Apontamentos históricos e a visão ponteana da sentença mandamental

Jorge Chade Ferreira, Bacharel em Direito, Funcionário Público em atividade no Departamento de Reintegração Social Penitenciária, da Secretaria da Administração Penitenciária - Estado de São Paulo.

Fonte: Jorge Chade Ferreira

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Jorge Chade Ferreira ( * )

SUMÁRIO: 1. DIAGNÓSTICO INICIAL; 2. A AÇÃO MANDAMENTAL E OS INTERDITOS ROMANOS; 2.1 O "Poder de Imperium"; 2.2 O Procedimento dos Interditos; 2.3 Mandamentalidade e o Direito Comparado; 3. VISÃO PONTEANA DA MANDAMENTALIDADE; 4. CONCLUSÃO; 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1. DIAGNÓSTICO INICIAL

O presente trabalho traz à baila breves aspectos históricos sobre a sentença mandamental, que há muito já se discutiu e hoje é tema de interesse consagrado pela doutrina de Direito Processual Civil.

Assunto consolidado especialmente na Alemanha por doutrinadores de renome e sempre ligado ao estudo das ações no processo civil, a ação mandamental passou a ser estudada no direito pátrio por Pontes de Miranda e, atualmente, por vários doutrinadores, em especial e a título de exemplificação, os eminentes juristas Luiz Guilherme Marinoni e Ovídio Araújo Baptista da Silva.

A legislação sobre a sentença mandamental se faz presente em nosso Código de Processo Civil (CPC), de forma expressa no artigo 14, inciso V. Outros dispositivos estão igualmente relacionados à mandamentalidade, como os artigos 461, 461-A, também do CPC, e o artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor, dentre outros em leis especiais.

São exemplos de ações mandamentais: mandado de segurança, manutenção na posse, ações de obrigação de fazer e não fazer, quaisquer delas com pedido de multa por dia de descumprimento da ordem judicial, etc. Notórias são as ações civis públicas interpostas pelo Ministério Público em defesa do meio ambiente ante atos do Poder Público, nitidamente caracterizadas pela mandamentalidade.

Feita esta breve introdução valorativa da função da sentença mandamental, trataremos mais especificamente sobre alguns aspectos históricos, dentre eles um possível instituto antecedente (interdito romano) da sentença mandamental e o melhor posicionamento sobre ser ou não o interdito um autêntico antecedente mandamental, considerando a existência de traços característicos da sentença mandamental que refogem ao enquadramento histórico apresentado tal como ocorria com os interditos, embora a importância destes na evolução da mandamentalidade seja fundamental, a título de reconhecimento da existência da ordem pretoriana.

2. A AÇÃO MANDAMENTAL E OS INTERDITOS ROMANOS

Antes mesmo de adentrarmos no assunto, devemos de antemão sabermos que os interditos diferem-se da actio, pois aqueles tinham seu fundamento não nas obrigações, mas em casos em que se pleiteava algo ao pretor (ações reais), e não o cumprimento de uma obrigação. Assim, o interdito era mais um ato de vontade do pretor do que o raciocínio declaratório sobre um direito que alguém tem em face de outrem.

O pretor era um magistrado romano com poderes extraordinários e durante muito tempo foi um posto ocupado por integrantes de famílias nobres. Eram os pretores hierarquicamente subordinados aos Cônsules (magistrados supremos). A função do pretor era administrar a justiça, e os pretores chegavam até a ter funções consulares, como vimos, de maior importância.

A tutela interdital (Roma antiga) consistia na ordem do pretor romano que impunha certo comportamento contra quem a ordem era emanada, a pedido de outra pessoa, consoante o mandamento contido na ação mandamental atual. Já o juiz privado (iudex), do procedimento formulário, e os magistrados do processo extraordinário ficavam com a incumbência de expedir apenas sentenças declaratórias de direito, insertas nas condemnatio (CRUZ, 2005). Daí o acentuado caráter sumário dos interditos que fez com que os doutrinadores aproximassem os interditos de institutos relacionados à efetividade do processo, como a mandamentalidade e a cautelaridade.

O pretor, portanto, tinha o "poder de império"; já os direitos decorrentes de obrigações eram efetivados pela actio romana, mediante juízo privado e sem meios de execução forçada, admitindo-se inclusive amplo contraditório.

Já na Idade Média, pela influência do direito canônico, passou-se a utilizar o mecanismo sumário dos interditos em questões possessórias. No surgimento da era moderna, com o crescimento das relações mercantis, surgiram os títulos executivos (CRUZ, 2005), representativos de um direito.

Relativamente à Ação Mandamental, há quem diga que tal teve suas origens no Direito Romano, conforme Silva (2002, p.336), quando nos apresenta que:

as ações Mandamentais descendem diretamente dos interditos romanos[...]Essa origem das Ações Mandamentais explica a formidável resistência que lhe opõe a doutrina corrente, que, até hoje, não obstante a proliferação deste tipo de Ações, persiste em negar-lhe existência. A razão é simples. Os Interditos não eram ações (actiones), como antes dissemos, ligavam-se invariavelmente às obrigações ao passo que os Interditos eram remédios que o pretor se valia para proteção de outros interesses, especialmente de natureza pública. Enquanto as Actiones eram julgadas por um juiz privado, sem iurisdictio, os interditos eram da competência exclusiva do pretor.

Ainda sobre os interditos como meio complementar do processo formulário, em que havia a dispensabilidade do comparecimento das partes perante o juiz singular, entendidos por fórmulas exaradas mediante editos, o magistrado simplesmente mandava ou proibia que se fizesse alguma coisa (MOURA, 1998, p. 423).

Há o entendimento de que os interditos foram, mais claramente, antecedentes da tutela cautelar, que apenas se assemelha à tutela mandamental, embora entre ambas as tutelas existam aspectos nitidamente diversos.

Existem igualmente doutrinadores que esclarecem muito bem os interditos: "Eis o Interdito, ordem do pretor, por solicitação da parte litigante [...] é uma ordem do pretor para fazer-se ou não alguma coisa" (CRETELLA JÚNIOR, 1997, p. 190) e também, comentando sobre o interdito como protetor da posse: "O meio judicial utilizado para este fim era o interdito (interdictum): um processo especial baseado no poder de mando do pretor e caracterizado pela maior rapidez e simplicidade em comparação com as ações do processo formular" (MARKY, 1980, p. 90).

De difícil localização no tempo, os interditos são datados da instituição do pretor urbano até o final do século III a.C. (TUCCI; AZEVEDO, 1996, p. 111-112).

Interessante notar o poder destes magistrados (pretores), em se tratando de direitos subjetivos que eram violados ou ameaçados, além do que, à semelhança do que possuímos atualmente na esteira da evolução social e na conseqüente inadequação de nossos institutos processuais que deveriam garantir a efetividade dos provimentos judiciais, a tutela pretoriana abarcava esta possibilidade, conforme relatam os estudiosos do assunto:

Com a evolução dos tempos, a constatação de novas exigências sociais autorizavam o pretor a instituir meios processuais de tutela, destinados, via de regra, a preparar eventuais iniqüidades provenientes de estrita observância das normas do ius civile ou mesmo preencher as lacunas deste (TUCCI; AZEVEDO, 1996, p. 111).

O interdito tem procedência etimológica incerta, existindo a tese de que interdictum vem de inter duos dicere, posto que proferido entre as partes, além de ter por finalidade o resguardo da ordem pública contra possíveis perturbações (TUCCI; AZEVEDO, 1996, p. 111-113).

2.1. O "Poder de Imperium"

Há que se ponderar o poder de império do interdito, quando em comparação com a ação mandamental. Tem-se isso porque o comando exarado pelo interdito poderia ser destacado, e não tinha como característica algo absoluto e definitivo, posto que descumprida a ordem haveria a necessidade de se instaurar processo per formulas ordinário (TUCCI; AZEVEDO, 1996, p. 113). Na mandamentalidade, entretanto, como acentua Bonelli (apud DIDIER JÚNIOR; JORGE; RODRIGUES, 2003), os provimentos mandamentais, além de antecipatórios e finais, também podem constituir-se em meros despachos e, se descumpridos, traduziriam-se em contempt of court.

Podemos perceber nos interditos um caráter administrativo ou cautelar, segundo a acentuação do poder de império, traduzindo uma natureza jurídica diversa da mandamentalidade hodierna. Como asseveram TUCCI; AZEVEDO (1996, p.113), os interditos tinham por razão conservar o estado atual das coisas, daí a cautelaridade de sua natureza. Estes termos afasta-os ainda mais da ação mandamental que, por sua vez e mediante meios coercitivos, pretende a realização do direito pleiteado ou inibir/obstacularizar o cometimento de ilícito (ato contrário ao direito diferente do dano), impondo obrigações de não fazer.

Além disto, se a ordem do pretor não fosse cumprida, até por se entender que não estavam presentes os pressupostos de fato em que se baseara o pretor, instaurava-se o procedimento pela via comum. Em vista disso ainda se atribui aos interditos um caráter condicional (TALAMINI, 2001, p. 37). Ambas as naturezas - condicional e cautelar - representam que os interditos prescindiam de meios capazes de efetivar o direito pleiteado, mesmo porque seria mediante a ordem do pretor, sem meios coercitivos e, portanto, desprovida de meios que garantissem sua eficácia, que se daria início ao procedimento comum. Daí porque observar no provimento mandamental atual a confirmação do direito e sua efetivação num só procedimento.

2.2 O Procedimento dos Interditos

Segundo TUCCI; AZEVEDO (1996, p. 114-115), iniciava-se o procedimento interdital com a postulatio interdicti, de forma oral, perante o pretor, momento em que se postulava um comando imediato. Se a ordem fosse expedida e não fosse cumprida, a parte, que no caso seria a "autora", poderia pleitear o procedimento formular ordinário.

Neste diapasão, poderíamos até dizer que um ou outro tipo de interdito poderia apresentar um caráter mais satisfativo, como quando o pretor imitia na posse a parte (missio in possessionem), também chamadas de "autorizações".

Eram, portanto, as características da tutela interdital a sumariedade e o aspecto ordenador. Examinavam-se os pressupostos e, em seguida, concedia-se (editio interdicti), ou denegava-se (denegatio interdicti). Se se denegasse restaria ainda a via ordinária (TUCCI; AZEVEDO, 1996, p. 114).

Analisando estes dois aspectos acima estudados podemos concluir que em relação aos interditos não havia meios de coagir a parte contra qual fora expedida a ordem pretoriana, refletindo semelhança mais com o procedimento monitório do que com qualquer outro instituto, levando-se em consideração as características apresentadas até hoje pelos doutrinadores sobre os interditos. Expliquemos este ponto de vista, mormente porque a maioria da doutrina entende que as origens da ação mandamental reside nos interditos pretorianos.

A ação monitória tem por objetivo a formação de título executivo, primando-se pela celeridade. Contudo, se os embargos forem interpostos, o mandado fica suspenso e segue-se o procedimento ordinário comum, como prevê o artigo 1.102c, caput e parágrafo único do CPC.

Entendemos que a semelhança existente entre a ação mandamental e o interdito romano é a que se refere a ordem do pretor, não indo muito além disto, principalmente em se tratando de eficácia do provimento judicial.

Não resta dúvida de que os Romanos já possuíam meios práticos de solução dos litígios, evitando demandas longas e desgastantes às partes e o magistrado já apresentava esse poder mais acentuado.

O que não concordamos, como foi dito, é o fato do precedente romano chamado interdito ter muita semelhança com a ação mandamental atual, justamente pela relação que as ações mandamentais possuem dada a utilização de sua enorme capacidade coercitiva. Além do que, quando aproximamos monitória e interdito não o fazemos isoladamente (TALAMINI, 2001, p. 36-37). Nem mesmo entre estes dois institutos (monitória e interditos) as semelhanças são tão gritantes assim, porque existiam vários tipos de interditos e os fins almejados diferem entre o que se busca na monitória e o que se busca nos interditos, conforme TALAMINI (2001, p. 35): "é certa a constatação da inexistência de um processo romano propriamente monitório".

O mesmo autor relata a evolução da monitória, originando-se no direito medievo italiano: que teve por fonte mediata o indiculus commonitorius franco, que, por sua vez, derivava do procedimento romano dos interditos (TALAMINI, 2001, p. 36).

A diferenciação entre a capacidade de efetivação do direito pleiteado nos interditos pretorianos e na sentença mandamental acentua-se se observarmos o disposto no artigo 14, V, CPC, como verdadeira positivação das ações mandamentais.

Há quem argumente que no interdito a cognição posterior ao não cumprimento da ordem era ampla, e na monitória, não. Entretanto, dependendo do que se apresentar nos embargos ao mandado, poderá ser aberta oportunidade à ampla defesa (MARINONI, 1999, p. 276).

Mesmo assim argumentando, existem vozes dissonantes quanto a esta posição, relatada por Silva (2002, p. 351) que, como vimos, prevê a origem interdital das ações mandamentais.

O ponto em comum entre ambos as tutelas interdital e mandamental é o caráter condicional, comando tendente a resultados e emissão de ordem por juízo de verossimilhança. O que há de divergente nos dois institutos está exatamente no fato de que os interditos não se prestavam a autorizar a execução, em caso de inércia do destinatário da ordem (TALAMINI, 2001, p. 37).

2.3 Mandamentalidade e o Direito Comparado

Antes mesmo de tratarmos da Ação Mandamental na Alemanha, devemos ressaltar também as importantíssimas "Cartas de Segurança" das Ordenações Filipinas (Liv. V, tít. 128), que continham um germe mandamental e apresentavam a fonte romana do atual contempt of court, que não trataremos neste breve relato histórico, mas que contém elementos extremamente importantes para o estudo sobre a mandamentalidade, embora o contempt of court apresente aspectos ainda mais gravosos para o executado, havendo inclusive a possibilidade de prisão no caso de descumprimento do mandamento judicial (desobediência ao tribunal, em tradução livre).

Para um aprofundamento no tema, outra terapêutica similar ao contemp of court, chamada astreinte, originária da França, apresenta-se como relevante fonte de estudo dos aspectos comparado e histórico, em especial no que se refere à imposição de multa pecuniária ao executado (aquele que deve atuar no sentido de cumprir uma ordem do juiz), tendo, como todas estas medidas, a pressão psicológica sobre quem recebe o comando, tida como fundamento e razão de todas estas "terapêuticas" (expressão de Ovídio Baptista).

A sentença mandamental na doutrina alemã teve destaque no começo do século passado. Os germânicos tornaram-se expoentes na aplicação de meios de conduzir o executado a cumprir a ordem judicial, cujo suporte teórico nos é dado pelo emérito Professor Barbosa Moreira.

Pontes de Miranda, em seu Tratado das Ações (tomo I. O tomo IV também trata do assunto), aponta desde 1914 o trabalho de Georg Kuttner (Urteilswirkungen ausserhalb des Zivil prozesses - Efeitos da Sentença Fora do Processo Civil, Aalen, 1971). Para este doutrinador o que diferenciava a sentença mandamental das outras - leia-se condenatória, que também traz uma ordem - era o fato dessa ordem, na sentença mandamental, dirigir-se a outro órgão estatal (MOREIRA, 1997, p.253). Igualmente, o autor tedesco levou em consideração a análise da eficácia das sentenças, já que algumas das sentenças dificilmente se enquadravam na classificação triádica mais tradicional: sentenças condenatória, declaratória e constitutiva.

Outro grande doutrinador que seguiu este entendimento, embora não tenha continuado mais aprofundadamente o tema como fizera Kuttner foi Goldschmidt (Der Prozess als Rechtslage, Aalen, 1962), com o mesmo traço marcante dado pelo seu compatriota e precursor, pois que a ordem devia ser dirigida a um órgão público estranho ao processo (MOREIRA, 1997, p. 254).

Assim é, portanto, a diferença entre o que na Alemanha se chamou Zwangsgeld e que na França se chamou astreinte: a medida utilizada no Direito Alemão quem aproveita é o Estado e não o credor, o público, não o particular.

Entre nós, Pontes de Miranda foi o primeiro a dissecar o tema da mandamentalidade e desprezou ambos os traços referendados pelos doutrinadores tedescos, pelo fato de serem restritivos demais em relação ao alcance que deveria ser dado à sentença mandamental, ficando registrado o mérito dos alemães por tratar do assunto prematuramente em relação aos outros doutrinadores mundo afora. Para o doutrinador pátrio, o mandado poderia ser dirigido não só a outro órgão público e também este órgão poderia, antes da ordem, influir no processo (MOREIRA, 1997, p. 265).

3. VISÃO PONTEANA DA MANDAMENTALIDADE

Relativamente à classificação das Ações, o saudoso jurista Pontes de Miranda atentou para o fato de que as sentenças teriam uma "eficácia preponderante". Dizia ele o "olhar por dentro" da sentença. Não se olvidando disso, o profissional do direito não procuraria uma só eficácia para cada ação - mandamental, constitutiva, declaratória, condenatória ou executiva, e continua seu desenvolvimento do assunto pelo enunciado: "Não há nenhuma ação, nenhuma sentença, que seja pura" (MIRANDA, 1972, p. 117-124).

Tendo em vista a praticidade que se busca em estudos sobre a eficácia das sentenças, não poderíamos deixar de trazer um trecho doutrinário ponteano pelo qual este autor apresenta a verdadeira razão de adentrarmos na classificação das eficácias das sentenças, atendendo aos apelos de uma visão funcional e primordial do processo: "O conceito de Ação, a classificação das Ações, por sua eficácia, tudo isso consulta o direito material, porque o fim precípuo do processo é a realização do direito objetivo" (MIRANDA, 1972, p. 126).

Não é de se estranhar que a consideração acima sobre a finalidade do processo, realizada nas palavras de Pontes de Miranda, tornou-se um lema referente à efetividade do Processo, dada a genialidade do autor pátrio.

Entretanto, há alguns pontos em que Pontes de Miranda faz algumas ponderações não tão aceitas hodiernamente sobre o assunto, embora tenha sido o primeiro doutrinador a tratar especificamente sobre o tema, com inovações e raciocínios muito profícuos, mormente se comparado aos seus colegas alienígenas.

A confusão de eficácia das ações, apresentada por Miranda, isto é, de que toda sentença traz uma carga de mandamento, execução, constituição, declaração e condenação, recai agora na análise da mandamental, assim explicada:

Toda sentença mandamental declara, porque não seria legítimo mandar sem afirmar que há razão para isso; o mandamento sem declaração prévia seria a arbitrariedade, ou, pelo menos, o imperativo sem premissas, a possibilidade do arbítrio, pela pré-eliminação de qualquer expressão de raciocínio ( MIRANDA, 1972, p. 143).

E continua:

Em relação às sentenças mandamentais, todas as ações e sentenças declarativas, constitutivas, condenatórias e executivas mandam, porque há decisão sobre publicação, registro, arquivamento e outras formalidades que resultam de mandamento do juiz (MIRANDA, 1972, p. 144).

Quando o autor termina por diferenciar a mandamental, de modo sutil:

Na ação mandamental, o ato do juiz é junto, imediatamente, às palavras (verbos) - o ato, por isso, é dito imediato. Não é mediato como o ato executivo do juiz, a que a sentença condenatória alude (anuncia); nem é incluso, como o ato do juiz na sentença constitutiva (MIRANDA, 1972, p. 211).

Por fim, temos a distinção entre ação mandamental e ação executiva, sempre em termos de preponderância de eficácia:

Na ação mandamental, pede-se que o juiz mande, não só que declare (pensamento puro, enunciado de existência) nem que condene (enunciado de fato e de valor); tampouco se espera que o juiz por tal maneira fusione o seu pensamento e o seu ato que dessa fusão nasça a eficácia constitutiva. Por isso mesmo não se pode pedir que dispense o "mandado". Na ação executiva quer-se mais: quer-se o ato do juiz, fazendo, não o que deveria ser feito pelo juiz como juiz, sim o que a parte deveria ter feito. No mandado, o ato é ato que só o juiz pode praticar, por sua estabilidade. Na execução, há mandados - no correr do processo; mas a solução final é ato da parte (solver o débito). Ou do juiz, forçando (MIRANDA, 1972, p. 211).

Daí porque Pontes de Miranda tratou do assunto, praticamente, de modo mais aperfeiçoado que qualquer outro jurista estrangeiro, inclusive os alemães. Tanto o é que além dos dois doutrinadores (Kuttner e Goldschmidt) não tivemos registro de nenhum outro autor de renome no assunto.

Não tentaremos analisar a tese ponteana sobre "eficácia preponderante" (ou teoria da "constante quinze", cálculo elaborado por Miranda para representar numericamente a eficácia/confusão de eficácia das sentenças). Não nos cabe tanto. A intenção de trazer os dizeres de Miranda foi a de apresentar a mandamentalidade na visão arguta de um dos melhores juristas de nosso Brasil, até mesmo porque foi a partir dos postulados ponteanos da mandamentalidade que se deu o primeiro grande avanço no tratamento do tema neste país.

4. CONCLUSÃO

Logo, diante dos apontamentos das questões históricas referidas neste trabalho, podemos dizer que a sentença mandamental tem seus primórdios no instituto dos interditos pretorianos, embora tais não tivessem a força "executiva" contida nas sentenças mandamentais como as conhecemos atualmente.

É por isto que alguns doutrinadores de renome procuram aproximar o procedimento monitório dos interditos, e não especificamente das sentenças mandamentais.

A ação mandamental foi assunto de tratamento especial na Alemanha, no começo do século passado, e nos demais países europeus, com destaque para França e Inglaterra. Já no Brasil, um dos países expoentes no assunto, com certeza até mais aprofundadamente que no exterior, tivemos o tema tratado com presteza pelo jurista Pontes de Miranda, o qual teve o mérito de iniciar uma tradição doutrinária que até hoje vem colhendo os melhores frutos no que tange à eficácia dos provimentos judiciais.

É exatamente nesta capacidade de efetivação do direito pleiteado que reside a importância de se estudar não somente os primórdios da aplicação de mandamentalidade, mas todos os assuntos ligados à sentença mandamental, pedra de toque para o resgate da confiança entre o povo e o Poder Judiciário.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito romano. 20.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

CRUZ E TUCCI, José Rogério; AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de história do processo civil romano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.

CRUZ, André Luiz Vinhas da. A evolução histórica das tutelas de urgência: breves notas de Roma à Idade Média. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 22, 31/08/2005. Disponível em: Acesso em: 18 de janeiro 2008.

DIDIER JÚNIOR, Fredie; JORGE, Flávio Cheim; RODRIGUES, Marcelo Abelha. A nova reforma processual. São Paulo: Saraiva, 2003.

MARKY, Thomas. Curso elementar de direito romano. São Paulo: Saraiva, 1980.

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Tratado das ações. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972. v. 1.

MOURA, Paulo Cesar Cursino de. Manual de direito romano. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Notas sobre o problema da "efetividade" do processo. Ajuris 29, 1997.

SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 2.

TALAMINI, Eduardo. Tutela monitória. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.


Notas:

* Jorge Chade Ferreira, Bacharel em Direito, Funcionário Público em atividade no Departamento de Reintegração Social Penitenciário, da Secretaria da Administração Penitenciária - Estado de São Paulo.

Data de elaboração do texto: 21 de janeiro de 2008 [ Voltar ]

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