O que os números não dizem sobre o Poder Judiciário

Falta racionalidade ao sistema

Fonte: Jota.info

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Conhecer de forma ampla o Poder Judiciário brasileiro exige muito mais do que leituras superficiais acerca de informações sistematizadas. Muitas vezes, a informação mais importante não está na soma, mas sim, na diferença. É necessário ir além dos simples cálculos matemáticos para que outros dados relevantes sobre o Judiciário não passem despercebidos, notadamente no que diz respeito ao trabalho e dos magistrados.

O relatório “Justiça em Números 2014”, publicado recentemente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apontou que, em 2013, tramitaram no Brasil mais de 95 milhões de ações. Um dos principais destaques nessa divulgação foi o fato de que o volume de processos no país cresceu. O número de processos concluídos – 27,6 milhões – foi inferior ao de novas ações que ingressaram na Justiça (28,3 milhões). Desde 2009, o estoque processual foi acrescido de 12 milhões de ações, ou seja, um crescimento de 13,9% nos últimos cinco anos entre o que entrou e o que saiu do “sistema”.

A leitura dos números está correta? Não digo que esteja errada, mas como já afirmei, é preciso uma análise mais criteriosa. Por exemplo: à primeira vista, o resultado do relatório dá a impressão que os juízes brasileiros estão trabalhando menos e, como consequência, contribuindo para o aumento do acervo processual. O Índice de Produtividade dos Magistrados (IPM), que avalia o número de processos concluídos por juiz, sofreu uma queda em comparação ao último ano, passando de 1.712 em 2012 para 1.684 em 2013, e o aumento do número de processos que aguardam decisão da Justiça subiu de 70% para 70,9%, no mesmo período. Puramente como são apresentados, os dados nos levam a uma interpretação superficial.

No entanto, a realidade é outra. Ao examinar os números absolutos, sobretudo aqueles que estão diretamente relacionados ao desempenho individual dos juízes, o resultado é de que em 2012 foram proferidas 24,7 milhões de decisões, o que representa um aumento de 4,7% em relação a 2011. Em 2013, o número de sentenças chegou a 25,7 milhões, superando em um milhão o desempenho de 2012, o que corresponde a 1.564 ações julgadas por juiz. Uma média de 4,28 decisões por dia/juiz, incluindo finais de semana e feriados. Portanto, não falta “trabalho” ou produtividade no desempenho dos magistrados, e sim racionalidade ao sistema.

São muitas as causas da falta de equilíbrio entre o desempenho do juiz e o crescimento do volume de demandas. A cultura da sociedade brasileira de tentar resolver qualquer que sejam os conflitos por meio da Justiça contribui para esse cenário. A sociedade de consumo criou e estimula repetidamente uma ambiência fértil às demandas judiciais. A comunidade jurídica ainda pouco investe na cultura da conciliação. Nas grades curriculares das faculdades de Direito não dispomos de nenhuma disciplina que aborde técnicas de conciliação e mediação. O foco do ensino jurídico ainda é o litígio.

A falta de atuação efetiva das agências reguladoras, incluído o Banco Central, faz explodir ações envolvendo empresas que atuam no mercado regulado; a ausência de mecanismos que priorizem as ações coletivas em detrimento das individuais; e a desjudicialização das execuções fiscais, que são dívidas públicas cobradas na Justiça e que poderiam ser cobradas administrativamente pelos próprios entes públicos.

Essa realidade poderia ser resolvida com a aprovação do Projeto de Lei 2.142/2007, de autoria do ex-deputado Regis de Oliveira, que atribui à própria União, estados e municípios à execução administrativa de suas dívidas ativas, reservando ao Judiciário apenas a análise da execução embargada.

O resultado dessa aritmética perversa que os números não revelam é que o juiz, embora individualmente nunca tenha julgado tanto, o seu esforço pessoal se esvai no emaranhado de um sistema que estimula a resolução de conflitos por meio do Judiciário, sem a preocupação em alargar as portas de saída.

O último relatório “Justiça em Números 2014” é bem elucidativo. Se os processos de execuções fiscais fossem retirados do cálculo da taxa de congestionamento, haveria uma queda de 70,9% para 61%, ao passo que o Índice de Atendimento à Demanda (IAD) – que considera o número de processos baixados por número de casos novos – passaria de 98% para 100%, isto é, o numero de ações baixadas seria exatamente equivalente ao número de novas ações.

Se nada for feito para a correção da irracionalidade do sistema, o quadro que melhor retratará o Judiciário brasileiro será o do “cachorro correndo atrás do rabo”. Não haverá recursos financeiros suficientes para atender às necessidades de mais pessoal e material para dar conta do aumento da demanda e da cultura da judicialização.

Não é por outra razão, como destaca o “Justiça em Números”, que apenas no âmbito da Justiça Estadual brasileira 26% dos cargos de magistrados estejam vagos. Afinal, o fardo é pesado e a valorização escassa.

* Coordenador da Justiça Estadual da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)

Por Gervásio dos Santos

Palavras-chave: Poder Judiciário Justiça em números CNJ Justiça Estadual

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