Lei Pelé estimula "jeitinho" de clube e atleta na Justiça
Não são só as propostas de mudança que ameaçam a Lei Pelé. Decisões da Justiça do Trabalho deram mais de uma interpretação à legislação, criando instabilidade na relação entre jogadores e clubes.
Há decisões judiciais contraditórias em relação ao rompimento contratual, à remuneração pela exploração da imagem dos atletas, aos direitos trabalhistas e de arena.
O ápice da confusão ocorreu no final de 2007. O TST (Tribunal Superior do Trabalho) tratou a cláusula penal, prevista na lei, como sucessora do passe, extinto pela mesma lei.
"Pondere-se que a referida cláusula foi introduzida como sucedâneo do direito ao passe, que tinha por principal beneficiário o clube a era que vinculado o atleta", afirmou o ministro do TST Caputo Bastos.
Sua tese foi aceita pela sétima turma, que julgou a favor do Palmeiras o caso contra o jogador Rodrigo França.
Foi a primeira decisão que definiu que a cláusula só valia para beneficiar o clube. Segundo advogado Heraldo Panhoca, um dos autores da Lei Pelé, há "70 outras sentenças" que estabelecem que o mecanismo vale para a rescisão dos dois lados.
A Justiça do Trabalho também ainda não chegou a um consenso sobre os contratos de direito de imagem. São acordos cíveis entre o clube e jogador.
Em tese, regulam a exploração da imagem do atleta pelo clube. Na prática, são usados também para evitar tributação sobre o salário --na medida em que parte da remuneração não está prevista na carteira profissional, mas no contrato cível.
Advogados de atletas alegam, em ações, que o contrato é uma fraude à lei e pedem direitos trabalhistas sobre seus valores. E clubes alegam que é um mecanismo usualmente requerido pelos atletas, para safarem-se de parte do imposto de renda.
"Leandro Amaral apresentou contrato trabalhista de R$ 20 mil, menos que oferecemos a ele, para justificar a ida ao Fluminense. O resto era pago pelo patrocinador. É fraude", disse o vascaíno Eurico Miranda.
"Neste caso, acho correto porque o contrato não é feito com o clube, com a empresa, que fica com a imagem do atleta", discordou o advogado Luis Roberto Leven Siano. "Não há uma regra geral, mas a situação deve ser avaliada caso a caso. A fraude se configura quando o clube assina contrato com o atleta e não explora sua imagem", disse Domingos Zainaghi, professor da PUC-SP.
Dagoberto dos Santos, gerente de planejamento do Santos, discorda. "Se uma emissora de TV pode contratar um profissional só para a concorrência não tê-lo, o clube também pode pactuar exploração da imagem com um jogador e não fazê-lo", disse, comparando atletas profissionais a atores televisivos.
Para se precaver, conforme relatou o são-paulino João Paulo de Jesus Lopes, clubes procuram efetivamente usar as imagens dos atletas. No Corinthians, por exemplo, os atletas são obrigados a usar a camisa do clube em programas de TV.
O direito de arena é outra questão polêmica. Pela lei, jogadores têm direito a 20% dos contratos de transmissão de eventos esportivos. Mas ganham 5%, por acordo sindical.
Direitos trabalhistas de jogadores têm jurisprudência mais consolidada, mas não são unanimidade - há, por exemplo, pleitos de hora extra pela concentração e pré-temporada.
"Mudanças sucessivas criam insegurança jurídica. É ruim para o futebol como negócio a ausência de normas consolidadas uma década depois da Lei Pelé", disse o advogado do Corinthians, Luis Felipe Santoro.
Luiz de Carvalho Ramos Advogado26/03/2008 14:10
Se a lei está desservindo ao fim a que se propôs, nada mais consentâneo do que ajustá-la aos reclamos da realidade. O que não podemos, sob pena de nos tornarmos coniventes com o desvario, é ignorarmos os danos que essa lei tem causado à segurança jurídica, que estamos obrigados a atalaiá-la para impedir os avanços das incongruências de um texto legal desconexo. Portanto, promovamos as providências saneadoras no sentido de tornar incontroversa a legilação em comento, reinserindo-a no contexto do ordenamento jurídico pátrio.