance, então um gênero literário recente, começou a descrever mulheres dotados de sorrisos encantadores ou doces, sendo uma novidade.

Já em meados do século XVIII surgiram novos tipos de dentistas nas áreas urbanas que se tornaram ávidos por cuidar dos dentes, ao invés, de extraí-los. E, surgiram produtos inovadores, incluindo-se palitos, escovas de dente e, até a prótese dentária. E, tais auxílios artificiais também propiciaram o surgimento do batom, para destacar a brancura dos dentes e a sedução do sorriso feminino. O ato de sorrir apontava que a pessoa tinha os mais recentes produtos de consumo e, exibia certo tipo de emoção.

Paira um certo mistério na mudança de perspectiva, presumimos apenas parte da resposta. Pois a mudança do clima intelectual nas sociedades ocidentais fora associada ao Iluminismo. E, assim, os intelectuais se tornaram mais otimistas e focados neste mundo real, ao invés de ter forte aspiração religiosa.

E, o contexto cultura está ligado a ascensão de um interesse maior em uma expectativa de felicidade. Também se observou um aumento do conforto físico e na prosperidade de classes sociais mais altas, havendo uma trégua nas epidemias e pragas e, o despertar de maior otimismo, por conta das descobertas científicas que majoravam a expectativa da vida humana.

A busca pela felicidade foi tão priorizada de forma que as sociedades ocidentais que, na visão do historiador,

criou-se certa obsessão e enorme dificuldade de lidar com a tristeza. O grande interesse moderno na felicidade que provavelmente nos tornou completamente intolerante com a tristeza. E, passaram a não lidar bem com crianças tristes, porque almeja-se que as crianças sejam felizes. Do ponto de vista psicológico, a felicidade precisa ser entendida como algo, com certa frequência, de coisas ruins e alguma tristeza. E, nossas culturas não lidam bem com tristeza e demonstram impaciência com o luto[3].

Observou-se padrões similares no vínculo entre a felicidade e o amor romântico. À medida que a felicidade se tornou um objetivo social, as manifestações culturais de romances escritos e canções, além de filmes, peças teatrais que tanto exaltavam o amor romântico, baseado no casamento e nos relacionamentos amorosos vistos como firmes caminhos para ser feliz.

Na Inglaterra do século XIX, por exemplo, passou a existir forte pressão sobre os escritores de ficção que escrevessem finais felizes. No fundo, ficamos insatisfeitos com histórias que não tenham um final feliz. Recomenda- se encontrar certo equilíbrio entre as expectativas e a realidade.

A busca da felicidade tem despertado debates entre os historiadores é que os seres humanos, podem ter perdido a felicidade durante fase crucial de sua evolução, quando deixaram de ser caçadores-coletores nômades e começaram a criar sociedades sedentárias e agrícolas. Assim, a vida humana passa ser mais previsível e confortável.

Há quem defenda que o caçador e coletor eram mais felizes do que somos atualmente, mas os historiadores citam outros pontos objetivos dessa transição do nomadismo para o sedentarismo. Assim a alimentação passou a ser menos variadas, e as jornadas de trabalho se tornaram mais longas. E, vivendo em sociedades, as pessoas ficaram mais sucessíveis às epidemias e guerras. E, a desigualdade social e econômica entre as diferentes classes sociais começou ganha forma e peso.

Uma das questões cruciais do debate dos historiadores é o espírito de coletividade dos caçadores e coletores. Pois

gozavam de grande solidariedade grupal. Porém, isso não significa que não existiam tensões e conflitos, mas eles realmente dependiam uns dos outros. O que é indicativo que as estruturas comunitárias aperfeiçoam a busca pela felicidade. Sendo um dos desafios da felicidade hoje é que, para muita gente, estruturas comunitárias estão enfraquecidas.

Segundo Stearns não significa afirmar que não existiam tensões nas primitivas estruturas comunitárias. E, um dos desafios contemporâneos da felicidade aponta que as estruturas comunitárias estão muito enfraquecidas. Porém, é impossível voltar no tempo. Então, precisa-se encontrar nosso próprio equilíbrio para que possamos galgar a felicidade no mundo contemporâneo.

Questionam os estudiosos, existe mesmo uma definição objetiva de felicidade?[4] Há quem afirme que é espécie de reforço emocional para ações que nos trazem bem-estar. E, tem efeitos físicos, psicológicos e sociais e, também biológico, pois a felicidade é capaz de baixar a pressão sanguínea, e, ajuda para que as pessoas melhor se relacionem entre si. Sorrir no contexto atual, também é forma de fazer contato com pessoas desconhecidas.

De fato, a filosofia igualmente nos deu preciosas contribuições para melhor entender a felicidade. E, a ideia

mais imediatista é a de simplesmente majorar o prazer e mitigar ou evitar ao máximo o sofrimento, é a chamada

felicidade hedônica.

Por outro viés, a felicidade eudaimônica é a que advém de relacionamentos pessoais positivos ou do orgulho

e sensação de dever cumprido, depois de um trabalho importante, à guisa de exemplo. E, muitos psicólogos

enxergam a felicidade como uma combinação harmoniosa dessas duas visões. Porém, tais formas

se manifesta conforme cada cultura e a cada tempo.

A visão sobre a felicidade pode ser diferente nos países orientais e, quiçá, na América Latina. Comenta-se

que os russos não parecem ter a mesma expectativa de felicidade da mesma forma que os ocidentais. E, os japoneses e chineses igualmente não se saem bem nos famosos rankings[5] internacionais de felicidade, considerando o quanto são prósperos e saudáveis. O que reflete conforme a cultura.

No Ocidente tem uma ótica sobre a felicidade de forma altamente individualista. Os japoneses possuem maior sendo da importância da coesão comunitária. Já na América Latina a situação é fascinante pois costumam se sair bem nos rankings de felicidade em comparação com os seus níveis gerais de economia e saúde.

A cultura latino-americana parece ter alta expectativa de felicidade e obter elevado nível de realização. E, as variações culturais são fascinantes e não correspondem exatamente ao nível de desempenho econômico.

De toda forma, é coerente relativizar as conclusões dos rankings globais de felicidade, mas trazem importantes lições.

“Há atributos óbvios das sociedades que costumam ser listadas como as mais felizes: elas têm níveis relativamente altos de desenvolvimento econômico. Têm uma rede social bem desenvolvida. Então acho que há algo (a ser aprendido) nesses estudos”, ele diz. “Obviamente, há também debates.

O caso do Butão, por exemplo, é amplamente discutido. O país não pontua muito nesses rankings internacionais, mas eles (autoridades do Butão) argumentam que têm uma abordagem diferente, mais religiosa e holística (à felicidade). E sob esses padrões, os líderes locais alegam estar indo bem". Todo esse debate sobre a felicidade nos faz entender melhor a história e, parece que se dá maior ênfase às conquistas, a noção de status, as formas de contribuição para a sociedade, ter uma sensação de que a sua vida valeu para algo. Esse é provavelmente o objetivo de maior

relevância.

Importante é haver um equilíbrio delicado entre buscar o sentido na vida e a felicidade. E, a pressão para ser feliz corre o risco de contraproducente. O importante é ser realista e, talvez, manter as aspirações mais modestas.

De fato, ganhou relevância maior a felicidade, principalmente, a respeito de sua definição, e ainda,

o reconhecimento como direito fundamental e ainda as possíveis implicações que desta por decorrer[6].

Revela-se que o tema felicidade para o direito não é, em verdade, evento recente. Desde a positivação da Declaração de Direitos da Virgínia em 1776 e, que seria repetida logo pela Declaração de Independência

dos EUA.

Integra o artigo I.  In litteris:

"Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança".

De acordo com Fábio Konder Comparado (2013) trata-se da certidão de nascimento dos direitos humanos na história, perfazendo reconhecimento solene que todos os homens são igualmente vocacionados ao aperfeiçoamento constante de si mesmos, em razão de sua própria natureza.

De fato, referia-se a uma felicidade geral com o fito a ser galgado e, depois em 1948, veio a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, que estabeleceu o direito à busca da felicidade de forma expressa.

Também nos ordenamentos jurídicos estrangeiros preveem o direito à felicidade e, até no contexto brasileiro.

tratam de alguma forma a felicidade em suas Constituições, seja reconhecendo como fundamental o direito à felicidade ou à busca da felicidade, seja ressaltando-a como um objetivo a ser alcançado pelo Estado. Países como China, Cuba, Portugal, Butão, França, Coréia do Sul e Japão são alguns exemplos.

Igualmente a ONU[7] reconhece a felicidade como um direito através da Resolução da Assembleia-Geral

em 2011, ocasião quando se conclamou às nações que se empenhassem na ampliação da felicidade geral

da sociedade.

Muitas Constituições, de alguma forma, se referem à felicidade e se destacam o tratamento positivado nas Cartas

do Japão e da Coreia do Sul (artigo 10). De fato, a Constituição Japonesa trouxe uma detalhada previsão

que expõe uma cláusula denotativa de limite ao alcance do direito à felicidade, uma noção de proporcionalidade ou

de equilíbrio de proteção, na medida em que ressalva que o gozo desse direito não deve interferir no bem-estar

da coletividade. 

Até mesmo no pequeno reino do Butão a felicidade igualmente possui amplo tratamento normativo, constando em mais de um artigo, com a criação de um índice de aferição nacional da felicidade, em que o Estado deve se esforçar para promover.

Carlos Alberto Simões de Tomaz (2010), em sua obra intitulada "Direito à Felicidade" é defensor do reconhecimento da felicidade independente de norma constitucional expressa, principalmente porque as normas autônomas positivadas pelo monopólio do Estado não têm cumprido com efetividade a realização da felicidade humana.

Enfim, é a positivação do bem-estar, da liberdade e segurança estão no fundamento do direito à felicidade, portanto,

não é imprescindível haver a inserção explícita do direito à busca da felicidade dentro do rol de direitos fundamentais, pois atual Constituição federal brasileira já estabelece um subsistema direcionado à felicidade, sobretudo, com o uso do termo "bem-estar" e, por derivação natural e lógica do princípio da dignidade humana.

O posicionamento foi firmado pelo Ministro Celso de Mello por ocasião de julgamento  em abril de 2008, em que o Estado de Pernambuco foi compelido a custear um implante de um  Marca-passo Diafragmático Muscular a um jovem, sem o qual este não poderia respirar sem  depender de aparelho mecânico, tudo em razão de ter sido vítima de disparo de arma de fogo  em um assalto em via pública naquele Estado:  (...) a realidade da vida tão pulsante nesse caso impõe que se dê provimento a  este recurso e que se reconheça a essa pessoa o direito de buscar autonomia  existencial desvinculando-se de um respirador artificial que a mantém ligada  a um leito hospitalar depois de meses de estado comatoso [...] ressaltando que  deve ser reconhecido a todos o direito referente à busca da felicidade,  consectário do princípio da dignidade da pessoa humana

In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Suspensão de Tutela Antecipada n. 223/PE. Relatora 

Min. Ellen Gracie. Julgamento em 14/04/2008. Diário de Justiça Eletrônico, 09/04/2014.

O reconhecimento jurisprudencial do direito à felicidade teve o pioneirismo norte-americano, no chamado Pursuit

of Happiness, cujos mais famosos precedentes são até hoje recordados pelo Judiciário brasileiro em suas fundamentações embora que nem sempre tendo sido absoluto nos EUA o seu reconhecimento como direito oponível.

Um caso emblemático, é o que se refere ao direito de se casar, em que Mildred Jeter (cidadã negra)

e Richard Lovin (cidadão branco) ambos os residentes do Estado de Virgínia se casaram e foram acusados de violarem a norma que proibia casamento interracial, ainda em 1958, pois era proibida a miscigenação por via matrimonial.

Na Suprema Corte norte-americana a lei estadual da Virgínia fora afastada, conforme expõe Saul Tourinho

Leal, o Tribunal registrou: "(...) a liberdade de casar-se há muito tem sido reconhecida como um dos direitos vitais e pessoais essenciais para o exercício regular da felicidade pelo homem livre. O casamento é um dos direitos civis fundamentais do homem, fundamental para nossa própria existência e sobrevivência".

 Para o doutrinador o direito é plenamente consagrado, vez que a menção ao direito de liberdade está bem

próximo de um componente da felicidade e da dignidade classicamente consagrada na primeira geração de

direitos fundamentais, de viés individual e contra as arbitrariedades estatais.

Aqui, o Judiciário brasileiro, através do STF tem decidido importantes casos se baseando, no teor

de suas fundamentações, no direito à busca da felicidade, como sendo conexão entre a teoria da felicidade

e a atividade jurisdicional constitucional.

E, no caso da união estável homoafetiva, a referência obteve maior visibilidade, ocasião em que a Corte

fortaleceu a democracia constitucional levando-se em consideração diversos argumentos, dentre estes, o

direito à busca da felicidade.

In litteris:

"União civil entre pessoas do mesmo sexo. Alta relevância social e jurídico-constitucional da questão pertinente às uniões homoafetivas. Legitimidade constitucional do reconhecimento e qualificação da união estável homoafetiva como entidade familiar: posição consagrada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ADPF 132/RJ e ADI 4.277/DF).  O afeto como valor jurídico impregnado de natureza constitucional: a valorização desse novo paradigma como núcleo conformador do conceito de família. O direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito e expressão de uma ideia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana".

Na ocasião tal decisão fora alvo de grandes debates envolvendo tanto polêmicas como questões religiosas, políticas, culturais e até jurídicas, fora inegável a contribuição significativa.

Outra decisão relevante no direito à busca da felicidade foi o da ADI 3510 que declarou a constitucionalidade

da realização de pesquisas científicas para fins terapêuticos com as células-tronco embrionárias. O acórdão

frisou a ausência de violação ao direito à vida e na prevalência dos direitos constitucionais à saúde e ao 

planejamento familiar.

Constatou-se, portanto, que o direito à felicidade evoluiu de mero argumento de reforço para um elemento autônomo nas decisões proferidas pelo STF, contribuindo para a concretização da busca da felicidade como um direito fundamental em sua essência.

A dificuldade de delimitação do conceito e dos parâmetros do termo felicidade a partir do conceito de Aristóteles,

parecer acatar a consagração do direito em comento, em consonância com a ideia de obrigação do Estado em prover as necessidades do povo, aliada ao mandamento constitucional pertinente.

Em ‘Ética a Nicômaco’[8] a felicidade, para Aristóteles, é composta de tantos ingredientes que seria praticamente impossível a quem quer que seja, usando os parâmetros ali estabelecidos, sentir-se realmente feliz. De qualquer modo, a nossa Constituição Federal, primeiramente em seu preâmbulo e mais adiante no inciso IV do artigo 3º, erige o bem-estar, o bem de todos, como valor supremo. Não só Aristóteles, outros já afirmavam – Jesus, Buda e Pitágoras (em seus versos) – o papel precípuo dos governantes concernente a tornar o povo feliz. A felicidade não é sinônima de bem-estar. Mas, com certeza, este é importantíssimo ingrediente daquela.

Uma proposição negativa de cunho teórico é a suposta banalização dos Direitos Humanos,

pois o reconhecimento de direitos de índole difusa e/ou coletiva, considerados direitos de segunda e terceira dimensões, como os direitos sociais e o direito ao meio ambiente equilibrado, por exemplo, como a hipótese que ocorria a vulgarização dos direitos fundamentais, os quais, originalmente, foram concebidos como meios de proteção ao cidadão contra as arbitrariedades do Estado, no período liberal e, que possuíam somente o caráter individual.

Alertou Ingo Wolfgang Sarlet (2009) em relação ao reconhecimento de novos direitos, para: "(...) o risco de uma degradação dos direitos fundamentais, colocando em risco o seu status jurídico e científico, além do desprestígio de sua própria fundamentalidade.

Assim, fazem-se necessárias a observância de critérios rígidos e a máxima cautela para que seja preservada a efetiva relevância e prestígio destas reivindicações e que efetivamente correspondam a valores fundamentais consensualmente reconhecidos no âmbito de determinada sociedade ou mesmo no plano universal".

O reconhecimento do direito à felicidade não se trata de mais um direito para agravar ainda mais a

crise de efetividade dos direitos sociais, mas sim, um fator de ampliação da efetividade de todos

os direitos fundamentais, na medida que propugna ainda mais o fortalecimento dos direitos envolvidos.

Cogita-se em crise retórica na qual o reconhecimento do direito à felicidade poderia descambar em mau uso

de seus conceitos, cuja abertura pode, ao invés de viabilizar uma maior efetividade à proteção do direito,

prejudicar a prestação jurisdicional, uma vez que esse uso equivocado do conceito pode ensejar a possibilidade

de fundamentação de qualquer decisão com fulcro no direito à felicidade, bem como tem sido discutido

em relação aos conceitos de proporcionalidade e da já mencionada preservação da dignidade humana.

E, apoiando-se em Sigmund Freud[9], o pai da psicanálise, diz que não há caminho para todas as pessoas na busca

da felicidade. Cada uma tem de descobrir à sua maneira particular de ser feliz. Por óbvio, se a felicidade é

individual, não poderá o Estado proporcionar a busca da felicidade das pessoas com base em um "menu" socialmente aceito em determinada época social.

Outro problema são os elevados custos e a valorização financeira da felicidade, particularmente, em relação ao

direito à saúde, por exemplo, a questão parecer ser cada vez mais polêmica, mas igualmente, estudada e debatida

no intuito de se avançar na prestação desse direito fundamental.

Para Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2012) entendem que parece sensato concluir que problemas correlatos deverão ser solvidos levando-se em consideração todas as perspectivas que a questão dos direitos sociais envolve.

E, argumentam que os Juízos de ponderação são inevitáveis neste contexto prenhe de complexas relações conflituosas entre princípios e diretrizes políticas ou, em outros termos, entre direitos individuais e bens coletivos.

O fato da enorme dificuldade de implementação satisfatória de qualquer direito social esbarra na escassez de recursos. Porém, o obstáculo financeiro não pode ser algo apto a negar a existência de direitos fundamentais, tal como o direito à felicidade.

O constitucionalismo democrático é a vertente de Estado que possibilita a expansão desse 

sentimento solidário, muito ligado à felicidade. De acordo com Clèmerson Merlin Clèver (2011): (...) a Constituição, é necessário reconhecer, reclama transformação rumo à satisfação dos objetivos fundamentais por ela elencados, particularmente a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Aqui, o Estado tem um papel a cumprir. [...].

É claro que a Lei Fundamental apresenta uma tábua referencial avançada que deve ser efetivada, realizada, concretizada. Mas para além dos aparentes consensos, sempre fáceis na dimensão mais abstrata, manifestam-se dissensos sobre o modo concreto de realização de promessas ou pautas genéricas.

O teor compromissório da normativa constitucional não é capaz de superar todas as disputas emergentes numa sociedade aberta, dinâmica e, mais do que isso, a desafiar, com urgência, solução para as questões sociais que vão se acumulando, sem resposta adequada, há séculos.

A contribuição que se pode aferir então do reconhecimento do direito fundamental à  felicidade no âmbito da felicidade pública é o impulso ainda maior da democracia e da  participação popular legítima nas decisões públicas, o que contribui não só com a própria  satisfação do direito à felicidade aqui abordado, mas também com uma série de outros  benefícios, como o incentivo a uma série de práticas inerentes à democracia e ao  republicanismo, tais como uma melhor transparência pública, a supremacia do interesse público  e a eficaz prestação dos serviços públicos.

Conclui-se, conforme se explanou as benesses ou consequências positivas acarretadas pelo pleno reconhecimento do direito à felicidade como direito fundamental.

Resta evidente após a revisão doutrinária e jurisprudencial realizada, a índole fundamental do direito à felicidade, cuja afirmação e concretização tende a ampliar os patamares de felicidade coletiva[10] por meio de maior participação das pessoas em questões sociais, bem como na concepção da busca da felicidade como um objetivo maior das decisões estatais.

E, no âmbito individual, representa um incremento ainda maior na garantia das liberdades individuais contra as invasões irregulares do Estado e a obrigação de promoção de mecanismo de busca efetiva do bem-estar a todos os cidadãos por parte do Estado.

Referências

BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Posfácio. In: GABARDO, Emerson; SALGADO, Encida Desiree (Coord.)

Direito, felicidade e justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2014.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais

e a construção do novo modelo. 5ª.ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Suspensão de Tutela Antecipada n. 

223/PE. Relatora Min. Ellen Gracie. Julgamento em 14/04/2008. Diário de Justiça Eletrônico, 

09/04/2014. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630062>. Acesso em 02/02/2023

________. Segunda Turma. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 477.554/MG.

Relator Min. Celso de Mello. Julgamento em 16/08/2011. Diário de Justiça Eletrônico, 

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CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. 3. reimp. Tradução de Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. Coimbra: Almedina, 2012.

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FREUD, Sigmund. O mal-estar na cultura. São Paulo: L&PM, 2010.

IDOETA, Paula Adamo. A época em que ser alegre era malvisto - e como começou nossa busca pela felicidade.

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MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7ª. ed. rev. e 

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MERLIN, Clève Clèmerson. O direito e os direitos: elementos para uma crítica do direito contemporâneo.  Belo Horizonte: Fórum, 2011.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos 

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SILVA, Erick Winer Resende. O direito à busca da felicidade: contribuição à hermenêutica 

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STEARNS, Peter Nathaniel. História da Felicidade. Tradução de Roberto Cataldo. São Paulo: Editora Contexto, 2022.

TOMAZ, Carlos Alberto Simões de. Direito à felicidade. Belo Horizonte: Forum, 2010.

Notas:

[1] É professor da George Mason University onde foi reitor de 01.01.200 a julho de 2014. Foi presidente do Departamento de História da Carnegie Mellon University onde também atuou como reitor da Faculdade de Humanidades e Ciências Sociais da Carnegie Mellon University. Publicou as obras: História da Felicidade, História da Sexualidade, Human Rights in World History (Themes in World History), História das relações de gênero, A infância, The Encyclopedia of World History. Frequentou a Havard College e, mais tarde recebeu PhD da Universidade de Havard. Sua prolífera carreira como autor e editor, escreveu e editou mais de 135 livros diferentes. Atuou como presidente fundador do Comitê de História Mundial de Colocação Avançada como Vice-Presidente de Ensino da Associação Histórica Americana.

[2] A modernidade é período de tempo que se caracteriza pela realidade social, cultural e econômica vigente no mundo. Ao tratarmos da era moderna, pré-moderna ou ainda pós-moderna, fazemos referência à ordem política, à organização de nações, à forma econômica que essas adotaram e inúmeras outras características. Foi quando foram criadas as bases sólidas para o início e desenvolvimento do sistema capitalista no mundo. "É comumente entendido que os eventos que se iniciaram com a Revolução Francesa foram o ápice da superação do pensamento e das organizações sociais tradicionais que marcaram o período medieval.  O rompimento com o pensamento escolástico, método de pensamento crítico ainda ligado aos preceitos da Igreja Católica, e o estabelecimento da razão como forma autônoma de construção de conhecimento, desligado de preceitos teológicos, foram alguns dos primeiros passos em direção à construção do pensamento moderno."

[3] Essa característica está relacionada com a impaciência de nossa cultura tem com o pesar e o deseja de sair logo da experiência do luto. Dá-se forte pressão sobre o enlutado, que logo após a perde, é compelido a voltar à atividade normal de seu cotidiano.

[4]  Ser feliz é algo diferente para cada pessoa, mas também tem sido diferente ao longo da história, em diversas regiões do planeta. Sempre houve a busca por existências felizes, mas o que é considerado felicidade e a forma como as pessoas conseguem configurar suas experiências variam muito e dependem de circunstâncias históricas específicas. Assim, a visão histórica melhora nossa compreensão dessa emoção humana, mesmo para observadores interessados principalmente em padrões contemporâneos. Neste livro veremos como a felicidade é produto das concepções religiosas do passado, do iluminismo, do capitalismo comercial, da imensa indústria do entretenimento moderno, do aconselhamento psicológico, além de todas as possíveis variáveis pessoais, familiares e locais adicionadas à mistura. In: STEARNS, P. História da Felicidade. São Paulo: Contexto, 2022.

[5]  Os países mais felizes do mundo, são: Suíça, Dinamarca, Finlândia, Holanda, Islândia, Noruega, Áustria, Luxemburgo, Alemanha e Nova Zelândia.  O Butão é conhecido como “país da felicidade” porque implementou um índice chamado “FIB” (Felicidade Interna Bruta) ou “GNH” (Gross National Happiness). O governo mede a felicidade dos cidadãos por meio de um questionário feito com o Censo local que leva em consideração aspectos do cotidiano da população. Em 20 de março é comemorado o Dia Internacional da Felicidade, comemorada desde 2013. O dia foi inspirado pelo Reino do Butão, localizado entre China e Índice, que promove o conceito de Índice de Felicidade para medir o bem-estar socioeconômico e o PIB (Produto Interno Bruto). O relatório mundial da felicidade com indicativos medidos em vários países apontou a Finlândia como o país mais feliz do mundo. Enquanto o Brasil é o 39º colocado.

[6] A felicidade, do latim fertilis, de fértil, ou fructifer, de frutífero, tem sido ao mesmo tempo o céu e o inferno do ser humano. Representa o paraíso de uma sensação de plenitude que, de tão perseguida poucas vezes alcançada, transformou-se em fonte perene de frustração. Durante séculos, pensadores se debruçaram sobre essa questão central. Em A História da Felicidade, livro de sucesso internacional que acaba de ganhar edição em português pela editora Contexto, o historiador Peter Stearns, professor da Universidade George Mason, nos Estados Unidos, desvela o passado para que possamos vislumbrar o futuro e construir meios de desfrutar desse sentimento. -

[7] Em 2011, a ONU, através da Resolução 65/309, intitulada “Felicidade: um enfoque holístico pelo desenvolvimento”, apontou a busca da felicidade como objetivo humano fundamental e um dos objetivos de desenvolvimento do milênio, estimulando, assim, a adoção de políticas públicas voltadas a esse desiderato.

[8]  Na Ética a Nicômaco, Aristóteles enumera três condições para que um ato seja virtuoso, a saber: primeiro, o homem deve ter consciência da justiça de seu ato; segundo, a vontade deve agir motivada pela própria ação; terceiro, deve-se agir com inabalável certeza da justeza do ato.

[9]  Para o autor, a felicidade, tal como é comumente concebida pelos homens, significa obtenção de prazer. Por ser determinada pelo programa do princípio de prazer, passa a denotar, além de obtenção de prazer, evitação de desprazer. Nesse contexto, a felicidade seria entendida como a presença de prazeres, que podem ser apenas imediatos? Ou será que ser feliz é viver na ausência de sofrimentos? Parece um conceito bastante complexo.  Para uma pessoa doente, por exemplo encontrar a cura é uma felicidade. No entanto, no caso de uma pessoa saudável isso não parece ter a menor importância. A felicidade está em outras coisas, como encontrar um amor. Por outro lado, há pessoas que vivem ao lado de seus amados, são saudáveis, mas não se sentem felizes até terem filhos. Nesse contexto, as pessoas estão sempre em busca de uma parte que lhes falta. Assim sendo, a felicidade é muito complicada de entender. Ao que tudo indica, é um conceito que é muito líquido para compreender com facilidade. Nesse contexto, faz sentido que a entendamos pelas lentes de um teórico em específico, já que muitas pessoas terão coisas diferentes para falar.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Busca à Felicidade Direito à Felicidade Direito Fundamental Estado Democrático de Direito

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