Firma panamenha Mossack pagava comissões a advogados brasileiros em troca de clientes

Um entre cada seis empresas que lidavam diretamente com a empresa panamenha para tratar de clientes brasileiros entre 2003 e 2015 eram escritórios de advocacia ou consultorias tributárias.

Fonte: Estadão

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Os principais alvos da firma panamenha de offshores Mossack Fonseca no Brasil eram os escritórios de advocacia. Pesquisa nos documentos do Panama Papers revela que um entre cada seis empresas que lidavam diretamente com a Mossack para tratar de clientes brasileiros entre 2003 e 2015 eram escritórios de advocacia ou consultorias tributárias. Essas empresas são tão essenciais na estratégia comercial da MF para captar brasileiros interessados em abrir offshores em paraísos fiscais que, em contrapartida, recebiam até honorários para cada contrato assinado.


Há vários motivos pelos quais escritórios de advocacia oferecem a abertura de offshores para seus clientes. O principal deles é para economizar dinheiro, pagando menos impostos - o que nem sempre é ilegal. Recursos colocados em paraísos fiscais muitas vezes não estão sujeitos a impostos locais, e por isso esses países podem ser uma opção interessante para sediar empresas que trabalham com comércio exterior, por exemplo. Além disso, outra operação comum é a transmissão de patrimônio e herança - pais podem transferir bens aos seus filhos caso eles sejam sócios ou beneficiários de uma mesma offshore sem ter que pagar imposto algum em países como as Ilhas Virgens Britânicas, por exemplo. É o que se chama, no jargão do Direito, de planejamento tributário e sucessório.


Nem sempre há motivo para esconder o nome dos proprietários da empresa a ser criada. Mas a ocultação do verdadeiro dono das empresas é um serviço oficial oferecido pela Mossack e que atrai muita gente interessada em não aparecer nos registros. Por apenas cerca de US$ 200 a mais, um possível cliente não precisa se preocupar em colocar seu nome ou de qualquer conhecido no quadro de diretores da empresa - são funcionários da MF que fazem esse papel. Eles também podem aparecer até como proprietários das ações da empresa, caso se pague mais uma taxa extra. O verdadeiro dono, assim, não seria dono nem diretor da offshore no papel. Mas ele certamente teria uma procuração em nome da empresa para decidir qualquer coisa, como a abertura de uma conta bancária ou a destituição de qualquer um dos diretores ou acionistas de fachada providenciados pela Mossack.


Abrir offshores nesses moldes é algo corriqueiro nos escritórios especializados em "asset protection", e pode ser perfeitamente legal. Uma empresa interessada em atuar em outro país pode querer entrar no novo mercado sem abrir todas as cartas e se identificar logo de cara para os seus concorrentes. Mas essa possibilidade também dá ensejo para usos menos nobres. Há, aí, desde o milionário querendo esconder parte do seu dinheiro para protegê-lo de um futuro divórcio ou processos na Justiça até gente sonegando impostos, ocultando patrimônio ou mesmo criando empresas em nomes de laranjas para driblar sanções internacionais.


Impostos


No caso brasileiro, a maior parte dos escritórios de advocacia que apresentaram clientes para a Mossack interessados em abrir companhias offshore são especializados na área de planejamento tributário. Nos registros da firma panamenha, foram identificados pelo menos 1.284 offshores abertas por meio da sua filial brasileira (no total, mais de 210 mil empresas estão documentadas no Panama Papers). Escritórios de advocacia do País fizeram o trabalho de intermediação em ao menos 197 dessas offshores.


A companhia panamenha guardava registro das bancas com as quais mantinha relação. Entre os escritórios ativos que mais lhes apresentaram clientes estão A. D., responsável por 43 companhias, G. D., por 39, M. e A. A., por 30, e Z. e S. A. A., por 17. “Há clientes que demonstram interesse em constituir empresas no exterior, no que não atuo. Nesses casos, encaminho-os simplesmente a escritórios especializados, dentre os quais Mossack Fonseca. Com essas apresentações, encerrava minha participação. Agia como se fora um corretor de imóveis, apresentando comprador ao vendedor, recebendo comissão, no caso de honorários", explica a advogada G. D.. Os outros três escritórios mencionados acima foram procurados pela reportagem, mas não se pronunciaram.


Para chegar aos seu público-alvo, a MF realiza diversas reuniões de prospecção de novos parceiros para vender o seu produto. Os escritórios de advocacia são o foco desses esforços, por causa do seu potencial como intermediador de novos contratos. Desde 2003 até a visita da Polícia Federal no começo deste ano que devassou a filial nacional por suspeita de envolvimento no escândalo de corrupção da Petrobrás, funcionários do escritório da Mossack Fonseca no Brasil registraram 643 visitas de prospecção de clientes brasileiros. Uma a cada quatro foi para escritórios de advocacia.


Além dos clientes ativos, há registros de 155 escritórios que foram procurados pela Mossack Fonseca, embora não tivessem mantido nenhuma relação. Esses escritórios constam nos bancos de dados como clientes prospectados. Entre eles, encontram-se grandes escritórios do Brasil, como o “P. N. A.”, “M. F., V. F., M. J. e Q. A.”, e “B., M. & A.”. A reportagem procurou todos para que pudessem comentar sua relação com a empresa panamenha. O P. N. confirmou que recebeu representante da Mossack em agosto do ano passado, para que a empresa pudesse apresentar seu portfólio de serviços, mas que a reunião foi corriqueira e que não resultou em qualquer tipo de cooperação ou relacionamento profissional. O M. F. afirmou que não tem registro da reunião e que a MF não é seu cliente. Os outros não se pronunciaram.


O ano recorde de prospecção de escritórios de advocacia foi em 2003 e 2004, mas a atuação da Mossack Fonseca continuou sem pausas e em ritmo intenso ao longo de toda a última década.  Como indicam os documentos, o“modus operandi da MF consistia primeiro em visitar e fazer reuniões com possíveis parceiros. Nessa fase, são apresentados os serviços de abertura de offshores. São mostradas também as opções de lugares para abertura: Nevada, Ilhas Virgens Britânicas, Seychelles, entre outras. Cada jurisdição proporciona diferenças entre impostos ou de confidencialidade de dados. Além disso, a Mossack Fonseca também cobra taxas diferenciadas para cada. A aquisição de uma empresa no Panamá, em 2010, por exemplo poderia custar US$ 2500, enquanto uma equivalente em Nevada, US$ 2900 dólares.


Há também variedade nos serviços a serem escolhidos. O cliente pode escolher pelo pacote mais simples - ou seja, paga apenas pelo serviço de "despachante" para que a MF abra a empresa no local desejado - ou podem ir atrás de produtos mais complexos. Além do uso de diretores ou proprietários de fachadas, há a opção também de se comprar o que se chama de "empresa de prateleira" - uma offshore já criada há mais tempo (e talvez já usada por outro cliente) que ajuda ainda mais a ocultar a finalidade real do negócio. Uma empresa do tipo em Seychelles, um arquipelágo paradisíaco de 150 ilhas localizado no Oceano Índico, tinha preço promocional de US$ 1 mil em 2007, conforme indica e-mails dos Panama Papers. Criada a empresa, os clientes passavam a pagar anuidade para a manutenção da conta, que pode custar entre US$ 1000 e 2500 dólares, dependendo da jurisdição.


Os relatórios de reuniões dos representantes locais da MF com os escritórios de advocacia são detalhados. Um deles relata a visita de uma agente da Mossack ao escritório do advogado C. A. M., que, nas palavras da funcionária,é responsável por um escritório que presta assessoria na área empresarial e que é primo do deputado federal P. M. (PP-SP). Em seguida, ela comenta sobre os serviços de abertura de offshores - "o cliente se interessou bastante" - e entrega uma tabela de preços, com o valor de abertura para Panamá, Bahamas, Niue e Seychelles.


Segundo o relatório, o cliente afirmou já trabalhar com sociedades no Uruguai, país que na sua opinião era "muito seguro, com relação à abertura de informações confidenciais" e que já teve sérios problemas com jurisdições como Luxemburgo e Seychelles pois "todas as informações sigilosas foram abertas para investigações". A visita termina com um presente: a agente deixa um abridor de cartas e diz estimar em 100% a chance do cliente se tornar ativo.  Pelos registros da MF, entretanto, o negócio não veio a se concretizar. "Devo dizer que fui procurado algumas vezes pela Mossack Fonseca, mas nunca fiz nenhum negócio com eles nem com empresas correlatas", afirmou, por e-mail, C. M..

Palavras-chave: Offshores Paraísos Fiscais Comissões Escritórios de Advocacia Consultorias Tributárias

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