O Cavaleiro da Lua e o Direito Penal
Por Paulo Schwartzman.
Olá, prezados, tudo bem? Seguimos com a nossa coluna semanal para falar sobre a série do momento do serviço de streaming da Disney (criativamente, ou não, chamado de Disney +), o Cavaleiro da Lua.
A série é bem interessante e conta a estória de Steven Grant (interpretado pelo Oscar Isaac, o mesmo que fez o Poe Dameron de Star Wars) e seus lapsos de memória. A trama se complica quando se descobre que Steven está no meio de uma batalha entre antigos deuses do Egito, no caso Ammit e Khonshu.
Segundo a série Ammit seria uma deidade que representa a vingança (ou justiça) antes mesmo do mal ocorrer. Assim, ela mataria aqueles que fariam o mal, quer eles já o tivessem realizado ou não. Já Khonshu, por sua vez, seria uma deidade que representa igualmente a vingança, mas somente após a realização do mal pelas pessoas.
Afora questões como: o que é o mal? Ou: Existe algo como o mal absoluto? A série nos coloca diante de um problema já retratado nas artes: é possível se repreender um crime antes que ele tenha ocorrido?
Com efeito, não é novidade tal temática nos filmes, e, para encurtar a lista, citamos aqui o Minority Report, que conta com bela atuação de Tom Cruise. Entretanto a maneira como Cavaleiro da Lua coloca a questão é mais escancarada, uma vez que ambas as deidades representam a vingança, diferindo apenas no fato que Ammit daria sua “retribuição” antes mesmo do fato.
Certo, mas... e o Direito Penal?
Em termos de Direito Penal temos o aforismo nulla injuria sine actione, que manifesta em si o Princípio da Exterioridade da Ação (também conhecido como Princípio da Materialidade). Nesse sentido, em se cotejando o referido princípio do Direito Penal, temos que Ammit o violaria frontalmente, pois, como o indivíduo ainda não necessariamente cometeu o crime, por ele não poderia ser julgado (e muito menos executado).
Não é que Khonshu não tenha falhas, até porque a solução para ambos os deuses é a morte do infrator, o que, por si, já afronta o Direito Pátrio, que só permite a pena de morte em situações excepcionais, sendo que esta é vedada como regra (art. 5º, XLVII, “a”, da CR). A questão é que Ammit leva a vingança a outro nível, punindo o agente antes mesmo de esse cogitar a conduta criminosa.
Ora, aqueles que estudam o Direito Penal sabem que cogitar não é crime, até porque senão todos da sociedade estariam presos. Inclusive a doutrina penalista criou um termo charmoso para tal “direito” de pensar coisas criminosas, é o chamado “Direito à Perversão”.
No caso de Ammit, punir-se-ia o agente mesmo que esse não pensasse no crime, violando, portanto, a lógica do Direito Penal Brasileiro. Isso porque, como visto, dentro do “iter criminis” não há doutrina sustentável que acredite ser possível punir o mero cogitar.
Gostaria de terminar a coluna de hoje dizendo que, como toda interpretação que é feita para as telas, existem algumas incongruências que ficam ocultas à audiência desavisada. Nesse ponto já digo que as representações de Ammit e Khonshu possuem algumas falhas, como por exemplo na questão de representação da deusa Ammit (às vezes retratada na cultura egípcia como Aman), que seria, além de parte crocodilo, parte leão e parte hipopótamo, ou no fato de que Khonshu (Quespisiquis, em adaptação original do grego) tinha também uma faceta muito ligada à fertilidade (o que pode ser inferido com alguma facilidade quando lembramos que ele é o deus ligado à Lua. De todo modo, não devemos ser tão duros com a arte, uma vez que o papel educativo nela é secundário, sendo primordial o papel de entretenimento, o que a série consegue entregar com maestria em seus 6 episódios.
Boa sexta-feira a todos, fico no aguardo de nosso reencontro na sexta que vem. Abraços, Paulo.