Lei n° 12.015/2009: Comentários à modificação do Título VI do Código Penal.

Tauã Lima Verdan, Bacharelando do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo - ES.

Fonte: Tauã Lima Verdan Rangel

Comentários: (1)




Tauã Lima Verdan ( * )


INTRODUÇÃO

Tornou-se anacrônico e ultrapassado analisar o Direito, tais quais as suas ramificações, como uma ciência pétrea, alheia as modificações e caracterizada, principalmente, pela imutabilidade e estagnação frente as constantes e inevitáveis mudanças que a coletividade passa, desde os primórdios até a contemporaneidade. Assim sendo, é patente a necessidade de lançar mão dos postulados que são emanados pelo o brocardo jurídico "Ubi societas, ibi jus", ou seja, "Onde está a sociedade, está o Direito", para viabilizar a compreensão da explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém.

Tal aspecto é responsável por garantir a constante harmonia entre as carências apresentadas pela sociedade e o fito a que se destinam as normas que compõe o Ordenamento Jurídico vigente. Isto posto, latente se faz discorrer a respeito da nova situação que se vislumbra no Direito Penal decorrente das inovações estatuídas pela Lei N°. 12.015/2009, responsável, além de alterar as concepções dos "Crimes contra a Dignidade Sexual", dentre os quais o estupro, bem assim modificar décadas de pensamento doutrinário em relação ao tema em apreço.


I - Noções Gerais:

Em um primeiro momento, patente se faz tecer algumas considerações a respeito de um dos proeminentes aspectos da Ciência Jurídica, em especial, no que concerne a sua ramificação penal, a saber: sua contínua mutabilidade. Tal característica está associada, precipuamente, pelas constantes e robustas influências advindas das inovações que passam a orientar a sociedade acerca de determinado tema, criando novos valores ou ainda descartando antigos. Desta feita, cabe afirmar que esse aspecto é responsável por assegurar que o Ordenamento Jurídico esteja em consonância com as distintas necessidades apresentadas pela coletividade, em contrapartida, evita-se um conjunto normativo obsoleto, anacrônico e ultrapassado.

Neste sentido, encontra pleno descanso o adágio latino ubi societas, ibi ius, que explicita, de maneira perspicaz, a íntima e indispensável interdependência mantida entre o arcabouço normativo e a coletividade: onde houver o Direito, há a sociedade. Logo, o que se observa é uma interação de mútua necessidade, pois o primeiro é totalmente dependente do constante processo de desenvolvimento da sociedade, para que suas leis e seus ditames não se tornem arcaicos e inaptos, em total descompasso com a realidade existente. Ao passo que a segunda tem dependência das regras trazidas pelo Direito, cuja finalidade é garantir que não haja uma vingança particular, extirpando, assim, qualquer ranço que lembre os tempos primordiais em que o homem valorizava a Lei de Talião ("Olho por olho, dente por dente"), bem como para evitar que se instale um caos no seio da sociedade.

Além disso, com o advento do pós-positivismo, hasteia-se como uma flâmula a ser, obrigatoriamente, observada a utilização da Lex Fundamentalis de um Estado como filtro para se orientar a interpretação das leis e das normas, bem assim sua aplicação. Nessa nova realidade, vige também, a valoração dos princípios e corolários, salvaguardados pelo Direito, como supernormas, ou seja, aplicados, não mais em caráter subsidiários, mas sim, por vezes, substituindo as próprias normas que integram o Arcabouço Jurídico.


II - "Título VI - Dos Crimes contra a Dignidade Sexual":

A primeira modificação trazida à baila pela Lei N°. 12.015/2009, é observável na redação do Título VI do Estatuto Repressor Criminal, substituindo a expressão "Título VI - Dos Crimes contra os Costumes" pelo pavês "Título VI - Dos Crimes contra a Dignidade Sexual". Neste passo, observa-se, de plano, que a premissa salvaguardada pelo referido Título não mais encontra assento na sociedade contemporânea, isto é, em outrora, era protegido o mínimo ético que se fundava pela experiência social em torno dos fatos sexuais, protegia-se a moral pública sexual. Quanto a tais premissas, isso é facilmente observável na "Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal" que o legislador ao esquadrinhar o tipo penal em 1940, afirmar que tais condutas integram a extensa rubrica "Dos Crimes contra a Segurança da Honra e Honestidade das Famílias e do Ultraje Público ao Pudor".

O mestre Damásio de Jesus (1999, pág. 91) reflete em sua obra o pensamento ultrapassado e arcaico que orientava a interpretação das condutas exauridas nessa parte do Estatuto Repressor Criminal Brasileiro, como se denota nos seguintes comentários:

Evidentemente, o intérprete e o aplicador da lei devem valer-se mais do que nunca, da observação dos costumes, vigentes na sociedade onde vivem. Com a crescente liberdade sexual hoje predominante as relações entre homem e mulher perderam a conotação de pecado e segredo. O sexo é amplamente discutido e revelado, às vezes cruamente, pelos meios de comunicação. As gerações mais novas conhecem cedo o mundo do sexo e o encaram com naturalidade. Ao analisarmos os crimes previstos neste Titulo devemos levar em consideração que se tratam de crimes contra os costumes. Estes, refletindo práticas constantes em determinada sociedade,e m épocas certas, são variáveis e influem na própria caracterização dos delitos em estudo.

Com sabedoria, o legislador contemporâneo erigiu como flâmula a dignidade sexual da vítima emanada do corolário norteador do Ordenamento Jurídico Pátrio, qual seja o princípio da dignidade da pessoa humana, esculpido como princípio fundamental no inciso III, artigo 1º da Carta da República. Ademais, rechaça-se o antigo conceito genérico de costume, que se remetia, de maneira arbitrária, a determinado conjunto de valores morais particulares, não condizentes com uma sociedade democrática.


III - "Artigo 213 - Estupro":

A conduta entalhada no artigo 213 da Lei Adjetiva Criminal pela Lei n°. 12.015/2009 explicitou robustas alterações, revogando expressamente o tipo penal exaurido no artigo 214 e passando a tratar o atentado violento ao pudor em conjunto com o estupro, abarcando-os em um mesmo dispositivo. Com a nova rubrica instituída, o artigo 213 apresenta a seguinte redação:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§ 2º Se da conduta resulta morte:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. (PLANALTO/2009)

a) Sujeitos da Conduta:

a. 1) Sujeito Ativo -
O artigo 213, em outrora, admitia tão-só o homem como agente perpetrador da conduta criminosa, uma vez que só o varão poderia manter a conjunção carnal com a mulher. A expressão a que se referia o dispositivo revogado fazia menção ao coito normal que consiste na penetração do membro viril no órgão sexual da mulher, independente de existir ou não o intuito de procriação por parte do agente.(1) A mulher só poderia integrar o pólo ativo nas hipóteses de co-autoria, de autoria mediata ou ainda como partícipe.

Araújo (2009), apresenta em seu artigo três interessantes exemplos que atuam como prepoderante substrato para as possibilidades supra, a saber: quando a mulher segura outra para que homem a viole (co-autora); quando uma mulher convence um homem, enfermo mental, a manter o coito, mediante violência, com mulher (autora mediata); ou ainda, quando instiga um homem a estuprar a vítima (partícipe). Tais conceitos ruíram, posto que a nova legislação alargou o rol, admitindo também que a mulher atuasse como sujeito ativo, ou seja, o crime passar a ter o pólo ativo comum, assim, qualquer indivíduo pode cometer a conduta delituosa.

a. 2) Sujeito Passivo - A conduta em apreço era descrita como sendo um crime próprio, desta feita, tão-somente a mulher poderia configurar como vítima da conduta. Isto ocorria, vez que o antigo dispositivo era clarividente ao esculpir que "art. 213. Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça" (Revogado). Contudo, com as contemporâneas mutações, o artigo 213 passa a assumir uma feição de conduta criminosa comum, conforme se verifica na expressão "constranger alguém". Sendo assim, passa a admitir que tanto o homem quanto a mulher possam constituir o rol passivo, sendo vítimas de estupro, independente se a relação mantida é homossexual ou heterossexual.

b) Objeto Material do Crime:

Face o exposto acima, pode-se considerar que com as novas disposições trazidas à baila pela Lei nº 12.015/2009, tanto o homem quanto a mulher compõem o objeto material do crime, extipando, de maneira definitiva, o pensamento que tão-só a mulher poderia integrar o o objeto material da conduta exaurida no artigo 213 do Estatuto Penal Brasileiro. Sabiamente, Araújo (2009) preleciona o substrato que influenciou a mentalidade do legislador ao fixar como único objeto da conduta retro a mulher, aduzindo que:

A eleição da mulher para figurar como vítima exclusiva de alguns delitos secuais, se deu no passado porque, na época em que foi elaborado o Código Penal, acreditava-se que o sexo feminino, mesmo em crimes praticados sem violência merecia receber tratamento especial, à parte do conferido aos homens, face a uma suposta "condição biossociológica" da mulher. Procurou o legislador justificar uma proteção maior para a mesma "a partir da noção de diferenciação dos sexos, que impõe a tutela penal para aquela, que seria mais fragilizada e desprovida que o homem...

c) Elemento Objetivo do Tipo:

A conduta considerada típica do artigo 213 era manter conjunção carnal por meio de violência ou grave ameaça. Conjunção carnal, no sentido da lei, é a cópula vagínica (introdução pênis-vagina/ introductio penis in vaginam), completa ou incompleta entre homem e mulher. Flamínio Fávero, ao ser citado por Mirabete (2009, pág. 380), define, com propriedade, a conjunção carnal como a cópula vaginal, "em que há introdução do membro viril em ereção na cavidade vaginal feminina, com ou sem ejaculação".

Destarte, segundo o que Mirabete (2009, pág. 380) preleciona, não configura a conjunção carnal a cópula vestibular ou vulvar. Igualmente, não depende o estupro do rompimento do hímen que, eventualmente, pode ser complacente, podendo a conjunção carnal ser determinada por outros indícios. Cuida lançar mão do que é estatuído por Damásio de Jesus (199, pág.97), ainda que suas considerações tenham se tornado obsoletas, atuam como um importante sedimento para se compreender o assunto em tela:

Para a caracterização do crime exige-se a prática de conjunção carnal. Por conjunção carnal entende-se a cópula normal, ou seja, o relacionamento sexual normal entre o homem e a mulher, com a penetração, completa ou incompleta, do órgão masculino na cavidade vaginal. É a introductio penis in vaginam. Não se compreendem na expressão outros atos libidinosos ou relações sexuais anormais, tais como o coito anal ou oral, o uso de instrumentos ou dos dedos para a penetração no órgão sexual feminino, ou a cópula vestibular, em que não há penetração. Não existe estupro sem a introductio penis intra vas...

No tocante a conduta antes exaurida no artigo 214, a lei alude como elemento objetivo do tipo o ato libidinoso diverso da conjunção. Define Fragoso, ao ser citado por Mirabete (2009, pág. 384), o ato libidinoso como "toda ação atentatória ao pudor, praticada com o propósito lascivo ou luxurioso". Trata-se, portanto, de ato lascivo, voluptuoso, dissoluto, destinado ao desafogo da concupiscência. O doutrinador salienta ainda que alguns são equivalentes ou sucedâneos da conjunção carnal (coito anal, coito oral, coito inter-femora, cunnilingue, anilingue, heteromasturbação). Outros, não o sendo, contrastam violentamente com a moralidade sexual, tendo por fim a lascívia, a satisfação da libido. Estão incluídos os atos homossexuais, como de uranismo, pederastia, lesbianismo, tribadismo ou safismo(2) . Considera-se ainda como ato libidinoso o beijo aplicado de maneira lasciva ou com fim erótico.

Insta trazer à baila as considerações apresentadas por Hungria, citado por Mirabete (2009, págs. 384/385), ao asseverar que "o ato libidinoso tem que ser praticado pela, com ou sobre a vítima coagida". Entretanto, isso não se traduz como sendo indispensável o contato físico mantido entre o agente delituoso e a vítima da conduta.

Consubstancia o atentado violento ao pudor, por exemplo, quando o agente, por meio de violência ou grave ameaça, obriga a vítima a masturbar-se, tendo em vista a contemplação lasciva por parte daquele que perpetrou a conduta delituosa. "Não existirá o delito, porém, se o agente 'se limitou a apreciação do espetáculo, sem ter concorrido para ele'. Não é mister que se desnude qualquer parte do corpo da vítima para o contacto lúbrico a fim de caracterizar o atentado violento ao pudor(3)". Evidencia ainda Damásio de Jesus (1999, págs. 103/104):

Pouco importa, por outro lado, que o ofendido esteja vestido ou despido. Pratica o crime,..., aquele que despe uma jovem e lhe apalpa os seios desnudos com o emprego de violência ou grave ameaça. Da mesma pratica o crime aquele que, com o emprego de violência ou grave ameaça, acaricia as partes pudenda de uma jovem por sobre o vestido.

Não há necessidade de que a vítima pratique o ato libidinoso com o autor do crime. Pode ser levada a praticá-lo com terceiro (ou a permitir que este o pratique) ou mesmo em si mesma, como na hipótese da automasturbação. (...)

Da mesma forma, as palavras ou a narração lúbricas ou obscenas não se constituem em atentado violento ao pudor. Embora o pudor possa ser ofendido por palavras, a lei se refere a ato libidinoso, o que exclui os escritos e as palavras.

O beijo lascivo, por sua vez, se constitui em atentado violento ao pudor, quando praticado mediante violência ou grave ameaça. Há que se distinguir entre as várias formas de beijo. Evidentemente, não se pode considerar como ato libidinoso o beijo casto e respeitoso aplicado nas faces, ou mesmo o "beijo roubado", furtiva e rapidamente dado na pessoa admirada ou desejada. Diversa, porém, é a questão, quando se trata do beijo lascivo nos lábios, aplicado à força, que revela luxúria e desejo incontido, ou quando se trata de beijo aplicado as partes pudendas.

A visão lasciva também caracteriza a prática do ato libidinoso. Assim, o agente que surpreende uma mulher nua e a constranger a permanecer sem roupas para que possa contemplá-la, comete o crime, pois, mediante violência ou grave ameaça...

Com as alterações trazidas no bojo da Lei nº 12,015/2009, verifica-se que ocorreu um acoplamento entre as disposições contidas no crime de estupro, originariamente, previsto no artigo 213 e o crime de atentado violento ao pudor, esculpido, no pretérito, no artigo 214 (revogado). Desta feita, o novo nomen juris assenta-se na seguinte premissa: "Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso" (4).

Vale por em evidência que o legislador muito manteve das duas condutas ora referidas, porém, no que toca ao agente passivo, a Lei nº 12.015/2009 inovou, para tanto, alargou o rol tanto no pólo ativo quanto passivo. Assim, tanto o homem quanto a mulher podem ser os agentes delituosos, perpetrando a conduta, e/ou as vítimas, sobre quem a conduta venha a recair, independente da relação ser homossexual ou heterossexual.

d) Núcleo do Tipo:

O artigo 213 apresenta como o tipo especial penal o verbo "constranger" que se traduz em compelir, obrigar, tolher, forçar a vítima a manter a conjunção carnal ou ainda praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso. Cumpre asseverar que não se trata de um simples constrangimento, a exemplo do que ocorre no tipo criminal previsto no artigo 146, vez que tem uma finalidade específica, a saber: a cópula entre a vítima e o algoz (conjunção carnal) ou satisfação da lascívia do agente delituoso (ato libidinoso).

Isto posto, insta trazer à tona as disposições, ainda que ultrapassadas, de Damásio de Jesus (1999, pág. 103) que cinzela acerca das formas de realização do tipo penal em sua segunda parte: "Art. 213. (...) ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso" (5) . A primeira conduta ("praticar") traduz-se como executar realizar. Essa forma abrange a atuação ativa (atitude comissiva) da vítima, quando é ela quem pratica o ato libidinoso, como ocorre na fellatio in ore ou na masturbação.

Já a segunda ("permitir que com ele se pratique") corporifica-se como consentir, autorizar que com ela se pratique ato libidinoso, por meio de violência ou grave ameaça. É a atitude passiva da vítima, que se submete aos caprichos de seu agressor, tendo sua vontade inibida em razão da violência empregada, de tal maneira que a iniciativa cabe unicamente ao autor da conduta criminosa, contribuindo o ofendido apenas com sua inércia.

e) Meios Específicos do Crime:

Para a substancialização da conduta, necessário se faz que o agente criminoso empregue um dos dois mecanismos esgotados na redação do artigo 213 do Estatuto Repressor Criminal, a saber: a violência ou a grave ameaça. A violência abarca tanto a espécie física como a moral. A denominada vis corporalis ou vis absoluta pressupõe o emprego de força material sobre a própria vítima, reduzindo-a à impossibilidade de resistir no ataque sexual. Insta destacar que a violência física praticada contra coisas ou terceira pessoa, todavia, não atua como substrato para configurar o crime.

Já a violência moral que se caracteriza pela ameaça, capaz de produzir tamanho temor que a leve a ceder. Segundo Damásio de Jesus (1999, pág. 97/98), é fundamental que se analise a ameaça levando em consideração o efeito por ela produzido na ofendida, capaz ou não de levá-la, pelo medo, a ceder. É imperioso que a ameaça seja grave, que o mal prometido seja idôneo para obter o efeito moral desejado, que o dano prometido seja considerável, de tal forma que a vítima, para evitar o sacrifício do bem ameaçado, ofereça sua própria honra, abdicando sob do seu direito de dispor do próprio corpo.

É crucial frisar ainda que a ameaça pode ser direta, quando exercida contra a própria vítima, ou indireta, quando dirigida a terceira pessoa, consistindo em mal prometido a pessoa ligada a vítima, fazendo com que esta ceda a fim de evitar a concretização de tal ameaça. É a hipóteses da mãe ou do pai que cede aos instintos do agente que lhe ameaça matar o filho. Urge trazer a campo que o mal ameaçado pode ser justo ou injusto.

O agente pode ter até dever de causar o mal, todavia, se utilizar de tal dever para viciar a vontade da vítima e obter-lhe os favores sexuais, praticará o crime de estupro. Calha como maciço exemplo ao que foi explanado, o policial que tendo, o dever legal de prender uma mulher ou um homem que encontre em flagrante delito, ao invés de fazê-lo, ameaça o agente de prisão, caso este não se entregue aos seus desejos.

f) Elemento Subjetivo do Tipo:

A conduta exaurida no artigo 213 exige para sua substancialização a intenção/ o animus do agente para perpetrar o ato criminoso, não se admitindo a modalidade culposa. Cabe elucidar o dolo como "a vontade consciente de praticar a conduta típica, compreendendo o desvalor que a conduta representa" (NUCCI, 2008, pág. 217)

g) Elemento Subjetivo do Tipo Específico:

O ponto em apreço está atrelado, precipuamente, a finalidade a que a conduta se destina, no caso doa artigo 213 evidenciam-se dois elementos subjetivos do tipo específico, quer sejam: satisfazer a luxúria/lascívia/libido do agente, quanto à perpetração do ato libidinoso ou ainda obter a conjunção carnal, satisfazendo a lascívia, mesmo que haja intuito vingativo ou outro qualquer na concretização da conjunção carnal, não deixa de satisfazer uma satisfação mórbida do prazer sexual(6).

h) Consumação e Tentativa:

No que tange a consumação do crime de estupro, em sua primeira parte: "Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal..." (7) , é necessário que o(a) agente tenha com a vítima conjunção carnal, exige-se a introdução completa ou incompleta do pênis na vagina. Neste caso, não se considera indispensável que haja a ejaculação ou o orgasmo para que esteja consumado a conduta exaurida no tipo criminal. "Caracteriza-se o crime independente da ocorrência de immissio seminis e do rompimento da membrana himenal" (MIRABETE, 2009, pág. 381).

Relativo à segunda parte do tipo em apreço: "Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, (...) ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso" (8), alcança-se a consumação quando a vítima pratica ou permita que com ela se pratique outro ato libidinoso, ato lascivo cuja finalidade é a satisfação do prazer sexual do autor. Por se tratar de crime material, permanece plenamente admissível a tentativa, vez que a fase executória, em todos os casos acima referidos, pode ser fracionada(9).

i) Classificação Doutrinária:

Arrimando-se nos ensinamento doutrinários, a nova capitulação dada ao artigo 213 reflete a conduta delituosa classificada da seguinte forma: I - Crime Comum: qualquer indivíduo, tanto homem como mulher, podem cometer a conduta prevista pelo legislador, não se exigindo nenhum aspecto especial ou qualificado para a perpetração do crime; II - Crime Material: o resultado naturalístico alcançado é o efetivo constrangimento da vítima à liberdade sexual sofrido pela vítima, com eventuais danos físicos e traumas de cunho psicológico; III - Crime Comissivo: é cometido frente a uma atitude positiva, por intermédio de uma ação do agente que perpetra o tipo penal esgotado no dispositivo; IV - Crime Instantâneo: a conduta criminosa se materializa como uma única conduta, não se protraindo no tempo o resultado decorrente do cometimento do ato criminoso; V - Crime Unissubjetivo: enquadra-se nessa seara, vez que pode ser praticado por tão-só uma única pessoa, seja este homem, seja este mulher; VI - Crime Plurissubsistente: exige-se vários atos, tipicamente componente de uma ação para se alcançar o resultado ambicionado pelo agente criminoso.


IV - Figuras Qualificadas do Artigo 213:

A Lei nº 12.015/2009 incluiu no artigo 213 duas modalidades qualificadas, revogando, em decorrência disso, expressamente o artigo 223, a fim de constituir, juntamente com o caput, o crime de estupro. A primeira figura é entalhada no parágrafo 1°., com a seguinte redação: "§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos"(10). Com relação ao resultado de lesão corporal de natureza grave, crime preterdoloso, e à pena cominada, o legislador manteve sem qualquer alteração. Vale salientar que se estabelece que a lesão corporal de natureza grave decorra da violência, ou seja, deve haver um nexo causal entre a força física empregada pelo agente e a lesão ocorrida.

Emerge como algo inovador a inclusão da circunstância de ser menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (quatorze) anos a vítima, podendo ser a ação cometida contra ela ser preterdolosa ou não. Cuida frisar que, sendo a vítima menor de 14 (quatorze) anos, a conduta encontrará descanso no artigo 217-A do Código Repressor Criminal.

A segunda modalidade qualificada está esculpida no parágrafo 2º, trazido à baila com o seguinte enunciado: "§ 2º Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos"(11). Ocorreu a majoração da pena máxima cominada ao agente delituoso, em outrora, essa modalidade encontrava previsão legal no artigo 223, parágrafo único (REVOGADO), possuindo como pena máxima 25 (vinte e cinco) anos. Aprouve ao legislador preservar a conduta já prevista no Estatuto Penal Pátrio, deslocando-a para compor, em conjunto com os demais dispositivos já estudados, o estupro.


V - Mudanças Relativas à Ação Penal:

De maneira já tradicional, a ação para processar o crime em estudo era de iniciativa privada, salvo quando materializada as situações descritas nos parágrafos 1º e 2º do artigo 225, bem como as qualificados presentes no artigo 223. Esta previsão tinha como corolário norteador a preservação da intimidade da vítima, que, devido a motivos de foro íntimo ou de preservação, tinha a faculdade de não querer levar, mediante querela, a agressão sofrida perante o Poder Judiciário, detendo, desta feita, o domínio acerca do destino da questão.

Entretanto, "a prática policial e forense demonstrava que tal norma deixava muitas vítimas desprotegidas, haja vista as possibilidades (mal usadas) de renúncia e de perdão do ofendido ou ainda de quem tem qualidade para representá-lo" (ARAÚJO, 2009). Posto isto, o legislador entendeu, dando nova redação ao artigo 225, que seria melhor tornar a regra o uso da ação penal pública condicionada à representação do ofendido, em qualquer das hipóteses do Capítulo I do Título VI. É bem oportuno trazer à tona a aplicabilidade da súmula n°. 608 do Supremo Tribunal Federal que salienta: No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação é pública incondicionada. Ante a introdução, pela Lei 12.015/2009, da ação pública condicionada como regra, não se justifica mais a subsistência da súmula, vez que não ocorrerá o receado desamparo das vítimas, pois o Ministério Público não poderá dispor da ação penal, exercendo renúncia ou retratação.

Outro interessante ponto a ser explicitado toca o artigo 234-B que fixa em suas linhas que os crimes definidos no Título VI, a exemplo do estupro, correrão sob a égide do segredo de justiça. Busca a norma, precipuamente, evitar o streptus fori ou sptreptus judici, isto é, o escândalo do processo. "Nada mais pertinente, uma vez que o processamento do crime sob análise muitas vezes expõe a vítima ao constrangimento na sociedade, sobretudo nas pequenas cidades do interior". (ARAÚJO, 2009).


CONCLUSÃO

Diante do que foi apresentado em todo o presente trabalho, vislumbra-se a necessidade da Ciência Jurídica conservar seu aspecto de mutabilidade, vez que isso permite uma maior consonância com as múltiplas carências apresentadas pela sociedade. Essas considerações encontram robusto sedimento nas inovações trazidas à baila pela Lei nº 12.015/2009, um marco no Direito Penal, destruindo uma sucessão de paradigmas, anacrônicos e obsoletos, insurgindo novos axiomas, responsáveis por orientar uma nova ótica. Punir com maior severidade os crimes de esculpidos no artigo 213 do Estatuto Penal Pátrio, é assegurar que cada indivíduo não seja reduzido a um amontoado de "carne de estupro", sendo obrigado a satisfazer os desejos mais primitivos e bestiais do ser humano que, valendo-se da força que possui ou de outros meios escusos, utiliza seus semelhantes para satisfazer seus impulsos sexuais. Igualmente a Lei nº 12.015/2009 trouxe como corolário a preservação da dignidade da pessoa, bem como respaldando seu direito a liberdade sexual.


Referências:

ARAÚJO, Tiago Lustosa Luna de. O(s) novo(s) crime(s) de estupro; Apontamento sobre as modificações implementadas pela Lei nº 12.015/2009. Disponível no site:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp? id=13307>. Acesso dia 18 de Agosto de 2009, às 06h02min.

Código Penal Brasileiro - Decreto-Lei N°. 2.848/1940. Disponível no site: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm>. Acesso dia 17 de Agosto de 2009, às 09h14min.

FERNANDES, Francisco; LUFT, Celso Pedro; GUIMARÃES, F. Marques. Dicionário Brasileiro Globo (53ª. edição). São Paulo: Ed. Globo S/A., 2000.

GAMA, Ricardo Rodrigues. Dicionário Básico Jurídico (1ª. Edição). Campinas: Editora Russel, 2006.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manoel de Mello. Minidicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2ª. Edição, rev. e aum.). Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2004.

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal - Parte Especial: Volume 03 (14ª edição, revista e atualizada). São Paulo; Editora Saraiva, 2009.

Lei n°. 12.015/2009. Disponível no site:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12015.htm>. Acesso dia 17 de Agosto de 2009, às 09h14min.

MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: Volume II - Parte Especial: arts. 121 a 234 do CP (26ª edição, revista e atualizada). São Paulo: Editora Atlas, 2009.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - Parte Penal e Parte Especial (4ª edição, revista, atualizada e ampliada - 2ª tiragem). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

POLITO, André Guilherme. Dicionário de Sinônimos e Antônimos. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2005.



Notas:

* Tauã Lima Verdan é bacharelando do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo/ES. [Voltar]

1 - Neste sentido, MIRABETE. Manual de Direito Penal - Volume II (2009, págs. 378 e 379). [Voltar]

2 - Mirabete (2009, pág. 384). [Voltar]

3 - Mirabete (2009, pág. 385). [Voltar]

4 - Site:<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm>. [Voltar]

5 - Site: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm>. [Voltar]

6 - Neste sentido Nucci, Manual de Direito Penal - Parte Geral e Especial (2008, pág. 785). [Voltar]

7 - Site: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm>. [Voltar]

8 - Site: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm>. [Voltar]

9 - Neste sentido Araújo (2009). [Voltar]

10 - Site: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm>. [Voltar]

11 - Site: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm>. [Voltar]

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1 Comentários

ellyane estudante09/12/2010 15:06 Responder

OTIMO TEXTO PARABENS, ME AJUDOU MUITO COM A MINHA MONOGRAFIA

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