HC. Extorsão. Prisão preventiva. Fundamentação. Inidoneidade. Fuga: avaliação, caso a caso.

Habeas corpus. Penal e processual penal. Extorsão. Prisão preventiva. Fundamentação. Inidoneidade. Fuga: avaliação, caso a caso

Fonte: Supremo Tribunal Federal - STF.

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Supremo Tribunal Federal - STF.

DJE nº 031 - Divulgação: 21/02/2008 - Publicação: 22/02/2008

Ementário nº 2308 - 4

SEGUNDA TURMA

HABEAS CORPUS Nº 91.971-5 - RIO DE JANEIRO

RELATOR: MIN. EROS GRAU

PACIENTE(S): ******************

IMPETRANTE(S): FERNANDO AUGUSTO FERNANDES

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. EXTORSÃO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. INIDONEIDADE. FUGA: AVALIAÇÃO, CASO A CASO.

1. Residência fora do distrito da culpa. Circunstância que não autoriza a prisão preventiva por conveniência da instrução criminal, especialmente porque o endereço do paciente é conhecido, o que viabiliza a expedição de carta precatória.

2. Prisão cautelar para garantia da ordem pública fundada no fato de o paciente ter tornado disponível sua conta-corrente para depósito de quantia resultante do crime de extorsão, advindo daí sua periculosidade.

3. Tese da defesa visando a demonstrar, com argumentos factíveis, que o presidiário acusado do crime de extorsão, ex-cliente do paciente, utilizou a conta-corrente deste para quitar dívida de honorários advocatícios, não para o recebimento do produto do crime.

4. Controversa a autoria, a segregação cautelar, arrimada na suposta periculosidade do paciente, mostra-se temerária.

5. Conveniência da instrução criminal, como forma de evitar ameaças às testemunhas. Ausência de base empírica.

6. Fuga como justificativa da prisão cautelar para garantia da aplicação da lei penal. Necessidade de avaliá-la, caso a caso, para concluir-se se a intenção do paciente é frustrar o cumprimento da pena ou impugnar prisão que considera injusta.

7. Ausente, no caso, demonstração de que o paciente pretende subtrair-se à aplicação da lei penal.

Ordem concedida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 4 de setembro de 2007.

EROS GRAU

Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO Eros Grau: Adoto como relatório a parte expositiva do parecer ministerial, da lavra do Subprocurador-Geral da República Mário José Gisi:

"Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de Grécio Silvestre de Castro, contra decisão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem do HC Nº 76.436 - RJ, em julgamento realizado no dia 26 de junho de 2007.

Relata o impetrante a existência de constrangimento ilegal decorrente da decisão proferida pela Corte Superior de Justiça que manteve o decreto de prisão preventiva expedido pelo Juízo da 38ª Vara Criminal da Comarca da Capital do Rio de Janeiro contra o paciente, pela simples menção do número de sua conta corrente ter sido fornecida por um presidiário para depósito de determinadas quantias que eram exigidas de terceiros por meio de telefonemas extorsivos.

Esclarece que o paciente comprovadamente exerceu o patronato do referido preso, ocasião em que forneceu o número de sua conta bancária para fins de pagamento de honorários advocatícios.

Aduz que o mandado de prisão baseou-se apenas nos requisitos abstratos do artigo 312 do Código de Processo Penal, ou seja, nas garantias da ordem pública e da aplicação da lei penal, e na conveniência da instrução criminal, sem qualquer fundamento concreto que justificasse a custódia cautelar.

Afirma que o fato do paciente não ter se apresentado à prisão não pode ser utilizado para justificar o constrangimento de uma segregação cautelar ilegalmente decretada.

Ressalta que, de igual sorte, não é argumento apto a motivar a prisão cautelar da liberdade do paciente, a circunstância de ter residência fora do distrito da culpa.

Nessa via, como seu anteparo, alega o princípio da inocência, da excepcionalidade da prisão processual e do devido processo penal, com base, respectivamente, no artigo 5º, inc. LVII, LXVI e LIV, todos da Constituição Federal.

Acrescenta que o paciente não registra antecedentes criminais, tem residência fixa e ocupação lícita, comprovada através da sua inscrição junto à ordem dos Advogados do Brasil nas Seccionais de Tocantins e de São Paulo, requerendo, por fim, liminarmente, a suspensão do decreto prisional até o julgamento do mérito do presente writ, e, no mérito, a revogação da prisão preventiva para garantir ao paciente o direito de defender-se em liberdade.

Medida liminar indeferida às fls. 190/192.

(...)

O parecer da PGR é pela denegação da ordem.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO Eros Grau (Relator): A acusação que pesa sobre o paciente, advogado de 75 anos de idade, é a de co-autoria nos crimes de formação de quadrilha e extorsão, porque teria tornado disponível sua conta-corrente para depósito do valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), cuja origem supostamente decorreria de extorsão feita por cliente que defendera em outro processo.

O impetrante sustenta que o simples fato do advogado ter fornecido sua conta para que seu cliente depositasse valores referentes a honorários advocatícios não é suficiente, por si só, para caracterizar co-autoria nos crimes descritos na denúncia.

A questão da inocência, ou não, nos crimes imputados ao paciente não é matéria a ser deslindada neste habeas corpus. Importa, na espécie, atermo-nos somente aos fundamentos de sua prisão preventiva. E para tanto, transcrevo o trecho da decisão em que o Juiz vislumbrou a necessidade do encarceramento cautelar do paciente:

"O outro requisito da providência reclamada - o periculum in mora emerge da natureza dos injustos em apuração. Dos vinte e um denunciados, nove integram o efetivo carcerário do Estado, o que parece que não foi suficiente para proteger a sociedade da sanha criminosa dos mesmos. Continuam a delinqüir, contanto com o valioso concurso de familiares e pessoas que estão em liberdade, para extorquir inúmeras vítimas - em sua grande maioria, indefesas -, em expediente ilícito que, como bem assinalado na d. promoção ministerial, vem causando intenso clamor social, mas não só nesta mas também em outras unidades da federadas - já sendo, inclusive, objeto de ampla divulgação pelos veículos de comunicação -, a comprometer seriamente a ordem pública e exigir pronta e enérgica resposta estatal. Não é preciso muito esforço para compreender que se trata de indivíduos da mais alta periculosidade - e não só os que estão presos. Urge, pois, trazer de volta a sensação de segurança à população ordeira, restabelecendo a credibilidade das instituições. Por outro lado, a conveniência da instrução criminal clama pela medida constritiva, pois, sendo a ameaça o meio utilizado para as extorsões, certamente não hesitariam os agentes em utilizá-lo para afastar vítimas e testemunhas, que não se sentiriam seguras para vir a juízo depor.

Por fim, com relação aos réus que não estão encarcerados, alguns residindo fora do distrito da culpa e todos sem comprovação de ocupação lícita -, a cautela é indispensável para assegurar a aplicação da lei penal." [Grifei os trechos concernentes à situação do paciente]

São três os fundamentos destacados para a prisão preventiva: garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e necessidade de assegurar a aplicação da lei penal.

Com relação à aplicação da lei penal o decreto prisional carece de fundamentação idônea a justificar a medida excepcional de cerceio à liberdade de locomoção. A circunstância de o paciente residir fora do distrito da culpa não justifica a prisão cautelar, sabendo-se que ele tem endereço certo e pode ser acionado em outro Estado da Federação por carta precatória. Além disso, a afirmação de que os réus não comprovaram ocupação lícita não vale, a toda evidência, para o paciente, que é, comprovadamente, advogado inscrito nas seccionais paulista e tocantinense da OAB, estando, pois, no pleno exercício de sua profissão.

O único fato que se poderia considerar concreto para justificar a prisão preventiva do paciente com fundamento na garantia da ordem pública é o que diz com a periculosidade dos indivíduos acusados de comporem a quadrilha, já que esta Corte não admite a segregação cautelar tendo por justificativas o clamor social e a credibilidade das instituições (cf. os HHCC ns. 80.719, Celso de Mello, DJ de 28/9/2001; 82.909, Marco Aurélio, DJ de 17/10/2003; 84.622, Eros Grau, DJ de 24/10/2004, e 87.041, Cezar Peluso, DJ de 24/11/206).

É certo que a controvérsia a propósito da autoria dos crimes imputados ao paciente há de ser dirimida no curso da ação penal. Não pode passar despercebido, contudo, que ele é comprovadamente primário, possui bons antecedentes, tem ocupação lícita e residência fixa. Essas circunstâncias, aliadas ao fato de a denúncia ter-lhe atribuído somente uma imputação, a de que teria tornado disponível o número de sua conta-corrente para o recebimento de depósito de quantia obtida por meio de extorsão, levam-me a considerar temerária a segregação cautelar com fundamento na suposta periculosidade do paciente.

É perfeitamente factível que o advogado forneça o número de sua conta para o recebimento de valores referentes aos seus honorários. Embora não estejamos examinando a ação penal, é plausível o argumento de que seu cliente quisesse quitar sua dívida com o dinheiro obtido ilicitamente, sem que o paciente disso tivesse conhecimento.

De toda sorte, o que interessa aqui é sabermos se a liberdade do paciente representa perigo à sociedade. Entendo que não. O decreto de prisão preventiva taxou todos os acusados de perigosos, sem, no entanto, e notadamente no que diz respeito ao paciente, declinar elementos empíricos justificadores da medida excepcional. O decreto peca, nesse ponto, pela generalidade.

A alusão a que o paciente ameaçaria testemunhas, atentando contra a instrução criminal, não encontra apoio em elementos concretos.

Finalmente, é da jurisprudência desta Corte que a fuga, por si só, não constitui fundamento idôneo para a decretação da prisão preventiva. É necessária a análise, caso a caso, para chegar se à conclusão de que o paciente pretende subtrair-se ao cumprimento de eventual condenação ou se foge para não se submeter a uma prisão que considera injusta (cf. os HHCC ns. 85.453, Eros Grau, DJ de 17/05/2005, e 89.501, Celso de Mello, DJ de 12/12/2006, e o RHC nº 86.833, Sepúlveda Pertence). Tenho que, no caso concreto, não é razoável nem exigível que o paciente se submeta primeiro à prisão, considerada injusta, para depois impugná-la.

Concedo a ordem para cassar a decisão que decretou a prisão preventiva do paciente.

EXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS Nº 91.971-5

PROCED.: RIO DE JANEIRO

RELATOR: MIN. EROS GRAU PACTE.(S): GRÉCIO SILVESTRE DE CASTRO

IMPTE.(S): FERNANDO AUGUSTO FERNANDES

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Falou, pelo paciente, o Dr. Fernando Augusto Fernandes. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes. 2ª Turma, 04.09.2007.

Presidência do Senhor Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Senhores Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Gilmar Mendes.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega.

Carlos Alberto Cantanhede
Coordenador

Palavras-chave: Extorsão

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