19 de abril, Dia dos povos indígenas
A existência do dia 19 de abril e, ainda, do Estatuto do Índio é de curial importância pois estabelece princípios e regras gerais e regulamenta os direitos e deveres dos indígenas e de sua comunidade, principalmente, para a manutenção da identidade brasileira.
Márcia
Mura[1], professora e doutora em
História Socia pela USP, informa, com razão, que a mudança é necessária para
refletir as ideias e lutas das diversas sociedades indígenas. Ratifica que o
termo "índio" é termo genérico, que não considera as especificidades
existentes entre os povos indígenas, tais como as peculiaridades linguísticas,
culturais, religiosas e, mesmo seu contato com a sociedade não indígena.
Já a
palavra "indígena" significa "natural do lugar em que
vive", o termo "índio" é pejorativo e nos remete ao colonizador com
seu senso eurocêntrico, que enxerga tais povos como atrasados. Enfim, o dia do
índio é data folclórica e preconceituosa conforme afirma Daniel Munduruku,
escritor indígena, doutor em Educação pela USP e pós-doutor em Linguística[2]. Munduruku é pertencente
ao povo indígena de mesmo nome, situado nas regiões do Pará, Amazonas e Mato
Grosso[3].
A
mudança terminológica poderá ser oficializada caso o projeto de lei seja
aprovado e que fora apresentado pela Deputada Federal Joenia Wapichana (Rede-
RR) que tramita no Senado brasileiro. O PL propõe que o dia passe a ser chamado
de Dia dos Povos Indígenas e deverá ser também aprovado pela Comissão de
Constituição e Justiça.
Ultrapassando
a questão da nomenclatura é importante respeitar a identidade cultural
individual de cada povo e referir-se às etnias pelo nome. Quando afirmam que
não são índios, querem dizer que são Mura, Uruéu-Au-Au, Gurarasugwe, todos os
habitantes do território Pindorama que é como os tupinambás chamam o que os
colonizadores deram o nome de Brasil, mas diferentes.
Frise-se
que muitos povos sofreram a tentativa de apagamento desde a chegada de
colonizadores e, procuraram apagar nossas línguas, culturas, memórias, e
deixaram este termo repleto de estereótipos e distorções.
Infelizmente
não há o comemorar, pois os povos indígenas ainda lutam para existir e, o
monitoramento da Amazônia denuncia o desmatamento que já atingiu 115 terras
indígenas em 2019, o que corresponde a mais de 80% do que foi registrado em
2018.
Os
povos indígenas vivem perdendo suas terras para estradas, hidrelétricas,
termoelétricas, pastos e, principalmente, para a mineração ilegal. E, a
floresta não é o único lugar de onde os indígenas resistem, estão em diferentes
contextos, até mesmo no urbano, além do território demarcado oficialmente como
território indígena.
Todos
os biomas são importantes e estão interligados uns aos outros e, por isto, a
preservação da floresta e dos indígenas nos remete ao direito fundamental à
vida e ao meio ambiente hígido.
O dia
do índio é celebrado nos países americanos e, a data foi escolhida em 1940,
quando ocorreu o Primeiro Congresso Indigenista Interamericano. Outra data
destinada à mesma finalidade, no contexto internacional, e determinada pela ONU
em 1995, foi o 09 de agosto.
Em
nosso país, o dia do índio fora estabelecido via Decreto-Lei, em 1943 pelo
então presidente Getúlio Vargas que exercia o poder de modo autoritário no
afamado Estado Novo. Nesse Estado havia forte influência de sertanistas e
estudiosos de comunidades indígenas, tal como Marechal Cândido Rondon[4], que era igualmente um
entusiasta do getulismo.
O atual governo federal
brasileiro é contra os indígenas e promove retrocesso de pelo menos quatro
séculos pois dá anistia e incentivo à grilagem, estímulo ao garimpo, impunidade
ao desmatamento criminoso, expropriação e fim de demarcações de territórios
indígenas.
A lei
brasileira respeita a autodeterminação de etnia[5] das pessoas. Portanto,
indígena é reconhecido ao se declarar assim, seja aldeado ou não. E, o PL 490
também destrói essa lógica para avançar sobre os territórios dos povos
originários, o PL prevê que se o governo em certo momento, entender que o índio
deixou de ser índio, poderá retomar as terras, favorecendo o modelo do
agronegócio.
PL 490
é aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, segue para votação no
plenário e depois vai ao Senado. Se aprovado, rompe com proteção de povos
isolados e fragiliza limites das terras de povos indígenas, cobiçadas por
garimpo e agronegócio, em 21.06.2021.
Um dos
pontos mais críticos do texto é a exigência da comprovação da posse e ocupação
do território reivindicado pelos povos tradicionais antes do dia 5 de outubro
de 1988 (data da promulgação da Constituição Federal). Atualmente, a legislação
sobre o tema não impõe nenhum marco temporal, e a demarcação é feita por uma
equipe multidisciplinar da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Há a
PL 490 se enquadra em amplo conjunto de outros projetos de ataques aos
indígenas e, facilita o registro definitivo de propriedade definitiva para os
invasores. Infelizmente, o Congresso Nacional brasileiro segue priorizando a
flexibilização de regras e não a proteção de vidas e do meio ambiente, denuncia
a deputada Joenia Wapichana, a única parlamentar indígena do Brasil.
O
Estatuto do Índio estabelece que é obrigação da União, dos Estados e dos
Municípios, para o fim de proteger as comunidades indígenas e preservar os seus
direitos:
I –
estender aos índios os benefícios da legislação comum, sempre que possível a
sua aplicação;
II –
prestar assistência aos índios e às comunidades indígenas ainda não integrados
à comunhão nacional;
III –
respeitar, ao proporcionar aos índios meios para o seu desenvolvimento, as
peculiaridades inerentes à sua condição;
IV –
assegurar aos índios a possibilidade de livre escolha dos seus meios de vida e
subsistência;
V –
garantir aos índios a permanência voluntária no seu habitat ,
proporcionando-lhes ali recursos para seu desenvolvimento e progresso;
VI –
respeitar, no processo de integração do índio à comunhão nacional, a coesão das
comunidades indígenas, os seus valores culturais, tradições, usos e costumes;
VII –
executar, sempre que possível mediante a colaboração dos índios, os programas e
projetos tendentes a beneficiar as comunidades indígenas;
VIII –
utilizar a cooperação, o espírito de iniciativa e as qualidades pessoais do
índio, tendo em vista a melhoria de suas condições de vida e a sua integração
no processo de desenvolvimento;
IX –
garantir aos índios e comunidades indígenas, nos termos da Constituição, a
posse permanente das terras que habitam, reconhecendo-lhes o direito ao
usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas
terras existentes;
X –
garantir aos índios o pleno exercício dos direitos civis e políticos que em
face da legislação lhes couberem.
O
referido Estatuto estabelece ainda que são considerados índio ou silvícola[6] todo indivíduo de origem e
ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente
a um grupo étnico cujas características culturais o distingue da comunhão
nacional.
Os
nascimentos, óbitos e casamentos dos índios, inclusive dos não integrados,
serão registrados de acordo com a legislação comum, respeitadas as
peculiaridades de sua condição quanto à qualificação do nome, prenome e
filiação.
O
Estatuto estabelece, ainda, que haverá livros próprios no órgão competente de
assistência (Funai) para o registro administrativo de nascimentos e óbitos dos
índios, da cessação de sua incapacidade e dos casamentos contraídos segundo os
costumes tribais. O registro em livro próprio servirá de documento hábil para o
registro civil.
São
consideradas terras indígenas:
As
terras ocupadas ou habitadas pelos índios, seja qual for sua classificação
(isolado, em vias de integração ou integrado); As áreas reservadas pela União,
destinadas à posse e ocupação pelos índios; As terras de domínio das
comunidades indígenas.
As
terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento (espécie de aluguel) ou
de qualquer ato e negócio jurídico que restrinja o pleno exercício da posse
direta pela comunidade indígena ou pelos índios. Assim, nessas áreas, é
proibido que qualquer pessoa estranha à comunidade indígena realize a prática
da caça, pesca ou coleta de frutos, assim como atividade agropecuária ou
extrativa.
O
Estatuto do Índio estabelece que, por iniciativa e sob orientação do órgão
federal de assistência ao índio, as terras indígenas deverão ser
administrativamente demarcadas de acordo com o processo estabelecido em Decreto
do Poder Executivo.
A lei
garante aos índios a posse permanente e o direito ao usufruto exclusivo das
riquezas naturais e de todas as utilidades existentes nas terras em que
habitam. Tais terras são consideradas bens inalienáveis da União, conforme
estabelece a Constituição Federal de 1988.
A
posse do índio sobre a terra é caracterizada pela sua ocupação efetiva da
mesma. Isso significa que, de acordo com os usos, costumes e tradições tribais,
é considerada de ocupação efetiva a terra que ele detém e onde habita ou exerce
atividade indispensável à sua subsistência ou economicamente útil.
O
usufruto assegurado aos índios compreende o direito à posse, uso e percepção
das riquezas naturais e de todas as utilidades existentes nas terras ocupadas,
bem como ao produto da exploração econômica de tais riquezas naturais e
utilidades. Inclui-se no usufruto, o uso dos mananciais e das águas dos trechos
das vias fluviais compreendidos nas terras ocupadas, por exemplo. A lei
garante, ainda, o direito exclusivo ao índio do exercício da caça e pesca nas
áreas por ele ocupadas.
A lei
brasileira assegura o respeito ao patrimônio cultural das comunidades
indígenas, seus valores artísticos e meios de expressão. E, quanto ao sistema
nacional de ensino, com as devidas adaptações, é estendido também aos
indígenas.
Assim,
sua alfabetização será feita na língua do grupo a qual pertençam e, também, em
português, salvaguardado o uso da primeira.
A
educação do indígena será orientada para a integração na comunhão nacional
mediante processo de gradativa compreensão dos problemas gerais e valores da
sociedade nacional, bem como o aproveitamento de suas aptidões individuais.
A lei, ainda garante, a formação profissional adequada de acordo com seu grau de aculturação. E, têm direito aos mesmos meios de proteção à saúde que são oferecidos à sociedade em geral, bem como ao regime geral da previdência social será extensivo aos índios, atendidas as condições sociais, econômicas e culturais das comunidades beneficiadas.
Relevante ressaltar que a relação dos indígenas com a terra é diferente dos demais seres humanos, especialmente, os que vivem sob o regime capitalista. Trata-se de uma discussão civilizatória, pois os indígenas não são pobres nem ricos, representando um problema para o capitalismo. E, mantê-los sobre o território, garantir seus direitos, permanece sendo um grande desafio.
Referências
BEZERRA,
Juliana. Índios Brasileiros. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/indios-brasileiros/ Acesso
em 23.04.2022.
Estatuto
do Índio. Lei nº6.001, de 19 de dezembro de 1973. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6001.htm Acesso em 22.04.2022.
IBGE
Censo Demográfico de 2010.
MACHADO,
Ricardo; DORRICO, Julie; DANNER, Leno. Da sutileza de puxar os fios da própria
história. Disponível em: https://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/7399-da-sutileza-de-puxar-os-fios-da-propria-historia Acesso
em 23.4.2022.
MUNDURUKU,
Daniel; NEGRO, Maurício (Ilustrador); TASSO, Luciano (Ilustrador). O banquete dos deuses: Conversas sobre a
origem e a cultura brasileira. São Paulo: Global Editora, 2015.
SCHWARCZ,
Lilia; STARLING, Heloisa M. Brasil: uma biografia - Pós escrito. São Paulo:
Companhia das Letras, 2018.
SILVA,
Daniel Neves. "Povos indígenas do Brasil"; Brasil Escola. Disponível
em: https://brasilescola.uol.com.br/brasil/o-indigena-no-brasil.htm .
Acesso em 23.04.2022.
STUCKERT,
Ricardo. Povos originários: Guerreiros do tempo. São Paulo: Editora
Tordesilhas, 2022.
Notas:
[1]
Márcia Mura, doutora em História Social, encontrou na sua ancestralidade e na
sua atuação profissional uma forma de retomar a identidade de um povo extinto
pela historiografia, os Mura Márcia Mura é dona de uma luta que é, a uma só
vez, própria e coletiva. Diante do muro da incompreensão burocrata, baseada em
uma historiografia etnocêntrica que afirma que sua etnia, os Mura, não mais
existem, Márcia ergue sua ponte de conexão entre mundos.
[2]"O
Banquete dos Deuses" é um valioso subsídio para o melhor entendimento das
contribuições culturais das sociedades indígenas, das suas formas de percepção
dos ciclos vitais, entre outras temáticas que tocam a identidade do próprio
Daniel. Os pais devem ler este livro para e com os seus filhos, como uma forma
de partilhar com eles a compreensão dos povos indígenas haurida diretamente da
voz de um de seus representantes. Os professores, sobretudo do ensino
fundamental, encontrarão aqui precioso material para o desenvolvimento de temas
interdisciplinares como Ética e Pluralidade Cultural.
[3]Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre os povos indígenas brasileiros, baseado no Censo de 2010, há cerca de 900 mil indígenas no Brasil, que se dividem entre 305 etnias e, falam ao menos 274 línguas. E, segundo tais dados o nosso país é um dos país de maior diversidade sociocultural do planeta. Há dois troncos principais: Macro-Jê: que incluem os grupos Boróro, Guató, Jê, Karajá, Krenák, Maxkali, Ofayé, Rikbaktsa e Yatê. Tupi: onde estão Arikém, Awetí, Jurúna, Mawé, Mondé, Munduruku, Puroborá, Ramaráma, Tupari e Tupi-Guarani.
[4]Como
forma de defender os indígenas, o Marechal Rondon foi um dos defensores da
criação do Parque Nacional do Xingu. A primeira postura de Rondon a respeito
dos indígenas foi a de defender a integração desses povos com a sociedade
brasileira, mas apenas se fosse realizada pacífica e voluntariamente.
[5]
Segundo dados do Instituto Socioambiental (ISA), as tribos que mais se destacam
pelo número de habitantes são:
Guarani: originários do
tronco da família linguística tupi-guarani, os guaranis somam cerca de 85 mil
habitantes no país. Eles vivem em diversos estados do Brasil e estão divididos
em três grupos: kaiowá, mbya e ñadevaesse.
Ticuna: pertencente à
família linguística ticuna, apresenta cerca de 50 mil habitantes - que estão na
Amazônia, sobretudo às margens do rio Solimões. Eles são considerados o maior
grupo indígena que vive na região.
Caingangue: proveniente do
tronco da família linguística macro-jê, os caingangues reúnem cerca de 45 mil
pessoas. Estão em quatro estados do Brasil: São Paulo, Paraná, Santa Catarina e
Rio Grande do Sul.
Macuxi: da família
linguística Karib, os macuxis encontram-se, em grande parte, no estado de
Roraima. Cerca de 30 mil indígenas vivem em aldeias e pequenas habitações
isoladas pelo estado.
Guajajara: oriundos do
tronco da família tupi-guarani, os 27 mil guajajaras existentes moram no estado
do Maranhão.
Terena: da família
linguística aruak, há cerca de 26 mil pessoas dessa etnia no território
brasileiro. Encontram-se nos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São
Paulo.
Yanomami: da família
linguística yanomami, esse grupo reúne cerca de 26 mil pessoas nos estados do
Amazonas e Roraima.
Xavante: originários do
tronco da família linguística macro-jê, os xavantes têm uma população de 18 mil
habitantes, que estão concentrados em reservas indígenas no estado do Mato
Grosso.
Potiguara: pertencem ao
tronco da família linguística tupi-guarani. Os potiguaras somam cerca de 18 mil
pessoas nos estados da Paraíba, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
Pataxó: da família
linguística pataxó, esse grupo reúne cerca de 12 mil pessoas nos estados da
Bahia e Minas Gerais.
[6] Que vive nas florestas, selvícola. relacionado com as matas, florestas, selvas, hábitos silvícolas. Advém do latim silva, que significa selva, flores, mais o sufixo -cola, de colere, significando cultivar, cuidar, habitar.