Provas Ilícitas - Breves ponderações

Adalberto César Pereira Martins Júnior é Advogado e membro da Comissão dos Jovens Advogados da Seccional do Estado de São Paulo.

Fonte: Adalberto César Pereira Martins Júnior

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Adalberto César Pereira Martins Júnior ( * )

A partir do momento em que o homem passou a viver em sociedade, a organização de suas relações, que antes eram exercidas através da preponderância da força, passaram - com o decorrer da história - para o controle e monopólio do Estado. De tal forma, se tornou tarefa deste regular as relações entre os seus integrantes e as relações destes com o próprio Estado, por meio de normas (direitos e deveres) sem as quais a vida em sociedade seria praticamente impossível.

Os chamados direitos (ou poderes), no mesmo instante em que possibilita as atividades lícitas, tratam-se de um freio que limita os poderes e liberdades do cidadão, estando obrigado ao dever de respeito aos direitos alheios e do próprio Estado. Dessa forma, quem se afasta do comando imperativo das normas jurídicas fica submetido à coação do Estado pelo cumprimento de seus deveres, eis que de nada valeriam normas se não fossem estabelecidas sanções para àqueles que não se subordinassem, lesando direito alheio, além de colocar em risco o fim perseguido pelo Estado, qual seja, uma convivência social pacífica.

Em razão da complexidade das relações entre os homens, poderão surgir inúmeros conflitos de interesses quando os de uns se contrapõem aos de outros. Do mesmo modo, pode ocorrer quando um interesse pertence de um lado ao Estado e de outro ao homem em particular. Desse conflito, resulta a existência de uma pretensão, a qual, havendo oposição entre uma parte e outra, passa-se a existência da lide.

No campo penal, praticado um fato que, pelo menos aparenta constituir um ilícito, nasce o conflito de interesses entre o Jus puniendi do Estado e o Jus libertatis daquele acusado de praticar tal fato.

Presente um conflito qualificado por pretensões que se resistem, nasce o direito de ação, de modo que, no Estado moderno, a solução de conflitos se dá - especialmente no campo penal - através do processo. Opondo-se o titular do direito a liberdade à pretensão punitiva, e não podendo o Estado impor, de plano, o seu interesse em punir surge a lide penal e, por conseqüência o processo penal.

O processo penal, nas lições de Mirabete (2006, p. 09) "é o conjunto de atos cronologicamente concatenados (procedimentos), submetido a princípios e regras jurídicas destinadas a compor as lides de caráter penal".

Uma vez instituído o processo penal, caberá ao juiz - na qualidade de detentor do poder jurisdicional e presidente do processo - nos termos do art. 251 do Estatuto Processual Penal "prover a regularidade do processo", de forma a colher as provas indispensáveis na busca da verdade real e, ao final, proferir um decisão justa e imparcial.

Assim, uma vez nascida a lide penal e instituído o processo, cabível algumas considerações a respeito das provas a serem produzidas, especialmente as ilícitas.

Em primeiro, necessário se faz conceituar o vocábulo prova, de forma que se entende através das lições de Ada Pelegrini Grinover et alii (1993, p. 103) que "a prova, constitui, assim, numa primeira aproximação, o instrumento por meio do qual se forma a convicção do juiz a respeito da ocorrência ou inocorrência de certos fatos".

Ademais, há que se entender que a prova constitui um direito das partes, na medida em que se encontram presentes nas garantias do devido processo legal e do contraditório, pois, como assevera Antonio Scarance Fernandes (1999, p. 66) "de nada adiantaria a autor ou réu o direito de trazer a juízo suas alegações se não fosse proporcionada oportunidade no desenvolvimento da causa de demonstrar suas afirmações".

Assim, toda vez em que não se assume a ampla liberdade de atuação das partes, em matéria probatória, pode configurar-se cerceamento de defesa ou de acusação.

A prova, nas lições de Vicente Greco Filho (1995, p. 193) "tem como objeto os fatos, isto é, os fatos relevantes e pertinentes ao processo. No plano prático, é mais importante para a atividade das partes a demonstração dos fatos do que a interpretação do direito, porque esta ao juiz compete, o passo que os fatos a ele devem ser trazidos".

Ademais, a atividade probatória acaba por ser limitada a certos parâmetros, de forma que são inadmissíveis no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, nos termos do art. 5º, inc. LVI da Constituição Federal.

Por conseguinte, mais uma vez com saudosa maestria, Vicente Greco Filho (1995, p. 178) entende que essa regra da inadmissibilidade de qualquer prova obtida por meios ilícitos não deve ser absoluta, porque "nenhuma regra constitucional é absoluta, uma vez que tem de conviver com outras regras ou princípios também constitucionais. Assim, continuará a ser necessário o confronto ou o peso entre os bens jurídicos, desde que constitucionalmente garantidos, a fim de se admitir, ou não, a prova obtida por meio ilícito".

Essa linha de raciocínio também é seguida por Nelson Nery Jr. (1996, p. 18), para quem "a ilicitude de obtenção de prova seria afastada quando, por exemplo, houver justificativa para a ofensa a outro direito por aquele que colhe a prova ilícita. É o caso do acusado que, para provar a sua inocência, grava clandestinamente conversa telefônica entre outras duas pessoas. Age em legítima defesa, que é causa da exclusão de antijuridicidade, de modo que essa prova antes de ser ilícita é, ao contrário, lícita, ainda que fira o direito constitucional de inviolabilidade da intimidade, previsto na CF, 5º, X, que (...) não é absoluto".

Conforme se denota, balizado nos ensinamentos da mais moderna doutrina, não se tem por absoluto a impossibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, ainda mais quando se trata de bens jurídicos penalmente relevantes e que se encontram em igualdade de proteção pela norma constitucional.

Justificando tal posicionamento, emerge atualmente a importância do princípio da proporcionalidade, através do qual vem se admitindo a prova obtida por meios ilícitos - claro que em caráter excepcional e com base no equilíbrio dos valores em destaque - evitando-se assim a rígida aplicação do já citado art. 5º, inc. LVI da Constituição Federal, quando determinada ofensa a determinado valor constitucionalmente protegido é feito para salvaguardar valor maior também assegurado constitucionalmente.

Entendem Grinover et alii (1993, p. 112) que se a prova for colhida pelo próprio acusado, a ilicitude é entendida como legítima defesa, posição esta também defendida por Nelson Nery Jr., conforme anteriormente mencionado. Fernando Capez (1997, p. 33), no entanto, entende que o princípio pode ser invocado em prol da sociedade.

Entretanto, Antonio Magalhães Gomes Filho (1997, p. 107) sustenta, convincentemente, inexistir incongruência entre a rejeição da proporcionalidade para a prova ilícita pro societate e a admissibilidade em pro reo, tendo-se em vista a diversidade dos valores constitucionais protegidos, sendo insuperáveis os valores "liberdade" e "dignidade da pessoa humana" na ótica da sociedade democrática, e, ainda, que ao próprio Estado não pode interessar a punição do inocente, o que poderia significar a impunidade do verdadeiro culpado.

Como se ainda não bastasse a infindável discussão acerca do princípio da proporcionalidade, Valter Coelho (1996, p. 134-5) comenta que, "é de se referir, de modo especial, a tese da avaliação comparativa de bens, defendida por Mezger e Sauer. Nela se proclama que, embora se sacrificando um bem ou um interesse jurídico, a ação humana será substancialmente lícita (e portanto permitida) se o agente teve por fim salvaguardar outro bem ou interesse mais valioso. (...) E aqui, ao enfocar, expressamente o possível conflito entre direitos e valores de maior ou menor significação, é que se percebe - como se disse inicialmente - a óbvia correlação entre o princípio da proporcionalidade, na questão da prova ilícita (...) Assim, o princípio da proporcionalidade e o da avaliação comparativa de bens afiguram-se, pois, como facetas ou corolários de um mesmo postulado jurídico fundamental. É, realmente, um postulado a permitir que a prova formalmente ilícita possa, eventualmente, estar despida de sua ilicitude material e, portanto, permitida".

Enfim, a admissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, ainda que de modo excepcional, vem sendo amplamente defendida pelos maiores nomes da doutrina brasileira. Mas e os tribunais? Como vêem se comportando diante do caso concreto?

Em que pese o Supremo Tribunal Federal interpretar o art. 5º, inc. LVI da Constituição Federal de maneira praticamente absoluta, a Suprema Corte brasileira vem admitindo ponderações, somente admitindo a utilização da prova obtida por meio ilícito para inocentar, mas nunca para condenar.

Em julgado, o Min. Sepúlveda ponderou que "Não contesto a relatividade dos direitos e garantias individuais, sujeitos a restrições na estrita medida da necessidade, em caso de conflito com outros interesses fundamentais igualmente tutelados pela Constituição. Por isso, igualmente não nego, em linha de princípio, a legitimidade do apelo ao critério da proporcionalidade para solver a colisão entre valores constitucionais. Posto não ignore a autoridade do entendimento contrário, resisto, no entanto, a admitir que à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita se possa opor, com o fim de dar-lhe prevalência em nome do princípio da proporcionalidade, o interesse público na eficácia da repressão penal em geral ou, em particular, na de determinados crimes. É que, aí, foi a Constituição mesma que ponderou os valores contrapostos e optou - em prejuízo, se necessário, da eficácia da persecução criminal - pelos valores fundamentais, da dignidade humana, aos quais serve de salvaguarda a proscrição da prova ilícita" (STF, HC 79.512, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 16/12/1999).

Ademais, a posição do Supremo Tribunal, porém, não era pacífica no sentido da impossibilidade do uso de provas obtidas por intermédio de interceptação telefônica. Observe-se que em decisão à anteriormente citada, em que foi relator o Min. Néri da Silveira, estabeleceu-se que, "a existência nos autos de prova obtida ilicitamente (escuta telefônica) não basta à invalidação do processo, se a sentença condenatória está baseada em prova testemunhal autônoma, isto é, colhida sem a necessidade dos elementos informativos revelados pela prova ilícita" (HC 73.311 - MS, 30.4.96).

Com isso, ainda que poucos sejam os julgados no sentido da admissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, o Supremo Tribunal Federal deixou assente a sua escassa maioria a favor da ilicitude absoluta de tal prova.

Portanto, para fins de conclusão, o que se pretende não é o uso indiscriminado e a ampla admissibilidade das provas obtidas por meio ilícito, afinal, somente se justifica a penetração na seara dos direitos fundamentais do indivíduo com o fim único e exclusivo de combate aos crimes que representam uma ameaça aos valores constitucionais de maior proteção, quais sejam, construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, dentre outros, erigidos como metas pelo Estado Democrático de Direito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. São Paulo. Saraiva, 1997.

COELHO, Walter. Prova indiciária em matéria criminal. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1996.

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo. Revista dos Tribunais. 1999.

GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1997.

GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. Saraiva, São Paulo, 1995.

GRINOVER, Ada Pelegrini; FERNANDES, Antonio Scarance e GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades do processo penal. 3ª Ed. São Paulo. Malheiros, 1993.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18ª Edição. São Paulo: Atlas, 2006.

NERY JR., Nelson. Proibição da prova ilícita. Novas tendências do direito. In justiça penal nº 4. São Paulo, RT, 1996.


Notas:

*Adalberto César Pereira Martins Júnior é Advogado e membro da Comissão dos Jovens Advogados da Seccional do Estado de São Paulo. [ Voltar ]

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1 Comentários

Thiago R. Zorzeto Advogado18/06/2009 12:21 Responder

Excelentes comentários Dr. Adalberto! Creio que suas ponderações auxiliarão em muito a compreensão de temas complexos como esse. Att. Thiago.

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