Quando o STF prefere remediar a decidir

Fonte: Jota.Info

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O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski, em mais uma decisão individual, indeferiu pedido de suspensão de liminar (SL 815) do Município de São Paulo, e manteve sentença da Justiça federal que obrigou a Prefeitura a fornecer, gratuitamente, a um portador de cirrose hepática, medicamentos especiais que ele não tinha condições de comprar.

No início de novembro, Lewandowski negara recurso (“suspensão de tutela antecipada”), da mesma prefeitura, que não queria disponibilizar a um portador de doença genética rara um remédio importado, cujo custo anual foi orçado em cerca de R$ 1 milhão.

Na nova decisão publicada há poucos dias, o presidente do STF ressalta que “embora seja vedada nesta esfera a análise de mérito da demanda, faz-se necessário um juízo de delibação mínimo acerca da matéria veiculada na lide principal, a fim de se estabelecer a natureza constitucional da questão”.

E acrescenta: “Compulsando os autos, verifico que a controvérsia diz respeito tanto à garantia do direito à vida quanto ao direito social à saúde, previstos nos arts. 5º, 6º e 196 da Constituição Federal. Ante a impossibilidade financeira para, por conta própria, pagar pelo tratamento, busca-se o custeio de nova terapêutica não disponível na rede pública de saúde, tendo em vista que as disponíveis não proporcionaram a melhora do quadro clínico do interessado. Esta Corte, no Recurso Extraordinário nº 566.471/RN, de relatoria do ministro Marco Aurélio, reconheceu a repercussão geral do tema relativo à obrigatoriedade de o Estado, nos termos do artigo 196 da Constituição, vir a fornecer remédio de alto custo”.

Marcha lenta

O RE 566.471, citado pelo ministro Lewandowski, chegou ao STF há mais de sete anos. Mais precisamente em 8/10/2007. O ministro-relator, Marco Aurélio, ao propor que o recurso fosse julgado com os efeitos da repercussão geral, escreveu: “Este tema tem-se repetido em inúmeros processos (…). Em síntese, questiona-se se situação individual pode, sob o ângulo do custo, colocar em risco o grande todo, a assistência global a tantos quantos dependem de determinado medicamento, de uso costumeiro, para prover a saúde ou minimizar sofrimento decorrente de certa doença (…) Impõe-se pronunciamento do Supremo, revelando-se o alcance do texto constitucional”.

Em 3/12/2007, o plenário virtual do STF, por unanimidade, “reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada”.

O andamento processual desse recurso extraordinário mostra que a maioria dos estados quis ingressar no feito – provocado pelo governo do Rio Grande do Norte – na condição de amicus curiae. O ministro-relator, Marco Aurélio, acabou por aceitar as petições do Rio de Janeiro, de São Paulo, do Distrito Federal e de mais 17 estados.

Começaram então a tentar participar do processo, na mesma condição, diversos municípios, o que provocou, em 14/6/2011, o seguinte despacho do ministro: “Muito embora o fornecimento de remédios seja feito pelos municípios, não há como ouvi-los no processo, porquanto este ficaria inviabilizado considerados os 5.564 municípios existentes no Brasil. Acresce ainda o fato de a admissibilidade de terceiro correr à conta de concepção do relator quanto à representatividade e aos esclarecimentos que se possam prestar”.

O julgamento deste tema teve uma espécie de prévia na sessão da 1ª Turma do STF realizada no dia 25 de junho deste último ano (2014). Por unanimidade, a turma de cinco membros rejeitou recurso extraordinário (RE 429.903), do governo do Rio de Janeiro, contra decisão da Justiça estadual que obrigou o estado a manter em estoque, por dois meses, remédio para portadores da Doença de Gaucher (moléstia genética rara), que não têm condição financeira para comprar o medicamento.

A discussão do feito estava suspensa, aguardando o julgamento do RE 566.471 pelo plenário. Mas o relator do processo na turma, Ricardo Lewandowski, acabou por convencer seus pares de que se tratava de uma situação um pouco distinta.

De acordo com o relator, a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro estava em harmonia com a orientação do plenário do Supremo, ao julgar o caso (RE 271.286) de um paciente portador de HIV, sem recursos, que precisava de medicação especial. Naquela ocasião, em 2000, a 2ª Turma seguiu o voto do relator, Celso de Mello, e reconheceu o dever constitucional do poder público de garantir o direito à saúde como consequência imediata do direito à vida, cabendo-lhe “formular e adotar políticas sociais e econômicas que deem aos cidadãos acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar”.

Questão paralela

Está ainda para ser enfrentada pelo plenário do STF uma questão similar, também com repercussão geral reconhecida, constante do RE 657.718, da Defensoria Pública de Minas Gerais contra o governo estadual. O recurso deu entrada no STF em setembro de 2011, teve repercussão geral reconhecida em novembro do mesmo ano, e o relator também é o ministro Marco Aurélio, que assim se manifestou:

“O tema é da maior importância para a sociedade em geral, no que, de início, cumpre ao estado assegurar a observância do direito à saúde, procedendo à entrega do medicamento. Surge, então, o questionamento: em se tratando de remédio não registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) há a obrigatoriedade de o Estado o custear? A resposta do Tribunal de Justiça de Minas Gerais foi em sentido negativo, e ao Supremo cabe a última palavra sobre a matéria, ante os preceitos dos artigos 6º e 196 da Constituição Federal”.

(O artigo 6º arrola, entre os “direitos sociais”, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho e a moradia; o artigo 196 trata a saúde como “direito de todos” e “dever do Estado”).

Por: Luiz Orlando Carneiro

Palavras-chave: STF Liminar Fornecimento Medicamentos

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