Porte de arma de fogo é crime de perigo abstrato

O apelante foi preso em flagrante por ter efetuado disparo com uma espingarda calibre 36, com marca ilegível. Para o magistrado, independentemente de a arma estar municiada ou não, portar uma arma de fogo é crime abstrato e de mera conduta

Fonte: TJMT

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O desmuniciamento da arma não conduz à atipicidade da conduta, bastando, para a caracterização do delito, o porte de arma de fogo sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Com fundamento nessa decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso negou provimento à Apelação nº 23231/2010, interposta com a finalidade de reformar sentença proferida pelo Juízo da Primeira Vara Criminal da Comarca de Água Boa (730km a leste de Cuiabá). A sentença condenara o apelante ao crime previsto no artigo 14 da Lei nº 10.826/2003, com pena imposta de dois anos de reclusão em regime aberto, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, consistentes na prestação de serviço à entidade e interdição temporária de direitos, além do pagamento de pena pecuniária de dez dias-multa, à razão de um trigésimo do salário mínimo vigente a época dos fatos.

 
De acordo com os autos, em 15 de janeiro de 2007, às 10 horas, em uma fazenda no Município de Água Boa, o apelante foi preso em flagrante por ter efetuado disparo de arma de fogo com uma espingarda calibre 36, com marca ilegível. Na ocasião ele foi denunciado pela prática delituosa tipificada no artigo 15 da Lei nº 10.826/2003, porém, na fase das alegações finais, foi requerido pelas partes a desclassificação do tipo incriminador para o artigo 14 do mesmo codex.

 
Da análise dos autos, o relator, juiz convocado Abel Balbino Guimarães, pontuou que os elementos probatórios não revelaram a necessidade de reforma da sentença, a qual se mostrou correta e em conformidade com o todo processado. O magistrado observou que o julgamento foi fundamentado na lei e na melhor doutrina e jurisprudência, não merecendo prosperar a apelação. “A materialidade e autoria estão fartamente demonstradas nos autos e a culpabilidade do apelante, condenado pela prática de porte ilegal de arma de fogo, é inquestionável”, asseverou o relator.


O magistrado considerou irrelevante o argumento do apelante de que a arma de fogo estava sem munição, não caracterizando, com isso, o crime tipificado no artigo 14 da Lei nº 10.826/2003, devido à  falta de lesividade. Para o relator, a razão não socorreu a tese defensiva, porque portar arma de fogo é crime de perigo abstrato e de mera conduta, independentemente de a arma estar municiada ou não. Nesse sentido, outro agravante destacado pelo magistrado refere-se ao laudo da perícia técnica, onde foi atestada a lesividade da arma de fogo apreendida.

 
Com essas considerações o magistrado negou provimento ao recurso e manteve na íntegra a sentença proferida em Primeira Instância. Acompanharam o voto do relator os desembargadores Rui Ramos Ribeiro (revisor) e José Jurandir de Lima (vogal).   
 

 

Apelação nº 23231/2010

Palavras-chave: Arma de fogo; Porte; Disparo; Lesividade; Apreensão; Crime

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4 Comentários

Nilson Spíndola Advogado Criminalista (Niquelândia-GO)18/01/2011 13:15 Responder

Senhores(a) leitores(as), caro colegas, a decisão ora em comento, a qual, já foi objeto de comentários e discurssões em outros processos judiciais, no que diz respeito a arma de foto estar municiada ou não! Percebemos, assim, que a lei não faz menção ao fato de estar a arma municiada ou não. O porte de arma desmuniciada, portanto, é fato formalmente típico. Ocorre que a moderna teoria do delito, guiada pelo princípio da lesividade (ofensividade), cada vez mais rejeita os chamados crimes de perigo abstrato, ou seja, aqueles cuja conduta não oferece, por si só, efetiva lesão a bem jurídico alheio, mas apenas perigo genérico. É o caso do porte de arma: portá-la não causa, por si só, nenhuma lesão a bem jurídico. Tratando-se de crime de perigo abstrato, o que se busca tutelar é uma possível ameaça à coletividade. Assim sendo, se faz necessária, para uma responsável compreensão da conduta em face da teoria do delito, não somente a análise da tipicidade formal do fato, mas também da tipicidade material. Vejamos o que fez o Supremo Tribunal Federal no RHC 81.057-SP, leading case sobre o tema na corte constitucional brasileira. Foi nos autos deste Recurso em Hábeas Corpus que o então Ministro Sepúlveda Pertence proferiu o famoso voto sustentando que inexiste tipicidade material no porte de arma desmuniciada, quando a munição não está em lugar de acesso imediato (posicionamento que já era amplamente defendido pelo jurista Luiz Flávio Gomes, arquiinimigo dos crimes de perigo abstrato no Brasil). Vejamos trecho do voto do relator do acórdão, Min. Sepúlveda Pertence: ?(...) se a munição não existe ou está em lugar inacessível de imediato, não há a imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal ? isto é, como artefato idôneo a produzir disparo ? e, por isso, não se realiza a figura típica?. O Ministro foi acompanhado por maioria de votos na Primeira Turma do STF (contra o voto da relatora originária, Min. Ellen Grace), firmando, assim, o entendimento de que, para este Tribunal, arma de fogo desmuniciada, por carecer de potencial ofensivo, é arma, mas não é de fogo, não existindo, portanto, o crime de porte ilegal de arma de fogo. Vale lembrar que o entendimento do TJMT em relação ao caso se mantém contrário ao do STF, entendendo ser irrelevante o fato de estar municiada ou não a arma de fogo para caracterizar o porte (e mesmo no STF, há ministros que votam contra o entendimento majoritário firmado na Primeira Turma). Em todo caso, vale lembrar que a arma desmunciada tem potencial para caracterizar crime de ameaça ou mesmo de roubo, se utilizada para este fim. Vejamos, então, a ementa do RHC 81.057-SP, a favor da atipicidade do porte de arma desmuniciada, que marcou o posicionamento da Primeira Turma do STF sobre o tema: EMENTA: Arma de fogo: porte consigo de arma de fogo, no entanto, desmuniciada e sem que o agente tivesse, nas circunstâncias, a pronta disponibilidade de munição: inteligência do art. 10 da L. 9437/97: atipicidade do fato: 1. Para a teoria moderna - que dá realce primacial aos princípios da necessidade da incriminação e da lesividade do fato criminoso - o cuidar-se de crime de mera conduta - no sentido de não se exigir à sua configuração um resultado material exterior à ação - não implica admitir sua existência independentemente de lesão efetiva ou potencial ao bem jurídico tutelado pela incriminação da hipótese de fato. 2. É raciocínio que se funda em axiomas da moderna teoria geral do Direito Penal; para o seu acolhimento, convém frisar, não é necessário, de logo, acatar a tese mais radical que erige a exigência da ofensividade a limitação de raiz constitucional ao legislador, de forma a proscrever a legitimidade da criação por lei de crimes de perigo abstrato ou presumido: basta, por ora, aceitá-los como princípios gerais contemporâneos da interpretação da lei penal, que hão de prevalecer sempre que a regra incriminadora os comporte. 3. Na figura criminal cogitada, os princípios bastam, de logo, para elidir a incriminação do porte da arma de fogo inidônea para a produção de disparos: aqui, falta à incriminação da conduta o objeto material do tipo. 4. Não importa que a arma verdadeira, mas incapaz de disparar, ou a arma de brinquedo possam servir de instrumento de intimidação para a prática de outros crimes, particularmente, os comissíveis mediante ameaça - pois é certo que, como tal, também se podem utilizar outros objetos - da faca à pedra e ao caco de vidro -, cujo porte não constitui crime autônomo e cuja utilização não se erigiu em causa especial de aumento de pena. 5. No porte de arma de fogo desmuniciada, é preciso distinguir duas situações, à luz do princípio de disponibilidade: (1) se o agente traz consigo a arma desmuniciada, mas tem a munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem demora significativa o municiamento e, em conseqüência, o eventual disparo, tem-se arma disponível e o fato realiza o tipo; (2) ao contrário, se a munição não existe ou está em lugar inacessível de imediato, não há a imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal - isto é, como artefato idôneo a produzir disparo - e, por isso, não se realiza a figura típica. (RHC 81057, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 25/05/2004, DJ 29-04-2005 PP-00030 EMENT VOL-02189-02 PP-00257 RTJ VOL-00193-03 PP-00984) Contra este posicionamento, vejamos jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: PENAL. RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 14 DA LEI Nº 10826-03. PORTE ILEGAL DE ARMA. TIPICIDADE. ARMA DESMUNICIADA. IRRELEVÂNCIA PARA A CONFIGURAÇÃO DO DELITO. REGIME PRISIONAL ABERTO. REITERAÇÃO DE PEDIDO. PREJUDICADO. Na linha de precedentes desta Corte, pouco importa para a configuração do delito tipificado no art. 14 da Lei 10.826-2003 que a arma esteja desmuniciada, sendo suficiente o porte de arma de fogo sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar (Precedentes do STJ). Recurso provido. (Resp 913.088-SP, DJ de 03-09-2007, Rel. Min. Félix Fischer). Concluímos, portanto, que para o STJ, o porte de arma desmuniciada é crime, enquanto para o STF (ao que se percebe do julgado de sua Primeira Turma, embora saibamos tratar-se de posicionamento não unânime na casa), não o é. Pessoalmente, fico com o entendimento que a arma desmuniciada e que a munição não está em alcance do portador, não configura-se o fato típico, portanto não a de se falar em cometimento do crime de PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. Senhores , senhoras e caros colegas, deixo os entendimentos contrários das cortes, para que fique aqui um início de depate e entendimento contrário ou a favor desta decisão ora em comento do TJ-MT, contrária a majoritária do STF.

Ivan Coutinho advogado18/01/2011 13:21 Responder

Extrapolando um pouco a matéria em apreço, entendo que nos tempos atuais, onde impera a impunidade, respaldada por nossas leis defasadas e permissivas, todo cidadão tem direito de precaver-se dos atos insidiosos que já nos acostumamos a vivenciar no dia a dia. Por que o bandido pode andar armado e o cidadão de bem viver trancafiado em suas casas? Será que nossos governantes não se locupletam dessa situação?

Edson Estudante18/01/2011 13:35 Responder

Vejam a complexidade neste caso em função de não se considerar fato tipicado o porte de arma de fogo desmuniciada. No caso de um cidadão estar sendo roubado, usando para tanto a ameaça por arma de fogo desmuniciada. Entretanto a vítima, cidadão comum, está portanto arma de fogo, devidamente municiada, pensando, como qualquer um pensaria, que a arma do sujeito que o ameça roubar está municiada, consegue reagir, utilizando de sua arma e mata o agente ameaçador. Legítimima defesa correto? mas se a arma do ladrão não estava municiada for um fato atípico, não haveria ameaça de fato, logo não haveira legítima defesa. Prezados, não há o que se discutir, portar arma é crime, está na lei de forma bastante clara. Não deveria importar nem se ela não pudesse ser utilizada, porque ela intimida ao cidadão mediano da mesma forma. Finalizando a arma de fogo não deve estar livre para ser portada por todo cidadão mesmo desmuniciada, defeituosa, seja lá qual for seu estado, ela sempre vai intimidar.

GILMARES Oficial de Justiça18/01/2011 17:28 Responder

Caro Edson, boa tarde! Na hipótese lançada por vc, seria o caso de legítima defesa sim, mesmo estando a arma do bandido desmuniciada. Trata-se da LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA. Espero ter sido útil.

CARLOS GIOVANE BARBOSA REBOUÇAS ADVOGADO 13/02/2011 21:50

CONCORDO COM O NOBRE OFICIAL DE JUSTIÇA.

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